Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02304/21.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/17/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:UNIVERSIDADE DO PORTO; APLICAÇÃO DA SANÇÃO DISCIPLINAR DE DESPEDIMENTO;
ARGUIÇÃO DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE INSTAURAR O PROCEDIMENTO DISCIPLINAR;
AUSÊNCIA DESSE ELEMENTO NO CASO POSTO; NÃO VERIFICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO; PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS;
INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE INSTAURAR O PROCEDIMENTO DISCIPLINAR A PARTIR DO CONHECIMENTO DA INFRAÇÃO POR PARTE DOS SUPERIORES HIERÁRQUICOS QUE DETÊM COMPETÊNCIA PARA EXERCER O PODER DISCIPLINAR;
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
Nos presentes autos em que é Autora «AA» e Ré a Universidade ..., ambas neles melhor identificadas, foi proferido, na parte que ora releva, o seguinte Despacho:
No seu petitório, e como vício do acto impugnado, especificamente, da decisão proferida pela Ré a 26/10/2020, que aplicou à Autora a sanção disciplinar de despedimento, veio esta arguir a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar. Alega para o efeito, e em suma, que a Ré tomou conhecimento dos factos imputados à Autora por via da notificação da acusação proferida no âmbito do processo que correu termos sob o nº 693/15...., o que ocorreu a 24/12/2018. Argui ter sido ultrapassado o prazo de 60 dias previsto no nº 2 do artigo 178º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (doravante abreviadamente LTFP), porquanto apenas foi instaurado o correspondente processo disciplinar a 25/03/2019. Pugna, assim, pela ilicitude do seu despedimento.
Na sua contestação, veio a Ré defender-se por impugnação. Começa por alegar que a notificação da acusação, operada no âmbito do processo 693/15...., tinha por finalidade informar o Magnífico Reitor, na pessoa de «BB», na qualidade de assistente. Sublinha que no ano de 2018 houve eleições, tendo sido eleito como Reitor, a 27/04/2018, o Senhor Professor Doutor «CC», o qual tomou posse a 27/06/2018. Argumenta que não se podia considerar a Ré legalmente notificada da acusação na pessoa do Senhor Professor Doutor «BB», porquanto este já não detinha competência para representar a Ré em juízo. Concluí, assim, que não estando esta regularmente notificada da dedução da acusação, não se iniciou o prazo previsto no artigo 178º, nº 2, da LTFP. Sem prescindir, alega ainda que tal prazo apenas podia iniciar-se depois da notificação da marcação da audiência de julgamento, uma vez que até tal momento a acusação poderia vir a ser modificada. Considera, assim, que o referido prazo apenas se iniciou a 19/02/2019, aquando da notificação da Ré para tal julgamento. Por fim, e ainda sem prescindir, invoca que a arguida se presume inocente até à prolação de decisão final transitada em julgado, pelo que a Ré apenas poderia tramitar o processo disciplinar com o trânsito em julgado de tal decisão condenatória. Pugna, a final, pela improcedência da invocada prescrição.
Em sede de réplica, veio a Autora reiterar os argumentos já aduzidos em sede de petitório. Cumpre apreciar e decidir.
*
Com pertinência para a apreciação da presente questão, resulta provada a seguinte factualidade:
A) A Autora exercia funções junto da Ré, especificamente, da Faculdade de Medicina Dentária, detendo a categoria de assistente administrativa especialista, com vínculo de nomeação, desde 22/01/2004 (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 1);
B) A 18/12/2018, a Procuradoria da República da Comarca do Porto enviou uma missiva a «BB», como legal representante da Ré, e para a sede desta, do teor da acusação deduzida contra a Autora, que aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 6 e fls. 4 e seguintes do PA);
C) Na missiva referida no ponto anterior, o Ministério Público informava ainda a Ré que, na qualidade de assistente, dispunha do prazo de vinte dias para requerer, querendo, a abertura da instrução, deduzir pedido de indemnização civil, ou, no prazo de dez dias, deduzir acusação particular (cf. idem);
D) O depósito da missiva identificada em B) foi assinada por colaboradores da Ré a 19/12/2018 (cf. idem);
E) Também a 18/12/2018, a dedução da acusação contra a Autora pelo Ministério Público foi comunicada ao mandatário judicial da Ré (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 7);
F) A 25/03/2019, o Director dos Serviços Partilhados da Universidade ... proferiu despacho a determinar a instauração de processo disciplinar à Autora (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 9);
G) A 04/04/2019, em sede de audiência de discussão e julgamento criminal, no processo 693/15...., foi ouvido «BB», na qualidade de legal representante da Ré, porquanto assim foi arrolado (cf. fls. 51 e seguintes do PA);
H) A 26/10/2020, pelo Reitor da Ré foi proferido despacho a aplicar a sanção disciplinar de despedimento à Autora, despacho esse que se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 11).
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Vejamos.
Aquando da prolação da decisão ora impugnada, vigorava já a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho (doravante LTFP). O artigo 178º desta lei dispunha, no que à prescrição diz respeito, o seguinte:
“1 - A infracção disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respectiva prática, salvo quando consubstancie também infracção penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos.
2 - O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infracção por qualquer superior hierárquico.
3 – (...).
4 – (...).
5 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final.
6 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão ou de apreciação judicial de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.
7 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.”
Determina ainda o artigo 179º, no que concerne aos efeitos da pronúncia e condenação em processo penal, o seguinte:
“1 - Quando o agente de um crime cujo julgamento seja da competência do tribunal de júri ou do tribunal colectivo seja um trabalhador em funções públicas, a secretaria do tribunal por onde corra o processo, no prazo de 24 horas sobre o trânsito em julgado do despacho de pronúncia ou equivalente, entrega, por termo nos autos, cópia de tal despacho ao Ministério Público, a fim de que este a remeta ao órgão ou serviço em que o trabalhador desempenha funções.
2 - Quando um trabalhador em funções públicas seja condenado pela prática de crime, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no número anterior.
3 - A condenação em processo penal não prejudica o exercício da acção disciplinar quando a infracção penal constitua também infracção disciplinar.
4 - Quando os factos praticados pelo trabalhador sejam passíveis de ser considerados infracção penal, dá-se obrigatoriamente notícia deles ao Ministério Público competente para promover o procedimento criminal, nos termos do artigo 242.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, na redacção actual.”
Comece por se afirmar que os transcritos preceitos contêm ínsitos três distintos prazos prescricionais, quais sejam: o prazo de prescrição da própria infracção disciplinar, que em ambos os regimes é de um ano sobre a sua prática; o prazo de prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar, prazo esse que era de 30 dias no âmbito do EDTFP e de 60 dias na actual LTFP; e o prazo de prescrição do próprio procedimento disciplinar, que ambos os regimes é de 18 meses após a respectiva instauração.
Recorde-se que o estabelecimento de prazos prescricionais se destina a combater a inércia do sujeito a quem assiste certo direito, em prol da certeza e segurança jurídica.
Assim, e no que concerne à arguida prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar, comece por se afirmar que, contrariamente ao alegado pela Ré na sua contestação, e não obstante já não ser o indicado «BB» o Reitor em exercício de funções, a verdade é que foi a missiva remetida pelo Ministério Público dirigida ao “legal representante” da Ré e para a sede desta.
Recorde-se que se está aqui perante a notificação de uma pessoa colectiva, que opera quando dirigida ao seu legal representante, independentemente da pessoa individual que, naquele momento, ocupe tal cargo, e para a respectiva morada, o que in casu sucedeu.
Mais se sublinhe que não provou a Ré, ou sequer alegou, que tenha comunicado aos autos criminais a alteração do seu legal representante, quando era a si a quem competia tal obrigação.
Por fim, mas não de somenos importância, a pessoa individual identificada na notificação datada de 18/12/2018 foi ouvida, já em 2019, e nos autos de processo penal, ainda como legal representante da Ré, sem que tenha ocorrido qualquer alteração à estrutura organizacional. Ora, não pode vir agora a Ré arguir que, em momento anterior, não podia o referido Prof. «BB» actuar como seu legal representante ou, pelo menos, que não lhe incumbisse o dever de entregar a missiva a quem de direito.
Isto posto, não se oferecem dúvidas a este Tribunal que a notificação da acusação à Ré, datada de 18/12/2018, operou, e se considerou perfeita a 24/12/2018, atento o previsto no artigo 113º do Código do Processo Penal (doravante CPP).
Tampouco assiste razão à Ré quando alega que o prazo previsto no nº 2 do artigo 178º da LTFP apenas poderia iniciar-se com a notificação da data para a realização da audiência de julgamento, uma vez que só nessa data é que seriam insusceptíveis de serem alterados os factos descritos na acusação.
Tal argumentação não colhe, porquanto, caso assim fosse, impor-se-ia às entidades públicas administrativas que aguardassem o trânsito em julgado das decisões penais para poder instaurar qualquer procedimento disciplinar, atento o princípio da presunção da inocência, algo que manifestamente não sucede.

Conforme já teve o Supremo Tribunal Administrativo ocasião de se pronunciar, no seu Acórdão de 07/05/2020, P. 23/19.... (disponível em www.dgsi.pt):
“(...) Uma acusação em processo penal tem de ser tida como corporizadora da base factual suficiente para poder formar-se um juízo acerca da ocorrência de uma infracção disciplinar, com a consequente decisão de abertura do competente processo. O que implica, só por si, e fora raras excepções, a desnecessidade da abertura de um prévio inquérito disciplinar, e nomeadamente do aqui instaurado em 05/02/2018. No caso sub judice, a circunstância de não ter sido inquirido no inquérito o Sr. B............ nem qualquer outro alegado interveniente no episódio por aquele relatado, bastando-se o decisor administrativo com os depoimentos prestados no processo criminal, é prova da referida desnecessidade. Por isso, embora se admita a margem de liberdade de decisão da entidade com competência disciplinar para abrir ou não o processo de inquérito, optando ou não pela imediata abertura do processo disciplinar, no caso configurado em juízo, não se encontravam preenchidos os pressupostos previstos no âmbito da referida norma (artigo 211.º do EMP), que são de controlo vinculado. A decisão de abertura de processo de inquérito ou de processo disciplinar não é inteira ou totalmente livre, antes impondo uma justificação como seja o do interesse na averiguação de factos que não se compadecem com o arrastar no tempo do procedimento disciplinar. (...) Na verdade, a mera existência de acusação e pronúncia em processo criminal afecta, por si só, a honra e o bom-nome do visado, não tendo a instauração de um processo disciplinar, para mais de natureza secreta, a virtualidade de agravar a situação. Instaurar um processo disciplinar não é ainda uma condenação e não está a um nível mais gravoso do que uma acusação crime. Em suma, os elementos conhecidos em 05/02/2018 não foram meras imputações vagas e abstractas ou simples suspeitas da prática de comportamentos censuráveis, mas antes peças acusatórias/incriminatórias, proferidas em processo criminal, nas quais estão descritos todos os factos imputados ao aqui recorrido, incluindo o circunstancialismo que os rodeia, com a respectiva subsunção a um tipo de ilícito penal, que habilita o decisor a formar um juízo fundado de que tal materialidade também integra uma infracção disciplinar. (...) O que não contende com a autonomia da jurisdição disciplinar prevista no art. 165.º, n.º 1, do EMP já que a mesma se caracteriza, no essencial, pela coexistência de espaços valorativos e sancionatórios próprios, tendo em conta a diversidade dos interesses específicos a que se dirige cada um daqueles procedimentos sancionatórios (neste sentido ver como exemplos os Acs. do STA de 06/12/2005 (Pleno) - Proc. n.º 042203 e de 07/01/2009 - Proc. n.º 0223/08). Quanto ao argumento de se visar evitar o risco de contradições entre a decisão disciplinar e a sentença criminal, bastaria determinar a suspensão do procedimento disciplinar até prolação da definitiva decisão penal no processo criminal pendente, por se entender que a questão a decidir em sede disciplinar dependia da análise e/ou de decisão da competência da jurisdição penal, face ao n.º do art. 178.º da L FP. m suma, não resulta dos autos que seja indispensável ou necessário averiguar se certo comportamento é ou não subsumível a determinada previsão jurídico-disciplinar assim como as circunstâncias da sua prática para que a instauração de inquérito disciplinar justificasse a suspensão do prazo de prescrição com a instauração de inquérito disciplinar. Pelo que, subscrevemos a decisão recorrida quando diz que era possível e exigível à aqui recorrente enquadrar os factos reportados como infracção disciplinar logo que foi conhecida a acusação pública e pronúncia proferidas no NUIPC ........., pelo menos em 05.02.2018, não havendo justificação para instaurar inquérito. que esta data corresponde ao dies a quo para a contagem do prazo de 60 dias previsto no nº 2 do art. 178º da LTFP. Neste mesmo sentido se decidiu no acórdão do Pleno desta secção Proc. 02012/18.9BALSB de 07/04/2019, a propósito da mesma situação, mas no processo cautelar. «35. Por outro lado, temos que com o conhecimento da certidão contendo a cópia da acusação deduzida contra o requerente cautelar e da decisão instrutória de pronúncia do mesmo proferidas no processo-crime em referência, ocorrido pelo menos em 05.02.2018 por parte do Vice-Procurador-Geral, actuando em «substituição» da «PGR» no quadro do regime legal aludido, o mesmo passou a dispor do conhecimento não apenas da materialidade dos factos e do respectivo circunstancialismo que os rodeou, mas, também, da sua carga presumível de ilicitude, conhecimento esse que o habilitava, desde logo, à emissão de um juízo normativo fundado de que factos eram susceptíveis de integrar uma infracção disciplinar, irrelevando, nesse e para esse contexto, os elementos que vieram a ser colhidos no inquérito e mesmo o apelo aos princípios convocados, cientes de que para o preenchimento da previsão do n.º 2 do art. 178.º da LTFP não era, nem se mostra necessária, a existência de uma decisão penal condenatória do magistrado do MP, aqui ora recorrido, tanto mais que o próprio legislador, para efeitos da suspensão de funções do mesmo magistrado prevista no art. 152.º do EMP, se basta com a simples e mera notificação do despacho que designou dia para julgamento relativamente a acusação contra o mesmo deduzida por crime doloso, fazendo radicar nesses actos [acusação penal e despacho judicial que a recebeu, designando julgamento] a base idónea suficiente e bastante para, ope legis, determinar ou impor a suspensão de funções.» (...)”
Sublinhe-se que bastará o mero conhecimento da acusação, e nos moldes em que foi a mesma deduzida no caso ora em apreço, para que possa a Ré aquilatar de concretos factos, e dos respectivos modos, tempo e lugar para aferir da ocorrência de uma infracção disciplinar, com a consequente instauração do processo disciplinar.
Mais se note que a menção constante do nº 1 do artigo 179º da LTFP resulta de um mero anacronismo legal. Efectivamente, trata-se de um mero decalque da norma equivalente constante do Estatuto Disciplinar da Função Pública, aprovado em 1984, altura na qual ainda vigorava o Código de Processo Penal de 1929. Ora, segundo o artigo 70º deste diploma legal, o processo penal era secreto até à emissão do “despacho de instrução ou equivalente”. Tratava-se de um despacho obrigatório, que não com a actual natureza facultativa, só assim se compreendendo a redacção legal constante daquela norma da LTFP, e que deve ser lida de forma actualista (neste sentido, Raquel Carvalho, Comentário ao regime Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas, Universidade Católica Editora, Lisboa, 3ª Ed., 2022, pág. 175 e seguintes, e doutrina aí citada).
Assim, sendo o dies a quo o de 25/12/2018 e atenta a forma de contagem do prazo de 60 dias previsto no nº 2 do artigo 178º da LTFP, prevista no artigo 3º da lei que aprovou este diploma legal, conclui este Tribunal que aquele findou a 21/03/2019.
Uma vez que o processo apenas foi instaurado a 25/03/2019, impõe-se a este Tribunal concluir pela prescrição do direito a instaurar o processo disciplinar, o que desde já se declara.
Conclui-se, assim, pela anulabilidade do acto impugnado, atento verificado vício de violação de lei.
Deste vem interposto recurso.

Alegando, a Ré formulou as seguintes conclusões:


O despacho saneador recorrido parte da premissa errada de que tendo (quem já não era) o legal representante da Ré (independentemente da pessoa singular que o representa) sido notificado por Ofício da Procuradoria da República da Comarca do Porto datado de 18/12/2018 da Acusação deduzida contra a Autora,

Iniciou-se o prazo dos 60 dias para instaurar o processo disciplinar, descurando de saber quem era o órgão ou a pessoa com competência para exercer a ação disciplinar sobre a A..
A douta decisão sob recurso desconsidera que a pessoa notificada da acusação deduzida pelo Ministério Público não era legal representante da R., não tinha poderes para a representar e não tinha poderes para exercer a ação disciplinar (como aliás não tinha o Sr. Reitor, como adiante se demonstrará), pelo que, ao contrário do decidido pela “Mm.ª Juiz a quo” o prazo de prescrição não se podia ter iniciado com a receção da acusação nas instalações da R. pelo Sr. Professor Doutor «BB».
Efetivamente,
No ano de 2018 houve eleições para o cargo de Reitor da Universidade ..., tendo sido eleito como Reitor o Senhor Professor Doutor «CC», a 27 de abril de 2018,
O qual tomou posse em 27 de junho de 2018 (publicado em Diário da República), muito tempo antes de se supor a dedução da Acusação pelo Ministério Público,
(Vide docs. nºs ... e ... juntos com a Contestação da Ré),
Pelo que,
Não se poderia considerar a Ré legalmente notificada da Acusação na pessoa do Senhor Professor Doutor «BB», uma vez que o mesmo já não detinha competência para representar a Ré em juízo ou fora dele. Como também não tinha (tal como o Sr. Reitor em funções) o poder de exercer a ação disciplinar sobre a A. ou sobre qualquer outro trabalhador.
O Sr. Professor «BB» não era o Reitor da Universidade ... desde 26 de junho de 2018,
À data de 18-12-2018 (data da notificação da Procuradoria da Comarca do Porto) o poder do exercício da ação disciplinar já havia sido delegado por Despacho nº 8220/2018 (publicado em Diário da República, Despacho n.º 8220/2018, DR II Série, n.º 160 (2018/08/21) do Senhor Reitor (Professor Doutor «CC») da Universidade ... no Diretor do Centro de Recursos e Serviços Comuns da Universidade ... (em consonância, aliás, com os Estatutos do Cento de Recursos e Serviços Comuns da Universidade ... e com as competências do Diretor previstas no seu artigo 9º, nº2, alínea d)), na pessoa do Sr. Dr. «DD».
(CFr. despacho proferido no Procedimento Disciplinar junto aos autos a fls... e se dá por integralmente reproduzido).
Efectivamente,
9.º
Olvida-se ainda a Mmª. Julgadora que o Senhor Reitor da Universidade ... não é sequer o superior hierárquico da Autora com competência para o exercício da ação disciplinar, em virtude de ter delegado esse poder no Diretor do CRSCUP.
Ou seja,
10.º
Conforme resulta dos estatutos da Universidade ... e dos estatutos do Centro de Recursos e Serviços Comuns da Universidade ... - doravante designado por CRSCUP - (ambos publicados em Diário da República e consequentemente do conhecimento público), a delegação de poderes para o exercício da ação disciplinar importa que apenas o Diretor dos CRSCUP possa ordenar a instauração do processo disciplinar, à data o Sr. Dr. «DD».
11.º
Nos termos do artigo 38º, n.3 dos Estatutos da Universidade ..., publicados no Diário da República, 2ª Série, nº 100 de 25 de maio de 2015, páginas 13286 e seguintes, (refletindo o artigo 92º, nº1, alíneas m) e u) e nºs 4 e 5 do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior), por Despacho nº 8220/2018 datado de 11 de julho de 2018 e publicado em Diário da República, 24 série – nº 160 (página 23333) de 21 de agosto de 2018 (em momento anterior à dedução da Acusação pelo Ministério Público à trabalhadora «AA»),
(Cfr. - Estatutos da ... – apesar de publicados em D.R. e de acesso público, por uma questão de facilidade se juntam como doc. ... e que aqui se dão como integrado para todos os efeitos legais).
12.º
O Sr. Reitor Delegou (conforme consta do processo disciplinar junto aos autos) no Diretor do Centro de Recursos e Serviços Comuns da Universidade ... (Serviço autónomo da Universidade ..., nos termos do artigo 18º dos Estatutos da ...), na pessoa do Sr. Dr. «DD», os poderes necessários (entre outros) para, no âmbito da entidade que dirige:
“1.1 - Exercer o poder disciplinar sobre os trabalhadores, nomeadamente determinar a instauração de processos disciplinares, de inquérito e de sindicância ou de averiguações e nomear, para o efeito, o respetivo instrutor e eventualmente secretário.
1.2. - ...
2 - ...
3 – O presente despacho produz efeitos desde a data da sua assinatura, sendo divulgado, para além da publicação no Diário da República(...)”.
(Cfr. Despacho de Delegação de Competências do Sr. Reitor no Diretor ao Diretor do CRSCUP publicado na II série do DR e que por uma questão de facilidade se junta como doc. ... se dá como integrado para todos os efeitos legais)
Ora,
13.º
Estando a Autora, «EE» a trabalhar nos serviços da Reitoria da Universidade ... e encontrando-se afeta ao Centro de Recursos e Serviços Comuns da Universidade ...,
14.º
Só o seu superior hierárquico, isto é, o seu Diretor, Sr. Dr. «DD», após tomar conhecimento da Acusação deduzida pelo Ministério Público e, na opinião da R., do trânsito da mesma, poderia exercer a ação disciplinar sobre a referida trabalhadora (porque detinha a competência autorizada para o efeito).
15.º
Não se olvide que os CRSCUP é uma unidade orgânica autónoma (tal como as Faculdades que integram a Universidade ...) e consequentemente com a autonomia, face à delegação de competência, exclusiva, para iniciar o procedimento disciplinar.
16.º
Conforme resulta da deliberação que determina a instauração do processo disciplinar, tomada pelo Diretor do CRSCUP, o Dr. «DD», constante do processo disciplinar de fls...
17.º
Não consta dos autos ou da decisão de que se recorre que o Diretor dos CRSCUP tenha sido notificado em 18 de dezembro de 2018 da acusação deduzida pelo Magistrado do Ministério Público ou sequer que tenha tido conhecimento da mesma.
Ora,
18.º
De acordo com o disposto nos artigos 176º e 196.º da LGTFP apenas após o conhecimento do superior hierárquico com competência para instaurar um processo disciplinar é que poderia começar a correr o prazo de prescrição do procedimento disciplinar.
19.º
O Professor Doutor «BB» não era superior hierárquico, a própria Universidade ... enquanto órgão também não o era, pois a competência cabia em exclusivo ao diretor da unidade orgânica à qual a A. estava afecta.
Assim,
20.º
Não se verifica a prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar pela Ré Universidade ..., porquanto o mesmo foi proferido dentro do prazo dos 60 dias úteis após o conhecimento da Acusação e da data designada para a audiência de julgamento (reencaminhada) por parte superior hierárquico da Autora com poderes (delegados) para poder exercer o poder disciplinar e consequente ação disciplinar,
(Nesse sentido, confronte-se o Acórdão do TCAS de 14/05/2020, proferido no âmbito do Processo Nº 779/19.6BEBJA, e o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do Processo nº 1504/13.0BELSB)
21º
Veja-se ainda parte da fundamentação da decisão proferida pelo STJ, em 28-01-2021, processo 45/19.7YFLSB, que considera que o prazo de prescrição apenas se inicia com o conhecimento por parte do órgão com poderes para iniciar o processo disciplinar:
“Por último, tal conhecimento da infração tem que ser reportado ao órgão colegial deliberativo competente para instaurar o procedimento disciplinar.
Procedendo, então, às adaptações do regime legal vindo de citar e que são exigidas pela especificidade do contexto funcional da magistratura judicial, o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar a que se refere o n.° 2 do artigo 178° da LGTFP apenas se pode contar a partir do momento em que o Plenário ou o Conselho Permanente, por intermédio de deliberação, formularem um juízo fundado sobre a relevância jurídico-disciplinar da materialidade fáctica.
Com efeito, só tem sentido e cabimento sancionar a inação do CSM se a infração for conhecida pelo órgão colegial deliberativo ao qual, internamente, compete instaurar a respetiva ação disciplinar.
Se assim não fosse, relevar-se-ia a inércia do CSM como se fosse um todo indivisível, o que não é compaginável quer com as citadas disposições estatuárias de repartição interna da competência, quer, principalmente, com o interesse público que subjaz ao exercício do poder disciplinar.
[Neste sentido: cf., por todos, acórdão STJ/Secção do Contencioso de 5.07.2012 (proferido no Proc. n.º 5/12.9YFLSB); acórdão STJ/Secção do Contencioso de 8.05.2013 (proferido no Proc. n.º 47/12.4YFLSB); acórdão STJ/Secção do Contencioso de 30.04.2015 (proferido no Proc. n.º 117/14.4YFLSB); acórdão STJ/Secção do Contencioso de 9.07.2015 (proferido no Proc. n.º 52/14.6YFLSB); acórdão STJ/Secção do Contencioso de 22.02.2017 (proferido no Proc. n.º 17/16.3YFLSB); acórdão STJ/Secção do Contencioso de 21.03.2019 (proferido no Proc. n.º 30/18.6YFLSB); acórdão STJ/Secção do Contencioso de 25.09.2019 (proferido no Proc. n.º 91/18.8YFLSB) e acórdão STJ/Secção do Contencioso de 10.12.2019 (proferido no Proc. n.º 2/19.3YFLSB), todos acessíveis in www.dgsi.pt].
22.º
Mutandis Mutandis o mesmo se dirá em relação à Universidade ... em que a inação apenas poderá ser sancionada se o órgão competente para instaurar a ação disciplinar (o diretor do CRSCUP) tiver conhecimento e não o fizer, e não a Universidade ... como um todo.
Mais,
23.º
Numa situação similar à da R. em que o poder de instaurar um processo disciplinar foi delegado, o TCA Sul considerou que o prazo de prescrição apenas se inicia quando o órgão com poderes delegados tomou conhecimento da infração:
“O prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar previsto no n.° 2 do art.° 178.° da LGTFP, conta-se a partir do conhecimento da infração por parte dos superiores hierárquicos que tiverem competência para exercer o poder disciplinar.
II. Cabendo a tal competência ao Conselho de Administração da C..., que o delegou na Comissão Executiva, o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar não começou a correr antes da data em que estes tiveram conhecimento da infração disciplinar.
(CFr. Ac. proferido pelo TCA Sul, em 14-05-2020, processo 779/19.6BEBJA, disponível em www.dgsi.pt
24.º
Pelo que, salvo melhor opinião, não se pode considerar para efeitos de início da contagem do prazo de prescrição o dia 24 de dezembro de 2018 (após remessa da acusação em 18-12-2018 para o Sr. «BB» na qualidade (errada) de Reitor da R.)
Sem prescindir,
25.º
É entendimento da Ré de que os factos dados como provados no Despacho Saneador sob as alíneas E) (“Também a 18/12/2018, a dedução da acusação contra a Autora pelo Ministério Público foi comunicada ao mandatário judicial da Ré”),
E sob a alínea G) (“A 04/04/2019, em sede de audiência de discussão e julgamento criminal, no processo 693/15...., foi ouvido «BB», na qualidade de legal representante da Ré, porquanto assim foi arrolado),
26.º
São irrelevantes e não deveriam ter sido dados como provados.
Desde logo,
27.º
O mandatário judicial da Ré não só não era o representante legal da Ré e muito menos era o superior hierárquico da Autora pelo que não detinha a possibilidade de, só por si, desencadear ou precipitar o exercício da ação disciplinar.
Por outro lado,
28.º
Basta ver a Motivação dos factos provados, que constam do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (constante de fls...), para perceber que a qualidade de Reitor do Professor «BB» se reporta à data em que a A. praticou os crimes:
“O reitor da Universidade ... à altura «BB», apenas teve conhecimento indireto dos factos, explicando como teve conhecimento de que desapareceram verbas através dos serviços partilhados e das indicações aos serviços para a situação ser tratada.
Depois interveio no processo disciplinar e levou a questão ao senado e decidiu suspender de funções a arguida pelo período máximo então previsto (6 ou 7 meses).
Referiu que a mesma continua no quadro da Universidade e passou para os serviços da Reitoria (...).
Assim e salvo o devido respeito,
29.º
Considera-se irrelevante a força probatória que a Mmª. Julgadora a quo pretende atribuir à acta até porque conforme consta do processo disciplinar no douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, a qualidade de Reitor do Professor «BB» reportava-se à data da prática do ilícito pela A.. Veja-se ainda que constava da Acusação Crime, como prova, entre outras, as “Declarações do Assistente: «BB», Reitor, à data dos factos, da Universidade ..., identificado a fls. 48”.
Mais,
30.º
Consta do douto despacho de Saneador sob recurso “Ora não pode vir agora a Ré arguir que, em momento anterior, não podia o referido Prof. «BB» actuar como seu legal representante, ou, pelo menos, que não lhe incumbisse o dever de entregar a missiva a quem de direito.”
31.º
Se o Professor Doutor «BB» tivesse de entregar a missiva a quem de direito, apenas após a verificação desse facto (data da entrega da acusação que aquele recebeu) é que a Mm.ª Juiz poderia considerar iniciado o prazo para a R. ( no caso o Diretor do CRSCUP) determinar a abertura do processo disciplinar.
Porém,
32.º
Não consta dos autos, nem foi alegado pela A., que quem recebeu a acusação a entregou ou tenha dado conhecimento dela ao superior hierárquico da A. com poder disciplinar ou que data tal sucedeu.
33.º
O que apenas poderia ser corroborado com as declarações das duas pessoas que poderiam ter praticado ou recebido tal acto, o Professor Doutor «BB» e o Dr. «DD».
34.º
A Mm.ª juiz ao decidir que a comunicação enviada pelo Ministério Público ao Prof. «BB» passa a ser automaticamente do conhecimento do superior hierárquico da A. com poder disciplinar (o Dr. «DD»), sem que exista nos processo qualquer elemento de prova que ateste a data em que o mesmo teve conhecimento da referida acusação (entendendo-se como adiante se demonstrará que não é esse o momento para a contagem do prazo) cometeu um nulidade, pois considerou provado um facto, sem qualquer elemento de prova no processo que o sustente.
Ou seja,
35.º
Os factos constantes dos autos e do próprio despacho de saneador são insuficientes para a decisão aí proferida, pois o despacho de saneador/sentença é omisso em determinar a data em que o Superior Hierárquico da A. com poder disciplinar, teve conhecimento da acusação proferida contra a primeira.
36.º
A decisão sob recurso não individualizou sequer quem é o superior hierárquico da A. com competência para determinar a abertura de um processo disciplinar.
37.º
Pois a “Mmª Juiz a quo” olvida que a R. Universidade ... é composta por 14 unidades orgânicas (entre as quais o CRSCUP), todas elas autónomas nos termos dos estatutos que as regulam e ao abrigo dos estatutos que regulam a atividade da própria R..
38.º
A douta decisão sob recurso não considera ainda o calendário escolar da Universidade ..., que no ano de 2018 se encontrava encerrada entre 17 e 28 de dezembro.
https://sigarra.up.pt/fadeup/pt/noticias_geral.ver_noti cia?p_nr=...72
39.º
O que naturalmente importaria que o conhecimento da acusação, mesmo por parte do Professor «BB», no caso de se deslocar à Reitoria para levantar a carta, forçosamente apenas ocorreria depois do fim das férias de natal, ou seja, após o dia 29 de dezembro de 2018, o que só por si era suficiente para não se considerar ultrapassado o prazo de 60 dias para iniciar o procedimento disciplinar.
40.º
O que salvo melhor opinião determina a nulidade da decisão proferida.
Por outro lado e caso assim não se entenda,
41.º
Só com a notificação proveniente do Juízo Central Criminal do Porto – Juiz ..., datada de 12/02/2019, na qual a Ré foi notificada de “todo o conteúdo da acusação e/ou pronúncia e do despacho que a recebeu” e de que “se encontra designado o dia 28-03-2019, às 09,45h para a realização da audiência de julgamento...”,
42.º
É que a Ré ficou a saber que a Acusação já não era passível de ser alterada, ou seja, o prazo de prescrição apenas se poderia iniciar após o trânsito em julgado da decisão de acusar a A.
De facto,
43.º
Dispõe o nº 1 e nº 2 do artigo 179º da Lei do Trabalho em Funções Públicas, sob a epígrafe “Efeitos da pronúncia e da condenação em processo penal”,
“1 - Quando o agente de um crime cujo julgamento seja da competência do tribunal de júri ou do tribunal coletivo seja um trabalhador em funções públicas, a secretaria do tribunal por onde corra o processo, no prazo de 24 horas sobre o trânsito em julgado do despacho de pronúncia ou equivalente, entrega, por termo nos autos, cópia de tal despacho ao Ministério Público, a fim de que este a remeta ao órgão ou serviço em que o trabalhador desempenha funções.
Ora,
44.º
Não obstante, o ofício da Procuradoria da República da Comarca do Porto ter sido enviado a quem já não era legal representante da Ré.
45.º
Nos termos do artigo 179.º da LGTFP a secretaria, caso o visado pela acusação ou pronúncia, apenas notifica o órgão público após “o trânsito em julgado do despacho de pronúncia ou equivalente”.
46.º
E mesmo seguindo o douto raciocínio da “Mm.ª Juiz a quo” em atualizar o texto na norma à realidade atual do código de processo penal, o prazo apenas se inicia após o transito em julgado do despacho que a considerar-se ser a acusação (e não a pronúncia), ou seja 20 dias depois da sua prolação, data em que já não era possível requerer a abertura de instrução ou requerer a intervenção hierárquica.
47.º
Face à prolação da acusação em 18 -12-2018 (e não se considerando as férias judiciais) o trânsito em julgado desta decisão apenas ocorreria depois de 15-01-2019, pelo que a abertura do processo disciplinar ocorreu no prazo de 60 dias que a lei determina.
Mais,
48.º
Convém não olvidar que a redação do artigo 179.º da LGTFP é posterior ao código de processo penal pelo que se considerar o texto da norma, sem se proceder a uma atualização interpretativa ter-se-ia obrigatoriamente de aguardar pelo trânsito em julgado da Acusação, ou seja, respeitando o decurso do prazo para a abertura de instrução,
Aliás,
49.º
Vejam-se os dois Acórdão citados pela MM.ª Juiz na decisão que se recorre em que ambos se referem:
“(...) Na verdade, a mera existência de acusação e pronúncia em processo criminal, afecta a (...)”
“(...) logo que foi conhecida a acusação pública e pronúncia proferidas pelo NUIPC... (...)”
Cfr. Ac. de 07-05-2020, p. 23/19....)
“35. Por outro lado, temos que com o conhecimento da certidão contendo cópia da acusação deduzida contra o requerente cautelar e da decisão instrutória de pronúncia do mesmo proferidas em processo crime-crime em referência (...).
“(...) tanto mais que o próprio legislador, para efeitos da suspensão de funções do mesmo magistrado prevista no artigo 152.º do EMP, se basta com a simples e mera notificação do despacho que designou dia para o julgamento relativamente a acusação contra o mesmo por crime doloso, fazendo radicar nesses actos (acusação penal e despacho judicial que a recebeu, designando dia para o julgamento) a base idónea suficiente e bastante para (...)
(CFr. Acórdão do pleno, processo 02012/18.9BALSB, de 17-04-2019.
Ou seja,
50.º
Os dois arestos citados pela Mm.ª Juiz a quo balizam temporalmente o prazo para determinar o processo disciplinar após o transito em julgado da acusação, seja pela prolação do despacho de pronúncia, seja pela prolação do despacho a designar a data para a audiência de julgamento, que, apenas ocorre depois do decurso do prazo para requerer a abertura de instrução),
Ora,
51.º
Foi precisamente esse o procedimento usado pela Ré e que refletiu o teor do Despacho nº ...19, motivando a instauração do processo disciplinar à Autora, onde se pode ler:
Atendendo ao ofício rececionado no dia 20 de fevereiro de 2019, datado de 19 de fevereiro de 2019, o qual contém a notificação de todo o conteúdo da acusação deduzida pelo Ministério Público no âmbito do Processo n° 693/15.... contra «AA», composta por trinta e sete páginas, a qual se anexa ao presente despacho;
Considerando que da acusação pública resultam novos factos e fundadas suspeitas da prática de infrações disciplinares muito graves por parte da trabalhadora «AA», as quais não constituíram objeto do anterior Processo Disciplinar mandado instaurar pelo meu Despacho de 23.04.2015 e sobre o qual recaiu a Decisão Final de aplicação da sanção de suspensão pelo período máximo de 240 dias, proferida por Despacho Reitoral N. 1/05/2016, de 2 de maio de 2016;
(...)
Em face do exposto, determino a instauração de novo processo disciplinar comum contra a trabalhadora «AA», Assistente Técnica do Núcleo de Tesouraria dos SPUP pelos novos factos constantes da acusação, ao abrigo do disposto nos artigos 205° e sgs. Da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) ... conjugado com o disposto no ponto 1.1. do Despacho de Delegação de Competências do Exmo. Senhor Reitor, Despacho n° 8220/2018, publicado em Diário da República, 2ª série – n° 160, de 21 de agosto de 2018.
(...)
Porto, aos 25 de março de 2019.”
Sendo que,
52.º
O entendimento da Ré é de que o prazo dos 60 dias para o exercício da ação disciplinar é um prazo de procedimento administrativo suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados,
Na medida em que,
53.º
De acordo com o disposto no artigo 3º da lei que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas quando aí se refere que “Os prazos previstos na LTFP contam-se nos termos do Código do Procedimento Administrativo”, pelo que, o prazo dos 60 dias (úteis) para o exercício da ação disciplinar se iniciou a partir do momento em que o superior hierárquico da Autora tomou conhecimento efetivo da Acusação, isto é, a partir de 21 de fevereiro de 2019.
Assim,
54.º
Aplaude-se o entendimento da decisão recorrida no que toca à forma da contagem do prazo para o exercício da ação disciplinar – 60 dias úteis – mas não quanto à data do início da contagem do referido prazo,
Pelo que,
55.º
A aqui Ré - na pessoa do superior hierárquico da Autora com delegação de poderes) para o exercício da ação disciplinar, Sr. Dr. «FF» iniciou o procedimento disciplinar dentro do prazo de 60 dias conferido pela lei,
56.º
A manter-se a decisão recorrida a mesma enferma do vício de violação da lei por preterição dos artigos 178º, nº2 ex vi artigos 176º, 196º e 179º, nºs 1 e 2 todos da Lei Geral do trabalho em Funções Públicas, para além da violação dos artigos 31º e 38º dos Estatutos da Universidade ... ex vi artigo 92º, nº 1, alínea m) e u) do RJIES, devendo o presente recurso proceder.
Por todo o exposto,
Deve o presente recurso proceder, anulando-se o despacho recorrido, pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA.

A Autora juntou contra-alegações, concluindo:
1. Veio a Ré apresentar recurso do despacho saneador proferido a 7 de Setembro de 2023 pelo Mm.º Juiz da Unidade Orgânica 3 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto por entender que o mesmo:
- Não considerou que a notificação da Acusação remetida pelo Ministério Público foi dirigida ao legal representante da Ré (que à data já não o era);
- Que o conhecimento pelo superior hierárquico da Ré não se deu na data indicada pelo Tribunal “a quo”;
- Que o superior hierárquico da Ré não é o Senhor Reitor, mas antes o Exmo. Sr. Dr. «DD», por competência delegada;
- Que o Tribunal “a quo” cometeu uma nulidade por considerar provado o facto atinente ao conhecimento do superior hierárquico da Ré sem prova para tal. -Que o prazo de 60 dias para instaurar o procedimento disciplinar apenas se poderia iniciar com a notificação da data de julgamento proveniente do Juízo Central Criminal do Porto - Juiz ....
2. Acontece que, com o devido respeito, não assiste razão à Recorrente, não merecendo o despacho recorrido qualquer reparo, encontrando-se isento de qualquer nulidade ou qualquer outro vício.
3. Assim, ab initio, vem a Recorrente referir que o Tribunal “a quo” não teve em consideração que a notificação remetida à Ré pelo Ministério Público no âmbito do processo crime movido à aqui Autora (693/15....) foi dirigida ao seu legal representante - Reitor Sr. Professor Doutor «BB»-, e que este, à data da receção da notificação, já não era legal representante da Ré.
4. No humilde entendimento da Autora, tal argumento ventilado pela Ré carece de qualquer fundamento de facto ou de direito.
5. A Ré, em momento algum no âmbito do processo-crime supra identificado comunicou aos autos:
- que o legal representante havia alterado;
- qualquer irregularidade na notificação por ter sido dirigida a quem já não o era;
- devolução da missiva remetida pelo Ministério Público;
6. Algo que, em bom rigor, a Mm.ª Juiz “a quo” - e bem, no entendimento da aqui Autora-, fez questão de referir do douto despacho saneador,
7. A notificação da acusação pública foi realizada na perfeição porque dirigida ao seu legal representante e endereçada (e entregue) na sede da mesma.
8. O que, no mais, é o que resulta do próprio art. 179.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
9. A Ré aceitou a carta remetida, não tendo em momento algum recusado receber a mesma.
10. O mero circunstancialismo de o representante legal não ser o mesmo em nada releva para efeitos da perfeição da notificação, pelo que não poderá colher o entendimento da Ré.
11. Considerando-se a notificação da acusação pública efetuada à Ré a 24 de Dezembro de 2018.
12. Por outro lado, também não poderá colher o entendimento da Ré de que o prazo apenas se inicia aquando do conhecimento do teor da notificação por parte do superior hierárquico da Autora.
13. A lei não exige, para início da contagem do prazo de 60 (sessenta dias) para instaurar o processo disciplinar previsto no art. 178.°, n.°2 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o conhecimento por parte do superior hierárquico com competência para a ação disciplinar.
14. Mas antes, “por qualquer superior hierárquico”. (cfr. Art. 179.°, n.°2 da LGTFP).
15. De facto, apenas nas relações de trabalho de natureza privada é que se exige, para instauração do procedimento disciplinar, o conhecimento não por qualquer superior hierárquico, mas pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência para a ação disciplinar. - art. 329.°, n.°2 do Código do Trabalho.
16. Pelo que jamais poderá colher todo o invocado pela Recorrente no que concerne ao conhecimento por parte do superior hierárquico Dr. «DD» e respetivo início do prazo.
17. Vem ainda a Ré alegar que o prazo de 60 (sessenta) dias para instaurar o processo disciplinar apenas se poderá iniciar com a notificação para a data de julgamento proferida pelo Juízo Central Criminal do Porto.
18. Entendendo assim a Recorrente que apenas em tal data é que a ‘acusação’ deixa de poder ser modificada.
19. Venerandos Juízes Desembargadores, tal argumento jamais poderá lograr porquanto não corresponde à verdade que com a notificação para julgamento a acusação seja ‘imutável’.
20. Pois que, para além da Arguida poder ser absolvida, também poderá, prevendo o nosso CPP, a acusação ser alvo de alteração substancial (ou não substancial) dos factos nela descritos - art. 358.° e 359.°, ambos daquele diploma legal.
21. Conforme - e bem, no humilde entendimento da Autora- referiu o tribunal “a quo” no despacho recorrido, onde pode ler-se:
“Tampouco assiste razão à Ré quando alega que o prazo previsto no n.º2 do artigo 1789 da LTFP apenas poderia iniciar-se com a notificação da data para a realização da audiência de julgamento, uma vez que só nessa data é que seriam insuscetíveis de serem alterados os factos descritos na acusação.
Tal argumentação não colhe, porquanto, caso assim fosse, impor-se-ia às entidade públicas administrativas que aguardassem o trânsito em julgado das decisões penais para poder instaurar qualquer procedimento disciplinar, atento o princípio da presunção da inocência, algo que manifestamente não sucede.”
22. Tal argumento apresentado pela Ré revela-se totalmente contrário à função da Administração Pública.
23. Isto porque, contrariamente às relações laborais estritamente de direito privado, não vigora aqui o chamado “princípio da oportunidade” em que o empregador tem o poder discricionário de decidir se instaura ou não o procedimento disciplinar.
24. Em boa verdade e conforme certamente a Ré saberá, perante o conhecimento de factos que são suscetíveis de integrar uma qualquer infração disciplinar, a Administração tem o poder-dever de promover o processo disciplinar.
25. Pelo que tendo o superior hierárquico conhecimento do facto suscetível de integrar uma qualquer infração disciplinar, deve o mesmo proferir despacho liminar, em que, uma vez avaliados os factos participados, profere uma decisão, com a devida fundamentação: de arquivamento (n.º 2 do artigo 207.º da LTFP); ou de instauração de procedimento (n.º 3 do artigo 207.º da LTFP), ainda que após se suspenda o mesmo.
26. Não cabe no disposto no art. 178.º, n.º 2 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas qualquer atribuição de poder à Administração no sentido de instaurar ou não o procedimento disciplinar.
27. Prevê outrossim uma cominação para o caso de não instaurar o procedimento disciplinar no prazo de 60 dias após o conhecimento dos factos -prescrição.
28. Pode ainda ler-se a este respeito em “Direito do trabalho em funções públicas, Centro de Estudos Judiciários, série Formação Contínua, Julho de 2020”,
“Inexiste qualquer dispositivo na LTFP em que o legislador utilize termos conferidores de discricionariedade à Administração - como “pode” - no que tange à instauração ou não de procedimento disciplinar, uma vez conhecedor da existência de notícia de infração. Não se trata de um direito subjetivo que assiste ao empregador público (similar ao do empregador privado), mas de um poder-dever. Fazer operar em matéria de poder disciplinar do empregador público a ideia de oportunidade, colocaria em causa a imparcialidade, a boa-fé, justiça, a razoabilidade daquela atuação administrativa e, até, podendo-se discutir se não seria violadora da igualdade (artigo 13.º da CRP) -”
Na esteira da mesma coletânea: “A verdade é que os comandos normativos que guiam a
atuação da Administração Pública, aqui nas vestes de empregador público, presentes nos artigos 266.º, n.ºs 1 e 2, da CRP e artigo 3.º do CPA, representam o inequívoco abandono do “critérios dos chefes”. Porquanto, a construção constitucional que comanda o agir da Administração coetânea já não se compadece com uma leitura segundo a qual “ao contrário da repressão penal que deve ser exercida sempre que se verifica a existência de um crime, a repressão disciplinar só tem lugar quando, segundo o critério dos chefes, a vantagem da punição do funcionário seja maior para a boa ordem do serviço do que o esquecimento da falta”
29. Jamais poderia colher tal visão eventualmente invocada pela Ré porquanto não cabia à mesma, já após ter conhecimentos dos factos (o que sucedeu com a notificação da acusação pública), aguardar pela “consolidação” da mesma e decidir instaurar o procedimento já após essa referida “consolidação”.
30. Porquanto agiria de forma discricionária, como se estivesse no seu livre arbítrio decidir quando instaurar o processo disciplinar.
31. Por outro lado, consta expressamente do despacho n.º ...19 (documento ... junto com a petição inicial), que deu origem à instauração do procedimento disciplinar, que foi através da acusação pública proferida no âmbito do processo n.º 693/15.... que teve conhecimento dos alegados factos que constituem infração disciplinar.
32. Ou seja, é a acusação pública - não a notificação para julgamento ou qualquer outra notificação recebida- que dá conhecimento à Ré dos factos que alegadamente constituem a infração disciplinar.
33. É a própria Ré que o diz!
34. Pelo que bem andou o tribunal “a quo” ao referir que:
“Sublinhe-se que bastará o mero conhecimento da acusação, e nos moldes em que foi a mesma deduzida no caso ora em apreço, para que possa a Ré aquilatar de concretos factos, e dos respectivos modos, tempo e lugar para aferir da ocorrência de uma infração disciplinar, com a consequente instauração do processo disciplinar.
Mais se note que a menção constante do n.º1 do artigo 179.º da LTFP resulta de um mero anacronismo legal. Efetivamente, trata-se de um mero decalque da norma equivalente constante do Estatuto Disciplinar da Função Pública, aprovado em 1984, altura na qual ainda vigorava o código de Processo Penal de 1929. Ora, segundo o artigo 70º deste diploma legal, o processo penal era secreto até à emissão do “despacho de instrução ou equivalente”. Tratava-se de um despacho obrigatório, que não com a actual natureza facultativa, só assim se compreendendo a redação legal constante daquela norma da LTFP, e que deve ser lida de forma actualista (neste sentido, Raquel Carvalho, Comentário ao regime Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas, Universidade Católica Editora, Lisboa, 3ª Ed., 2022, pág. 175 e seguintes, e doutrina aí citada).”
35. É manifesto que o prazo para instaurar o processo disciplinar de 60 dias se iniciou a 24/12/2018, data em que a Ré tomou conhecimento do teor da acusação pública deduzida.
36. E, tendo corrido o respetivo prazo, que no humilde entendimento da Autora é um prazo substantivo, contando-se o mesmo sem suspensão aos sábados, domingos e feriados, (leia-se em “Direito do trabalho em funções públicas, Centro de Estudos Judiciários, série Formação Contínua, Julho de 2020”: “No que tange ao modo de contagem do prazo de prescrição do direito de instauração do procedimento disciplinar, trata-se de um prazo substantivo e não de um prazo procedimental (como os referidos no artigo 3.º da Lei 35/2014, de 20 de junho), contando-se de acordo com as regras do artigo 279.º do CC e não do artigo 87.º do CPA. Falamos, neste âmbito, do instituto da prescrição regulado no artigo 298.º, n.º 1 do CC, de uma verdadeira prescrição extintiva, em que por força do efeito do tempo no não exercício do dever jurídico associado aos poderes hierárquicos do empregador público ele vê extinguir-se a possibilidade de instaurar processo disciplinar (...)”
37. A 25 de março de 2019, data em que a Ré instaurou o procedimento disciplinar, já há muito havia decorrido o termo do prazo para o efeito, verificando-se assim a prescrição.

Nestes termos e nos demais de direito, deverá ser julgado improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º do CPC e 140.º do CPTA.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por conhecer a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
É objecto de recurso o despacho saneador proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, acima transcrito.
Cremos que assiste razão à Recorrente.
Com efeito, o despacho saneador recorrido parte da premissa errada de que tendo (quem já não era) o legal representante da Ré (independentemente da pessoa singular que o representa) sido notificado por Ofício da Procuradoria da República da Comarca do Porto datado de 18/12/2018 da Acusação deduzida contra a Autora, iniciou-se o prazo dos 60 dias para instaurar o processo disciplinar, concluindo indevidamente:
“(...)Assim, sendo o dies a quo o de 25/12/2018 e atenta a forma de contagem do prazo de 60 dias previsto no nº 2 do artigo 178-9 da LTFP, prevista no artigo 3-9 da lei que aprovou este diploma legal, conclui este Tribunal que aquele findou a 21/03/2019.
Uma vez que o processo apenas foi instaurado a 25/03/2019, impõe-se a este Tribunal concluir pela prescrição do direito a instaurar o processo disciplinar, o que desde já se declara”.
Como alegado, ignorou o Tribunal a quo que, tal como demonstrado pela Ré, a pessoa notificada da acusação deduzida pelo Ministério Público não era legal representante da R., não tinha poderes para a representar e não tinha poderes para exercer a ação disciplinar (como aliás não tinha o Sr. Reitor, como adiante se demonstrará).
Efetivamente,
No ano de 2018 houve eleições para o cargo de Reitor da Universidade ..., tendo sido eleito como Reitor o Senhor Professor Doutor «CC», a 27 de abril de 2018,
O qual tomou posse em 27 de junho de 2018, muito tempo antes de se supor a dedução da Acusação pelo Ministério Público, (Vide docs. nºs ... e ... juntos com a Contestação da Ré), Facto publicado no Diário da República e consequentemente do domínio público.
Pelo que, não se poderia considerar a Ré legalmente notificada da Acusação na pessoa do Senhor Professor Doutor «BB», uma vez que o mesmo já não detinha competência para representar a Ré em juízo ou fora dele. Como também não tinha o poder de exercer a ação disciplinar sobre a Autora ou sobre qualquer outro trabalhador.
Assim, tendo sido remetido o ofício da Procuradoria da República da Comarca do Porto ao Sr. Professor «BB», (erradamente na qualidade) de legal representante da Ré, quem estatutariamente representa a Universidade ... em juízo, não podia o mesmo (Sr. Reitor ou Sr. Professor Doutor «BB») deliberar o exercício da ação disciplinar, desde logo porque o Sr. Professor «BB» não era o Reitor da Universidade ... desde 26 de junho de 2018.
Como, à data de 18-12-2018 (data da notificação da Procuradoria da Comarca do Porto) o poder do exercício da ação disciplinar já havia sido delegado por Despacho nº 8220/2018 do Senhor Reitor (Professor Doutor «CC») da Universidade ... no Diretor do Centro de Recursos e Serviços Comuns da Universidade ... (em consonância, aliás, com os Estatutos do Centro de Recursos e Serviços Comuns da Universidade ... e com as competências do Diretor previstas no seu artigo 9º, nº 2, alínea d)), na pessoa do Sr. Dr. «DD».
Efectivamente, olvidou ainda o Tribunal que o Senhor Reitor da Universidade ... não é sequer o superior hierárquico da Autora com competência para o exercício da ação disciplinar, antes sendo o órgão superior de governo e de representação externa da Universidade ..., que pode delegar o poder de ação disciplinar e em última instância, detém o poder de aplicação de sanções disciplinares.
Porém, conforme resulta dos estatutos da Universidade ... e dos estatutos do Centro de Recursos e Serviços Comuns da Universidade ... - doravante designado por CRSCUP - (ambos publicados em Diário da República e consequentemente do conhecimento público), a delegação de poderes para o exercício da ação disciplinar importa que apenas o Diretor dos CRSCUP possa ordenar a instauração do processo disciplinar, à data o Sr. Dr. «DD».
Com efeito,
Nos termos do artigo 31º dos Estatutos da Universidade ..., publicados no Diário da República, 2ª Série, nº 100 de 25 de maio de 2015,
“1 - O Reitor é o órgão superior de governo e de representação externa da Universidade ....
2 - O Reitor é o órgão de condução da política da Universidade ... e preside ao Conselho de gestão, Conselho de Diretores e ao Senado”.
A panóplia das competências atribuídas ao Reitor e previstas no artigo 38º dos Estatutos da Universidade ... é de tal ordem vasta e complexa que lhe permite, em determinadas situações, delegar noutros órgãos ou dirigentes as competências que considerar adequadas a uma gestão mais eficiente.
De facto, o artigo 38º dos Estatutos da Universidade ..., nos seus diversos números e alíneas, refere, com relevância para o presente recurso (refletindo o artigo 92º, nº 1, alíneas m) e u) e nºs 4 e 5 do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior):
“1 - O Reitor dirige e representa a Universidade ..., incumbindo-lhe designadamente:
(...)
l) Exercer o poder disciplinar, em conformidade com a Lei, ouvindo o Senado no que se refere à aplicação de penas graves;
(...)
t) Representar a Universidade ... em juízo ou fora dele.
(...)
2 - (...)
3 - O Reitor pode delegar nos Vice-reitores, Pró-reitores, Administrador e outros dirigentes as competências que considerar adequadas a uma gestão mais eficiente.
4 - O Reitor pode delegar nos órgãos de gestão das unidades orgânicas, ou nos seus diretores, as competências que se tornem necessárias a uma gestão mais eficiente, com exceção das enumeradas nas alíneas a), b), c), g), h), í), j), k), n) e t).
5 - (...). (Cfr. doc. junto - Estatutos da ... - e que aqui se dá como integrado para todos os efeitos legais).
Ora, foi precisamente o que aconteceu.
Com efeito, usando da faculdade prevista no nº 3 do artigo 38º dos Estatutos da Universidade ..., o Reitor em funções à data da notificação da Acusação pela Procuradoria da República da Comarca do Porto (Sr. Professor Doutor «CC»), por seu Despacho nº 8220/2018 datado de 11 de julho de 2018 e publicado em Diário da República, 2ª série - nº 160 de 21 de agosto de 2018 (em momento anterior à dedução da Acusação pelo Ministério Público à trabalhadora «AA»), delegou no Diretor do Centro de Recursos e Serviços Comuns da Universidade ... (Serviço autónomo da Universidade ..., nos termos do artigo 18º dos Estatutos da ...), na pessoa do Sr. Dr. «DD», os poderes necessários (entre outros) para, no âmbito da entidade que dirige:
“1.1 - Exercer o poder disciplinar sobre os trabalhadores, nomeadamente determinar a instauração de processos disciplinares, de inquérito e de sindicância ou de averiguações e nomear, para o efeito, o respetivo instrutor e eventualmente secretário.
1.2.- ...
2 - ...
3 - O presente despacho produz efeitos desde a data da sua assinatura, sendo divulgado, para além da publicação no Diário da República, no sistema de informação da Universidade ..., considerando-se ratificados todos os atos entretanto praticados no âmbito dos poderes ora delegados desde o dia 27 de junho de 2018”. (Cfr. doc. junto - Despacho de Delegação de Competências do Reitor no Diretor ao Diretor do CRSCUP - e que aqui se dá como integrado para todos os efeitos legais).
Ora, estando a Autora, «EE» a trabalhar nos serviços da Reitoria da Universidade ... e encontrando-se afeta ao Centro de Recursos e Serviços Comuns da Universidade ..., só o seu superior hierárquico, isto é, o seu Diretor, Sr. Dr. «DD», após tomar conhecimento da Acusação deduzida pelo Ministério Público e do trânsito da mesma, poderia exercer a ação disciplinar sobre a referida trabalhadora (porque detinha a competência autorizada para o efeito).
Não se olvide que os CRSCUP é uma unidade orgânica autónoma (tal como as faculdades que integram a universidade) e consequentemente com a autonomia, face à delegação de competência, exclusiva para iniciar o procedimento disciplinar.
Conforme resulta da deliberação que determina a instauração do processo disciplinar, tomada pelo Diretor do CRSCUP, o Dr. «DD», constante do processo disciplinar.
Não consta dos autos que o Diretor dos CRSCUP tenha sido notificado em 18 de dezembro de 2018 da acusação deduzida pelo Magistrado do Ministério Público ou sequer que tenha tido conhecimento da mesma.
De facto, de acordo com o disposto no artigo 176º da LTFP sob a epígrafe “Sujeição ao poder disciplinar”:
“1 - Todos os trabalhadores são disciplinarmente responsáveis perante os seus superiores hierárquicos.
2 - ...
3 - Os trabalhadores ficam sujeitos ao poder disciplinar desde a constituição do vínculo de emprego público, em qualquer das suas modalidades.
4 - ...
5 - ...”.
Por sua vez, de acordo com o artigo 196º da LGTFP,
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes é competente para instaurar ou mandar instaurar procedimento disciplinar contra os respetivos subordinados qualquer superior hierárquico, ainda que não seja competente para aplicar a sanção.
2 - ...
3 - A competência disciplinar dos superiores envolve a dos seus inferiores hierárquicos dentro do órgão ou serviço”. Veja-se o Acórdão do TCAS de 14/05/2020, proferido no âmbito do Processo Nº 779/19.6BEBJA:
“I. O prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar previsto no n°2 do art°. 178° da LGTFP, conta-se a partir do conhecimento da infração por parte dos superiores hierárquicos que tiverem competência para exercer o poder disciplinar.
II. Cabendo a tal competência ao Conselho de Administração da C..., que o delegou na Comissão Executiva, o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar não começou a correr antes da data em que estes tiveram conhecimento da infração disciplinar.
III. Tendo sido necessário determinar a abertura de processo de inquérito para apurar as circunstâncias em que os factos foram praticados e proceder à sua valoração como ilícito disciplinar, o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar apenas começou a ocorrer desde a data em que a Comissão Executiva teve conhecimento do relatório final do inquérito.
IV. E porque tal prazo não começou a correr em data anterior, a sua contagem também não esteve suspensa por força do disposto no n°3 do art° 187° da LGTFP”.
Confronte-se ainda, o Acórdão, também do TCASul de 04/11/2021, proferido no âmbito do Processo nº 1504/13.0BELSB, no qual se decidiu:
“I. No procedimento disciplinar haverá que considerar estarmos perante infração que constitui ilícito criminal, se há notícia do visado ter pronunciado pela prática de crime, aplicando-se o prazo de prescrição estabelecido na lei penal, que no caso é de 5 anos.
II. Pelo que, estando em causa factos praticados entre os anos de 2002 e 2006, à data da instauração do processo disciplinar em maio de 2012 já se encontrava esgotado o prazo prescricional da infração.
III, ...”.
Assim, não se verifica a prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar pela Ré Universidade ..., porquanto o mesmo foi proferido dentro do prazo dos 60 dias úteis após o conhecimento da Acusação e da data designada para a audiência de julgamento (reencaminhada) por parte superior hierárquico da Autora com poderes (delegados) para poder exercer o poder disciplinar e consequente ação disciplinar.
Como se refere em anotação ao “Comentário ao Regime Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas”, de Raquel Carvalho, Universidade Católica Editora, ao artigo 178º da LGTFP, “Quanto à aplicação do prazo de 60 dias, prescrito no nº 2 deste preceito, a doutrina e a jurisprudência, no âmbito de regimes disciplinares anteriores que dispunham da mesma cláusula, têm sido concordantes no sentido de que o conhecimento da infração tem de ser entendido no sentido do pleno conhecimento dos elementos integrantes da mesma: autoria, modo, tempo e lugar da prática do comportamento censurável. Existem, portanto, dois factos prescritivos que devem ser conjugados. Um, de natureza objetiva e que está previsto no nº 1 e que se traduz no mero decurso do prazo. Outro, de cariz subjetivo, prende-se com a tomada de conhecimento da infração (com o sentido abrangente de que a doutrina e a jurisprudência têm sublinhado) pelo superior hierárquico. Este último prazo, por força das regras previstas no artigo 3° da lei que aprova a LTFP, conta-se em dias úteis. Já o primeiro se conta de forma corrida”.
Haverá igualmente que não perder de vista que,
O processo disciplinar acabou por ser suspenso até haver decisão penal definitiva, que, in casu, foi condenatória para a Autora.
Como decidiu o Acórdão do STA de 19/06/2007 no Processo nº 1058/06:
“A decisão penal condenatória, transitada em julgado, vincula a decisão disciplinar no que respeita à verificação da existência material dos factos e dos seus autores, sem prejuízo da sua valoração e enquadramento jurídico para efeitos disciplinares”.
Veja-se ainda parte da fundamentação da decisão proferida pelo STJ, em 28/01/2021, processo 45/19.7YFLSB:
“Por último, tal conhecimento da infração tem que ser reportado ao órgão colegial deliberativo competente para instaurar o procedimento disciplinar.
Procedendo, então, às adaptações do regime legal vindo de citar e que são exigidas pela especificidade do contexto funcional da magistratura judicial, o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar a que se refere o n.° 2 do artigo 178° da LGTFP apenas se pode contar a partir do momento em que o Plenário ou o Conselho Permanente, por intermédio de deliberação, formularem um juízo fundado sobre a relevância jurídico-disciplinar da materialidade fáctica.
Com efeito, só tem sentido e cabimento sancionar a inação do CSM se a infração for conhecida pelo órgão colegial deliberativo ao qual, internamente, compete instaurar a respetiva ação disciplinar.
Se assim não fosse, relevar-se-ia a inércia do CSM como se fosse um todo indivisível, o que não é compaginável quer com as citadas disposições estatuárias de repartição interna da competência, quer, principalmente, com o interesse público que subjaz ao exercício do poder disciplinar.
Mutandis Mutandis se dirá o mesmo em relação à Universidade ... em que a inação apenas poderá ser sancionada se o órgão competente para instaurar a ação disciplinar (o diretor do CRSUP) tiver conhecimento e não o fizer e não a Universidade ... como um todo.
Em suma,
Só faria sentido julgar da ocorrência da prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, se a infracção [ou indícios da sua prática], tivesse sido conhecida por um [qualquer que seja] superior hierárquico da Autora funcionária, ou no limite, pelo legal representante da Universidade;
À notificação provinda do Processo n.º 693/15...., datada de 18 de dezembro de 2018, que trazia anexa uma Acusação, que foi dirigida ao Magnífico Reitor da Universidade ..., na pessoa de «BB», na qualidade de assistente, quando o mesmo já assim não detinha essa qualidade, não podem ser atribuídos os mesmos efeitos de uma notificação que fosse dirigida ao Magnífico Reitor da Universidade ...;
Tendo a notificação sido recebida por funcionários da instituição, que certamente não abriram a correspondência, e que sendo dirigida a pessoa distinta do novo Reitor, certamente que este também não a abriu, e no pressuposto de que a missiva foi entregue àquele, saber se o mesmo remeteu ou não a correspondência para o novo titular [o Reitor], e quando o fez, era factualidade a ser apurada nos autos, o que ora não sucedeu;
Por outro lado, também não resulta do probatório, em que data é que o representante legal da Universidade ..., o seu Reitor, teve conhecimento da acusação deduzida contra a funcionária, ou que algum outro superior hierárquico da funcionária tenha tido conhecimento de factos que lhe fossem imputáveis [à Autora], e passíveis de ser integrados como infracção disciplinar;
O prazo de prescrição apenas se inicia quando o órgão com poderes delegados tomou conhecimento da infração;
Reitera-se, como decidido em 14/5/2020 no Ac. do TCA Sul, proc. nº 779/19.6BEBJA:
I.O prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar previsto no n.º 2 do art.º 178.º da LGTFP, conta-se a partir do conhecimento da infração por parte dos superiores hierárquicos que tiverem competência para exercer o poder disciplinar.
II.Cabendo a tal competência ao Conselho de Administração da C..., que o delegou na Comissão Executiva, o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar não começou a correr antes da data em que estes tiveram conhecimento da infração disciplinar.
Procedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida e determina-se o prosseguimento dos autos, caso a tal nada mais obste.
Custas pela Autora/Recorrida.

Notifique e DN.

Porto, 17/5/2024

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Paulo Ferreira de Magalhães