Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00482/12.8BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:JOSÉ ANTÓNIO OLIVEIRA COELHO
Descritores:CUSTOS DO EXERCÍCIO;
Sumário:
Devem ser considerados custos do exercício, os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora, mas da própria sociedade que neles incorre e não de um terceiro.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. [SCom01...], S.A. veio recorrer jurisdicionalmente da sentença proferida a 07 de maio de 2013 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida do indeferimento do recurso hierárquico interposto do despacho de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, referente ao exercício de 2007, no montante global de € 51.737,60.
*

2.1. A Recorrente terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:

A) - Discorda a recorrente da douta sentença recorrida, quando considera que apenas foi provada a essencialidade para a empresa participada, mas não para a Impugnante/Recorrente e quando considerou que não ficaram provados os factos elencados nos artigos 27º a 30º, 33º a 35º, 48º, 49º, 51º, 52º e 54º da petição por falta de prova documental e inconsistência da prova testemunhal.
B) - Entende, porém, a recorrente que assim não resulta da prova produzida, designadamente dos documentos em conjugação com os depoimentos e com as regras da experiência comum.
C) - Quanto aos custos financeiros suportados pela Impugnante /Recorrente relacionados com o empréstimo efetuado à empresa participada [SCom02...], Lda., da prova testemunhal ficou demonstrada claramente a razão de ser de ter sido efetuado pelos sócios, na proporção da sua representação no capital social (sendo que a [SCom02...] tinha três sócios, sendo 50% do capital detido pela [SCom01...], 25% do capital detido pelo Sr. «AA» e os restantes 25% por outro sócio).
D) - Decisão societária, associada às condicionantes de a [SCom02...] não dispor de crédito bancário, não ter outra atividade, e que o financiamento serviu para adquirir um terreno, para construir e depois revender.
E) - A decisão de financiamento dos sócios à [SCom02...] teve como expectativa válida a obtenção de lucros futuros com a venda dos imóveis a construir no terreno adquirido, e consequentemente reembolso dos custos acrescidos da margem dos lucros.
F) - Mais ficou explícito que o financiamento bancário em 2007 e os custos bancários incorridos pela Impugnante/Recorrente não foram específicos para a [SCom02...], e que o custo com empréstimos bancários da impugnante estão relacionados sobretudo com contas caucionadas e que muito provavelmente teriam sido incorridos pela impugnante mesmo que não fossem disponibilizados recursos financeiros à [SCom02...].
G) - Conclui-se assim, que o empréstimo concedido pela recorrente à sociedade sua participada ([SCom02...], Lda.) afigura-se como um custo essencial para a manutenção da atividade da sociedade participada, e consequentemente, essencial para a obtenção de proveitos por parte da impugnante.
H) - Acresce que a decisão de conceder tal empréstimo à sociedade participada se encontra no âmbito do livre governo da sociedade, por parte da gerência e dos seus sócios, não havendo lugar à ingerência da administração fiscal na decisão da prossecução do objeto social.
I) - Não ficou provada a existência de uma motivação pessoal dos sócios da recorrente, nem se mostra provada a existência de motivações fora do âmbito das decisões de investimento e de prossecução do objeto social.
J) - Além do mais, aferir se o custo se mostrou essencial para a obtenção de rendimentos, tal é um juízo que deve ser avaliado a data em que a opção foi tomada e não após o decurso do tempo.
L) - Ou seja, se o investimento em concreto não se mostrou lucrativo, tal não é motivo para excluir os custos incorridos, porquanto a data relevante é a data da tomada da decisão e se esta decisão societária se mostra ou não afastada do que é uma decisão de livre governo da sociedade dentro do objeto social.
M) - Pelo que, não é admissível a decisão recorrida na parte em que não dá por provada a essencialidade do custo para a própria impugnante /recorrente.
N) - Quanto ao custo de aquisição de € 399.038,32 do artigo urbano ...84 fração D, da freguesia ..., concelho de ... e data da efetiva cedência ter ocorrido em Outubro de 2007 e não Março de 2008, entende a recorrente que a douta sentença recorrida incorreu em errónea apreciação dos documentos em conjugação com os depoimentos e com as regras da experiência comum.
O) - Dos depoimentos transcritos não resulta qualquer inconsistência quanto ao facto em causa (a cedência da posse e do imóvel situado na Zona Industrial ..., em ... para a sociedade [SCom03...] em 2007), pois ambas as testemunhas da recorrente atestam este facto enquadrando-o no tempo e de forma circunstanciada, porquanto associam este facto com o divórcio dos sócios da [SCom01...], os quais, na sequência da divisão de património, acordaram na transmissão do imóvel para a sociedade [SCom03...], detida pela Sr.ª «BB», ex-cônjuge de «CC» (sócio da impugnante).
P) - Este facto relatado pelas testemunhas que foi confirmado pelo documento junto às alegações de direito (certidão do registo comercial) e dado como facto provado em 18. do probatório.
Q) - Atentos os depoimentos e das regras de experiência comum, também se extrai que uma sociedade constituída em Outubro de 2007 terá dificuldades, pelo menos burocráticas, em formalizar com uma sociedade locadora um contrato de locação e ou de cedência da posição contratual em locação já existente.
R) - Na verdade, acordado entre os ex-cônjuges a forma de dividir o património é de experiência comum que as partes passem a agir como proprietários de facto da parte que lhes coube e passem a gerir o património como possuidores de facto, independentemente da formalização dos negócios.
S) - Com efeito, se assim não fosse, porque haveria a recorrente deixar de debitar custos, a partir de Outubro de 2007, com um imóvel em regime de locação, antes de o ceder? Porque haveria a recorrente de passar a debitar, a partir de Outubro de 2007, a outra sociedade as rendas mensais do contrato de locação, sem ter havido um negócio de cedência?
T) - Assim, ficou provado não só a cedência da posição de locatária relativa ao imóvel, mas também o período em que ocorreu essa cedência (Outubro de 2007).
U) - Com efeito, não obstante a formalização da cedência, por escritura, ter ocorrido em 15/03/2008, a verdade é que o negócio e a transmissão da posse e da fruição do imóvel, na qualidade de locatária, ocorreu efetivamente em Outubro de 2007 e esta foi a data que relevou para efeitos contabilísticos e fiscais.
V) - Efetivamente, o princípio contabilístico da primazia da substância sobre a forma impõe que o respetivo registo contabilístico das operações económicas seja efetuado de forma a relevar a substância económica e não apenas a sua forma legal, e a LGT dispõe no n.º 3 do artigo 11º e no nº 2 do artigo 36º que as normas de incidência a aplicar devem atender à substância económica dos factos tributários.
X) - Acresce que, nos termos do artigo 75º, n.º 1 da LGT, se presumem verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
Z) - Presunção de veracidade e boa fé que não foi abalada pelos serviços de inspeção tributária, nem pelos depoimentos em sede de julgamento.
AA) - Já quanto ao custo de aquisição no montante de € 399.038,32, na douta sentença recorrida adere-se à posição da AT, de que a aquisição da posição contratual de locatária do imóvel em causa nos autos apenas quando efetuado o contrato de locação financeira com a locadora Banco 1..., S.A., e pelo montante de € 199.519,16, dando como inexistente uma cedência de posição contratual do anterior locatário, o Sr. «DD».
BB) - Da conjugação da prova testemunhal com os documentos juntos aos autos (designadamente do contrato de cessão de posição contratual entre a recorrente e o Sr. «DD»), constata-se que o anterior locatário estaria disposto a desocupar o locado e ceder a sua posição mediante o pagamento de 40.000.000$00 (€ 199.519,15).
CC) - Embora a recorrente tenha outorgado um contrato de locação imobiliária diretamente com a locadora ficou demonstrado, o anterior locatário não abdicou da sua posição sem contrapartida, que exigiu à recorrente.
DD) - E daí o pagamento que a recorrente registou como custo de aquisição na sua contabilidade, conforme explicado pela testemunha «EE».
EE) - Quanto aos meios de pagamento, constantes de folhas 90 a 92 dos autos, estão em consonância com o contrato de cedência da posição contratual entre o anterior locatário e a recorrente.
FF) - Com efeito, da leitura do já aludido contrato entre a recorrente e o Sr. «DD», na cláusula terceira consta que os cedentes receberam “anteriormente” o montante de € 32.500.00$00, e que na data da assinatura recebem a quantia de 7.500.000$00.
GG) - Ora, os cheques constantes de folhas 90 (segundo cheque, no montante de € 22.500.000$00) e 91 (cheque no montante de € 10.000.000$00) somam a quantia de 32.500.000$00, que os cedentes declararam ter recebido “anteriormente” pela cedência da locação do imóvel e a folhas 92 dos autos consta o cheque de 7.500.000$00, referente à quantia que os cedentes declararam ter recebido com a assinatura do contrato de cedência.
HH) - Ademais a declaração constante da folha 90 dos autos, justifica a razão de ser do cheque emitido por «DD» no montante de € 112.229,52.
II) - Documentos de pagamento estes que aliados ao depoimento da testemunha «EE», comprovam o valor de aquisição ao anterior locatário.
JJ) - A errónea apreciação dos factos levou a um erro de julgamento.
LL) - Por último, a douta sentença recorrida é omissa quanto ao facto de a impugnante/recorrente ter pago o imposto liquidado, o que consta documentalmente provado em documentos juntos aos autos em 09/01/2014.
MM) - Facto este que deveria ter sido dado como provado, para efeitos de pronuncia quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado.
NN) - Uma vez que a liquidação de IRC impugnada resulta de erro imputável à AT e uma vez que o imposto apurado na mesma liquidação já se encontra pago, é a AT responsável pelo pagamento de juros indemnizatórios no período compreendido entre a data do pagamento e o respetivo reembolso.
OO) - Termos em que se conclui que a douta sentença recorrida incorreu em errónea apreciação da prova, e, consequentemente, incorreu em erro de julgamento.

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2.2. A Recorrida não contra-alegou.
2.3. O Ministério Público emitiu parecer defendendo a improcedência do recurso.
2.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

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3. Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

1. Com base na Ordem de Serviço n.º OI2010....15, de 18.05.2010, a Impugnante foi sujeita a uma ação inspetiva externa, de âmbito parcial (IRC e IVA), que incidiu sobre os exercícios de 2007 e 2008. – cfr. fls. 48 do processo de reclamação graciosa apenso.
2. Através do ofício n.º ...50, datado de 17.11.2010, por carta registada, foi remetido à Impugnante o projeto de relatório de inspeção tributária.
3. Em 29.11.2010 deu entrada na Direção de Finanças ... o requerimento de fls. 26 e ss. do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se tem por reproduzido.
4. Em 02.12.2010 foi elaborado o relatório de inspeção tributária que consta de fls. 44/63 do processo administrativo apenso, que se dão por reproduzidas, e do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“[...]
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


[...]



5. As correções foram sancionadas pelo Chefe de Equipa «FF» e pela Diretora de Finanças Adjunta, por subdelegação. – cfr. fls. 44/45 do processo de reclamação graciosa apenso.
6. O relatório de inspeção tributária foi notificado à Impugnante através de carta registada com aviso de receção em 06.12.2010. – cfr. fls. 43 frente e verso do processo de reclamação graciosa apenso.
7. Na sequência da ação inspetiva, foi emitida a liquidação de IRC e juros compensatórios, referente ao exercício de 2007, no montante global de 51 737,60 E.
8. A Impugnante, não se conformando deduziu reclamação graciosa da liquidação, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 3 e ss. do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.
9. Em 26.05.2011 foi emitida pela Divisão de Justiça Tributária a informação n.º...3/2011, cujo teor se tem por reproduzido. - fls. 79/81 do processo de reclamação graciosa apenso.
10. Em 26.05.2011 foi emitido o projeto de despacho de indeferimento pelo Chefe de Divisão. - cfr. fls. 78 do processo de reclamação graciosa apenso.
11. Através do ofício n.º ...54, de 26.05.2011, remetido por carta registada, foi a Impugnante notificada, na pessoa do seu mandatário judicial, para exercer o direito de audição prévia, por escrito, sobre o projeto de decisão referido no ponto anterior. - cfr. fls. 82/83 do processo de reclamação graciosa apenso.
12. A Impugnante não exerceu o direito de audição. - cfr. fls. 84 do processo de reclamação graciosa apenso.
13. Em 16.06.2011 foi emitida pela Divisão de Justiça Tributária informação no sentido do indeferimento da reclamação graciosa, cujo teor se tem por reproduzido. - cfr. fls. 84 do processo de reclamação graciosa apenso.
14. Por despacho datado de 16.06.2011, o Chefe de Divisão indeferiu a reclamação graciosa. - cfr. fls. 84 do processo de reclamação graciosa apenso.
15. Em 05.06.2006, a Impugnante remeteu ao Serviço de Finanças recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto anterior, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 3/6 do processo de recurso hierárquico apenso aos autos.
16. Em 27.04.2012, a Direção de Serviços do IRC - Divisão de Administração emitiu a informação n.º ....24/11, no sentido de ser negado provimento ao recurso hierárquico. - cfr. fls. 17/21 do processo de recurso hierárquico apenso aos autos.
17. Sobre a informação mencionada no ponto anterior foi exarado despacho pela Diretora Serviços, datado de 31.07.2012, nos termos do qual indeferiu o recurso hierárquico. - cfr. fls. 17 do processo de recurso hierárquico apenso aos autos.
18. Da certidão de registo comercial com o n.º de matrícula ...60, da Conservatória do Registo Comercial ..., referente à SOCIEDADE POR QUOTAS [SCom03...], LDA. consta, entre o mais o seguinte:
"Insc. 1 – AP. ...12:07:34 UTC – CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE,
DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ORGÃO(S) SOCIAL(AIS) FIRMA: [SCom03...], LDA
NIPC:...60
NATUREZA JURÍDICA: SOCIEDADE POR QUOTAS
SEDE: Rua ..., ...
Distrito: ... Concelho: ... Freguesia: ... (...)
... ...
OBJECTO: Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.
Arrendamento de imóveis.
CAPITAL: 25.000,00 Euros
Data de encerramento das contas do exercício: 31 de Dezembro
SÓCIOS E QUOTAS:
QUOTA: 22.500,00 Euros
TITULAR: «BB»
NIF: ...09
Estado civil: Divorciada (a)
Residência: Rua ..., ...
... ...
[...]”.
[cfr. certidão de fls. 178/179 dos autos].

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Matéria de facto não provada
Para além dos factos referidos, não foram provados outros com relevância para a decisão da causa, nomeadamente os elencados sob os artigos 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 33.º, 34.º, 35.º, 48.º, 49.º, 51.º, 52.º e 54.º da petição inicial.
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Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica do teor dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
Para a formação da convicção do Tribunal também contribuiu o depoimento de «GG», Inspetora Tributária que levou a cabo o procedimento inspetivo que esteve na origem da liquidação ora impugnada.
Em concreto, e relativamente ao empréstimo à sociedade [SCom02...] referiu que a Impugnante teve custos com a obtenção de financiamento que, em 2007, foram na ordem de 50 000,00 € e em 2008 na ordem de 78 000,00 € e que se não fosse o empréstimo à [SCom02...], não precisava de se endividar tanto à banca.
Quanto à cedência da posição contratual, referiu que a cedência da posição contratual da Impugnante à [SCom03...] está relevada contabilisticamente através de documentos internos e externos.
Afirmou que a locadora não confirmou a receção da carta junta como doc. 5 com a petição inicial [cfr. fls. 74 dos autos] e que disse [relativamente ao alegado negócio com o Sr. «DD»] que nunca houve cedência, apenas uma rescisão e novo contrato.
Referiu que não considerou o custo de aquisição porque não havia qualquer relação entre o Sr. «DD» e a [SCom01...], e que apesar do contrato o Sr. «DD» não era o proprietário do imóvel.
Analisando os cheques juntos com a petição inicial como docs. 11, 12 e 13 refere que não se percebe qual a sua relação com o negócio.
O doc. 11 é emitido à ordem de «CC» e assinado por «DD», o valor não coincide com o valor do negócio, sendo certo que apenas foram apresentadas as “frentes” dos cheques.
O segundo cheque data de 2001 e o negócio teve lugar em 2002, acresce que é emitido por «HH» e «II» a favor de «CC», sendo certo que este último no caso em apreço, assume a veste de comprador.
O cheque junto como doc. 13 é emitida por «CC», todavia desconhece-se à ordem de quem.
A Sr. Inspetora afirmou ainda que é estranho que tratando-se de negócios realizados pela empresa, é sempre o nome do sócio que surge e nunca a empresa.
Referiu que o contrato de cessão de posse entre «DD» e a [SCom01...] nunca produziu efeitos uma vez que houve uma rescisão do contrato. Além disso o Sr. «DD» não estava autorizado a fazer a cessão uma vez que não havia autorização da locadora.
Afirmou ainda que apesar de a Impugnante afirmar que a partir de agosto de 2007, a [SCom03...] recebia as rendas, os proveitos não foram declarados e também na Impugnante não foram relevadas as rendas.
Vejamos agora os depoimentos das testemunhas «AA» e «EE», oferecidas pela Impugnante.
«AA», Engenheiro Civil, referiu que a Impugnante fez um empréstimo à [SCom02...] que teve a ver com a compra do terreno que se terá consumado em 2007. Afirmou que a [SCom02...] era uma sociedade nova, que não tinha acesso ao crédito bancário. Referiu que foi constituída em 2004 e de esse ano a 2007 não tinha qualquer negócio. Afirmou ainda que se tratou de uma opção de gestão da [SCom02...] acordando-se que cada sócio entrava com uma parte proporcional à sua quota.
No que tange à cedência da posição contratual, referiu que a Impugnante adquiriu
dois armazéns, por locação financeira, para rendimento, para depois os arrendar.
No ano de 2007 o imóvel estava arrendado.
Referiu que no ano de 2007 o Sr. «CC», sócio gerente da Impugnante divorciou-se tendo um dos armazéns ficado para a [SCom01...] [o que faz gaveto] e outro para a sociedade da ex-esposa [o armazém ao lado].
Disse ainda que crê que a [SCom01...] deixou de ocupar o imóvel: Questionado pela Ilustre Mandatária da Impugnante se o imóvel foi ocupado por outras pessoas ou se a [SCom03...] manteve o contrato de arrendamento, não soube dizer.
«EE», T.O.C. da [SCom04...], S.A. da qual a Impugnante detém 45% e responsável também pela contabilidade da [SCom02...], afirmou que a [SCom02...] tinha necessidade de adquirir uns lotes de terreno e que não tinha meios financeiros para fazer face a esse investimento, pelo que os sócios tiverem que fazer suprimentos.
Referiu que a [SCom01...] detém 50% da [SCom02...] e que a Impugnante não tinha dificuldade em se financiar, tinha uma conta caucionada, todavia não se financiou exclusivamente para emprestar dinheiro à [SCom02...].
Afirmou, por último, que os empréstimos foram feitos na proporção das quotas e que o empréstimo à [SCom02...] não teve custos para esta.
Questionado sobre as diligências efetuadas para concluir que a [SCom02...] não tinha acesso a crédito bancário, referiu que deve ter sido sondada uma entidade bancária.
Relativamente à locação financeira afirmou que a Impugnante desenvolvia a sua atividade em ..., num imóvel adquirido em 2002 através de leasing.
Referiu que o Sr. «CC», sócio gerente da Impugnante, entrou em processo de divórcio e que em outubro de 2007 foi efetuada a partilha e que a D. «BB» tomou posse do imóvel em nome da sociedade [SCom03...].
Afirmou que foram efetuados todos os movimentos contabilísticos e que apesar das rendas continuarem a ser debitadas à [SCom01...] esta, posteriormente, debitou-as à [SCom03...].
Referiu que o imóvel esta arrendado e que a partir de outubro de 2007 não sabe o que se passou.
Disse que o valor do negócio ascendeu a 185 000,00 €, 40 000,00 em rendas que já tinham sido pagas e os restantes 137 000,00 €.
A não prova dos factos elencados sob os artigos 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 33.º, 34.º, 35.º, 48.º, 49.º, 51.º, 52.º e 54.º da petição inicial resulta da ausência de prova documental aliada à inconsistência da prova testemunhal.
Com efeito, as testemunhas limitaram-se a referir que em agosto de 2007 o sócio gerente da Impugnante efetuou partilhas com a sua ex-esposa, mas não referiram factos ou circunstâncias concretas que permitissem concluir que a cessão da posição contratual teve lugar nesse momento e não em 2008. Note-se ainda que, conforme referiram as testemunhas, o imóvel nessa data estava arrendado a terceiros.

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4. Atentas as conclusões extraídas da motivação de recurso que sintetizando as razões do pedido recortam o thema decidendum, as questões que reclamam solução neste recurso consistem em aferir se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto e consequente erro na aplicação do direito (estando este dependente da verificação daquele).
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5. Apreciação do recurso

O Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação por ter sido entendido que não se verifica erro sobre os pressupostos de facto da liquidação de imposto em crise (IRC do ano de 2007), na medida em que não considerou provado:
· O custo de aquisição no valor de € 399.083,32 do artigo urbano ...84 fração D, da freguesia ..., conselho de ... e data da respetiva cedência.
· A essencialidade e indispensabilidade dos custos financeiros suportados pela recorrente com o empréstimo efetuado à empresa participada “[SCom02...], Lda.”;


5.1. Do erro de julgamento

5.1.1. Da aquisição do imóvel e seguindo o entendimento vertido no processo 204/12.3BEVIS, dado que os factos tributários em causa, a prova realizada, o teor da sentença e do recurso são totalmente coincidentes (sendo que neste processo encontra-se em discussão o IRC e naquele o IVA).

Entende a Recorrente, quanto à decisão da matéria de facto que o tribunal a quo efetuou uma errada seleção e apreciação de todos os elementos de prova, ao desconsiderar a prova testemunhal por si indiciada e, consequentemente, considerar não provados os factos constantes do ponto 3.2. dos factos não provados.
Em concreto, a Recorrente não concorda que o Tribunal a quo considere os factos elencados nos artigos 27º a 30º, 33º a 35º, 48º, 49º, 51º, 52º e 54º da petição como não provados por falta de prova documental e inconsistência da prova testemunhal. Tal alegação reporta-se ao custo de aquisição do imóvel supra referido e data da efetiva cedência.
Na ótica da Recorrente, como motivação para a matéria de facto não provada, o Tribunal a quo refere a ausência de prova documental aliada à inconsistência da prova testemunhal e que não foram referidos factos ou circunstâncias concretas que permitissem concluir que a cedência da posição contratual teve lugar em outubro de 2007 e não em março de 2008.
Porém, a Recorrente entende que assim não resulta da prova produzida, designadamente, dos documentos em conjugação com os depoimentos e com as regras da experiência comum, dado que, dos depoimentos transcritos não resulta qualquer inconsistência quanto ao ato em causa (a cedência da posse e do imóvel localizado em ...), pois ambas as testemunhas atestam este facto enquadrando-o no tempo e de forma circunstanciada, porquanto associam este facto com o divórcio dos sócios da [SCom01...], os quais, na sequência da divisão de património, acordaram na transmissão do imóvel para a sociedade [SCom03...], detida por «BB», ex-cônjuge de «CC» (sócio da impugnante), facto relatado pelas testemunhas que é confirmado pelo documento junto às alegações de direito (certidão do registo comercial) e dado como facto provado em 18. do probatório, de modo que, atentos os depoimentos e das regras de experiência comum, também se extrai que uma sociedade constituída em Outubro de 2007 terá dificuldades, pelo menos burocráticas, em formalizar com uma sociedade locadora um contrato de locação e ou de cedência da posição contratual em locação já existente, sendo que, acordado entre os ex-cônjuges a forma de dividir o património é de experiência comum que as partes passem a agir como proprietários de facto da parte que lhes coube e passem a gerir o património como possuidores de facto, independentemente da formalização dos negócios.
Com efeito, se assim não fosse, porque haveria a recorrente deixar de debitar custos, a partir de outubro de 2007, com um imóvel em regime de locação, antes de o ceder? Porque haveria a recorrente de passar a debitar, a partir de outubro de 2007, a outra sociedade as rendas mensais do contrato de locação, sem ter havido um negócio de cedência?
Assim, na ótica da Recorrente terá ficado provado não só a cedência da posição de locatária relativa ao imóvel, mas também o período em que ocorreu essa cedência (Outubro de 2007) e não obstante a formalização da cedência, por escritura, ter ocorrido em 15/03/2008, a verdade é que o negócio e a transmissão da posse e da fruição da imóvel, na qualidade de locatária, ocorreu efetivamente em Outubro de 2007 e esta foi a data que relevou para efeitos contabilísticos e fiscais.
Vejamos se lhe assiste razão.
Na sentença sob recurso, consta a seguinte motivação, atento os depoimentos das testemunhas a que a Recorrente se reporta em abono do seu entendimento:
[Vejamos agora os depoimentos das testemunhas «AA» e «EE», oferecidas pela Impugnante.
«AA», Engenheiro Civil, referiu que a Impugnante fez um empréstimo à [SCom02...] que teve a ver com a compra do terreno que se terá consumado em 2007. Afirmou que a [SCom02...] era uma sociedade nova, que não tinha acesso ao crédito bancário. Referiu que foi constituída em 2004 e de esse ano a 2007 não tinha qualquer negócio. Afirmou ainda que se tratou de uma opção de gestão da [SCom02...] acordando-se que cada sócio entrava com uma parte proporcional à sua quota.
No que tange à cedência da posição contratual, referiu que a Impugnante adquiriu dois armazéns, por locação financeira, para rendimento, para depois os arrendar.
No ano de 2007 o imóvel estava arrendado.
Referiu que no ano de 2007 o Sr. «CC», sócio gerente da Impugnante divorciou-se tendo um dos armazéns ficado para a [SCom01...] [o que faz gaveto] e outro para a sociedade da ex-esposa [o armazém ao lado].
Disse ainda que crê que a [SCom01...] deixou de ocupar o imóvel: Questionado pela Ilustre Mandatária da Impugnante se o imóvel foi ocupado por outras pessoas ou se a [SCom03...] manteve o contrato de arrendamento, não soube dizer.
«EE», T.O.C. da [SCom04...], S.A. da qual a Impugnante detém 45% e responsável também pela contabilidade da [SCom02...], afirmou que a [SCom02...] tinha necessidade de adquirir uns lotes de terreno e que não tinha meios financeiros para fazer face a esse investimento, pelo que os sócios tiverem que fazer suprimentos.
Referiu que a [SCom01...] detém 50% da [SCom02...] e que a Impugnante não tinha dificuldade em se financiar, tinha uma conta caucionada, todavia não se financiou exclusivamente para emprestar dinheiro à [SCom02...].
Afirmou, por último, que os empréstimos foram feitos na proporção das quotas e que o empréstimo à [SCom02...] não teve custos para esta.
Questionado sobre as diligências efetuadas para concluir que a [SCom02...] não tinha acesso a crédito bancário, referiu que deve ter sido sondada uma entidade bancária.
Relativamente à locação financeira afirmou que a Impugnante desenvolvia a sua atividade em ..., num imóvel adquirido em 2002 através de leasing.
Referiu que o Sr. «CC», sócio gerente da Impugnante, entrou em processo de divórcio e que em outubro de 2007 foi efetuada a partilha e que a D. «BB» tomou posse do imóvel em nome da sociedade [SCom03...].
Afirmou que foram efetuados todos os movimentos contabilísticos e que apesar das rendas continuarem a ser debitadas à [SCom01...] esta, posteriormente, debitou-as à [SCom03...].
Referiu que o imóvel esta arrendado e que a partir de outubro de 2007 não sabe o que se passou.
Disse que o valor do negócio ascendeu a 185 000,00 €, 40 000,00 em rendas que já tinham sido pagas e os restantes 137 000,00 €.
A não prova dos factos elencados sob os artigos 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 33.º, 34.º, 35.º, 48.º, 49.º, 51.º, 52.º e 54.º da petição inicial resulta da ausência de prova documental aliada à inconsistência da prova testemunhal. Com efeito, as testemunhas limitaram-se a referir que em agosto de 2007 o sócio gerente da Impugnante efetuou partilhas com a sua ex-esposa, mas não referiram factos ou circunstâncias concretas que permitissem concluir que a cessão da posição contratual teve lugar nesse momento e não em 2008. Note-se ainda que, conforme referiram as testemunhas, o imóvel nessa data estava arrendado a terceiros.] – Fim de transcrição.
Sobre tal motivação, reitera-se que a Recorrente refere que não se verifica qualquer inconsistência nos depoimentos
Como é sabido, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que a Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida, sendo que a Recorrente, "in casu", não escolheu o melhor caminho para colocar em crise a matéria em apreço, pois que nas suas alegações pretende discutir, de forma generalizada, se a prova testemunhal produzida pela impugnante é ou não suficiente para evidenciar que a cedência da posição contratual teve lugar em Outubro de 2007 e não em Março de 2008.
Com efeito, importa notar que está em causa a apreciação que o Tribunal recorrido fez da factualidade alegada nos autos, o que significa que se impunha à Recorrente a clara definição dos pontos de facto incorretamente julgados e a descrição dos meios probatórios suscetíveis de evidenciar essa realidade diversa e tal situação não se compadece com a simples alegação em bloco para depoimentos, sem uma análise concreta de cada um destes elementos, tendo como pano de fundo a decisão do Tribunal recorrido neste domínio.
Na verdade, e quanto à testemunha «AA», o depoimento em apreço começa por aludir ao facto de a Recorrente arrendar o imóvel descrito nos autos para depois apontar a matéria da separação dos sócios da Recorrente e da divisão dos pavilhões, aludindo depois a umas conversas sobre a cessão da locação financeira, nada sabendo sobre a eventual retirada de material da Impugnante das instalações em causa.
Por seu lado, a testemunha «EE», embora apresente um discurso mais elaborado, quando questionado sobre as condições em que a Recorrente deixou o imóvel, sendo que tal motivou até a intervenção da Sra. Juíza que presidiu à inquirição no sentido de saber, afinal, onde é que era desenvolvida a atividade da Recorrente, acaba por dizer que o imóvel que interessa aos autos estava arrendado e a tal atividade era desenvolvida noutro local, apontando depois que o arrendatário que estava lá saiu e entrou a nova empresa, referindo ainda questões burocráticas para justificar a formalização posterior da cedência da posição contratual.
A partir daqui, não é possível conferir qualquer virtualidade à alegação da Recorrente, na medida em que nunca existe a clara definição dos pontos de facto incorretamente julgados, mas sempre a ideia de demonstrar que a prova testemunhal produzida pela impugnante é suficiente para demonstrar que a cedência da posição contratual teve lugar em outubro de 2007 e não em março de 2008, de nada valendo o facto apurado de a sociedade “[SCom03...], Lda.” ter sido constituída no final de Outubro de 2007, dado que, tal mostra-se insuficiente para, nos termos propostos pela Recorrente, produzir a afirmação já apontada nos autos.
Mas mais.
Como bem assinala a decisão recorrida, foi junta aos autos uma carta, datada de 26 de outubro de 2007, dirigida ao Banco 1... S.A. a solicitar o consentimento escrito para transmitir a posição contratual para a sociedade [SCom03...], Lda., sendo certo que não existe prova documental de que tal carta tenha sido enviada à entidade locadora e esta não confirmou à Inspetora Tributária a receção da mesma.
Além disso, a Recorrente refere que após outubro de 2007, passou a debitar à sociedade [SCom03...], Lda. todos os encargos, nomeadamente as rendas mensais, sendo que da contabilidade quer da [SCom01...], Lda. quer da [SCom03...] não constam quaisquer rendas, além de que a contabilidade da [SCom03...] não exibe quaisquer proveitos com as rendas, sendo certo que o imóvel objeto do contrato de locação financeira estava arrendado.
Por outro lado, no que se refere ao custo de aquisição no valor de € 399.083,32 do artigo urbano ...84 fração D, da freguesia ..., conselho de ..., em que parte desse valor teria sido entregue ao anterior locatário como contrapartida da cedência da sua posição contratual, a apenas reitera o já alegado em sede de petição inicial, olvidando a fundamentação da sentença, na qual consta:
{(…) a entidade locadora instada a prestar esclarecimentos, afirmou que não houve qualquer cedência de posição contratual do Sr. «DD» para a [SCom01...], Lda., apenas uma rescisão de contrato com o Sr. «DD», novo contrato com a [SCom01...], Lda. e, ulteriormente, cedência de posição da [SCom01...], Lda. para a [SCom03...].
Acresce que, o Sr. «DD» não estava autorizado pela entidade locadora para o efeito. Por outro lado, não se percebe o contrato de cedência da posição contratual quando, precisamente no mesmo dia [15.01.2002] o Sr. «DD» rescindiu o contrato com a locadora e foi realizado um novo contrato entre a locadora e a Impugnante. Pelo que, resta concluir que ainda que tal contrato de cessão contratual se tenha realizado, o que não resultou provado, o mesmo não produziu quaisquer efeitos.
Por último a alegada cedência não se encontrava registada na Conservatória do Registo Predial nem constava do cadastro da D.G.C.I.
No que tange aos meios de pagamento, o primeiro cheque de fls. 90 dos autos é emitido à ordem do Sr. «CC», administrador da Impugnante, e assinado pelo Sr. «DD». Ora tratando-se de um negócio no qual é a [SCom01...] que compra e é o Sr. «DD» que vende, não se compreende este movimento financeiro em “sentido contrário”. Além disso, o montante do cheque 112 229,52 € não coincide com nenhum dos valores envolvidos no negócio.
No que tange aos alegados endossos referidos pelas testemunhas, os mesmos não se encontram provados uma vez que a Impugnante apenas juntou cópia da frente dos cheques.
Relativamente ao segundo cheque, de valor coincidente [PTE: 22 500 000$00 equivale a EUR: 112 229,52 €] trata-se de um título de crédito emitido a favor do Sr. «CC» e por terceiros, pessoas estranhas ao negócio, facto que não foi explicado pela Impugnante.
O cheque de fls. 91 também é emitido a favor de Sr. «CC», sendo estranho porque era o Sr. «CC», ou mais precisamente, a [SCom01...] que estava a comprar.
Por último, o cheque de fls. 92 é emitido pelo Sr. «CC» mas desconhece-se a favor de quem.
Note-se que o nome que surge sempre é o de «CC» e não o da Impugnante.
No que tange à declaração de fls. 90 dos autos, nos termos da qual o Sr. «DD» declara que recebeu PTE: 22 500 000$00 como reforço de sinal por conta da venda das instalações na Zona Industrial ..., pode-se dizer que o Sr. «DD» não podia vender as instalações uma vez que não era proprietário das mesmas.} – fim de transcrição.
Assim, e nesta altura, tendo presente que a alegação da Recorrente não comporta elementos que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos e depoimentos -, de modo que, e como ficou exposto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção, o que tal acarreta é que o julgamento da matéria de facto levado a cabo pela decisão recorrida, se tenha de ter por inalterado, sendo, pois, à sua luz que caberá indagar se o julgamento de direito consequente, no que diz respeita à matéria em crise.
Atento o esforço inglório da Recorrente quanto à verificação de erro de julgamento da matéria de facto, não se verifica, consequentemente, nenhum erro de julgamento de direito quanto à não aceitação por parte da Administração Tributária do custo de aquisição no valor de € 399.083,32 do artigo urbano ...84 fração D, da freguesia ..., conselho de ... e data da respetiva cedência.

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5.1.2. Dos custos financeiros

Quanto aos custos relativos a juros como contrapartida de empréstimos bancários, a Administração Tributária entendeu que os mesmos não deveriam ter concorrido para a determinação da matéria tributável com base na seguinte argumentação: [(…) Não obstante os empréstimos contraídos , o sujeito passivo efectuou à [SCom02...], Lda. NIF ...89 (empresa na qual possui uma quota no valor de 2.500,00€) em 2006 e 2007, no valor global de 348.500,00 conforme consta da conta do POC “4131-Empréstimos de financiamento – [SCom02...], Lda., não estando registada na contabilidade qualquer tipo de remuneração relativa aos mesmos.] – teor do facto provado 4.
Alega o Recorrente em sede de conclusões [de A) a M)] que tais encargos foram necessários para a obtenção de rendimento e que tais custos são essenciais para a manutenção da atividade da sociedade participada e, consequentemente, essenciais para a obtenção de proveitos por parte da Recorrente.
Para tanto, a Recorrente defende que da prova testemunhal resultaria o seguinte. “(…) ficou explícito que sendo a [SCom02...] uma empresa nova e com pouca atividade, o acesso ao crédito bancário era difícil, a que acresce a tomada da decisão societária de que cada um dos sócios teria que entrar com financiamento próprio para o concreto negócio de aquisição de um terreno. Sendo que a [SCom02...] tinha três sócios, sendo de 50% do capital detido pela [SCom01...], 25% do capital detido pelo Sr. «AA» e os restantes 25% por outro sócio.”
Primeiramente, constata-se que nem em sede de motivação, nem em sede de conclusão, a Recorrente identifica que factos deveriam ser considerados provados que conduzissem à conclusão supra referida. Mas, mesmo que assim não fosse, da transcrição dos depoimentos resulta que a necessidade de financiamento resultou da necessidade da sociedade “[SCom02...]” e que foi esta que decidiu financiar-se “com um empréstimo dos sócios.” Além de que a referida sociedade “[SCom02...]” apesar de ser alegado como uma empresa nova, a verdade é que já existia (de acordo com as testemunhas indicadas pela Recorrente) desde 2004.
Assim sendo, o depoimento das testemunhas não se mostra compaginável com a fixação de factos passíveis de consubstanciar as conclusões/ilações pretendidas pela Recorrente e supra referidas.
No mais, e quanto a esta questão relativa a custos financeiros, consta da decisão recorrida que:
{Em termos abstratos a questão coloca-se nos seguintes termos: à luz do artigo 23.º do CIRC podem ser considerados fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos pelo sujeito passivo para fazer face a necessidades financeiras de uma sociedade sua participada.
Ora, o STA foi já várias vezes convocado a decidir esta questão tendo decidido nos seguintes termos: “À luz do art. 23º do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas. ” [cfr. acórdão de 30.11.2011, recurso n.º 0107/11].
Vide também a título de exemplo e entre outros, acórdãos de 20.05.2009, processo n.º 01077/08, de 10.07.2002, processo n.º 246/02, de 07.02.2007, processo n.º 1046/05, de 30.11.2011, processo n.º 0107/11, de 30.05.2012, recurso n.º 0171/11, todos consultáveis em http://www.dgsi.pt.
No acórdão de 20.05.2009, processo n.º 01077/08 consta o seguinte: “Dispõe o predito normativo legal [artigo 23.º do CIRC] que, “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:…c) encargos de natureza financeira, com juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com ope rações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso…”. Daqui resulta que os custos ali previstos não podem deixar de respeitar desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custos daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.
A não ser desta forma, como podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação. As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada. Tais verbas não estão, pois, diretamente relacionadas com qualquer atividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente à sua actividade. Por outro lado, não se trata aqui de juros de capitais alheios aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custos na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC. A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
E tal indispensabilidade está longe, neste caso de ter sido demonstrada.”.
A nível doutrinal veja-se RUI MORAIS Apontamentos IRC, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 87, que embora defendendo que a aceitação fiscal do custo não pode ser referida à natureza do encargo, mas sim às circunstâncias em que o mesmo ocorreu, conclui que “Se a assunção do encargo que origina o custo presidiu uma genuína motivação empresarial – o entendimento dos sócios e/ou gestores da sociedade, os únicos a quem cabe decidir do interesse social - , o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável”.
Ora, na versão em vigor à data dos factos – 2007 - era a seguinte a redação do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (doravante CIRC), na parte que interessa para efeitos do presente recurso: “Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.”
Da leitura do citado normativo parece decorrer que a indispensabilidade entre custos e proveitos deve ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na atividade societária: os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa.
No caso concreto, não está em causa a comprovação dos custos, mas apenas a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos, pelo que importa apurar em que termos deve ser aferida essa indispensabilidade e sobre tal indispensabilidade não podemos deixar de concluir como fez o Tribunal a quo, quando decide que:
[Volvendo ao caso em apreço, na petição inicial toda a argumentação apresentada relativamente a esta questão é desenvolvida no sentido de que o financiamento à [SCom02...] era essencial para esta continuar a exercer a sua atividade de urbanização, construção e empreendimentos imobiliários e que o custo com o empréstimo era essencial para a manutenção da atividade da sociedade participada. Todavia, em momento algum, é alegada e provada a essencialidade do custo para a própria Impugnante, para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora] – Fim de citação.
Por conseguinte, e na esteira do entendimento que se julga pacífico do Supremo Tribunal Administrativo, só devem ser considerados custos do exercício, os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora, mas da própria sociedade que neles incorre e não de um terceiro.
Ora, sendo os custos em causa correspondentes a encargos com juros de empréstimos bancários contraídos pela Recorrente e destinados ao financiamento de uma Sociedade sua participada, gratuitamente e sem qualquer tipo de remuneração, não pode considerar-se que os mesmos estejam diretamente relacionados com a atividade da Recorrente ou com o seu objeto social [Compra e venda de imóveis].
Conclui-se, assim, pela improcedência total do recurso.

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6. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente.
Notifique.
Porto, 21 de março de 2024

José Coelho (relator)
Virgínia Andrade
Margarida Reis