Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02482/19.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:VITOR SALAZAR UNAS
Descritores:REVERSÃO;
GERÊNCIA NOMINAL;
GERÊNCIA DE FACTO; PRESUNÇÃO;
Sumário:
I - À luz do regime da responsabilidade subsidiária prevista no art.º 24.º, n.º 1, da LGT, em qualquer das suas duas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência, incumbindo à AT a sua demonstração.

II - Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.

III - Resultando da matéria de facto, apenas, que a oponente constava como gerente nominal da certidão da CRC e base de dados da segurança social, não existe prova suficientemente segura, como seria exigível, para concluir pelo seu comprometimento com uma gerência de facto, nem por apelo a presunção judicial.

IV - Soçobrando a demonstração de um dos pressupostos cumulativos para operar a reversão [no caso, a gerência de facto], verifica-se a ilegalidade da reversão da execução contra quem, não figurando no título executivo e não sendo responsável pelo pagamento da dívida em cobrança coerciva, surge como parte ilegítima, a Opoente, na execução, fundamento da oposição, nos termos do disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tal como decidido pela primeira instância.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO:

O INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, com os demais sinais nos autos, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou totalmente procedente a Oposição apresentada por «AA», na qualidade de responsável subsidiária, à execução fiscal n.º ...37 e apensos, a correr termos na Secção de Processo Executivo ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., em que é devedora originária a sociedade “[SCom01...], S.A.”, para cobrança coerciva de dívidas de contribuições do período 2016/11, no montante de € 33.048,93.
O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«(…).
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos presentes autos, nos termos do qual o Tribunal a quo decidiu julgar procedente a oposição por considerar que não ficou demonstrado o pressuposto do efetivo exercício da gerência de facto por parte da Oponente.
2. Não pode o IGFSS,IP conformar-se com tal entendimento, por considerarmos que esta sentença contribui para um entendimento que se tem generalizado e que conduz a resultados incompatíveis com a “ratio” do regime dos deveres e responsabilidades dos administradores/gerentes.
3. O registo dos atos de nomeação dos gerentes tem como efeito estabelecer a presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida: quem é nomeado gerente exerce de facto aquelas funções.
4. Fazer prova de que não se estão a cumprir as obrigações que correspondem aos deveres que impendem sobre um gerente não é ilidir a presunção de que ele é gerente, é tão só provar que ele, sendo gerente, não cumpre essas obrigações, devendo sujeitar-se às consequências legais desse incumprimento.
5. Existe por isso um erro de julgamento de facto e de direito.
6. A titularidade do cargo de gerente é um verdadeiro-poder e não um simples direito a favor de quem é conferido, criando efeitos fiscais e parafiscais e, simultaneamente, direitos e obrigações.
7. A jurisprudência mais recente, nomeadamente do TCAN, vai no sentido de que a Autoridade Tributária não necessita de invocar factos integrantes do exercício de facto da gerência/administração no período em que se verificou o facto constitutivo das dívidas tributárias, bastando-se com a mera indicação da gerência nominal, resultante do pacto social da sociedade devedora originária, para se dar por cumprida a respetiva fundamentação – cfr. Ac. TCAN de 27.10.2016 no processo n.º 00433/11.
8. Sobre os gerentes ou administradores de direito impende o dever de administrar, com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, a sociedade – nomeadamente cumprindo as obrigações desta, entre as quais o pagamento das dívidas tributárias, cometendo neste âmbito, o ilícito previsto no artigo 24º da LGT, por omissão.
9. Assim, apurando-se a responsabilidade dos administradores de facto de uma sociedade comercial deverá reconhecer-se igualmente a responsabilidade solidária dos administradores de direito da mesma pessoa coletiva.

Nestes termos, e nos que mais V. Exc.ªs doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e consequentemente revogada a sentença recorrida, e substituída por outra no sentido de manter o ato reclamado, com o que se fará a necessária e costumada JUSTIÇA.»
*
A Recorrida apresentou contra alegações, com as quais apresentou as seguintes conclusões:
«(…).
I. Vêm as presentes contra-alegações apresentadas relativamente ao recurso interposto pelo Exequente da douta sentença proferida nos presentes autos, nos termos do qual o Tribunal a quo decidiu julgar totalmente procedente a Oposição à Execução Fiscal, por considerar que não ficou demonstrado o pressuposto do efetivo exercício da gerência de facto por parte da Oponente, ora Recorrida;
II. Bem andou o Tribunal a quo ao considerar que não se encontra demonstrado o exercício da gerência de facto por parte da Recorrida,
III. Porquanto é inegável que o Exequente não conseguiu demonstrar – como lhe cabia legalmente –, este exercício e, ainda, porque a Recorrida, conforme explanado na petição inicial e nas alegações de primeira instância, nunca exerceu a gerência de facto da devedora originária;
IV. Note-se que, também em sede de recurso, o Exequente limita-se a referir que: “(…) dos autos não resultam requerimentos concretos da oponente em representação da sociedade, mas isso é porque face à suspensão dos processos que resultou da insolvência da devedora, a sociedade não veio aos autos, de forma nenhuma”, não juntando, novamente, qualquer documento que demonstre o efetivo exercício da gerência de facto por parte da Oponente, ora Recorrida e – ainda! – confirmando o vertido na sentença, de que nos autos não foi feita a prova que lhe cabia deste exercício de gerência;
V. Ora: não é suficiente a nomeação da Oponente, ora Recorrida para o cargo de gerente/administrador, nem a inscrição de alguém nessa qualidade no registo comercial (cf. artigo 11.º, nº 3 do Código do Registo Comercial), para se chegar à conclusão de que as funções inerentes foram exercidas, de facto;
VI. É entendimento unânime dos Tribunais fiscais superiores e da Doutrina mais avisada que, do registo comercial, apenas resulta a mera presunção legal de que uma determinada pessoa foi nomeada gerente/administrador, sendo mero gerente/administrador de direito;
VII. Acresce que não existem documentos que comprovem o exercício da gerência de facto por parte da Recorrida, não devido à insolvência da sociedade devedora originária, mas tão-só porque a Recorrida nunca exerceu as funções de gerente de facto da sociedade, tendo entrado para a administração nominal da sociedade através do Fundo Revitalizar Norte (doravante, “FRN”) – novo acionista da sociedade;
VIII. As funções da Recorrida prendiam-se com a prestação de apoio na execução de investimentos e desinvestimentos do FRN, na ótica da análise técnica financeira, bem como no apoio na monitorização e no acompanhamento de algumas empresas participadas do Fundo, nas quais se incluía a sociedade devedora originária;
IX. Quem exercia de facto as funções de administração era somente a Vice-Presidente e Administradora Delegada, «BB», e o Administrador Delegado, «CC»;
X. Acresce que foi deliberado que a gestão corrente da sociedade seria delegada nos referidos administradores («BB» e «CC»), ficando a sociedade vinculada pela assinatura conjunta dos referidos administradores delegados;
XI. Tendo, ainda, sido deliberado que “os administradores Exmos. Senhores «DD», Exma. Senhora «AA» (Oponente) e o Exmo. Senhor «EE» não serão remunerados pelo exercício das respetivas funções”;
XII. Pelo que a Oponente, como não exercia qualquer administração de facto, não auferia qualquer remuneração;
XIII. Ora, não obstante, nominalmente, existir uma referência à Recorrida como gerente da sociedade devedora originária, nos períodos da dívida revertida, nunca a Recorrida praticou qualquer ato próprio do cargo e funções de gerência na sociedade executada;
XIV. XIV. A Recorrida nunca praticou qualquer ato próprio de gerência na sociedade executada – i.e., nunca foi abordada para se pronunciar, nem se pronunciou quanto aos negócios a celebrar, empréstimos a contrair, políticas de vendas a prosseguir ou clientes a quem contactar;
XV. Tampouco contraiu obrigações em nome da sociedade, assim como jamais celebrou qualquer contrato em representação e no interesse da executada, nem vendeu os seus produtos, ou celebrou qualquer prestação de serviços;
XVI. Em suma, não se intitulou como administradora junto de credores, devedores, instituições bancárias, clientes, fornecedores ou até mesmo trabalhadores da sociedade devedora originária, nem tampouco por aqueles era visto como tal;
XVII. Nunca tendo exercido as funções de administração para as quais foi eleita, não interferindo no processo decisório, designadamente no que concerne aos débitos fiscais ou comuns a liquidar. Tais funções eram exercidas, como referido, pelos Administradores Delegados, «BB» e «CC», cuja assinatura era suficiente para obrigar a sociedade;
XVIII. Não tendo sido a Recorrida a determinar o não pagamento dos impostos em cobrança coerciva
XIX. Em face do exposto, só se poderá concluir que a Sentença recorrida decidiu bem ao julgar a Oposição à Execução Fiscal sub judice totalmente procedente, por não demonstrado o exercício da gerência de facto por parte da Oponente, ora Recorrida;
XX. Pelo que deverá a mesma manter-se na ordem jurídica, negando-se provimento ao Recurso interposto pelo Exequente.
TERMOS EM QUE, nos melhores do Direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o recurso interposto pelo Recorrente ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se a decisão de 1.ª instância, com o que se fará inteira e sã Justiça!»
*
O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo no sentido de ser negado provimento ao recurso, extratando-se o seguinte:
«(…).
Salvo o devido respeito, cremos falecer razão à recorrente.
Anotando-se que o questionado juízo decisório derivou:
i) Da não controvertida asserção de que a entidade oponida não invocou no despacho reversão, nem demonstrou – como, de acordo com as regras gerais de repartição do ónus probatório lhe competia (cfr. artº 74º, nº1 da LGT) - a prática pela oponente, no período temporal relevante para o efeito, de actos tradutores do exercício da gerência/administração de facto da devedora originária – gerência essa que constitui pressuposto geral da operada reversão (cfr. artº 24º, nº1 da LGT); e
ii) Do entendimento de que tal administração/gerência de facto não decorre, por si só, da mera administração/gerência nominal ou de direito.
Entendimento esse que, como se assinala na sentença recorrida, corresponde ao da jurisprudência dos tribunais superiores sobre a matéria (cfr., entre outros, Acórdão do TCAS de .13/09/2023, tirado no Proc. nº 2186/14.8BELRS, editado in www.dgsi.pt).
Reflectindo, a nosso ver, tal sentença acerto seja quanto à decisão de facto (que, aliás, a recorrente, em substância, não impugna), seja quanto à decisão de direito.
Nestes termos,
não padecendo, a nosso ver, a sentença sob escrutínio de patologias que, do ponto de vista da legalidade, determinem ou justifiquem a sua revogação, deverá ser negado provimento ao interposto recurso.»
*
Com dispensa dos vistos legais [cfr. artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre apreciar e decidir o presente recurso.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR.
Cumpre apreciar e decidir a questaõ colocada pelo Recorrente, cujo objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações – cfr. artigos 608º, nº e, 635º, n.ºs 4 e 5, todos do Código de Procedimento e de processo tributário (CPPT) – e que se centra em saber se a sentença padece de erro de julgamento por ter considerado a oponente parte ilegítima na execução fiscal.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO:
III.1 – DE FACTO
Na sentença recorrida foi fixada matéria de facto nos seguintes termos:
«Com relevância para a decisão da causa dão-se como provados os seguintes factos:
1. Em 11 de agosto de 1964, foi registada pela Ap. 1 a constituição da “[SCom01...], S.A.”, tendo por objeto a “indústria de confecção, importação e exportação de têxteis, malhas, tecidos e similares; comércio a retalho de têxteis, vestuário, brinquedos, calçado e afins; fabricação de bordados”, a que correspondia o CAE principal 14190-R3 – cfr. certidão permanente junta como doc. n.º 2 da petição inicial.
2. Pela Ap. ...04 de 27 de novembro de 2014, foram designados como membros do conselho de administração da “[SCom01...], S.A.” «DD», «BB», «CC», a ora Oponente, «AA», e «EE» – cfr. certidão permanente junta como doc. n.º 2 da petição inicial.
3. No dia 23 de fevereiro de 2017, foi a sociedade “[SCom01...], S.A.” declarada insolvente por sentença proferida no âmbito do processo n.º ..60/1...T8GMR, que correu termos no Juízo de Comércio de Guimarães - Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca ... – cfr. doc. n.º 10 junto com a petição inicial e fls. 14 a 20 do Processo de Execução Fiscal (PEF) junto aos autos.
4. Foi instaurado na Secção de Processo Executivo ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., o processo de execução fiscal n.º ...37 e apensos contra a sociedade “[SCom01...], S.A.”, para cobrança coerciva de dívida proveniente de contribuições do período 2016/11, no montante de € 33.048,93 – cfr. fls. 01 e ss. do PEF junto aos autos e “Notificação de Valores em Dívida” constante do mesmo.
5. Por despacho do Coordenador da Secção de Processo Executivo ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., datado de 11 de junho de 2019, foi proferido “Projecto de Decisão - Reversão”, no âmbito da execução fiscal mencionada no ponto antecedente, no qual foi consignado que:
“[…]
2. DOS FUNDAMENTOS
Nos termos e para efeitos do disposto no art.º 153.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (C.P.P.T.) foram compulsados todos os dados constantes no Sistema de Execuções Fiscais e de Identificação e Qualificação, designadamente na procura de património suficiente para garantir o ressarcimento do valor em dívida do executado, tendo-se apurado o seguinte: Não são conhecidos bens móveis ou imóveis registados em nome do executado que sejam suficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, o que permite ao órgão de execução fiscal concluir pela necessidade de accionamento da responsabilidade subsidiária, conforme dispõe o n.º 2 do art.º 153.º do CPPT.
Da informação constante no Sistema de Execuções Fiscais e de Identificação e Qualificação verifica-se que «AA», NIF ...89..., NISS ...57 é responsável subsidiário(a), tendo desenvolvido a actividade de gerente na empresa executada desde 2014-11-25 até pelo menos ao último mês constante da certidão de dívida que originou a instauração dos presentes autos.
Em conclusão, e atendendo aos elementos constantes no processo:
Nos termos do art.º 24.º n.º 1 alínea b) da L.G.T. encontram-se preenchidos os requisitos exigidos no n.º 2 do art.º 23.º da L.G.T., em conjugação com o art.º 153.º do C.P.P.T., para efeitos de uma eventual reversão. Proceda-se à notificação de «AA» para o exercício de audição prévia por escrito no prazo de 15 dias, conforme dispõe o n.º 4 do art.º 23.º, bem como o art.º 60.º da L.G.T. n.ºs 3, 5 e 6, ambos da Lei Geral Tributária (L.G.T.), comunicando o projecto da decisão e presente fundamentação, necessária para o exercício direito.
[…]” – cfr. fls. 33 e 34 do PEF junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. Em 11 de junho de 2019, foi emitido ofício dirigido à Oponente, com indicação da referência alfanumérica CTT ...33..., tendente à respetiva notificação para efeitos de audição prévia ao aduzido projeto de reversão – cfr. fls. 35 do PEF junto aos autos.
7. No dia 20 de agosto de 2019, o Coordenador da Secção de Processo Executivo ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., proferiu despacho de reversão do processo de execução fiscal n.º ...37 e apensos, com o seguinte teor:
“[…]
2. DOS FUNDAMENTOS
[…]
Na sequência das diligências levadas a cabo pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social no âmbito do processo de execução em epígrafe, conforme registos constantes dos autos, foi proposta a reversão da execução fiscal em relação ao gerente/administrador «AA».
Procedeu-se a audiência de interessados, através de carta registada, nos termos constantes do n.º 4 do art.º 23.º, bem como o n.º 3, 5 e 6, do art.º 60.º da L.G.T., fixando-se o prazo de 15 dias úteis para o exercício do direito de participação.
No prazo concedido para o efeito o requerente não exerceu o seu direito de audição prévia.
Assim sendo, parece de manter a decisão proposta no projeto de decisão, procedendo-se à reversão da execução fiscal em relação ao mencionado gerente/administrador, dado que:
Em resultado das diligências efetuadas no processo n.º ...37 e apensos, bem como dos demais elementos constantes dos processos executivos, concluiu-se que se encontram reunidos os pressupostos para a tramitação dos autos executivos para a reversão fiscal contra os responsáveis subsidiários, porquanto:
[…]
EXERCÍCIO DE GERÊNCIA
1. De acordo com informação constante da base de dados da Segurança Social, bem como dos demais elementos dos autos, nomeadamente os requerimentos apresentados, verifica-se que «AA» era gerente/administrador da executada nos períodos a que a dívida se refere.
2. Assim, é evidente que «AA» representava a [SCom01...], S.A. durante o período contributivo em execução.
3. O gerente/administrador responde, nos termos do disposto na al. b) do artigo 24.º da Lei Geral Tributária, pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não prove, que não lhe foi imputável a falta de pagamento.
4. A titularidade do cargo de gerente é um verdadeiro poder e não um simples direito a favor de quem é conferido, criando efeitos fiscais e parafiscais e, simultaneamente, direitos e obrigações.
5. Com efeito, impossibilitadas de agir por si próprias, as pessoas coletivas só podem por intermédio de certas pessoas físicas, cujos atos praticados em nome e no interesse da pessoa coletiva, e no âmbito dos poderes que lhe são atribuídos, irão produzir as suas consequências na sua esfera jurídica.
Conclui-se assim que, para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão autuante da sociedade, tomando as deliberações, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros […], como sucede no caso concreto com «AA».
• CULPA
[…]
2. Ora, o gerente/administrador não demonstrou nos autos a falta de culpa pelo não pagamento dos montantes em dívida referentes às contribuições e cotizações do período em análise nos autos.
3. Nem sequer resulta dos autos que o gerente/administrador tenha gerido a devedora originária de molde a evitar que o seu património se tornasse insuficiente para a satisfação das dívidas exequendas.
4. A prática continuada da gestão duma sociedade comercial que não enquadra os pagamentos da Segurança Social será sempre culposa.
[…]
3. CONCLUSÃO
Em conclusão, e atendendo aos elementos constantes nos processos executivos e anteriormente referidos, encontram-se preenchidos os requisitos exigidos no n.º 2 do artigo 23.º da L.G.T., em conjugação com o art. 153.º do C.P.P.T., para efetivação da reversão contra o responsável subsidiário de acordo com o definido no artigo 24.º n.º 1 alínea b) da L.G.T., devendo a presente execução fiscal ser revertida para «AA», NIF ...89....
[…]” – cfr. fls. 63 a 66 do PEF junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Foi expedido por via postal registada com aviso de receção (sob o registo postal CTT ...21...), ofício dirigido à Oponente, tendente à respetiva citação em reversão para a execução fiscal n.º ...37 e apensos – cfr. fls. 60 a 67 do PEF junto aos autos.
9. O aviso de receção relativo ao registo postal CTT ...21... foi assinado em 28 de agosto de 2019 – cfr. fls. 67 do PEF junto aos autos.
10. 10. A presente oposição à execução fiscal foi apresentada a 27 de setembro de 2019 – cfr. fls. 362 a 374 dos autos (suporte digital).
*
MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa.

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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e do processo de execução fiscal junto aos mesmos, conforme o especificado nos vários pontos da factualidade dada como provada, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.»
*
IV – DE DIREITO:
A questão que cumpre responder encontra-se relacionada com o erro de julgamento imputado à sentença na qual se concluiu pela ilegitimidade da oponente por falta de demonstração da gerência de facto.
O tribunal recorrido depois ter enquadrado irrepreensivelmente juridicamente a questão do instituto da reversão, procedeu à subsunção dos factos ao direito nos seguintes termos:
«(…).
Cotejados os fundamentos exarados no despacho de reversão, do qual resultou o chamamento da Oponente ao processo de execução fiscal em causa, é saliente a ausência total de factos que permitam fundar um juízo conclusivo quanto ao efetivo exercício do cargo de administradora por parte da mesma no período relevante, ou seja, à data do términus do prazo legal de pagamento das dívidas em cobrança - vide ponto 7. dos factos provados.
De facto, aquele despacho estriba-se na administração nominal da Oponente - o que se mostra manifestamente insuficiente para comprovar uma efetiva gestão de facto, já que dela não é possível aferir se esta exerceu as funções de administradora e que passam, designadamente, pelas relações com clientes, fornecedores, instituições bancárias e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação da sociedade devedora originária -, bem como na informação constante “dos demais elementos, nomeadamente os requerimentos apresentados.”
Sucede, todavia, que não existe qualquer evidência nos autos, ou no processo de execução fiscal junto aos mesmos, de requerimentos subscritos pela aqui Oponente em representação da sociedade devedora originária ou de qualquer outro elemento apto a demonstrar uma putativa gestão de facto, razão pela qual não se podem dar como comprovadas as respetivas ocorrências.
Na situação vertente, e uma vez que não se encontra suportado por qualquer meio o exercício da administração de facto no período relevante, mister é concluir que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. não logrou demonstrar o exercício, de facto, do cargo social por parte da Oponente, o que poderia permitir e autorizar a sua responsabilização.
Tanto basta, sem mais, para que se possa concluir pela ilegitimidade da Oponente, por não se ter demonstrado os pressupostos de que depende a efetivação da responsabilidade subsidiária, fundamento da presente oposição, nos termos do disposto no art. 204.º, nº 1, alínea b) do CPPT.»
Exteriorizada a fundamentação da sentença não existem razões para dela divergir, antes pelo contrário, é merecedora de validação e acompanhamento por ter realizado um correto e adequado juízo subsuntivo.
Ora, a discordância da Recorrente assenta no facto de entender que se encontra demitida da obrigação de demonstrar a gerência de facto assente que esteja a gerência nominal, mas sem razão, conforme, em complemento à sentença passamos a dilucidar.
Está assente, não sendo controvertido, que a oponente consta como gerente de direito da devedora originária e que a reversão tem como fundamento o disposto na alínea b), do n.º 1, do art. 24.º da LGT, por a exequente imputar a gerência de facto à oponente no tempo em que terminou o prazo legal de pagamento e entrega dos tributos.
No despacho preparação da reversão consta que «da informação constante no Sistema de Execuções Fiscais e de Identificação e Qualificação verifica-se que «AA», NIF ...89..., NISS ...57 é responsável subsidiário(a), tendo desenvolvido a actividade de gerente na empresa executada desde 2014-11-25 até pelo menos ao último mês constante da certidão de dívida que originou a instauração dos presentes autos» [cfr. ponto 5 da matéria de facto]; por sua vez, no despacho de reversão menciona-se que «1. De acordo com informação constante da base de dados da Segurança Social, bem como dos demais elementos dos autos, nomeadamente os requerimentos apresentados, verifica-se que «AA» era gerente/administrador da executada nos períodos a que a dívida se refere. 2. Assim, é evidente que «AA» representava a [SCom01...], S.A. durante o período contributivo em execução.» [cfr. Ponto 7., idem].
Daqui se extrai que a gerência de facto é imputada à oponente, unicamente, por constar na base de dados da segurança social, pois, inexistem, apesar dessa menção no despacho, quaisquer requerimentos por aquela apresentados e nem a recorrente agora o afirma (sendo certo que nem sequer foi apresentada contestação).
Ora, a inscrição da opoente como gerente na base de dados da segurança social como Membro de Órgão Estatutário (MOE) é uma decorrência da sua nomeação para o cargo, sem que, apenas subsistindo esse facto, seja possível dela extrair a gerência de facto, nem por apelo à regras de experiência, sobretudo, numa situação como a presente em que existem mais membros no conselho de administração [cfr. ponto 2]. Portanto, uma primeira indiciação que desse facto pudesse ser retirada esgota-se em sim mesma e perde eficácia face à inexistência de qualquer outro elemento que suporte a gerência de facto.
Há muito que a doutrina e a jurisprudência consensualizaram que da gerência de direito não se presume, sem mais, a gerência de facto. Ou seja, a lei exige para a responsabilização ao abrigo do artigo 24.º da LGT a gerência efetiva ou de facto, o concreto exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito, sendo certo que a prova do efetivo exercício da gerência constitui ónus da ATA, enquanto facto constitutivo do direito de que se arroga de proceder à reversão.
Como refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, “Se o administrador ou gerente de direito não exercia quaisquer funções de gerência de facto, não se justificava que fosse formulado em relação a ele um juízo de culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária, já que não era possível a existência de nexo de causalidade entre a sua actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, nem se podia falar em relação a ele de possibilidade de pagar as dívidas fiscais e não o fazer, dívidas essas de que, sem um exercício ao menos parcial da gerência, não poderia ter sequer conhecimento” – cfr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição” Áreas Editora , II volume, página 349.
Constitui, ainda, jurisprudência constante dos nossos Tribunais Superiores que para integrar o conceito de tal administração de facto ou efetiva à Administração Tributária cabe provar, para além dessa gerência/administração de direito assente na nomeação para o cargo, de que o mesmo gerente/administrador tenha praticado, em nome e por conta da pessoa coletiva, concretos atos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-a com essa sua intervenção, sendo de julgar a oposição procedente quando nenhuns são provados - cfr. acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 28/02/2007, processo n.º 1132/06, publicado em www.dgsi.pt, com jurisprudência ainda hoje prevalecente.
Vale isto para dizer que a gerência/administração de facto não se presume, sem mais, da gerência/administração de direito, embora o exercício dos poderes de facto, se possa inferir do global conjunto da prova que venha a ser recolhida, mediante o recurso às regras da experiência, recaindo sobre o Exequente o ónus de demonstrar que o gerente/administrador de direito, contra quem pretende reverter a execução fiscal, exerceu, de facto, tais funções - cf. artigo 342.º, n.º 1, do CC e artigo 74.º, n.º 1, da LGT.
Como se refere no recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 27.03.2025, proc. n.º 344/11.6BEPNF, com intervenção do ora relator, «(…), não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função (() A única presunção consagrada no art. 24.º, n.º 1, da LGT, é a presunção de culpa dos gestores pela falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, que consta da alínea b).). Ora, só quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC)
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
Isto posto, a primeira conclusão a extrair é que a ilação da Exequente de que a oponente exerceu a gerência de facto por constar como gerente nomeada na certidão da Conservatória do Registo Comercial, sem mais, é ineficaz para a demonstração do pressuposto em exegese. Do mesmo modo, é ineficiente a constatação da inscrição da opoente no sistema da segurança social.
Assim sendo, tendo a oponente alegado em sede de oposição a falta de demonstração da qualidade de gerente, incumbia à Exequente, em primeira, a demonstração deste pressuposto de facto para que pudesse operar a reversão, ónus que lhe incumbia, enquanto facto constitutivo do direito de que se arroga para operar a reversão, por si incumprido [art. 74.º, n.º 1 da LGT e art. 342.º, n.º 1 do Código Civil].
Uma última nota para dizer que o acórdão citado pela Recorrente não é transponível para o caso concreto, por ter incidido sobre situação diversa da que nos ocupa. Na verdade, aqui, o tribunal a quo cuidou de apurar da verificação do pressuposto material (cumulativo) gerência de facto da oponente para a efetivação da responsabilidade subsidiária, matéria que nos remete para a fundamentação substancial da reversão, concluindo que o mesmo não se verificava; ali, o tribunal recorrido julgou procedente a oposição por falta de fundamentação formal do despacho, decisão que o TCA revogou.
Destarte, soçobrando a demonstração de um dos pressupostos cumulativos para operar a reversão [no caso, a gerência de facto], verifica-se a ilegalidade da reversão da execução contra quem, não figurando no título executivo e não sendo responsável pelo pagamento da dívida em cobrança coerciva, surge, no caso a Recorrida, como parte ilegítima na execução, fundamento da oposição, nos termos do disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tal como decidido pela primeira instância.
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Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença no ordenamento jurídico.

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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC., formula-se o seguinte SUMÁRIO:
I - À luz do regime da responsabilidade subsidiária prevista no art.º 24.º, n.º 1, da LGT, em qualquer das suas duas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência, incumbindo à AT a sua demonstração.
II - Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.
III - Resultando da matéria de facto, apenas, que a oponente constava como gerente nominal da certidão da CRC e base de dados da segurança social, não existe prova suficientemente segura, como seria exigível, para concluir pelo seu comprometimento com uma gerência de facto, nem por apelo a presunção judicial.
IV - Soçobrando a demonstração de um dos pressupostos cumulativos para operar a reversão [no caso, a gerência de facto], verifica-se a ilegalidade da reversão da execução contra quem, não figurando no título executivo e não sendo responsável pelo pagamento da dívida em cobrança coerciva, surge como parte ilegítima, a Opoente, na execução, fundamento da oposição, nos termos do disposto no art.º 204.º, n.º 1, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tal como decidido pela primeira instância.

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V – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença no ordenamento jurídico.


Custas pela Recorrente.

Porto, 30 de abril de 2025

Vítor Salazar Unas
Maria do Rosário Pais
Cláudia Almeida