Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01676/21.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/24/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:PROCESSO EXTRAORDINÁRIO DE VIABIIZAÇÃO DE EMPRESAS(PEVE)-
RECUSA DO CREDOR EM ASSINAR ACORDO DE VIABILIZAÇÃO-REJEIÇÃO LIMINAR DA PROVIDÊNCIA REQUERIDA
Sumário:1-O “Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas” (PEVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 75/2020, de 27/11, é um processo pré-insolvencial, de caráter urgente e destina-se às empresas que, comprovadamente, se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, ou atual, em virtude da pandemia COVID-19, mas que ainda sejam suscetíveis de viabilização.

2- O PEVE inicia-se pela apresentação de requerimento fundamentado pela empresa, no tribunal competente (comum) para declarar a sua insolvência, acompanhado por um acordo de viabilização estabelecido extrajudicialmente entre a empresa e os credores, que representem pelo menos as maiorias de votos previstas no n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE- ( cfr. art.º 7.º).

3- Cabe ao devedor promover o referido acordo de viabilização, cujo documento deve ser junto aos autos com o requerimento inicial (cfr. art. 7º, nº 1, al. d) da Lei n.º 75/2020, de 27 de novembro), devendo para o efeito estabelecer negociações com os credores, ou pelo menos uma maioria qualificada de credores, em ordem à obtenção de um consenso que leve à conclusão do acordo de viabilização extraordinária da empresa.

4- Todavia, para que haja lugar ao referido acordo não basta que o devedor apresente uma proposta de acordo, mas também que obtenha dos credores o necessário consenso quanto à sua oportunidade, ou seja, que aqueles o aceitem, não existindo da parte do devedor nenhum direito subjetivo a obter a subscrição desse acordo por parte do ou dos credores.

6- Perante a recusa do Réu credor em subscrever o acordo de viabilização extraordinária de empresa, não assiste ao Autor o direito a obter do tribunal, em termos cautelares, a condenação do mesmo à subscrição provisória desse acordo.

7- Em tal caso, impõe-se ao Tribunal a rejeição liminar do requerimento inicial por ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada.
Sumário (elaborado pela relatora – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Recorrente:CONSERVAS (...)
Recorrido 1:INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar para Adopção duma Conduta (CPTA) - Rec. Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO

1.1.CONSERVAS (...), LDA., com sede na Praça (…), deduziu contra o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL I.P., com sede na Avenida (…), a presente ação cautelar, com pedido de decretamento provisório de providência cautelar, concretizado na adoção de conduta consubstanciada in casu na “assinatura provisória” do acordo de viabilização extraordinária da Requerente, nos termos previstos na Lei n.º 75/2020, de 27/11, “de forma a que Requerente possa, no imediato, dar entrada do almejado processo extraordinário de viabilização de empresas”.
Para tanto, a Requerente alega, em síntese, que peticionou à Entidade Requerida a assinatura de um acordo de viabilização, ao abrigo de um processo extraordinário de viabilização de empresas (PEVE), atento o disposto no art.º 7.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 75/2020, pretendendo, dessa forma, pagar a dívida que tem junto desta, em consonância com o disposto no art.º 13.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.
Refere que após várias alterações ao texto do acordo de viabilização efetuadas por indicação da Entidade Requerida, em 25/06/2021, via e-mail, a mesma comunicou à ora Requerente que foi deliberado pelo seu Conselho Diretivo o indeferimento do pedido com o fundamento de: “por não estar evidenciado que a empresa reúne condições para acesso ao PEVE”.
Sustenta a falta de “plausibilidade fática e/ou jurídica da decisão em causa”, discorda dos fundamentos da mesma e invoca a sua anulabilidade e pretende, com o pedido de decretamento provisório da providência, obter o assentimento da Entidade Requerida quanto ao acordo de viabilização, conquanto sem este, não atingirá a maioria de votos prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 7.º da Lei n.º 75/2020, que lhe permite aceder ao mencionado PEVE.
Invoca que a falta de assinatura do acordo conduzirá a uma desistência de investidor disposto à operação de dotação da sua tesouraria, o que culminará na sua insolvência e consequente liquidação.
Conclui, pedindo que a presente providência cautelar seja julgada procedente.
1.2. O TAF do Porto proferiu despacho de rejeição liminar, decisão esta que consta do seguinte teor:
« CONSERVAS (...), LDA., com sede na Praça (…), doravante Requerente, deduziu contra o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., com sede na Avenida (…), doravante Entidade Requerida, um pedido de decretamento provisório de providência cautelar, concretizado na adoção de conduta, neste caso, da “assinatura provisória” do acordo de viabilização extraordinária da Requerente, nos termos previstos na Lei n.º 75/2020, de 27/11, “de forma a que Requerente possa, no imediato, dar entrada do almejado processo extraordinário de viabilização de empresas”.
Para tanto, a Requerente refere que peticionou à ora Entidade Requerida a assinatura de um acordo de viabilização, ao abrigo de um processo extraordinário de viabilização de empresas (PEVE), atento o disposto no art.º 7.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 75/2020, pretendendo, dessa forma, pagar a dívida que tem junto desta, em consonância com o disposto no art.º 13.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.
Após várias alterações ao texto do acordo de viabilização, por indicação da Entidade Requerida, em 25/06/2021, via e-mail, a impetrada comunicou à ora Requerente que foi deliberado pelo seu Conselho Diretivo o indeferimento do pedido com o fundamento de: “por não estar evidenciado que a empresa reúne condições para acesso ao PEVE”.
A Requerente pugna pela falta de “plausibilidade fática e/ou jurídica da decisão em causa”, discordado dos fundamentos da mesma, suscitando a sua anulabilidade.
Assim, visa com o pedido de decretamento provisório da providência obter o assentimento da Entidade Requerida quanto ao acordo de viabilização, pois, sem este, não atingirá a maioria de votos prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 7.º da Lei n.º 75/2020, que lhe permite aceder ao mencionado PEVE.
Argumenta que a falta de assinatura do acordo conduzirá a uma desistência de investidor disposto à operação de dotação da sua tesouraria, o que culminará na sua insolvência e consequente liquidação.
Cumpre apreciar e decidir.
O art.º 131.º do CPTA dispõe que: “1 – Quando reconheça a existência de uma situação de especial urgência, passível de dar causa a uma situação de facto consumado na pendência do processo, o juiz, no despacho liminar, pode, a pedido do requerente ou a título oficioso, decretar provisoriamente a providência requerida ou aquela que julgue mais adequada, sem mais considerações, no prazo de 48 horas, seguindo o processo cautelar os subsequentes termos dos artigos 117.º e seguintes. (...)”.
Nestes termos, prevê-se que em casos de urgência qualificada possa ter lugar um decretamento provisório da providência cautelar peticionada, com o único objetivo de “prevenir o periculum in mora do próprio processo cautelar” – cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Almedina, pág. 1037 e ss.
Ou seja, pode ser decretada provisoriamente a providência cautelar quando seja de reconhecer a existência de uma situação de especial urgência passível de dar causa a uma situação de facto consumado na pendência do processo cautelar, enquanto “tutela cautelar da tutela cautelar” (cfr. Acórdão do TCAN, Proc. n.º 01569/20.9BEBRG, de 19/03/2021), traduzindo a garantia constitucional de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).
O presente incidente é um meio de tutela efetiva em tempo útil urgentíssimo, primacialmente para duas situações, a saber: i) as situações de ameaça e/ou violação de direitos liberdades e garantias, reconduzidas ao plano dos direitos fundamentais das pessoas singulares e coletivas; ii) ou outras situações de especial urgência em que os interesses do Requerente estejam em sério risco de sofrer uma lesão iminente e irreversível.
Não obstante o exposto, o decretamento provisório da providência não deixa de ter de respeitar as características da tutela cautelar, sendo um meio de prevenção instrumental e provisório, dependendo do sentido da decisão que vier a ser tomada no processo cautelar e, a final, quanto à ação principal da qual este depende.
Descendo ao caso concreto, a Requerente pretende que o Tribunal imponha à Entidade Requerida a “assinatura provisória” do acordo de viabilização que lhe propôs, dado que, esta última se apresenta como sua credora predominante, e, como tal, a falta da sua assinatura impede que a Requerente reúna os requisitos previstos no art.º 7.º, n.º 1, da Lei n.º 75/2020, de 27/11, para iniciar, no Tribunal competente, o processo extraordinário de viabilização de empresas, previsto no mesmo artigo.
Ademais, salienta a Requerente que a falta de assinatura do acordo em causa implica ainda que o potencial investidor da empresa que dotará a sua tesouraria dos meios para cumprimento de encargos, e cujo investimento está dependente da aprovação do citado acordo, desista da operação, o que conduzirá à sua insolvência e consequente liquidação, pois a sua atividade depende desse investimento de capitais externos.
Retira-se do citado artigo 7.º da Lei n.º 75/2020, de 27/11, o seguinte: “1 - O processo extraordinário de viabilização de empresas inicia-se pela apresentação pela empresa, no tribunal competente para declarar a sua insolvência, de requerimento acompanhado dos seguintes elementos:
a) Declaração escrita e assinada pelo órgão de administração da empresa que ateste que a situação em que se encontra é devida à pandemia da doença COVID-19 e que reúne as condições necessárias para a sua viabilização, sem prejuízo do disposto nos n.os 4 e 5 do artigo anterior;
b) Cópia dos documentos a que aludem as alíneas b) a i) do n.º 1 do artigo 24.º do CIRE;
c) Relação por ordem alfabética de todos os credores, incluindo condicionais, com indicação dos respetivos domicílios, dos montantes dos seus créditos, datas de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem, e da eventual existência de relações especiais, nos termos do artigo 49.º do CIRE, subscrita e datada, há não mais de 30 dias, pelo órgão de administração da empresa e por contabilista certificado ou por revisor oficial de contas, sempre que a revisão de contas seja legalmente exigida;
d) Acordo de viabilização, assinado pela empresa e por credores que representem pelo menos as maiorias de votos previstas no n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE.
(...)
3 - Recebidos os documentos referidos no n.º 1, o juiz nomeia de imediato, por despacho, o administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º do CIRE com as necessárias adaptações, devendo a secretaria publicar na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, acessível no endereço eletrónico https://tribunais.org.pt, a relação de credores aludida na alínea c) do n.º 1 e o acordo de viabilização.
4 - O despacho referido no número anterior é de imediato notificado à empresa, sendo-lhe aplicável o disposto nos artigos 37.º e 38.º do CIRE com as devidas adaptações.
5 - A nomeação do administrador judicial provisório é efetuada aleatoriamente, por sorteio, através dos meios eletrónicos, podendo o juiz nomear o administrador indicado pela empresa quando a avaliação da situação de viabilidade desta carecer de especiais conhecimentos.
6 - Logo que tome conhecimento da sua nomeação, o administrador judicial provisório deve informar a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), o Instituto da Segurança Social, I. P., e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P., da pendência do processo extraordinário de viabilização, identificando a empresa requerente, comprovando tal ato nos autos. (...)”
Atendendo ao texto da norma legal supra transcrita, verifica-se que o pedido cautelar em causa, de “assinatura provisória” do acordo de viabilização, não está previsto na legislação invocada pela Requerente, de modo que, a assinatura do acordo de viabilização, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 7.º da Lei n.º 75/2020, de 27/11, terá, como consequência direta, o acesso pela Requerente ao processo extraordinário de viabilização de empresas, com a reunião dos pressupostos para o seu início em sede judicial, que, de outra forma, lhe estaria vedado, por não reunir os requisitos.
Nessa medida, a assinatura do acordo nos moldes requeridos pela impetrante nada terá de provisório, pois, ao invés, já permitirá à Requerente lograr, ainda em sede cautelar, o seu intento a título definitivo, acionando tal regime extraordinário, previsto para empresas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, que não será posto em causa se, posteriormente, se verificar em sede da competente ação principal, que a Requerente não reunia as condições para que esse acordo fosse viabilizado com a assinatura do seu credor predominante, que, neste caso, é a Entidade Requerida.
Isto é, os efeitos do decretamento da providência cautelar requerida, ainda que provisoriamente decretada, não caducarão com a eventual decisão de improcedência da pretensão da Requerente em sede cautelar (do mesmo modo que a decisão final do processo cautelar, favorável ou desfavorável ao requerente, deixa de vigorar, por caducidade, quando é proferida a decisão final no processo principal – cfr. art.º 123.º, n.º 1, alínea f), do CPTA). Do mesmo modo, também não caducarão em resultado do desfecho da ação principal, pois, uma vez decretada a medida cautelar requerida (mesmo provisoriamente), esgota-se de imediato o efeito prático, com a obtenção de um resultado definitivo em sede cautelar, que, em rigor, só pode ser obtido por via do processo principal, sob pena da inutilidade da futura instauração da ação principal. Logo, o deferimento do decretamento provisório nos termos peticionados permite o que só uma decisão sobre o mérito da causa pode proporcionar, por ser definitivo quanto aos efeitos produzidos, e, por isso, entende-se que o pedido em apreciação não se compadece com uma definição cautelar.
Importa ainda salientar que o deferimento da providência em apreço também não seria instrumental em relação ao processo cautelar do qual é incidente, incumprindo o objetivo de acautelar o efeito jurídico pretendido pelo autor com a instauração dos presentes autos.
Por conseguinte, falta no caso vertente a característica da instrumentalidade entre o processo cautelar e o processo principal, pois, em resumo, como vimos, a Requerente não pode almejar obter pela via cautelar, que é sempre provisória, ainda que pelo incidente do decretamento provisório, o mesmo efeito ou vantagem definitiva que só o processo principal lhe pode conceder.
Assim sendo, rejeito liminarmente o presente processo cautelar, nos termos do artigo 116.º, n.º 1, e n.º 2, alínea d), do CPTA.
Custas pelo incidente a cargo da Requerente – cfr. artigos 527.º, n.º 1, e 539.º, n.º 1, do CPC, 1.º do CPTA, 7.º, n.º 4, do RCP, e tabela II a este anexa.
Registe e notifique.»
1.3. Inconformada, a apelante interpôs recurso da referida decisão, apresentando alegações nas quais formula as seguintes Conclusões:
«A) É referido na Douta Sentença ora recorrida que “falta no caso vertente a característica da instrumentalidade entre o processo cautelar e o processo principal, pois, em resumo, como vimos, a Requerente não pode almejar obter pela via cautelar, que é sempre provisória, ainda que pelo incidente do decretamento provisório, o mesmo efeito ou vantagem definitiva que só o processo principal lhe pode conceder.”
B) Porém, contrariamente ao supra vertido entende a Recorrente de que, “in casu”, existe “instrumentalidade” entre a ação cautelar e o processo principal.
C) Com efeito, conforme decorre do artigo 16º do requerimento inicial, a Recorrida, aceitando assinar a proposta de acordo de viabilização que acordou com a Recorrente, iria receber “no imediato, a quantia exequenda de €: 1.618.928,23€ e 4.041,74€ de custas.”.
D) Resulta ainda do ponto 4.3.1. a folhas 29 de tal acordo de viabilização, que instrui o requerimento inicial como seu doc.nº 18, que:
“A dívida à Segurança Social, que atualmente totaliza o montante de 2.360.743,76€, sendo 1.618.928,23€ de quantia exequenda, 4.041,74€ de custas e 737.773,79€ de juros de mora, será regularizada nos termos do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 75/2020, de 27 de novembro, nos seguintes termos:
Pagamento da totalidade do capital em dívida e das custas, com redução da totalidade de juros de mora vencidos, desde que tal dívida se mostre paga nos 30 dias seguintes à homologação do acordo.
Em caso de incumprimento do pagamento no prazo estipulado, fica sem efeito a redução dos juros de mora prevista no ponto antecedente.”
E) Face ao exposto, bem evidente se torna que, na eventualidade da Recorrente não vir a obter provimento na ação principal da qual a presente depende, não fica a Recorrida sujeita aos termos do artigo 13º do D.L. nº 75/2020 de 27 de novembro e assim, terá a Recorrente de lhe liquidar adicionalmente o valor de 737.773,79€ de juros.
F) Assim, sendo certo que, sendo deferida a presente pretensão cautelar, que permitirá o acesso da Recorrente ao regime extraordinário do PEVE, a realidade é que os termos de tal aprovação poderão ser postos em causa em sede ação definitiva através da exigência ulterior do pagamento da totalidade dos juros moratórios por parte da Recorrida, caso a Recorrente em tal demanda não obtenha ganho de causa.
G) Desta forma e contrariamente ao que resulta da Douta Sentença ora recorrida, os efeitos de uma decisão favorável a proferir na presente sede não esgotará de imediato o seu efeito prático e nunca será definitiva podendo, naturalmente, ser invertida em sede de ação principal.
H) Face ao exposto, os interesses da entidade Recorrida estarão a todo o momento devidamente acautelados com a prolação favorável do pedido apresentado pela Recorrente.
I) Já contrariamente, os interesses da Recorrente e a sua própria sobrevivência, caso não seja obtido provimento nesta sede, estarão definitivamente comprometidos, pois não suportarão a duração do período temporal sempre inerente a uma ação principal com os presentes contornos.
J) Com efeito, é certo que a Douta Sentença ora recorrida admite que a “falta de assinatura do acordo em causa implica ainda que o potencial investidor da empresa que dotará a sua tesouraria dos meios para cumprimento de encargos, e cujo investimento está dependente da aprovação do citado acordo, desista da operação, o que conduzirá à sua insolvência e consequente liquidação, pois a sua atividade depende desse investimento de capitais externos.”.
K) Sendo certo que a Recorrente não tem ao seu alcance qualquer outro meio processual urgente a que possa recorrer para acautelar os seus legítimos direitos e interesses, pois como bem refere a Douta Sentença ora recorrida, “O presente incidente é um meio de tutela efetiva em tempo útil urgentíssimo, primacialmente para duas situações, a saber: i) as situações de ameaça e/ou violação de direitos liberdades e garantias, reconduzidas ao plano dos direitos fundamentais das pessoas singulares e coletivas; ii) ou outras situações de especial urgência em que os interesses do Requerente estejam em sério risco de sofrer uma lesão iminente e irreversível.”
L) Assim, dúvidas não existindo que os interesses da Recorrente estão em evidente risco de sofrer uma lesão iminente, definitiva e irreversível, por contraponto aos interesses da Recorrida que, em momento algum estarão em risco com o deferimento da presente providência cautelar, antes pelo contrário, parece bem evidente que deve esta ser proferida, por preencher integralmente com todos os requisitos legais necessários para o efeito.
M) Na verdade, sendo decretada a presente providência cautelar, a Recorrida receberá no imediato a quantia de 1.618.928,23€ de quantia exequenda e 4.041,74€ de custas, com base em Legislação existente e em vigor, ou seja, com base no artigo 13º nº 3 al. d) da Lei nº 75/2020.
N) Na eventualidade da Recorrente não obter provimento na ação principal ou seja, caso fosse judicialmente entendido que a Recorrente não tinha legitimidade para recorrer ao “PEVE”, é evidente que a Recorrida lhe poderia exigir o pagamento do valor adicional de 737.773,79€ a título de juros moratórios, dado que o preceito identificado no parágrafo anterior seria então julgado como inaplicável.
O) Desta forma, dúvidas não poderão restar que o decretamento desta providência cautelar será sempre instrumental e provisória relativamente à ação principal a propor, destinando-se a assegurar a utilidade da sentença respetiva.
P) Aliás, rejeitar o presente procedimento equivale a impossibilitar a propositura de uma ação principal por parte da Recorrente, pois é certo que esta não consegue sobreviver sem uma decisão provisória célere relativa a esta sua pretensão.
Q) E é exatamente para evitar este tipo de situações que existem os processos cautelares, os quais, dado a sua função instrumental, destinam-se a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, a qual terá por objeto o mérito do litígio.
R) Como bem refere Mário Aroso de Almeida, in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, Coimbra, Fevereiro 2003, pág. 260, a propósito do periculum in mora para efeitos de concessão de uma providência cautelar no âmbito do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, “ela (a providência cautelar) deve ser concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. (...) A providência deve também ser concedida (...) quando, embora não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, essa reintegração no plano dos factos será difícil, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.”.
S) Explicitando ainda este autor que o CPTA reformulou os termos em que é concebido o periculum in mora para efeitos de concessão de uma providência cautelar à face do que até então dispunha a LPTA, de molde que“(...) à formula tradicional do “prejuízo de difícil reparação”, que era utilizada no artigo 76º, nº1 alínea a), da LPTA, é, assim, acrescentada, neste domínio, uma outra, que surge colocada em alternativa e faz apelo ao “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” (...) Da conjugação das duas expressões resulta a clara rejeição do apelo, neste domínio, a critérios fundados na suscetibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, pelo seu carácter variável aleatório ou difuso, em favor do entendimento segundo o qual o prejuízo do requerente deve ser considerado irreparável sempre que os factos concretos por ele alegados permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da reintegração específica da sua esfera jurídica, no caso de o processo vir a ser julgado procedente.” (op. cit., págs. 258 e 259).
T) Face ao exposto, manifesto se torna que existe fundamento da Recorrente na pretensão por si formulada, razão pela qual a Douta Sentença ora recorrida ao rejeitá-la violou o disposto nos artigos 112º nº 1 e 116º nºs 1 e 2 al. d) do CPTA.
Termos em que, revogando a Douta Sentença ora recorrida e substituindo-a por outra que admita a providência cautelar peticionada pela Recorrente estarão V. Exas., Venerandos Desembargadores, a produzir a tão habitual e costumada
JUSTIÇA!!!!».
1.4. O apelado contra-alegou, formulando as seguintes Conclusões:
«1. As presentes contra-alegações são tempestivas uma vez que o prazo para apresentação das mesmas deve contar-se a partir do momento em que o Recorrido recebeu a citação através do ISS, I.P., ou seja, 29/07/2021.
2. A douta decisão recorrida não enferma de qualquer vício, tendo efetuado uma correta aplicação do Direito.
3. A providência requerida carece em absoluto da necessária instrumentalidade face ao processo principal uma vez que o pretendido pela Recorrente nada tem de provisório, obtendo a mesma com a providência cautelar – caso fosse decretada, o que não se concede – o mesmo efeito que obteria numa ação principal a instaurar: a subscrição de um acordo de viabilização que determinaria o recurso ao PEVE.
4. Não se verificam os pressupostos cumulativos dos quais a Lei faz depender o decretamento de uma providência cautelar:
a. Fumus boni iuris:
A pretensão formulada pela Recorrente não tem qualquer probabilidade de vir a ser julgada procedente no processo principal que eventualmente venha a ser instaurado uma vez que o pretendido nesta eventual ação seria a anulação da decisão administrativa de indeferimento do pedido de subscrição do acordo de viabilização, decisão essa que se insere no exercício do poder discricionário do Recorrido, inexistindo qualquer norma da qual resulte a obrigação deste assinar o acordo de viabilização das empresas que pretendem recorrer ao PEVE, passando a eventual decisão de subscrição de um acordo de viabilização, no que ao Recorrido concerne, por juízos de oportunidade e não de legalidade e, como tal, não sindicáveis judicialmente.
b. Periculum in mora:
A Recorrente não demonstra, ainda que sumariamente, fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que pretende assegurar no processo principal.
c. Proporcionalidade da providência:
Ponderados os interesses públicos e privados em presença na presente providência cautelar é forçoso concluir que os danos que resultariam da sua concessão se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa pois determinariam que a Recorrente obtivesse um benefício equivalente a um perdão de dívida à Segurança Social no valor de 737.773,79€, relativo a juros de mora vencidos, num contexto legal em que tal não é admissível.
5. Não se verifica, assim, qualquer violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 1, e 116.º n.ºs 1 e 2, alínea d), do CPTA.
6. O Recorrido encontra-se dispensado do pagamento prévio de taxa de justiça nos termos do artigo 15.º, do Regulamento das Custas Processuais.
Nestes termos, e nos demais de Direito, e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, atento tudo o supra exposto, mantendo a decisão recorrida, a qual rejeitou liminarmente o requerimento de providência cautelar, nos termos do artigo 116.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do CPTA,
Vossas Excelências farão efetiva e costumada
JUSTIÇA!»
1.5. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público não emitiu parecer.
1.6. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1 Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas pela apelante à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento sobre a matéria de direito ao julgar não verificado o pressuposto da instrumentalidade da providência requerida em relação ao processo principal e, nessa conformidade, ao rejeitar liminarmente a providência requerida.
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III- FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. Os factos relevantes para a decisão a proferir são os que constam do relatório acima elaborado.
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III.B. DE DIREITO
3.2. O presente recurso jurisdicional vem interposto contra a decisão proferida pela 1.ª Instância que rejeitou liminarmente a providência cautelar requerida, com pedido de decretamento provisório, por via da qual a apelante pretendia que se impusesse à entidade requerida a assinatura provisória de acordo de viabilização no âmbito do processo extraordinário de viabilização de empresa (PEVE), criado pelo DL n.º 75/2020, de 27/11, por esta se apresentar como a sua credora predominante e essa falta de assinatura impedir que a mesma reúna os requisitos previstos no art.º 7.º, n.º1 do referido diploma, para iniciar no tribunal competente o processo extraordinário de viabilização de empresas.
A Apelante pretende agora que este TCAN revogue essa decisão e a substitua por outra que admita a providência cautelar requerida, insurgindo-se particularmente contra o segmento da decisão em que a 1.ª Instância sustenta que “falta no caso vertente a característica da instrumentalidade entre o processo cautelar e o processo principal, pois, em resumo, como vimos, a Requerente não pode almejar obter pela via cautelar, que é sempre provisória, ainda que pelo incidente do decretamento provisório, o mesmo efeito ou vantagem definitiva que só o processo principal lhe pode conceder.
Contrapõe a existência da “instrumentalidade” entre a ação cautelar e o processo principal, uma vez que, aceitando o apelado assinar a proposta de acordo de viabilização, o mesmo receberia “no imediato, a quantia exequenda de €: 1.618.928,23€ e 4.041,74€ de custas.”, e em relação aos juros de mora, no montante de 737.773,79€, tal dívida seria regularizada nos termos do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 75/2020, de 27 de novembro, nos seguintes termos: “Pagamento da totalidade do capital em dívida e das custas, com redução da totalidade de juros de mora vencidos, desde que tal dívida se mostre paga nos 30 dias seguintes à homologação do acordo”. E em “caso de incumprimento do pagamento no prazo estipulado, fica sem efeito a redução dos juros de mora prevista no ponto antecedente.” Donde, sendo deferida a presente pretensão cautelar, tal decisão permitir-lhe-á o acesso ao regime extraordinário do PEVE, podendo os termos de tal aprovação ser postos em causa em sede da ação definitiva através da exigência ulterior do pagamento da totalidade dos juros moratórios por parte da Recorrida, caso a Recorrente em tal demanda não obtenha ganho de causa, pelo que, os efeitos de uma decisão favorável a proferir na presente sede não esgotariam de imediato o seu efeito prático e nunca seria definitiva podendo, naturalmente, ser invertida em sede de ação principal.
Vejamos.
A demora de um processo judicial não deve prejudicar a parte que tem razão, devendo o processo garantir ao autor, quando vencedor, a tutela que ele receberia se a decisão fosse proferida no preciso momento da instauração da lide.
As providências cautelares são precisamente os mecanismos processuais que o legislador disponibiliza para impedir que durante a pendência de qualquer ação principal a situação de facto se altere de modo a que a decisão nela proferida, sendo favorável ao autor (requerente no processo cautelar), perca toda a sua eficácia ou parte dela.
Conforme assinala Manuel Andrade Domingues de Andrade, através do mecanismo próprio dos procedimentos cautelares pretendeu "a lei seguir uma linha média entre dois interesses conflituantes: o de uma justiça pronta, mas com o risco de ser precipitada; e o de uma justiça cauta e ponderada, mas com o risco de ser platónica, por chegar a destempo" Cfr. Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, p. 10;.
E já Alberto dos Reis Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., 1982, p. 624, advertia que "convém que a justiça seja pronta; mas, mais do que isso, convém que seja justa. O problema fundamental de política processual consiste exatamente em saber encontrar o equilíbrio razoável entre as duas exigências: a celeridade e a justiça".
As providências cautelares são, assim, o tipo de medidas que são requeridas e decretadas, tendo em vista acautelar o efeito útil da ação, mediante a composição provisória dos interesses conflituantes, mantendo ou restaurando a situação de facto necessária à eventual realização efetiva do direito e “ visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer ação declarativa (...), a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne uma decisão puramente platónica”. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 23 e ss. Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14/03/2014 (proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A).
Enfatize-se, citando novamente Alberto dos Reis Cfr. Boletim do Ministério da Justiça, n.º 3, pp. 42 e 45; que «o traço típico do processo cautelar está, por um lado, na espécie de perigo que ele se propõe conjurar ou na modalidade de dano que pretende evitar e, por outro, no meio de que se serve para conseguir o resultado a que visa.
(…)O perigo especial que o processo cautelar remove é este: periculum in mora, isto é, o perigo resultante da demora a que está sujeito um outro processo (o processo principal) ou, por outras palavras, o perigo derivado do caminho, mais ou menos longo, que o processo principal tem de per­correr até à decisão definitiva, para se dar satisfação à neces­sidade impreterível de justiça, à necessidade de que o julga­mento final ofereça garantias de ponderação e acerto.
(…)Uma vez que o processo cautelar nasce para ser posto ao serviço dum processo principal, a fim de dar ensejo a que este processo siga o seu curso normal sem o risco da decisão final chegar tarde e ser, por isso, ineficaz, vê-se claramente que a função do processo cautelar é nitidamente instrumental; o processo cautelar é um instrumento apto a assegurar o pleno rendimento do processo definitivo ou principal. Não satisfaz, por isso mesmo, o interesse da justiça; não resolve definitivamente o litígio; limita-se a preparar o terreno, a tomar precauções para que o processo principal possa realizar completamente o seu fim».
O decretamento de providências cautelares, independentemente da sua natureza, encontra-se sujeito aos critérios cumulativos previstos no n.º 1 e no n.º 2 do art.º 120º do CPTA, e que são os seguintes:
(i)que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora);
ii) que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris), e,
iii) que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença se conclua que os danos resultantes da concessão da providência não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (juízo de ponderação de interesses destinado a aferir a proporcionalidade e a adequação da providência).
Como se sabe, o artigo 120.º do CPTA sofreu uma profunda alteração por força da revisão operada pelo D.L. n.º 214-G/2015, tendo-se eliminado a diferença de requisitos para a adoção de providências antecipatórias e providências conservatórias, e passado a prever-se critérios comuns para ambos os tipos de providências. Ademais, deixou também de prever-se a possibilidade/critério da adoção de uma providência em função da probabilidade séria, evidente ou manifesta da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente, por estar em causa a impugnação de ato manifestamente ilegal, de ato de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de ato idêntico a outro já anteriormente anulado, declarado nulo ou inexistente.
São, portanto, em regra, três os requisitos de que depende a concessão de providências cautelares em processo administrativo, sendo que, perante a verificação da falta de um dos requisitos necessários ao seu decretamento, veja-se, do periculum in mora, será inútil aferir do preenchimento dos demais requisitos, atinentes ao fumus boni iuris e à ponderação dos interesses, necessários para ser decretada a providência cautelar à luz do disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, conquanto os requisitos em causa são de verificação cumulativa.
O primeiro desses critérios é o periculum in mora. Este requisito encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio: (i) seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; (ii) seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
O fundado receio há-de corresponder a uma prova, por regra a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar «compreensível ou justificada» a cautela que é solicitada.
Segundo Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha “deve considerar-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente” Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA [in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2017, pp. 970-972 (anotação 2. ao art.º 120º).
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Na aferição deste requisito e tal como é defendido pelo Prof. J. C. Vieira de Andrade o juiz deve “(...) fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para se concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica”. E como assinala Abrantes Geraldes, o fundado receio a que a lei se refere é o receio (…) apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões” Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, volume III, 3ª edição, Almedina, pág. 103;..
Daí que se quanto ao juízo de probabilidade da existência do direito invocado (fumus boni iuris) se admite que o mesmo possa ser de mera verosimilhança, já quanto aos critérios a atender na apreciação do periculum in mora os mesmos devem obedecer a um maior rigor na apreciação dos factos integradores de tal requisito visto que a qualificação legal do receio como fundado visa restringir as medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de proteção meramente cautelar com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos com a segurança e ponderação garantidas pelas ações principais. Cfr. Ac. do TCAN, de 14/03/2014, proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A.
Significa tal que, sob o requerente impende o ónus de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objetivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência. O requerente não está desonerado de provar os factos integradores dos referidos pressupostos, para o que deve alegar, de forma concreta, a causa petendi em que fundamenta a sua pretensão cautelar. Cfr. entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14/07/2008 (proc. n.º 0381/08), de 19/11/2008 (proc. n.º 0717/08) e de 22/01/2009 (proc. n.º 06/09); assim como os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 11/02/2011 (proc. n.º 01533/10.6BEBRG), de 08/04/2011 (proc. n.º 01282/10.5BEPRT-A), de 08/06/2012 (proc. n.º 02019/10.4BEPRT-B), de 14/09/2012 (proc. n.º 03712/11.0BEPRT), de 30/11/2012 (proc. n.º 00274/11.1BEMDL-A), de 25/01/2013 (proc. n.º 02253/10.7BEBRG-A), de 25/01/2013 (proc. n.º 01056/12.9BEPRT-A), de 08/02/2013 (proc. n.º 02104/11.5BEBRG), de 17/05/2013 (proc. n.º 01724/12.5BEPRT), de 31/05/2013 (proc. n.º 00019/13.1BEMDL), de 14/03/2014 (proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A), de 17/04/2015 (proc. n.º 03175/14.8BEPRT) ,de 31/08/2015 (proc. n.º 00370/15.6BECBR) e de 20.10.2017 (proc. N.º 01565/16.0BEBRG-A).
Da consideração conjunta do regime prescrito nos artigos 112º, n.º 2, alínea a), 114º, n.º 3, alíneas f) e g), 118º e 120º do CPTA não resulta prevista nenhuma presunção iuris tantum quanto à existência dos aludidos requisitos como mera decorrência da execução dum ato.
Conforme se sumariou em Acórdão deste TCAN Cfr. Ac. do TCAN de 17-04-2015, Proc. 02410/13.4BEPRT;:«I - A concessão das providências cautelares, no tocante ao requisito do periculum in mora exigido pelo artigo 120º, nº 1, alíneas b) e c), do CPTA, assenta nos factos alegados pelas partes. Uma alegação insuficiente e meramente “conclusiva”, porque desprovida dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, não é adequada para a averiguação do preenchimento de tal requisito.
II - Cabe ao requerente alegar factos concretos que permitam ao julgador apreciar e eventualmente concluir pela existência de uma situação de carência económica relevante para preenchimento do requisito do periculum in mora previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA (…)
III - Se ao tribunal é lícito considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, bem como os factos daí resultantes que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e também os factos notórios e aqueles de que tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções, como dispõe o nº 2 do artigo 5º do CPC, já vedado lhe é erigir ele próprio uma causa de pedir, quanto aos factos essenciais, mediante inquirição de testemunhas sobre matéria meramente conclusiva e afirmações de ordem tabelar por referência à facti species da respectiva norma legal: Sairia violado gravemente o princípio da imparcialidade do juiz.»
(…)».
Porém, tal não significa que se exija ao requerente em sede cautelar um esforço titânico de alegação e prova de factos que consubstanciem o fundado receio de que o processo principal, uma vez decidido, se torne inútil para a defesa dos interesses do requerente.
A verificação do preenchimento do periculum in mora tem de fazer-se tendo em conta a alegação e a prova de factos, pelo requerente, que permitam ao julgador, com base numa análise conscienciosa, assente num juízo de razoabilidade, antever que as consequências referidas, verificar-se-ão, com um grau de probabilidade suficiente para fundar a procedência da providência cautelar. Alguma doutrina tem vindo a considerar que esta exigência tem sido, na nossa jurisprudência, exagerada.
Quanto ao requisito do fumus boni iuris, ou aparência do bom direito, o n.º 1 do art.º 120º do CPTA, exige, para a concessão da providência cautelar, que seja provável que a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no processo principal venha a ser julgada procedente.
Trata-se, portanto, de um juízo positivo, ainda que perfunctório, sobre o bem fundado da alegação que o requerente da tutela cautelar pretende fazer valer no processo principal
. Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2014, pág. 477;
Assim, ainda que em termos sumários, o juiz tem o poder e o dever de avaliar a probabilidade da procedência da ação principal, avaliando a existência do direito invocado pelo requerente ou da ilegalidade que ele diz existir, uma vez que a referência do legislador ao fumus visa exprimir que a convicção prima facie do fundamento substancial da pretensão é adequada à decisão cautelar, ao contrário do que se exige na decisão dos processos principais. Cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Justiça Administrativa – Lições”, 15ª edição, Almedina, 2016, pp. 318 e 321.
Não obstante, o grau de probabilidade da existência do fundamento material da providência não poderá servir para anular o caráter sumário do processo em que a mesma deverá ser julgada, e muito menos significa uma antecipação do juízo a formular em sede de processo principal.
Por fim, e como a concessão da providência cautelar não depende apenas do preenchimento dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, torna-se ainda necessário efetuar uma ponderação dos interesses públicos e privados em jogo, como impõe o n.º 2 do artigo 120.º do CPTA, de forma a acautelar-se o princípio da proporcionalidade, podendo o juiz recusar a providência cautelar requerida se entender que a sua concessão provocará danos ao interesse público ou a interesses de terceiros superiores aos que resultam, para a esfera jurídica do requerente, em caso do seu indeferimento.
Considerando a natureza urgente dos processos cautelares, nos termos do artigo 116.º, n.º1 do CPTA, existe sempre despacho liminar, no qual o juiz poderá rejeitar o requerimento ( n.º2), convidar o requerente a aperfeiçoa-lo(n.º5) ou ordenar a citação. Adicionalmente poderá ainda o juiz, oficiosamente ou a pedido do requerente, proceder ao decretamento provisório da providência requerida ou outras que se lhe afigurarem adequadas, tudo nos termos do n.º5 do artigo 131.º do CPTA.
Nos termos do artigo 131.º, n.º1 do CPTA “Quando reconheça a existência de uma situação de especial urgência, passível de dar causa a uma situação de facto consumado na pendência do processo, o juiz, no despacho liminar, pode, a pedido do requerente ou a título oficioso, decretar provisoriamente a providência requerida ou aquela que julgue mais adequada, sem mais considerações, no prazo de 48 horas, seguindo o processo cautelar os subsequentes termos dos artigos 117.º e seguintes. (...)”.
Assentes nestas premissas, revertendo ao caso em análise, urge verificar se a apelante alegou, em sede de requerimento inicial, factos que, a serem por si perfunctoriamente provados, preenchem os pressupostos legais acima identificados necessários ao decretamento da presente providência cautelar, e consequentemente se o presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a decisão recorrida.
Vejamos.
A emergência do COVID 19 levou o governo português, em sintonia com os seus congéneres europeus, a aprovar um conjunto de medidas destinadas a mitigar os efeitos gravosos que a situação de confinamento gerou na vida das famílias e das empresas, entre as quais se incluem as que constam do Decreto-Lei n.º 75/2020, diploma que aprovou o denominado “Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas” (PEVE). Trata-se de uma das medidas previstas no Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), plano que o Governo português elaborou para responder às dificuldades económicas e sociais provocadas pela Covid-19.
Recorde-se que na situação em apreciação, está em causa saber se a decisão recorrida errou ao rejeitar liminarmente a providência requerida com fundamento na falta de instrumentalidade entre a mesma e a ação principal que viesse a ser intentada, e em caso afirmativo, se o apelado deve ser condenado a assinar provisoriamente, o referido acordo de viabilização extraordinária de empresa no âmbito e por forma a que a apelante possa beneficiar do PEVE. Para o efeito, importa começar por analisar o que vem consagrado no diploma que aprovou o PEVE, tendo em vista, designadamente, perceber qual a natureza do referido acordo e se existe um direito subjetivo da apelante à subscrição desse acordo por parte do requerido credor.
Nesse desiderato, considere-se o que dispõe o artigo 6.º do referido diploma:
“1 - O processo extraordinário de viabilização de empresas destina-se à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente ou atual em virtude da pandemia da doença COVID-19 mas que ainda seja suscetível de viabilização.
- 2 - Para efeitos da presente lei, é considerada «empresa» toda a organização de capital e trabalho destinada ao exercício de qualquer atividade económica, independentemente da natureza jurídica do seu titular.
- 3 - O processo referido no n.º 1 pode ser utilizado por qualquer empresa que, não tendo pendente PER ou processo especial para acordo de pagamento à data da apresentação do requerimento, reúna as condições necessárias para a sua viabilização e que, de acordo com as normas contabilísticas aplicáveis conjugadas com o previsto no n.º 3 do artigo 3.º do CIRE, demonstre ter, em 31 de dezembro de 2019, um ativo superior ao passivo.
- 4 - Em derrogação do número anterior, o processo referido no n.º 1 pode ser utilizado por qualquer micro ou pequena empresa, na aceção do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, que não tivesse, em 31 de dezembro de 2019, um ativo superior ao passivo, desde que:
a) Não tenha pendente processo de insolvência, processo especial de revitalização ou processo especial para acordo de pagamento à data da apresentação do requerimento referido no n.º 1 do artigo seguinte;
b) Tenha recebido um auxílio de emergência no âmbito do quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal em apoio da economia no atual contexto da pandemia da doença COVID-19 e o mesmo não tenha sido reembolsado nos termos legais; ou,
c) Esteja abrangida por um plano de reestruturação no quadro das medidas de auxílio estatal.
5 - O processo referido no n.º 1 pode ainda ser utilizado por empresas que, não tendo a 31 de dezembro de 2019 o ativo superior ao passivo, tenham logrado regularizar a sua situação com recurso à disposição transitória prevista no n.º 1 do artigo 35.º do RERE e desde que tenham procedido ao depósito tempestivo do acordo de reestruturação.
6 - O processo extraordinário de viabilização de empresas tem caráter urgente, inclusive nas fases de recurso, caso existam, assumindo prioridade sobre a tramitação e julgamento de processo de insolvência, de processo especial de revitalização e de processo especial para acordo de pagamento.
7 - Ao processo extraordinário de viabilização de empresas aplica-se o disposto no CIRE, nas disposições que não sejam incompatíveis com a sua natureza, e, subsidiariamente, as disposições gerais do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, em tudo o que não contrarie as disposições da presente lei.
8 - Não podem submeter-se ao processo extraordinário de viabilização de empresas as entidades referidas no n.º 2 do artigo 2.º do CIRE.”
Conforme decorre deste normativo, o PEVE é um processo pré-insolvencial, de caráter urgente e destina-se às empresas que, comprovadamente, se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, ou atual, em virtude da pandemia COVID-19, mas que ainda sejam suscetíveis de viabilização.
Para que possa ser aplicado, as empresas têm de apresentar, a 31 de dezembro de 2019, um ativo superior ao passivo. Na situação de o passivo ser superior ao ativo, ainda se permite o acesso ao PEVE no caso de se ter logrado regularizar a sua situação financeira ao abrigo das disposições transitórias que permitem o recurso ao RERE por empresas em situação de insolvência, desde que tenham procedido ao depósito tempestivo do acordo de reestruturação.
Nos termos desse diploma, o PEVE inicia-se pela apresentação de requerimento fundamentado pela empresa, no tribunal competente (comum) para declarar a sua insolvência, acompanhado por um acordo de viabilização estabelecido extrajudicialmente entre a empresa e os credores (que representem pelo menos as maiorias de votos previstas no n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE), conforme estabelece o artigo 7.º do referido diploma legal. E conforme dispõe o artigo 9.º, n.º1 desse diploma, os credores dispõem de prazo para a apresentação de articulados, seja para impugnação do valor, natureza ou falta de inserção de um dado crédito, seja para requerer a não homologação do acordo. Simultaneamente decorre prazo para apresentação de parecer pelo Administrador Judicial Provisório sobre a viabilidade do acordo apresentado para a manutenção do devedor, conforme artigo 9.º, n.º 3 do referido diploma legal. Após, o tribunal (da jurisdição comum) profere decisão de homologação ou não homologação do acordo, conforme artigo 9.º, n.º 4 e seguintes do referido diploma legal.
Trata-se, como já dissemos, de um processo que se quer rápido, e daí a sua tramitação, em que se onera os credores com a obrigação de assegurarem em tempo a defesa dos seus direitos e interesses, uma vez que o processo tem de se iniciar com a apresentação de um acordo que, por si só, já reunirá a percentagem de votos necessários à sua aprovação.
Assim, ao contrário do que se prevê para o Processo Especial de Revitalização ou do Processo Especial de Acordo de Pagamentos ou de outros incidentes conexos, nomeadamente, do Plano de Insolvência, o regime jurídico do PEVE não contempla a existência de qualquer fase negocial a decorrer na pendência do processo. E compreende-se que assim seja, na medida em que a fase negocial está prevista em momento prévio à apresentação do requerimento inicial, cabendo ao devedor promover o acordo, cujo documento deve ser junto aos autos com o requerimento inicial (cfr. art. 7º, nº 1, al. d) da Lei n.º 75/2020, de 27 de novembro).
No caso, o apelado recusou-se a assinar o acordo de viabilização extraordinária apresentado pela Apelante, sem o qual a mesma, nos termos previstos na Lei n.º 75/2020, de 27/11, não pode efetivamente dar entrada no tribunal competente do almejado processo de revitalização extraordinária de viabilização da empresa.
O acordo apresentado pela apelante ao apelado previa o pagamento da dívida exequenda que a mesma tem para com aquele (dívida à segurança social), acrescida das respetivas custas e o perdão dos respetivos juros de mora.
Tal como acontece no PER e na Insolvência, também o PEVE mantém o princípio de que as dívidas fiscais e da segurança social não são negociáveis, mas contempla uma exceção relativamente às importâncias atinentes a juros e daí o almejado acordo.
Nesse sentido, dispõe o artigo 13.º do PEVE, sob a epígrafe “Créditos tributários e da segurança social”, o seguinte:
«1 - Para efeitos de acordo a homologar relativamente aos créditos da AT e da segurança social, aplica-se o seguinte regime:
a) Artigos 196.º e 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, relativamente aos créditos da AT;
b) Artigos 13.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro, e n.os 13 e 14 do artigo 199.º do CPPT, quanto aos créditos da segurança social.
2 - Os créditos tributários e da segurança social são indisponíveis, só podendo existir redução da taxa de juros de mora, no âmbito de acordo homologado conducente à consolidação financeira da empresa, nos termos descritos no número seguinte.
3 - Às prestações calculadas nos termos do n.º 1 são aplicáveis reduções da taxa de juros de mora, que não são cumuláveis com as demais reduções previstas noutros diplomas, nos seguintes montantes:
a) 25 % em planos prestacionais de 73 até 150 prestações mensais;
b) 50 % em planos prestacionais de 37 até 72 prestações mensais;
c) 75 % em planos prestacionais até 36 prestações mensais;
d) Totalidade de juros de mora vencidos, desde que a dívida se mostre paga nos 30 dias seguintes à homologação do acordo.
4 - Os pagamentos das prestações calculadas nos termos do n.º 1 são imputados, em primeiro lugar, ao capital em dívida, seguindo-se os juros compensatórios, os juros de mora e os encargos, sucessivamente.
5 - Em caso de incumprimento do acordo homologado, fica sem efeito a redução da taxa de juros de mora prevista no n.º 3, sendo aplicável o regime previsto no n.º 1 do artigo 200.º do CPPT.»
Ora, não obstante a natureza indisponível dos créditos tributários e da segurança social, o PEVE, no seu artigo 13.º, n.º 2, como se constata, prevê expressamente a possibilidade de redução da taxa de juros de mora, no âmbito de acordo conducente à consolidação financeira da empresa. E os termos em que opera essa redução estão previstos nas várias alíneas do n.º 3 desse normativo, estabelecendo-se na alínea d) a possibilidade de ser dispensada a totalidade dos juros de mora vencidos, desde que a dívida se mostre paga nos 30 dias seguintes à homologação do acordo.
Não é despiciendo notar que no n.º 5 do referido artigo 13.º deste diploma, o legislador prevê claramente uma consequência para o incumprimento do acordo, estabelecendo que em tal caso “fica sem efeito a redução da taxa de juros de mora prevista no n.º 3, sendo aplicável o regime previsto no n.º 1 do artigo 200.º do CPPT”.
No caso em análise o Tribunal a quo, recorde-se, considerou que « os efeitos do decretamento da providência cautelar requerida, ainda que provisoriamente decretada, não caducarão com a eventual decisão de improcedência da pretensão da Requerente em sede cautelar (do mesmo modo que a decisão final do processo cautelar, favorável ou desfavorável ao requerente, deixa de vigorar, por caducidade, quando é proferida a decisão final no processo principal – cfr. art.º 123.º, n.º 1, alínea f), do CPTA). Do mesmo modo, também não caducarão em resultado do desfecho da ação principal, pois, uma vez decretada a medida cautelar requerida (mesmo provisoriamente), esgota-se de imediato o efeito prático, com a obtenção de um resultado definitivo em sede cautelar, que, em rigor, só pode ser obtido por via do processo principal, sob pena da inutilidade da futura instauração da ação principal. Logo, o deferimento do decretamento provisório nos termos peticionados permite o que só uma decisão sobre o mérito da causa pode proporcionar, por ser definitivo quanto aos efeitos produzidos, e, por isso, entende-se que o pedido em apreciação não se compadece com uma definição cautelar.» e que « falta no caso vertente a característica da instrumentalidade entre o processo cautelar e o processo principal, pois, em resumo, como vimos, a Requerente não pode almejar obter pela via cautelar, que é sempre provisória, ainda que pelo incidente do decretamento provisório, o mesmo efeito ou vantagem definitiva que só o processo principal lhe pode conceder.»
É inquestionável que as providências cautelares assumem como características típicas decorrentes da sua natureza preventiva, a instrumentalidade e a provisoriedade. Na verdade, tem de existir entre a providência cautelar requerida e a ação principal intentada ou a intentar uma instrumentalidade estrutural, no sentido de poder afirmar-se que a providência requerida visa assegurar a utilidade da decisão a proferir na ação principal.
Nesse sentido, dispõe o artigo 113.º, n.º1 do CPTA que « O processo cautelar depende da causa que tem por objeto a decisão sobre o mérito, podendo ser intentado como preliminar ou como incidente do processo respetivo». Por conseguinte, tanto o pedido de providência cautelar como a causa de pedir que lhe servem de fundamento, terão de se encontrar enxertados na ação principal, numa ligação umbilical que terá de existir, sob pena de claudicar a pretensão cautelar.
O decretamento de uma providência cautelar não pode comportar a resolução definitiva do litígio, levando a que o requerente pudesse beneficiar de uma situação de vantagem definitiva com base num processo em que o juiz se baseou num direito apenas aparente, que uma apreciação mais profunda ou novos meios de prova podem vir a desdizer. Permitir a definitividade de uma decisão assente na summaria cognitio seria uma inversão inadmissível.
Acontece que, no caso, a nosso ver, a questão contrariamente ao entendimento sufragado pela 1.ª Instância não é a da falta de instrumentalidade porquanto coloca-se previamente a essa questão uma outra, qual seja, se no âmbito da ação principal de que a presente providência cautelar é dependente, a apelante, requerente da presente providência, podia obter a assinatura forçada por parte da requerida do acordo que lhe propôs e que perante a recusa desta última o Tribunal se substitua àquela, considerando-o, ainda que provisoriamente, porque dependente do resultado final da ação principal que tem de instaurar na sequência do decretamento da presente providência cautelar, como assinado pela requerida ou seja, e em síntese, por ela provisoriamente aceite. Ou seja, a questão prévia que se suscita traduz-se em saber se no âmbito dessa ação principal assiste ao requerente o direito de forçar o aqui requerido, aí réu, a assinar o acordo que lhe propôs e que esta recusou, o que nos remete para a questão do fumus bonis iuris, isto é, de saber, ainda que perfunctoriamente a apelante prove toda a facticidade que alegou no âmbito da presente providência cautelar, se é provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo principal venha a ser julgada procedente ( art.º 120.º, n.º1 do CPTA).
Destarte decorre do que se vem dizendo que previamente à questão da instrumentalidade coloca-se a questão do fumus bonis iuris e é essa questão a que, salvo melhor opinião, se devia ter reconduzido a discussão nos autos, pelo que será na perspetiva dessa questão que analisaremos os presentes autos.
Note-se que a o indeferimento liminar de providência cautelar está reservado a situações em que ocorram exceções dilatórias insupríveis, de que o juiz possa conhecer oficiosamente, ou quando a tese do requerente não tenha qualquer possibilidade de ser acolhida perante a lei em vigor e a interpretação que dela faz a doutrina e a jurisprudência, sendo, por isso, o pedido manifestamente improcedente.
A nosso ver, no caso, é patente a não verificação do requisito do fumus boni iuris, conquanto não assiste à Apelada, enquanto devedora, no âmbito do PEVE, o direito de obrigar um qualquer devedor a subscrever o referido acordo de viabilização extraordinária da empresa por forma a poder beneficiar do PEVE. Cabe-lhe, isso sim, como devedora, promover o acordo, cujo documento deve ser junto aos autos com o requerimento inicial (cfr. art. 7º, nº 1, al. d) da Lei n.º 75/2020, de 27 de novembro), devendo para o efeito estabelecer negociações com os credores, ou pelo menos uma maioria qualificada de credores, em ordem à obtenção de um consenso que leve à conclusão do acordo de viabilização extraordinária da empresa. Todavia, para que haja lugar ao referido acordo não basta que o devedor, no caso, a Apelante, apresente uma proposta de acordo, mas também que obtenha dos credores o necessário consenso quanto à sua oportunidade, ou seja, que aqueles o aceitem. E essa aceitação está dependente unicamente da vontade do credor em subscrever o acordo que lhe é apresentado pelo devedor, não existindo da parte do devedor nenhum direito subjetivo a obter a subscrição desse acordo por parte do credor. Deste modo, não havendo um mútuo consenso, não há acordo possível, não podendo o tribunal forçar a sua subscrição por se tratar de matéria que está na inteira disponibilidade do credor.
À luz do disposto no PEVE, a apelante não tem um qualquer direito subjetivo sobre a apelada à assinatura do referido acordo de viabilização extraordinária da empresa.
E sendo assim, concordamos com o apelado quando o mesmo conclui que a pretensão formulada pela Recorrente não tem qualquer probabilidade de vir a ser julgada procedente no processo principal que eventualmente venha a ser instaurado uma vez que o pretendido nesta eventual ação seria a anulação da decisão administrativa de indeferimento do pedido de subscrição do acordo de viabilização, decisão essa que se insere no exercício do poder discricionário do Recorrido, inexistindo qualquer norma da qual resulte a obrigação deste assinar o acordo de viabilização das empresas que pretendem recorrer ao PEVE, passando a eventual decisão de subscrição de um acordo de viabilização, no que ao Recorrido concerne, por juízos de oportunidade e não de legalidade e, como tal, não sindicáveis judicialmente.
Assim sendo, impõe-se rejeitar liminarmente o requerimento inicial por ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada pela Apelante, assim se protegendo o requerido, ora apelado, de uma demanda injustificada, limitando-se o exercício do direito de ação aos casos em que exista um mínimo de viabilidade aparente da pretensão, o que não se verifica in casu, em que é manifesta a inviabilidade da pretensão formulada.
Termos em que se impõe julgar o presente recurso improcedente e, com a presente fundamentação, confirmar a decisão recorrida.
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IV-DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso, e, em consequência, com a presente fundamentação, confirmam a decisão recorrida.
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Custas pela apelante (artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

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Porto, 24 de setembro de 2021.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Isabel Jovita
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Cfr. Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, p. 10;
Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., 1982, p. 624,

Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 23 e ss. Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14/03/2014 (proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A).

Cfr. Boletim do Ministério da Justiça, n.º 3, pp. 42 e 45;

Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA [in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2017, pp. 970-972 (anotação 2. ao art.º 120º).

Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, volume III, 3ª edição, Almedina, pág. 103;.

Cfr. Ac. do TCAN, de 14/03/2014, proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A.

Cfr. entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14/07/2008 (proc. n.º 0381/08), de 19/11/2008 (proc. n.º 0717/08) e de 22/01/2009 (proc. n.º 06/09); assim como os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 11/02/2011 (proc. n.º 01533/10.6BEBRG), de 08/04/2011 (proc. n.º 01282/10.5BEPRT-A), de 08/06/2012 (proc. n.º 02019/10.4BEPRT-B), de 14/09/2012 (proc. n.º 03712/11.0BEPRT), de 30/11/2012 (proc. n.º 00274/11.1BEMDL-A), de 25/01/2013 (proc. n.º 02253/10.7BEBRG-A), de 25/01/2013 (proc. n.º 01056/12.9BEPRT-A), de 08/02/2013 (proc. n.º 02104/11.5BEBRG), de 17/05/2013 (proc. n.º 01724/12.5BEPRT), de 31/05/2013 (proc. n.º 00019/13.1BEMDL), de 14/03/2014 (proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A), de 17/04/2015 (proc. n.º 03175/14.8BEPRT) ,de 31/08/2015 (proc. n.º 00370/15.6BECBR) e de 20.10.2017 (proc. N.º 01565/16.0BEBRG-A).

Cfr. Ac. do TCAN de 17-04-2015, Proc. 02410/13.4BEPRT;

Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2014, pág. 477;

Cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Justiça Administrativa – Lições”, 15ª edição, Almedina, 2016, pp. 318 e 321.