Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01853/21.4BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/19/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA;
FUNDO DE GARANTIA SALARIAL;
PERÍODO DE REFERÊNCIA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA» propôs ACÇÃO ADMINISTRATIVA contra o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, ambos melhor identificados nos autos, com vista à declaração de nulidade ou anulação do despacho proferido, em 02/08/2021, pelo Fundo de Garantia Salarial que lhe negou o direito a receber os créditos laborais e à condenação do mesmo a pagar-lhe os montantes peticionados no requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho.
Por saneador-sentença proferido pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção e absolvido o FGS dos pedidos.
Deste vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAF) que absolveu o demandado FUNDO DE GARANTIA SALARIAL (FGS) do pedido contra si formulado, com o fundamento da não inclusão dos créditos laborais reclamados pela autora junto do FGS dentro do denominado “período de referência” a que alude o n° 4, do art° 2°, do DL 59/2015, de 21 de Abril, o que leva a que o objecto do presente recurso esteja limitado ao segmento da decisão a quo de pag. 16 a final.

2. É a seguinte a redacção do art° 2°, n° 4, do DL 59/2015 de 21 de Abril: “O Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.° 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.”

3. A sentença recorrida considera que os créditos laborais da autora se venceram no dia 31/03/2014, correspondendo esta data ao momento da revogação do contrato de trabalho em apreço, com fixação do valor dos respectivos créditos laborais e seu modo de pagamento (em plano prestacional).

4. A sentença recorrida fixa o dia 06/02/2015 como correspondendo à data em que a insolvência da entidade patronal se considera proposta.

5. Deste modo, a sentença recorrida situa o “período de referência” entre 06/08/2014 e 05/02/2015 (correspondendo este período aos 6 meses que antecedem o dia 06/02/2015), considerando por isso que os créditos da Autora se venceram 4 meses e 6 dias antes do início do período de referência, estando, por isso, fora deste limite temporal legal. É deste entendimento que se recorre, o qual resulta de uma errada interpretação do direito.

6. O “período de referência” de seis meses a que alude o n° 4, do art° 2, do DL 59/2015 visa comprometer o trabalhador que pretende beneficiar do apoio social constante do FGS com uma actuação lesta e diligente. Constitui, por isso, uma baliza temporal de razoabilidade, quer para o beneficiário do apoio, quer para o erário público que, no final do dia, é quem presta o apoio. Todavia, se ao beneficiário do apoio social (no caso, o trabalhador) se exige rapidez e diligência, não pode o exercício do seu direito ficar afastado pelo decurso do tempo quando não lhe era legalmente possível exercer o direito em momento anterior.

7. O contrato de trabalho da autora cessou em 31/03/2014 por acordo de revogação pelo qual a entidade empregadora se obrigou a pagar créditos laborais no montante de € 8.909,79 em 12 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira naquele mesmo dia e pelo montante de € 989,79 e as 11 seguintes em igual dia dos meses subsequentes, pelo montante de € 720,00 cada (Facto Provado nº 2 e documento junto à p.i. com o n° 2).

8. Por referência ao acordo de revogação do contrato de trabalho da autora, a entidade patronal pagou as prestações do crédito laboral vencidas em 31/03/2014 e 31/04/2014, tendo deixado de pagar a partir da prestação vencida em 31/05/2014 (Facto Provado nº 3).

9. O pagamento fraccionado constitui um benefício do devedor, nos termos do artigo 779° do Código Civil. Esse benefício do prazo cessa com o incumprimento das obrigações de prestação fracionada, nos termos do artigo 781° do Código Civil. No caso dos autos, a Entidade Patronal deixou de efetuar pagamentos a partir da 3ª prestação, que se venceu em 31/05/2014, o que acarretou a perda do benefício do prazo constante do acordo revogatório e o vencimento, nesta data, da totalidade dos créditos laborais vincendos.

10. Sem prejuízo da conclusão que antecede, no caso presente acaba por ser pouco relevante considerar-se o crédito da autora vencido em 31/05/2014 ou em 31/03/2014, porquanto três dias após a cessação da relação laboral, ou seja, em 03/04/2014, a entidade empregadora da autora submeteu-se a Processo Especial de Revitalização - PER - (Facto Provado nº 4), tendo sido nomeado Administrador Judicial Provisório em 09/04/2014 (Facto Provado nº 5).

11. A nomeação de Administrador Judicial Provisório obsta à instauração de cobrança coerciva de créditos sobre a empresa que recorreu a PER, suspende processo insolvencial pendente (desde que não tenha sido declarada já a insolvência) e, por maioria de razão, impede instauração de acção insolvência.

12. Se considerarmos que o crédito da autora se venceu em 31/05/2014, quando tal vencimento ocorre já a autora se encontra legalmente impossibilitada de promover a declaração de insolvência da entidade patronal, por virtude da pendência de PER, com Administrador Judicial Provisório nomeado.

13. Se acompanharmos o entendimento da decisão recorrida no sentido de que o crédito laboral da autora se venceu em 31/03/2014, nove dias depois, ou seja, a partir de 09/04/2014, a autora, por virtude da pendência de PER, com Administrador Judicial Provisório nomeado, passa a estar legalmente impossibilitada de promover a declaração de insolvência da entidade patronal. Significa isto que quando, em 03/04/2014, a entidade patronal da autora se apresenta a PER, o crédito laboral em apreço ou não estava ainda vencido ou, no limite, estava vencido há 3 dias.

14. O plano de recuperação que a entidade patronal da autora apresentou no âmbito do PER foi homologado em 23/09/2014 - (Facto Provado nº 7 e doc. nº ... junto à p.i.) - e implicava o pagamento do crédito reconhecido à autora pelo montante de € 7.200,00 em prestações mensais sucessivas, a primeira das quais vencida em 08/11/2014 - (Factos Provados nº 6 e 9).

15. A devedora (entidade patronal da autora) não cumpriu com as obrigações emergentes do plano de recuperação, nomeadamente com o pagamento da primeira prestação do crédito laboral reconhecido à autora.

16. Por essa razão, em 06/02/2015 a autora requereu apoio judiciário em ordem a promover a cobrança judicial do seu crédito (Facto Provado nº 8), sendo que a sentença recorrida entende ser essa a data em que se deve considerar proposta a acção de insolvência a que se refere o Facto Provado n° 10.

17. Se considerarmos que a partir do dia 09/11/2014 (primeiro dia seguinte ao do vencimento da primeira prestação não paga no âmbito do plano de recuperação homologado) a autora passou a reunir condições para promover o incumprimento do PER e a subsequente instauração da insolvência da sua (ex)entidade patronal, em 06/02/2015, ou seja, menos de 3 meses volvidos, o pedido de nomeação de patrono para o efeito estava apresentado, sendo essa a data que a sentença de recorrida considera como a da instauração da acção de insolvência para efeitos de aferição do “período de referência” constante do n° 4, do art° 2°, do DL 59/2015.

18. Entre 03/04/2014 (data da apresentação a PER) e, na melhor das hipóteses, 09/11/2014 (primeiro dia seguinte ao do vencimento da primeira prestação não paga no âmbito do plano de recuperação homologado) a autora não teve ao seu dispor qualquer mecanismo destinado à propositura de acção de insolvência, por se encontrar vinculada aos termos do PER.

19. O pecado capital da sentença recorrida reside na circunstância de esta não ter atendido ao período de vinculação da autora ao PER, desconsiderando-o expressamente.

20. A sentença recorrida considerou a insolvência da entidade patronal da autora autónoma e independente do PER que a antecedeu. A questão é que a insolvência decorreu do incumprimento desse PER e enquanto esse incumprimento não se verificou a autora não teve a possibilidade legal de requerer a insolvência, por se encontrar vinculada aos termos do PER.

21. Para efeitos de determinação do “período de referência”, há uma íntima ligação entre PER e insolvência, porquanto a segunda decorre do incumprimento do primeiro.

22. Ao desconsiderar o período de vinculação da autora ao PER, a sentença recorrida julga intempestivo (por violação do denominado “período de referência”) o exercício de um direito que a autora não teve condições legais de exercer antes, pelo menos não “4 meses e 6 dias antes”, sendo esse o lapso temporal em que a sentença recorrida considera encontrar-se excedido o limite do “período de referência.

23. Relativamente ao “período de referência”, a sentença recorrida acaba por cair no vício interpretativo do qual se distanciou ao considerar tempestiva a apresentação do pedido de intervenção do FGS em 28/10/2015, por consideração ao prazo de um ano para o exercício do direito previsto no n° 8, do mesmo art° 2° do DL 59/2015.

24. O entendimento da sentença recorrida quanto ao prazo previsto no n° 8, do art° 2°, veio a ser consagrado por Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo publicado em 05 de Dezembro de 2023, e o que sucede com a decisão aqui recorrida é exactamente aquilo que o Acórdão Uniformizador do STA e as decisões do TC que o precederam visaram impedir: a extinção do direito pelo mero decurso do tempo em fase processual cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor.

25. O período de tempo que medeia entre a apresentação a PER e o seu incumprimento definitivo não poderá relevar para efeitos de contagem de qualquer tipo de prazo para agir que onere o trabalhador-credor, porquanto o mesmo se encontra legalmente impossibilitado de satisfazer esse ónus.

26. O incumprimento definitivo do plano de recuperação ocorre após a constituição em mora e interpelação escrita do credor a conferir o prazo de 15 dias para fazer cessar essa mora (vide art° 218°, n° 1, ex vi do n° 13, do art° 17°-F, ambos do CIRE).

27. No caso dos autos, a apresentação a PER ocorre em 03/04/2014 e o seu incumprimento nunca poderia ocorrer antes de 25/11/2015, correspondendo esta data ao 16° dia após a constituição em mora ocorrida a 09/11/2015.

28. Por razões de cariz legal e processual que escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, nunca antes de 25/11/2014 teria a autora, no caso dos autos, hipótese de promover a insolvência da entidade patronal devedora, razão pela qual deverá considerar-se suspensa até essa data a contagem do “período de referência” a que a que alude o n° 4, do art° 2° do DL 59/2015, e isto pelas mesmas exactas razões que levaram às diversas pronúncias do Tribunal Constitucional que conduziram quer ao Acórdão Uniformizador do STA, quer à intervenção do legislador na introdução de um n° 9 ao art° 2° em referência, o qual, apesar de dirigido ao prazo previsto no n° 8 daquele normativo legal, deverá entender-se ser igualmente aplicável ao n° 4.

29. Ao não suspender a contagem do “período de referência” durante o período compreendido entre a apresentação a PER e o incumprimento definitivo do plano de recuperação, a decisão recorrida violou o disposto nos n°s 4 e 9, do art° 2°, do DL 59/2015, o disposto nos art°s 17-E, n°s 1 e 9, 17-F, n° 13, e 218°, n° 1, todos CIRE, bem como o Acórdão Uniformizador n° 13/2023 do STA.

30. A interpretação da norma constante do n° 4, do art° 2° do DL 59/2015 no sentido de que o “período de referência“ de seis meses ali referido não é susceptível de suspensão, é igualmente violadora da CRP, mormente no que tange aos princípios da igualdade e da efectividade ínsitos nos art°s 13° e 59°, n°s 1 e 3.

TERMOS EM QUE,

revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que condene o demandado Fundo de Garantia Salarial no pedido formulado,
farão Justiça!
O Réu não juntou contra-alegações.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) A Autora foi trabalhadora da sociedade comercial “[SCom01...], LDA.”, admitida em 01/01/2008 (facto não controvertido).
2) A relação contratual laboral que unia a Autora àquela sociedade “[SCom01...], LDA.” terminou em 31/03/2014, por acordo de revogação do contrato de trabalho pelo qual a entidade empregadora se obrigou a pagar à Autora a importância líquida de €8.909,79, em 12 prestações mensais, a título de créditos salariais e de compensação decorrente da cessação do contrato de trabalho (cfr. doc. n.º ... junto com a p.i., fls. 23/30 Sitaf).
3) A sociedade “[SCom01...], LDA.” pagou as primeiras duas prestações, tendo deixado de pagar a 3.ª prestação vencida em 31/05/2014. (facto não controvertido).
4) Em 03/04/2014, a sociedade “[SCom01...], LDA.” submeteu-se a Processo Especial de Revitalização, o qual correu termos pelo Tribunal Judicial de Braga, ... Juízo Cível, sob o n.º 1884/14.... (cfr. doc. n.º ... junto com a p.i., fls. 31/33 Sitaf).
5) No âmbito do processo especial de revitalização a que se alude em 4), por despacho de 09/04/2014 foi nomeado o Administrador Judicial Provisório (cfr. doc. n.º ... junto com a p.i., fls. 31/33 Sitaf).
6) No âmbito do processo especial de revitalização a que se alude em 4), em 20/05/2014, o Administrador Judicial Provisório reconheceu à Autora um crédito de natureza privilegiada, no valor de € 7.200,00, remetendo-lhe uma carta nesse sentido, cujo teor se dá por reproduzido na íntegra e da qual resulta o seguinte “(...) apesar de não ter efectuado a competente reclamação de créditos, (...), foi-lhe reconhecido um crédito da natureza privilegiada no valor de €7.200,00 (...)” (cfr. doc. n.º ... junto com a p.i., fls. 34 Sitaf).
7) Em 23/09/2014, no âmbito do processo especial de revitalização a que se alude em 4), foi homologado o plano de recuperação da devedora “[SCom01...], LDA.” (cfr. doc. n.º ... junto com a p.i., fls. 35/36 Sitaf).
8) A Autora requereu, em 06/02/2015, apoio judiciário para propor uma acção de processo comum, na modalidade de “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo” e “nomeação de pagamento da compensação de patrono”, ao qual foi atribuído o n.º ...15. (cfr. doc. n.º ... junto com a p.i., fls. 37 Sitaf).
9) Por carta registada com data de 12/03/2015, a Autora, representada pela sua Advogada, Senhora Dra. «BB», dirigiu uma comunicação a “[SCom01...], LDA.”, cujo teor se dá por reproduzido, destacando-se: “Encontra-se já vencida, desde 08/11/2014, a primeira prestação a ser liquidada no âmbito do PER (Proc. n.º 1884/14....). Assim, aguarda-se ainda que tal prestação seja regularizada e liquidada no prazo de 15 dias (...)” (cfr. doc. n.º ...3 junto com a p.i.).
10) Em 28/04/2015, patrocinada pela Senhora Advogada nomeada no âmbito do processo de apoio judiciário a que se alude em 8), a Autora requereu a insolvência de “[SCom01...], LDA.”, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão (cfr. doc. n.º ... junto com a p.i., fls. 38/59 Sitaf).
11) Por sentença proferida, em 08/06/2015, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, ..., Instância Central, 2.ª Secção de Comércio, no âmbito do processo n.º 3530/15...., a sociedade “[SCom01...], LDA.” foi declarada insolvente, tendo o Anúncio sido publicitado em 11/06/2015 (cfr. doc. n.º ... junto com a p.i., fls. 62/63 Sitaf).
12) No âmbito do processo de insolvência a que se alude em 11), em 03/08/2015, pelo Administrador da Insolvência foi reconhecido à Autora um crédito no valor de €7.200,00 relativo ao acordo de revogação do contrato de trabalho, acrescido de juros, no valor de €270,64 (cfr. doc. n.º ... junto com a p.i., fls. 60/61 Sitaf).
13) Em 28/10/2015, a Autora requereu ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento dos créditos emergentes do seu contrato de trabalho e indicou como “tipo de crédito em dívida” - “indemnização /compensação por cessação de contrato de trabalho”, no valor total de €7.470,64 e que os créditos foram reclamados no processo judicial de insolvência a decorrer no Tribunal de Comércio de V. N. Famalicão, Instância Central, 2.ª Secção Comércio (cfr. doc. n.º ...0 junto com a p.i., fls. 64/66 Sitaf).
14) Em 02/08/2021, o Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial proferiu despacho de indeferimento do requerido pela Autora, tendo por fundamento (cfr. doc. ...1 junto com a p.i., fls. 67/68 Sitaf):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
Como bem argumenta a Senhora PGA, se bem se perceciona o discurso recursivo, a Recorrente entende que o “período de referência” (6 meses) previsto no artigo 2.º n.º(s) 4 e 5 do NRFGS deve ser suspenso nas situações em que o beneficiário do apoio social, presumivelmente, está legalmente impossibilitado de exercer o direito, sendo uma situação similar à interpretação do prazo de caducidade de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS.

Cremos que carece de razão.

Como bem refere a decisão sob recurso, [...]

Há que analisar se a data de vencimento dos créditos laborais reclamados junto do Fundo de Garantia Salarial se encontra, ou não, englobada no período de referência, previsto no artigo 2º/4 do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21/04. Na óptica da Autora, o acordo de revogação do contrato de trabalho que estabeleceu o pagamento da quantia de €8.909,79 em 12 prestações mensais e sucessivas, a começar em 31/03/2014 constitui um benefício do devedor, nos termos do artigo 779.º do Código Civil, tendo, todavia, ocorrido perda do benefício do prazo quando o empregador deixou de efectuar as prestações a partir de 31/05/2014. Sustentou ainda a Autora que a sentença homologatória do plano especial de revitalização voltou a gerar um benefício de prazo a favor do empregador, mas, porque não cumpriu o plano homologado e foi interpelada para pagar a prestação em falta [ponto 9) dos factos assentes], deu-se o incumprimento do plano em 28/03/2015. Nesta data se venceu o crédito da Autora e porque a insolvência foi requerida em 28/04/2015, o crédito venceu-se dentro do período de referência. Mas não tem razão a Autora, sendo diverso o enquadramento legal.

Vejamos,

Como se disse, apesar de o contrato da Autora ter cessado em 31/03/2014, quando ainda se encontrava em vigor o regime dos artigos 316.º a 326.º da Lei n.º 35/2004, de 29/07, o requerimento deu entrada já na vigência do NRFGS, que estabelece de forma expressa que o Fundo assegura o pagamento dos créditos que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da acção de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou vencidos após aquele período de referência. Contudo, mesmo antes do NRFGS estar em vigor, constituía entendimento generalizado da jurisprudência dos tribunais superiores, que o artigo 317.º da Lei n.º 35/2004, de 29/07, abrangia também o pagamento de créditos nos casos em que o empregador recorria a um processo especial de revitalização e o juiz não recusava a nomeação do administrador judicial provisório; neste sentido, inter alia, vide Acórdãos do TCAN, de 22/05/2015, processo n.º 00409/13.0BEVIS e de 08/05/2015, processo n.º 00411/13.1BEVIS. Actualmente, esta solução conhece consagração expressa no NRFGS (artigos 1.º1/b) e artigo 2.º/4 desse diploma). A propósito dos créditos abrangidos, o artigo 319.º da Lei n.º 35/2004, hoje revogado, determinava que: “O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.

O actual artigo 2.º/ 4 do NRFGS, em vigor desde 04/05/2015, preceitua que: “O Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.º 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da acção de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.

Importa analisar a factualidade decorrente dos autos para se decidir pela inclusão, ou não, dos créditos laborais da Autora no período de vigência. O contrato de trabalho da Autora cessou em 31/03/2014, por acordo de revogação, pelo qual foi convencionado o pagamento em prestações.

Pese embora tenha sido convencionado o pagamento da quantia global devida em 12 prestações, a natureza do crédito da Autora perante o Demandado Fundo de Garantia Salarial não se alterou, nem tão pouco as vicissitudes posteriormente ocorridas por força do processo especial de revitalização que homologou novos termos de pagamento ou por força da insolvência alteraram a natureza e qualidade do crédito, que se venceu com o acordo de revogação.

Com efeito, na ausência de elementos concretos quanto ao vencimento de cada uma das parcelas de crédito, certo é que, por força da cessação do contrato de trabalho, pelo menos, em 31/03/2014, venceram-se todos os créditos da Autora [ponto 2) dos factos assentes]. A Autora requereu ao Demandado Fundo o pagamento da quantia ainda em dívida, no dia 28/10/2015 e indicou, no seu requerimento, como tipo de crédito em dívida “indemnização/compensação por cessação de contrato de trabalho”, no valor total de €7.470,64 e indicou que os créditos foram reclamados no processo judicial de insolvência a decorrer no Tribunal de Comércio de V. N. Famalicão, Instância Central, 2.ª Secção Comércio [ponto 13) dos factos provados]. Por um lado, nada disse quanto ao Processo Especial de Revitalização referido em 4) da factualidade assente, nem fez alusão a que peticionava os seus créditos relativamente a esse processo. Sabemos, por outro lado, que foi a Autora quem requereu o processo de insolvência, ponto 10) dos factos provados. O que nos permite concluir que a sentença que declarou a insolvência da devedora não se cinge ao caso a que se refere o artigo 17.º-G/3 do CIRE, que prevê que, caso o processo de revitalização seja encerrado sem a aprovação de um plano de recuperação, o juiz da causa deve declarar a insolvência no prazo de três dias, contados a partir da comunicação feita pelo administrador judicial provisório de que não foi alcançado o acordo pelos credores. A insolvência da devedora não decorreu nem resultou, assim, do anterior processo especial de revitalização a que esteve sujeita. Entendemos, desta forma, que o processo de insolvência da sociedade

“[SCom01...], LDA.” que correu os seus termos sob o n.º 3530/15.... é independente e autónomo do processo especial de revitalização n.º 1884/14.... nem a Autora pretendeu deste último processo especial de revitalização retirar alguma consequência quando, em 28/10/2015, fez dar entrada do pedido de pagamento junto do Demandado, tendo-se limitado a referir o processo de insolvência [vide ponto 13) dos factos assentes], tal como acima referido. Importa, ainda assim, analisar o teor da actual norma resultante do n.º 4 do artigo 2.º do NRFGS, nos termos da qual o Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.º 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da acção de insolvência. Há, assim, que apurar qual a data do vencimento dos créditos laborais e a data da propositura da acção de insolvência, para, desse modo, indagar se o vencimento dos créditos ocorreu, ou não, dentro dos seis meses correspondentes ao período de referência. Resulta dos factos assentes que a insolvência foi requerida/proposta a 06/02/2015 [resulta da concatenação dos pontos 8) e 10) dos factos provados pelos motivos acima indicados, dado o pedido de nomeação de patrono para a instauração da acção de insolvência]. O período de referência situa-se, então, entre 06/08/2014 e 05/02/2015 (estes são os 6 meses anteriores). Ora, os créditos da Autora venceram-se em 31/03/2014, isto é, 4 meses e 6 dias antes do início do período de referência, estando, por isso, fora do período de referência legal. Sobre esta questão, os Tribunais superiores têm referido o seguinte, aqui se salientando a posição do TCAN, em 30/05/2018, no processo n.º 02320/16.3BEPRT e que tomamos a liberdade de citar: “(...) Na linha do que este TCAN reiteradamente tem decidido, p. ex. nos Acs.: de 1509-2017, proc. nº 2774/15.5BEPRT, de 22-09-2017, proc. nº 2039/15.2BEPNF; de 22-09-2017, proc. nº 2040/15.6BEPNF; de 15-12-2017, proc. nº 2045/15.7BEPNF; como neste último se sumaria “É irrelevante a circunstância do então Autor ter celebrado com a Entidade Empregadora um contrato de pagamento dos reclamados créditos em prestações e de tal contrato ter sido incumprido em data posterior, porquanto tal acordo não tem a virtualidade de alterar a natureza do crédito em causa perante o FGS, nem a data do respetivo vencimento.”.

Daqui se extrai que a decisão ora impugnada fez correta leitura dos normativos aplicáveis e seguiu o entendimento da jurisprudência, mais recente, dos tribunais superiores, pelo que terá de ser mantida.
Com efeito, a jurisprudência dos tribunais superiores desta jurisdição administrativa tem vindo reiteradamente a entender que no caso da entidade empregadora vir a ser judicialmente declarada insolvente o Fundo de Garantia Salarial assegurará os créditos salariais que se hajam vencido nos seis meses que antecederam a data de propositura da ação de insolvência ou da data de entrada do requerimento relativo ao procedimento de conciliação (previsto no DL n.º 316/98) - cfr. Acs. do STA de 17/12/2008 - Proc. n.º 0705/08, de 04/02/2009 - Proc. n.º 0704/08, de 07/01/2009 - Proc. n.º 0780/08, de 10/02/2009 - Proc. n.º 0820/08, entre tantos outros.

Importa ainda ter presente que o âmbito de abrangência do art.º 319.º, nº 1 da Lei n.º 35/2004, nos termos em que a jurisprudência nacional o tem entendido, foi considerado como não violador da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, por Acórdão do TJUE de 28/11/2013, proferido no Processo n.º C-309/12, que fixou o seguinte entendimento: “A Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, conforme alterada pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores tenham proposto, antes do início desse período, uma ação judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva” - cfr. Acórdão deste TCAN de 14/02/2014, Proc. n.º 00756/07.0BEPRT.

Assim, é inequívoco que o Fundo de Garantia Salarial assegura ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador judicialmente declarado insolvente, o pagamento, até determinado montante, dos créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua cessação que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de declaração de insolvência ou da entrada do requerimento do procedimento de conciliação, se for o caso. Ou, caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no n.º 1 do art.º 319, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1, do artigo 320.º, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência (conforme n.º 2 do art.º 319.º).

Em suma,

Conforme se sumariou no Acórdão do STA de 10/09/2015, Proc. n.º 0147/15: «I - O Fundo de Garantia Salarial, assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho “que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referidos no artigo 2.ºanterior " art.º 319.º/1 da Lei 35/2004. II - Para esse efeito importa, apenas, a data de vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na acção intentada com vista ao seu reconhecimento judicial e ao seu pagamento».

Sublinhe-se, porém, que os créditos salariais, como a indemnização pelo despedimento, apenas se consideram vencidos a contar do trânsito em julgado de decisão judicial que os reconheça, conforme decorre do artigo 435.º do CT/03 (aplicável aos autos).

Acresce que o Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos aludidos créditos que lhe sejam reclamados até 3 meses antes da respetiva prescrição, ocorrendo essa prescrição se o trabalhador no prazo de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, não exercer judicialmente o seu direito aos créditos resultantes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, conforme resulta do artigo 381.º do Código do Trabalho de 2003, em vigor à data da cessação do contrato de trabalho da Autora /Recorrente (art.º 337.º do CT/2009).

Tem de existir um nexo entre a insolvência da entidade patronal e os créditos laborais de que os trabalhadores são titulares. A delimitação, em seis meses, do período de referência, bem assim como a admissibilidade do pagamento de créditos vencidos após esse período, tudo com o limite que resulta do n.º 1 do art.º 3.º do NRFGS, conforme previsto nos nºs 4 e 5 do art.º 2.º do NRFGS, resulta da transposição para o ordenamento jurídico nacional do disposto no art.º 3.º da Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008 (que revogou a Directiva 80/987/CEE do Conselho de 20 de outubro de 1980 relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, que continha norma idêntica), que estabelece que: “Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurem, sob reserva do artigo 4.º, o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação da relação de trabalho. Os créditos a cargo da instituição de garantia consistem em remunerações em dívida correspondentes a um período anterior e/ou, conforme os casos, posterior a uma data fixada pelos Estados-Membros.”.

No art.º 4.º da mesma Diretiva 2008/94/CE prevê-se expressamente a faculdade de limitação da obrigação de pagamento das instituições de garantia a que se refere o artigo 3.º, estabelecendo-se que: “2. Quando os Estados-Membros fizerem uso da faculdade a que se refere o n.º 1, devem determinar a duração do período que dá lugar ao pagamento dos créditos em dívida pela instituição de garantia. Contudo, esta duração não pode ser inferior ao período relativo à remuneração dos três últimos meses da relação de trabalho anterior e/ou posterior à data a que se refere o segundo parágrafo do artigo 3.º Os Estados-Membros podem calcular este período mínimo de três meses com base num período de referência cuja duração não pode ser inferior a seis meses.(...) 3. Os Estados-Membros podem estabelecer limites máximos em relação aos pagamentos efectuados pela instituição de garantia. Estes limites não devem ser inferiores a um limiar socialmente compatível com o objectivo social da presente directiva. (...) Os limites impostos ao dever de garantia que recai sobre o FGS, que resultam dos números 4 e 5 do art.º 2.º e do n.º 1 do art.º 3.º do NRFGS, mostram-se conformes com o estatuído nos artigos 3.º e 4.º da Diretiva 2008/94/CE, ora transcritos.

Sobre a questão e para além do Acórdão do TJUE, proferido no âmbito do proc. n.º C-309/12, de 28/11/2013 (em que se trata da interpretação a conferir aos artigos 4.º e 10.º da Directiva 80/987/CEE), mencionado na decisão recorrida, veja-se ainda o Acórdão do mesmo Tribunal datado de 25/07/2018, proc. n.º C-338/17, in https://curia.europa.eu, relativo à Bulgária, proferido ao abrigo das normas da Diretiva n.º 2008/94/CE, em que se conclui que «A Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional (...) que não garante os créditos salariais dos trabalhadores cuja relação de trabalho tenha cessado mais de três meses antes da inscrição no registo comercial da decisão judicial de abertura do processo de insolvência do empregador». Refere-se nesse Acórdão: (...) «Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, a finalidade social desta diretiva consiste em assegurar a todos os trabalhadores assalariados um mínimo de proteção ao nível da União Europeia em caso de insolvência do empregador através do pagamento dos créditos em dívida emergentes de contratos ou de relações de trabalho, respeitantes à remuneração relativa a um determinado período (Acórdãos de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., C-309/12, EU:C:2013:774, n.º 20, e de 2 de março de 2017, Eschenbrenner, C-496/15, EU:C:2017:152, n.º 52 e jurisprudência referida).

É à luz deste objetivo que o artigo 3.º da referida diretiva impõe que os Estados-Membros tomem as medidas necessárias para que as instituições de garantia nacionais assegurem o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores.

Contudo, como o Tribunal de Justiça já salientou, a Diretiva 2008/94 confere aos Estados-Membros a faculdade de limitarem a obrigação de pagamento através da fixação de um período de referência ou de um período de garantia e/ou do estabelecimento de limites máximos aos pagamentos (v., por analogia com a Diretiva 80/987, Acórdão de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., C­309/12, EU:C:2013:774, n.º 22, e Despacho de 10 de abril de 2014, Macedo Maia e o., C-511/12, não publicado, EU:C:2014:268, n.º 21).

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as disposições da Diretiva 2008/94 relativas à faculdade conferida aos Estados-Membros de limitarem a sua garantia demonstram que o sistema estabelecido pela referida diretiva tem em conta a capacidade financeira desses Estados-Membros e que procura preservar o equilíbrio financeiro das suas instituições de garantia.

Assim, por um lado, o artigo 3.º, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/94 prevê que os créditos a cargo da instituição de garantia consistem em remunerações em dívida correspondentes a um período anterior e/ou, conforme os casos, posterior a uma data fixada pelos Estados-Membros. Por outro lado, por força do artigo 4.º, n.º 1, da Diretiva 2008/94, os Estados-Membros têm a faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia a que se refere o artigo 3.º da diretiva. Segundo o artigo 4.º, n.º 2, da referida diretiva, quando os Estados-Membros fizerem uso desta faculdade, devem determinar a duração do período que dá lugar ao pagamento dos créditos em dívida pela instituição de garantia sendo que, contudo, esta duração não pode ser inferior ao período relativo à remuneração dos três últimos meses da relação de trabalho anterior e/ou posterior à data a que se refere o artigo 3.º, segundo parágrafo, desta diretiva.

Estas disposições concedem igualmente aos Estados-Membros a faculdade de inserirem este período mínimo de três meses num período de referência cuja duração não pode ser inferior a seis meses, bem como de preverem uma garantia mínima limitada a oito semanas, desde que este período de oito semanas se insira num período de referência mais longo, de dezoito meses, no mínimo (v., por analogia, Acórdão de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., C-309/12, EU:C:2013:774, n.º 26). (...)”.

Como se explica no Acórdão acabado de mencionar, o objectivo do legislador comunitário (Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que revogou a Directiva 80/987/CEE do Conselho de 20 de Outubro de 1980), foi o de instituir um mínimo de proteção aos trabalhadores em caso de insolvência do empregador, através do pagamento de créditos em dívida resultantes de contratos ou de relações de trabalho, mas com limitação da obrigação de pagamento através da fixação de um período de referência, ou de um período de garantia e/ou do estabelecimento de limites máximos aos pagamentos respeitantes à remuneração relativa a um determinado período.

A admissibilidade de tais limites ao pagamento dos créditos de natureza laboral resulta da necessidade de se ter em consideração a capacidade financeira dos Estados-membros e a de preservar o equilíbrio financeiro das suas instituições de garantia. Não se visa garantir o pagamento de todos os créditos que os trabalhadores tenham sobre o empregador insolvente, pelo que é irrelevante, para o caso, que os créditos laborais cujo pagamento os Recorrentes peticionam, tenham sido reconhecidos no âmbito do processo de insolvência e alegadamente não tenham prescrito. (...)”.

Alinha-se ainda o Acórdão deste TCAN de 9/04/2021, proferido no processo 695/19.1BEBRG cujo sumário reza assim: 1” - O Fundo de Garantia Salarial, assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referidos no artigo 2º anterior - artº 319º/1 da Lei 35/2004.
2 - Resulta do art. 317º da Lei nº 35/2004 (Regulamento do Código do Trabalho) que «O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes».
Por outro lado, estabelece o artº 318º, nº 1 do mesmo diploma que «O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente».
Complementarmente, refere o artº 319º que «O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.° que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior (n° 1).
3 - À luz do regime introduzido pelo DL n° 59/2015 (Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial), é exigida a verificação cumulativa dos requisitos estabelecidos para que o FGS possa assegurar o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação e cessação (cfr. arts. 1º e 2º do DL n° 59/2015). Com efeito, para que o referido regime possa operar importa que se mostrem preenchidos, no caso, os seguintes pressupostos: a) Seja a entidade empregadora judicialmente declarada insolvente; b) Que os créditos emergentes do contrato de trabalho se tenham vencido nos seis meses anteriores à data da propositura da ação (cfr. art° 2°, n° 4, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial aprovado pelo DL n° 59/2015).
4 - O FGS assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a data da propositura da ação de insolvência, sendo que para esse efeito, importa, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na ação intentada com vista ao seu reconhecimento judicial, ou a data do seu reconhecimento no processo de insolvência. [...]".
Tudo aponta, pois, para a bondade da leitura do Tribunal a quo.
De referir ainda que a argumentação recursiva enferma de premissas incorrectas, como seja justificar a inércia, devida a desconhecimento da lei, com "impedimentos legais" ao exercício do direito de obter o benefício social, como resulta da interpretação/conclusões, designadamente os pontos 6, 11, 12 e 28.
Como assertivamente observa a Senhora PGA, não existe no quadro normativo que regula a presente questão, isto é, no Código do Trabalho ou no CIRE, qualquer impedimento legal que, por um lado, condicione o direito da Recorrente em propor a ação de insolvência contra a entidade patronal, após o incumprimento do pagamento dos créditos laborais, tendo em consideração a data de maio de 2014, bem como o de requerer ao FGS o pagamento do seu crédito laboral vencido, em consequência do reconhecimento desse mesmo crédito pelo administrador judicial provisório, em 20/05/2014 no âmbito do PER.
Pois, e como se referiu, o artigo 2.º, n.º 4 do NRFGS prevê que "o Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.º 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da acção de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas", sendo que o facto do processo de insolvência ficar suspenso, não colide com o prazo de seis meses, ou seja, o período de referência.
Também não se percebe qual a utilidade jurídica para a presente discussão, nomeadamente o conceito de período de referência previsto no artigo 2.º, n.º 4 do NRFGS, a questão suscitada no ponto 11 das conclusões, em particular, a instauração do processo executivo para cobrança dos créditos laborais.
E o que dizer acerca da alegada inconstitucionalidade que enferma a interpretação do artigo 2.º n.º(s) 4 e 5 do NRFGS, por violação dos artigos 13.º e 59.º, n.º 1 e 3 da CRP?

Por um lado, entende-se que se trata de uma questão nova que não foi colocada em sede de objeto da ação, o que impede a sua apreciação nesta fase.

Com efeito, como é sabido, os recursos jurisdicionais visam a reapreciação de decisões de tribunais de grau hierárquico inferior, tendo em vista a sua alteração ou anulação por erro de facto ou de direito das mesmas, não sendo admissível no recurso o conhecimento de questões que não foram colocadas nem apreciadas na decisão recorrida e que não são de conhecimento oficioso - Acórdão do STA, de 26/09/2012, proc. 0708/12.

Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado - Acórdão do STA, de 13/11/2013, proc. 01460/13.

Em sede de recurso jurisdicional não pode ser conhecida questão nova, que o recorrente não tenha oportunamente alegado nos seus articulados, designadamente a invocação de um novo vício do ato impugnado, por essa matéria integrar matéria extemporaneamente invocada sobre a qual a sentença impugnada não se pronunciou, nem podia pronunciar-se.

A função do recurso, repete-se, é a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que a ela não foram submetidos.
Como é jurisprudência uniforme, os recursos, nos termos do artigo 627º do CPC (ex vi artº 140º/3 do CPTA), são meios de impugnações judiciais e não meios de julgamento de questões novas. Ou seja, é função do recurso no nosso sistema jurídico, a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Como decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2009, proferido no âmbito do processo nº 09P0308:
“I-É regra geral do regime dos recursos que estes não podem ter como objecto a decisão de questões novas, que não tenham sido especificamente tratadas na decisão de que se recorre, mas apenas a reapreciação, em outro grau, de questões decididas pela instância inferior. A reapreciação constitui um julgamento parcelar sobre a validade dos fundamentos da decisão recorrida, como remédio contra erros de julgamento, e não um julgamento sobre matéria nova que não tenha sido objecto da decisão de que se recorre.
II-O objecto e o conteúdo material da decisão recorrida constituem, por isso, o círculo que define também, como limite maior, o objecto de recurso e, consequentemente, os limites e o âmbito da intervenção e do julgamento (os poderes de cognição) do tribunal de recurso.
III-No recurso não podem, pois, ser suscitadas questões novas que não tenham sido submetidas e constituído objecto específico da decisão do tribunal a quo; pela mesma razão, também o tribunal ad quem não pode assumir competência para se pronunciar ex novo sobre matéria que não tenha sido objecto da decisão recorrida.”
Dito de outro modo, os recursos são instrumentais ao reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não servem para proferir decisões sobre matéria nova, isto é, que não tenha sido submetida à apreciação do tribunal de que se recorre.

O objectivo do recurso jurisdicional é a modificação da decisão impugnada, pelo que, não tendo esta conhecido de determinada questão por não ter sido oportunamente suscitada, não pode o Recorrente vir agora invocá-la perante este tribunal ad quem, porque o objecto do recurso são, reitera-se, os vícios da decisão recorrida.

Como ensina Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, Almedina, pág. 119: “… os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso. Compreendem-se perfeitamente as razões que levaram a que o sistema tenha sido assim desenhado. A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os Tribunais Superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios.”.
Por outro lado, sempre se dirá que a Recorrente se limita a enunciar os artigos da CRP e formula convicções, de forma abstrata sem qualquer densificação ou substanciação, o que também obsta à apreciação jurídica desta questão.

Como decidido no Acórdão de 6/10/2022 do TCA Sul, proferido no âmbito do processo n.º 1173/08.0BELSB, não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu.
Assim, não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.
Improcedem, assim, as Conclusões do recurso com a manutenção no ordenamento jurídico do aresto posto em crise.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Notifique e DN.

Porto, 19/4/2024

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Paulo Ferreira de Magalhães