Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00341/12.4BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:PAULA MOURA TEIXEIRA
Descritores:IRC;
CORREÇÕES POR MÉTODOS DIRETOS VERSUS INDIRETOS;
ÓNUS DA PROVA;
Sumário:
I. O n.º 1 do art.º 75.º do Lei Geral Tributária (LGT) consagra o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei fiscal e comercial.

II. Esta presunção vincula a Administração Fiscal à realização da liquidação com base nas declarações dos contribuintes, (art.º 59.º do CPPT) sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, ao controlo dos factos declarados.

III. A presunção cessa nomeadamente se essas declarações ou os respetivos dados de suporte apresentarem omissões, erros ou inexatidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cf. artigo 75º, nº 2, da LGT).

IV. O recurso a métodos indiretos não é uma prerrogativa do Recorrente/Impugnante, é um recurso que a Administração Fiscal, no exercício de funções pode recorrer se se verificarem os pressupostos para a sua utilização, método que deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci”.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, [SCom01...], LDA., NIPC ...77, melhor identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Fiscal Administrativo de Braga que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial IRC dos anos de 2005, 2006 e 2007, e juros compensatórios associados, no valor global de €210.692,84.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

1. A Recorrente não se conforma com a douta sentença impugnada e defende que o recurso aos métodos indirectos para apuramento da matéria colectável, no caso em apreço, deveria ter sido aplicado.
2. A douta sentença em crise enferma de um erro de facto ao ter considerado que os custos com a construção dos prédios em mérito nestes autos, por não terem sido provados pela Recorrente, não relevam para o apuramento da matéria colectável,
3. Em todos os sectores de actividade, designadamente no da construção civil, é impossível a existência de proveitos sem custos.
4. A construção dos prédios alienados originou obrigatoriamente custos para a Recorrente
5. Tendo sido operada a liquidação adicional com base no produto da venda dos prédios é porque estes existiam e foram edificados.
6. A douta sentença ao desconsiderar os custos no apuramento da matéria colectável e nela incluir somente os proveitos, violou o princípio da verdade material e decidiu de forma contraditória e sem sentido de justeza.
7. Por outro lado, a contabilidade da Recorrente não era credível pois não reflectia nem os custos da construção dos prédios, nem os proveitos resultantes da sua alienação.
8. O apuramento da matéria tributável tem de englobar os proveitos e os custos e deve ser efectuado através de uma avaliação indirecta, na medida em que a contabilidade não reflectia a realidade nem quanto a custos nem quanto a proveitos.
9. O recurso a métodos indirectos para apuramento da matéria tributável de qualquer tributo é legítimo quando não seja possível efectuar a sua quantificação de forma directa e exacta com base na contabilidade do sujeito passivo.
10. Deste modo, a douta sentença impugnada ao ter afastado o recurso aos métodos indirectos para quantificar, com segurança e proximidade da realidade material da Recorrente, a matéria colectável e o respectivo imposto,
11. incorreu em erro de direito e violou e o disposto nos art°s 75°, n° 2, al. a) e 83°, n° 1, 85°, 87° e 88° da Lei Geral Tributária.
12. Pelo exposto, as liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2005, 2006 e 2007 devem ser anuladas, por existência dos pressupostos para aplicação de métodos indirectos, em conformidade com o disposto nos art.°s 75°, n° 2, al. a) e 83°, n° 1, 85°, 87° e 88° da LGT,
13. uma vez que a escrita e os documentos contabilísticos da Recorrente revelavam omissões e indícios fundados que impediam o conhecimento da real matéria tributável.
14. Em consequência deve ser revogada a douta decisão impugnada, julgada totalmente procedente a impugnação judicial, anular-se as liquidações adicionais e ordenar-se se proceda a novo acto de liquidação com recurso a métodos indirectos para apuramento da matéria colectável sem desconsideração dos custos.

TERMOS EM QUE
deve dar-se provimento ao presente recurso, assim se fazendo a habitual e sempre esperada JUSTIÇA! .(…)”

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso por não se verificarem os vícios alegados.

Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF, dispensa-se os vistos do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, com o seu consentimento, submetendo-se à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito por violação dos art°s 75°, n° 2, al. a) e 83°, n° 1, 85°, 87° e 88° da Lei Geral Tributária.

3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)
1. A Impugnante exerce a actividade de “Construção de Edifícios (residenciais e não residenciais) CAE 041200”, tendo iniciado a actividade em 8/8/1996, estando enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral, e para efeitos de IRC, no regime geral de tributação – factualidade não controvertida.
2. Na sequência das Ordens de Serviço n°s ...14 e ...15 e ...16, de 17 de Março de 2009, a impugnante foi submetida a uma acção de fiscalização, de âmbito parcial, com a finalidade de apurar o IRC em falta, e abrangendo os exercícios de 2005, 2006 e 2007 – cfr. fls. 251 do processo administrativo apenso aos autos (doravante, apenso).
3. Em 19.03.2009, os Serviços de Inspecção dirigiram ofício à Impugnante, com o n° ...76, remetido para a respectiva sede [rua ..., Quinta ..., ..., ..., ...] através de carta registada, facultando-lhe o exercício do direito de audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção – cfr. fls. 43 a 50 do apenso.
4. A carta referida no ponto anterior foi devolvida ao remetente com as indicações “não atendeu” e “objecto não reclamado” – cfr. fls. 41 e 42 do apenso.
5. Em 03.04.2009, foi elaborado o relatório final de inspecção, do qual se extrai, com relevância para os presentes autos, o seguinte:
“[…]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[...] – Cfr. fls. 245 a 254 do apenso.
6. Das correcções efectuadas à matéria tributável, na sequência da inspecção tributária referida, resultaram as liquidações adicionais de IRC dos anos de 2005 (n° ...19), 2006 (n° ...50) e 2007 e (...68) e juros compensatórios associados, no valor global de €210.692,84 – cfr. fls. 9 a 17 dos autos.
7. As notificações de demonstração de liquidação de juros apresentam o seguinte conteúdo:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
*
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
*
[cfr. fls. 10, 13 e 16 do suporte físico dos autos].
8. Em 03.07.2009, a Impugnante apresentou reclamações graciosas contra as referidas liquidações, autuadas sob os nºs ...01, ...10 e ...28 – cfr. fls. 2 a 5, 100 a 103 e 230 a 234 do apenso.
9. As reclamações graciosas foram indeferidas por despachos de 15.12.2010, dando-se aqui por integralmente reproduzido o respectivo teor – cfr. fls. 62 a 65, 160 a 163 e 352 a 358 do apenso.
10. Em 25.01.2011, a Impugnante interpôs recursos hierárquicos das referidas decisões de indeferimento das reclamações graciosas – cfr. fls. 68 a 75, 166 a 174 e 198 a 204 do apenso.
11. Por despachos de 11.10.2011, foi negado provimento aos recursos hierárquicos - cfr. fls. 81 a 95, 179 a 193 e 209 a 225 do apenso.
Mais se provou o seguinte:
12. Por escritura pública outorgada em 19.10.2004, a Impugnante adquiriu a parcela de terreno inscrita na matriz da freguesia 1..., ..., sob o artigo ...68º - Lote A-2, pelo montante de €16.000,00 – cfr. doc. 11 junto com a PI (fls. 71 a 75 do suporte físico dos autos).
13. No terreno identificado no ponto anterior, a Impugnante implantou o prédio que veio a dar origem ao artigo urbano nº ...41 da referida freguesia - cfr. doc. fls. 142-vs a 146 do suporte físico dos autos.
14. Por escritura pública outorgada em 19.10.2004 a Impugnante adquiriu o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...72º - Lote A-6, da freguesia 1..., ..., pelo montante de €16.000,00 – cfr. doc. 11 junto com a PI (fls. 71 a 75 do suporte físico dos autos).
15. No terreno identificado no ponto anterior, a Impugnante implantou a construção que veio a dar origem ao prédio urbano nº ...57º da referida freguesia - cfr. doc. fls. 151-vs a 15-vs do suporte físico dos autos.
16. Por escritura pública outorgada em 01.09.2005, a Impugnante adquiriu o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...75º - Lote A-9, da freguesia 1..., ..., pelo montante de €26.000,00 – cfr. doc. 13 junto com a PI (fls. 82 a 84 do suporte físico dos autos).
17. No terreno identificado no ponto anterior, a Impugnante implantou a construção que veio a dar origem ao prédio urbano nº ...73 da referida freguesia – cfr. doc. fls. 155 a 159 do suporte físico dos autos.
18. Por escritura pública outorgada em 13.07.2005, a Impugnante adquiriu o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...48º - Lote 5 da freguesia 2... (...), ..., pelo valor de €20.200,00 – cfr. doc. 12 junto com a PI (fls. 76 a 81 do suporte físico dos autos).
19. No terreno identificado no ponto anterior, a Impugnante implantou a construção que veio a dar origem ao prédio urbano nº ...87º da referida freguesia - cfr. doc. fls. 159-vs a 164 do suporte físico dos autos.
20. Os custos com a aquisição dos referidos terrenos não foram deduzidos à matéria colectável apurada em cada um dos exercícios em causa nos autos (2005, 2006 e 2007).
*
II - B) FACTOS NÃO PROVADOS:
1. A Impugnante adquiriu a parcela de terreno inscrita na matriz sob o artigo ...0º - Lote C-13 – da freguesia 2... (...), na qual foi implantada a construção que veio a dar origem ao prédio urbano nº ...24º.
2. Os documentos relativos aos custos associados à construção dos imóveis em causa nos autos foram danificados em consequência de uma inundação ocorrida na sede da Impugnante.
*
II - C) MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA:
Os factos dados como assentes supra tiveram por base os documentos juntos aos autos, identificados a seguir a cada facto correspondente.
A factualidade descrita nos pontos 20. foi relatada pela testemunha «AA», contabilista da Impugnante desde o ano 2000, o qual explicou que os lotes de terreno estavam nos inventários, mas não foram declarados fiscalmente os custos de produção que incluem os terrenos e os serviços de construção, uma vez que estes só eram apurados aquando do registo dos proveitos obtidos com a venda das moradias. A testemunha revelou conhecimento directo da factualidade que relatou e o seu depoimento mostrou-se seguro e circunstanciado, ficando desse modo o Tribunal convencido da veracidade da mesma.
No que concerne aos factos não provados, não foi produzida qualquer prova demonstrativa da ocorrência do facto descrito no ponto 1. e relativamente ao facto a que se reporta o ponto 2., a testemunha inquirida não demonstrou conhecimento directo do mesmo, limitando-se a dar conta do que lhe foi transmitido pelo gerente da Impugnante e da ocorrência frequente de inundações na zona onde se situa a sede da sociedade, o que é manifestamente insuficiente para fundar uma convicção segura acerca do facto alegado, salientando-se, ainda, que não é verosímil que todos os documentos que suportavam os custos de construção dos imóveis tivessem desaparecido “em consequência de uma inundação ocorrida na sua sede” quando os mesmos se reportam a um período compreendido entre 2004/2005 (data de aquisição dos terrenos) e 2005/2007 (data das vendas omitidas à contabilidade), ou seja, a quatro exercícios sucessivos e segundo o relato da testemunha os documentos eram-lhe entregues pelo gerente da Impugnante no final de cada exercício. (…)
4. JULGAMENTO DE DIREITO
Nos presentes autos estão em questão a legalidade das liquidações de IRC ano de 2005 a 2007 respetivos juros compensatórios no valor de € 210.692,84, as quais foram apuradas por recurso avaliação direta.
Por sentença do TAF de Braga foram apreciados os vícios invocados e foi julgada parcialmente procedente a pretensão da Recorrente/Impugnante, determinando-se
a anulação dos atos de liquidação impugnados apenas na parte em que resultaram da desconsideração dos custos demonstrados nos autos com a aquisição dos terrenos onde foram implantados os prédios alienados, improcedendo a ação quanto aos demais.
Alega a Recorrente que a sentença impugnada ao ter afastado o recurso aos métodos indiretos para quantificar, com segurança e proximidade da realidade material da Recorrente, a matéria coletável e o respetivo imposto, incorreu em erro de direito e violou e o disposto nos art°s 75°, n° 2, al. a) e 83°, n° 1, 85°, 87° e 88° da Lei Geral Tributária, pelo que as liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2005, 2006 e 2007 devem ser anuladas, por existência dos pressupostos para aplicação de métodos indiretos, em conformidade com o disposto nos art.°s 75°, n° 2, al. a) e 83°, n° 1, 85°, 87° e 88° da LGT,
Vejamos:
Nas conclusões 2.ª e 3ª alega que a sentença em crise enferma de um erro de facto ao ter considerado que os custos com a construção dos prédios nestes autos, por não terem sido provados pela Recorrente, não relevam para o apuramento da matéria coletável e que em todos os sectores de atividade, designadamente no da construção civil, é impossível a existência de proveitos sem custos.
Fazendo um esforço exegético de interpretação poder-se-ia entender que a Recorrente estava a impugnar a matéria de facto, mas para que tivesse sucesso impunha-se que desse cumprimento ao disposto no art.º 640.º do CPC, o que da leitura das motivações das alegações e das conclusões, (estas últimas definidoras do objeto do recurso), não resulta qualquer ataque sério e em conformidade com a lei.
Prosseguindo, o n.º 1 do art.º 75.º do Lei Geral Tributária (LGT) consagra o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei fiscal e comercial.
Esta presunção vincula a Administração Fiscal à realização da liquidação com base nas declarações dos contribuintes, (art.º 59.º do CPPT) sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, ao controlo dos factos declarados.
A presunção cessa nomeadamente se essas declarações ou os respetivos dados de suporte apresentarem omissões, erros ou inexatidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cf. artigo 75º, nº 2, da LGT).
Nos casos em que, por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no art.º 75º, nº 1 da LGT deixa de funcionar, a Administração Tributária fica legitimada a efetuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos diretos ou, quando tal não seja possível, a métodos indiretos.
No entanto, e por força do art.º 74.º da LGT, a Administração Tributária tem o ónus de demonstrar que o juízo que esteve subjacente à sua atuação corretiva é bem fundado, provando os indícios que o sustentam, demonstrando a factualidade suscetível de abalar a presunção da veracidade das operações registadas na contabilidade do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte.
É pacificamente aceite quer na doutrina, quer na jurisprudência, que compete à Administração Fiscal o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), cabendo, em contrapartida, ao administrado/contribuinte apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, entendimento que corresponde à regra geral artigo 342.º do Código Civil, de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos, regra essa que foi acolhida no artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
E como a doutrina e a jurisprudência têm afirmado,actuando a Administração Tributária no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabe-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efectuar as correcções técnicas que suportam essa liquidação”. – cf., por todos, acórdão do STA de 28/9/2011, Processo 0494/11.
Daqui resulta, que a determinação da matéria coletável deve preferencialmente ser efetuada através das declarações dos contribuintes e ou dados apurados na sua contabilidade e só pode haver recurso a métodos indiretos quando aquele apuramento direto se mostre de todo inviável, não gozando a Fazenda Pública de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (direto ou indireto) de avaliação da matéria tributável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr., neste sentido, o Acórdão do TCA Sul proferido em 13/03/2014, proc. n.º 07215/13).
Parafraseando o acórdão do TCAS proferido em 03.12.2020, no processo 4/06.0BELRS, onde consta que: “(…) A avaliação direta tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o art.º 75.º, n.º 1, da LGT. No entanto, como decorre do mesmo art.º 75.º, mas do seu n.º 2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.
Veja-se, não obstante, que não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que justifica o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta.
Assim, se, apesar de haver irregularidades contabilísticas, for possível quantificar diretamente a matéria coletável, deve-se lançar mão de métodos diretos. Ou seja, sendo certo que a avaliação direta parte das declarações dos contribuintes ou dos dados constantes da contabilidade, pode fundar-se noutros elementos objetivos, desde que os mesmos permitam, com segurança, concluir no sentido da ocorrência do facto tributário e da sua quantificação concreta.
A aplicação de métodos diretos de avaliação da matéria coletável redunda nas chamadas correções técnicas ou meramente aritméticas Para uma noção de correções meramente aritméticas, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.09.2013 (Processo: 00120/03 – Porto).].
Apelando às palavras de Casalta Nabais[ Direito Fiscal, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2009, p.389.], “as correcções técnicas, são as correcções que a administração tributária faz à matéria tributável determinada no âmbito da avaliação directa, como a correcção concretizada, por exemplo, na não consideração de determinadas verbas como custos fiscais assim qualificadas na declaração de rendimentos (…) [;] (…) as correcções aritméticas ou correcções meramente aritméticas, têm lugar quando a administração tributária se limita a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações”.
Já a avaliação indireta deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º a 89.º da LGT.
Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indiretos, cabe à AT o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação, consubstanciando­-se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fáticas, designadamente irregularidades contabilísticas, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos diretos de avaliação Neste sentido, v., exemplificativamente, os Acórdãos deste TCAS de 17.10.2019 (Processo: 487/11.6BECTB), de 25.05.2017 (Processo: 06473/13), de 17.03.2016 (Processo: 06556/13) e de 13.03.2014 (Processo: 07216/13).].
(…)
O recurso a estes meios de avaliação não é discricionário, como se conclui do que viemos expondo: estão legalmente definidas, de forma circunscrita, as situações em que é admissível à AT a sua utilização. Ademais, a presunção de rendimento que venha a funcionar é ilidível, podendo o contribuinte, desde logo, demonstrar o excesso na quantificação[ Cfr. a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.07.2000 (Processo: 022428)]
Portanto, o nosso ordenamento prevê que a avaliação da matéria tributável se possa realizar direta ou indiretamente, sendo que o recurso à avaliação indireta funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta[ V. a esse respeito José Maria Fernandes Pires (Coord), Maria João Menezes, José Ramos Vidal e Gonçalo Bulcão, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 867 e 888.].(…)”
A sentença recorrida, no que concerne aos pressupostos para o recurso a métodos indiretos concluído discorreu da seguinte forma: “(…) É de assinalar que a avaliação indirecta tem carácter excepcional, pelo que apenas pode ser admitida nos casos e condições expressamente previstos na lei (artigos 81.º, n.º 1 e 85.º da LGT), ou seja, nos casos enumerados no artigo 87.º da LGT, sendo que em tais casos não pode a administração tributária deixar de lançar mão dela.
Por outro lado, é subsidiária da avaliação directa pelo que se aplicam, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação direta Vide igualmente Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e de Processo Tributário Anotado e comentado, volume II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, pps 270 e seguintes.
Desta forma, atentas as sobreditas características de excepcionalidade e subsidiariedade, a Administração Tributária só poderá recorrer à avaliação por métodos indirectos, para além de outras situações tipificadas no citado artigo 87º da L.G.T. (que não relevam para o presente caso), em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável.
Ora, no caso em apreço, constatou-se, por via do relatório de inspecção que suporta as correcções efectuadas, que a Impugnante não declarou a venda de prédios que alienou nos exercícios de 2005, 2006 e 2007, identificados nos autos, procedendo a AT aos respectivos acréscimos ao rendimento colectável de cada um dos exercícios.
Entende, todavia, a Impugnante que a AT não podia quantificar a matéria colectável unicamente com base nos proveitos, devendo recorrer aos métodos indirectos para quantificar, com segurança e proximidade da realidade material, os custos inerentes a esses proveitos que não se encontravam reflectidos na contabilidade.
Neste ponto, cabe dizer que para que a Administração Tributária pudesse recorrer aos métodos indirectos ou indiciários, para além das inexactidões ou omissões detectadas nas declarações respeitantes a I.R.C., seria necessário que, cumulativamente, tais incorrecções impossibilitassem, em absoluto, a comprovação e quantificação directa da matéria tributável. Como se afirmou no acórdão do S.T.A. de 03.12.2008, proferido no recurso n.º 0439/08, disponível em www.dgsi.pt, “[…] só quando o montante do imposto a liquidar não for possível apurar mediante a declaração do contribuinte, depois de corrigida, se for caso disso, é possível à Administração afastar-se dessa declaração e tributar o contribuinte mediante o uso de estimativas ou presunções (cfr. artºs 82º e 84º do CIVA).”
Ora, no presente caso não se verifica a alegada impossibilidade, por banda da Impugnante, de demonstração dos custos associados à construção dos imóveis cuja venda foi omitida à contabilidade, porquanto, por um lado, não resultou provado que os documentos de suporte foram danificados em consequência de uma inundação ocorrida na sede da Impugnante e, por outro lado, porque ainda que tal circunstância excepcional tivesse ocorrido, impunha-se que a Impugnante diligenciasse pela obtenção de “segundas vias” de tais documentos, o que não foi sequer alegado.
Assim, não se encontrando demonstrada aquela impossibilidade e tendo o lucro tributável sido apurado com base nos proveitos decorrentes das transacções efectivamente realizadas pela Impugnante, não existe fundamento legal para recurso a métodos indirectos para o apuramento da matéria tributável, atenta a sua natureza subsidiária (cfr. artigos 87º e 88º da LGT).
Destarte, resta concluir pela improcedência do fundamento em análise.(…).
Como supra se disse, o recurso a métodos indiretos não é uma prerrogativa da Recorrente/Impugnante, é um recurso que a Administração Fiscal, no exercício de funções pode recorrer se se verificarem os pressupostos para a sua utilização, método que deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci”.
Como resulta do factos provados nos pontos n.ºs 5 e 6 que as liquidações em causa, nos presentes autos, decorrem de correções que apelidaram de aritméticas efetuadas pela Administração Tributária na sequência de ações inspetivas aos anos de 2005, 2006 e 2007, custos de construção dos prédios vendidos cuja a venda foi omitida não se encontravam contabilizados.
A Recorrente veio alegar que se encontrava impossibilitada de comprovar e quantificar direta exatamente os custos devido ao facto de os documentos comprovativos terem ficado danificados na sequência de uma inundação ocorrida na sua sede, facto que não provou.
Tal argumento não pode colher, nem decorre da lei, a obrigação da Administração Fiscal recorrer à avaliação indireta, uma vez que está é subsidiária da avaliação direta como supra se disse.
Tendo a AT procedido nos termos da lei à determinação da matéria coletável, dos exercícios dos anos em causa, com os elementos que dispunha procedendo às correções aritméticas atuou em conformidade com a lei.
E não se diga, como parece insinuar a Recorrente, que ocorre violação dos seus direitos, pois perante esta situação, competia-lhe afrontar essas correções demonstrando os custos que incorreu na construção dos referidos imóveis, nos termos do art.º 74.º da LGT.
Todavia, a postura da Recorrente ao longo do procedimento administrativo, mostra-se pouco coadjuvador, limitando-se tão somente a lançar culpas sobre a AT, quando poderia ter efetuado, um esforço no sentido de apresentar os registos contabilísticos, inventários e mapas de imputação dos custos, por ano e por imóvel para que pudesse ser atendida a sua pretensão, pedindo inclusivamente, prazo para reconstituir, na medida do possível, a contabilidade ou obter segundas vias dos supostos documentos danificados.
Acresce ainda referir que tendo, a AT procedido a correções aritméticas, a Recorrente podia ainda, vir demonstrar os custos que sofreu com a construção o que nada fez.
Por fim, importa referir que a Recorrente, no seu recurso, limita-se a imputar erro de julgamento à sentença recorrida, sem contudo, atacar o julgado, repetido os argumentos apresentados na reclamação graciosa, recurso hierárquico e na impugnação judicial, o que só por si conduziria à improcedência do recurso.
Nesta conformidade, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, que lhe vem assacada, pelo, que improcede a pretensão da Recorrente.

4.2. E assim formulamos as seguintes conclusões:
I. O n.º 1 do art.º 75.º do Lei Geral Tributária (LGT) consagra o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei fiscal e comercial.
II. Esta presunção vincula a Administração Fiscal à realização da liquidação com base nas declarações dos contribuintes, (art.º 59.º do CPPT) sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, ao controlo dos factos declarados.
III. A presunção cessa nomeadamente se essas declarações ou os respetivos dados de suporte apresentarem omissões, erros ou inexatidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cf. artigo 75º, nº 2, da LGT).
IV. O recurso a métodos indiretos não é uma prerrogativa do Recorrente/Impugnante, é um recurso que a Administração Fiscal, no exercício de funções pode recorrer se se verificarem os pressupostos para a sua utilização, método que deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci”.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, negar provimento ao recurso, mantendo-se sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, nesta instância, nos termos dos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Porto, 30 de abril de 2025

Paula Maria Dias de Moura Teixeira (Relatora)
Rui Manuel Rulo Preto Esteves (1.º Adjunto)
Irene Isabel Gomes das Neves (2.º Adjunta)