Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01535/09.5BEPRT |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 01/19/2023 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Irene Isabel Gomes das Neves |
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Descritores: | IVA; AQUISIÇÕES INTRA-EU; VIES; DIVERGÊNCIAS; IDONEIDADE DE MEIOS DE PROVA; |
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Sumário: | I. O regime geral das transacções intracomunitárias de bens é aplicável a todas as transacções intra-UE de bens efectuadas entre sujeitos passivos de IVA, independentemente do tipo de bem em causa, desde que este tenha sido expedido ou transportado de um Estado-Membro para outro Estado-Membro. II. Para além dos demais mecanismos de cooperação administrativa existentes, o VIES – VAT Information Exchange System – é um sistema de intercâmbio electrónico de transmissão de informações relativas ao registo do IVA dos operadores económicos situados na União Europeia e das entregas comunitárias de bens isentas (cfr. art.º 138.º da Directiva IVA). III. A fiabilidade dos dados transmitidos pelo VIES não é total, pois estes dependem das declarações apresentadas pelos sujeitos passivos, razão pela qual as informações obtidas do VIES devem, por regra, ser apoiadas em elementos complementares obtidos em território nacional que demonstrem a existência das operações ou, pelo menos, a sua plausibilidade e que permitam suportar, designadamente, uma liquidação adicional decorrente de uma acção inspectiva. IV. Tudo depende das circunstâncias de cada caso concreto, perante correcções assentes na divergência entre os valores constantes do VIES e montantes constantes das declarações periódicas do sujeito passivo, a prova da credibilidade destas e da fiabilidade dos valores do VIES pode ser efectuada por qualquer meio legal e admissível.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A acima identificada Recorrente (Fazenda Pública), notificada da decisão da 1.ª instância, datada de 18.02.2020, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento parcial da reclamação graciosa, deduzida contra as liquidações de IVA, dos anos de 2003 e 2004, vem apresentar recurso da mesma. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou totalmente procedente a impugnação deduzida contra o indeferimento parcial da reclamação graciosa, deduzida contra as liquidações de IVA, dos anos de 2003 e 2004. B. Constituem fundamentos de tal impugnação uma “errónea qualificação e quantificação dos valores de imposto em causa, consubstanciando-se nomeadamente, a ilegalidade constante da alínea a) do número do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o vício de violação de lei (artigo 78º nº 14 do CIVA)” – artigo 32.º da petição inicial de impugnação. C. A douta sentença sob recurso julgou procedente a presente impugnação, com a consequente anulação das liquidações impugnadas. D. Padece a sentença sob recurso de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, nomeadamente pela forma como não foi valorada a prova produzida, quer erro de julgamento na aplicação do Direito, uma vez que não efetuou correta subsunção dos factos dados como provados às normas jurídicas invocadas – artigos 74.º, n.º 1 (parte final), da LGT – bem como a outras que fazem parte do ordenamento jurídico da República Portuguesa – artigos 392.º e 393.º, ambos do Código Civil, pelas razões que passa a expender. E. As liquidações impugnadas encontram-se de acordo com a lei vigente, inexistindo, qualquer ilegalidade ou vício de violação de lei, conforme arguem a recorrida. F. Resultou de uma ação de inspeção realizada pela AT junto da impugnante, aqui recorrida, a verificação de divergências entre os montantes constantes do VIES e os montantes constantes das declarações periódicas de IVA por aquela apresentadas. G. As referidas divergências deram origem a correções aritméticas, tendo-se concluído haver IVA não liquidado por parte da impugnante, ora recorrida. H. Considerou a douta sentença recorrida que “constatamos que a AT logrou provar o direito à liquidação, consubstanciada na divergência detetada que revela IVA em falta.”, recaindo “agora sobre a impugnante o ónus de provar que as suas declarações são verdadeiras.” I. Entendeu a douta sentença recorrida que a impugnante cumpriu o seu ónus, ao lograr demonstrar a veracidade das suas declarações através: (I) da prova testemunhal produzida; (II) das declarações intrastat com as aquisições intracomunitárias realizadas com a casa mãe no Reino Unido e que coincidem com as declarações de aquisições efetuadas pela impugnante; (III) da declaração da casa mãe a informar a autoridade fiscal inglesa que havia declarado valores incorretos nas suas declarações, e (IV) da declaração da autoridade fiscal inglesa a informar que não pode divulgar qualquer informação relativa a declarações intrastat submetidas no Reino Unido. J. No entender da Fazenda Pública, ora recorrente, reside aqui o erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, nomeadamente pela forma como não foi valorada a prova produzida, bem como o erro de julgamento na aplicação do Direito. K. Relativamente à prova testemunhal, entende a Fazenda Pública, aqui recorrente, que foi feita uma errada aplicação do Direito, nomeadamente na desconsideração dos artigos 392.º e 393.º, n.º 1, ambos do Código Civil. L. O objeto do processo é a existência de divergência de valores declarados no VIES e aqueles que constam das declarações periódicas de IVA, relativas ao mesmo período. M. Entende a ora recorrente que a prova a produzir teria que ser apenas documental, e não testemunhal, no sentido de justificar a discrepância de valores. N. Sem prescindir, do probatório não resulta, de forma alguma, que a prova testemunhal foi no sentido de que as divergências não foram produzidas pela impugnante (aqui recorrida). O. Ainda que tal resultasse do probatório, não poderia tal facto ser valorizado em virtude de tal prova ter que ser feita documentalmente. P. A prova no sentido de que são os valores que constam das declarações periódicas de IVA apresentadas os reais, e não aqueles que constam do VIES, sempre terá que ser feito através de prova documental, e não de prova testemunhal, atentos os já citados artigos 392.º e 393.º, n.º 1, do Código Civil. Q. Em nenhum dos documentos apresentados é explicada a razão da diferença de valores existentes entre o declarado no VIES e o que consta das declarações periódicas de IVA do mesmo período. R. E era sobre a impugnante, aqui recorrida, que recaía esse ónus da prova. S. É possível a existência de transações que não sejam declaradas no âmbito do INTRASTAT, mas cuja faturação de imposto (dessas mesmas operações) deva constar na declaração periódica de IVA do respetivo período. T. Logo, não é pelo facto de as declarações INTRASTAT juntas pela impugnante, onde constam as aquisições intracomunitárias realizadas com a casa mãe no Reino Unido, serem idênticas às declarações de aquisições efetuadas pela mesma, que se pode concluir pela veracidade das declarações periódicas de IVA, como fez a douta sentença recorrida. U. Ao considerar como relevante este facto, incorreu a douta sentença em erro de julgamento na interpretação da matéria de facto fixada. V. Já a declaração da casa mãe inglesa – facto provado 14 – é, com o devido respeito, toda ela difícil de compreender. W. Apenas passados 3 anos é que consegue detetar o erro (?) cometido e comunica-lo à autoridade fiscal inglesa, em 20.12.2007. X. Fica sem se perceber porque demorou aquele período e qual a razão para o mesmo ter ocorrido. Y. Voltou a impugnante, aqui recorrida, a não conseguir explicar estes dois fenómenos – quer a tardia deteção e comunicação do erro às autoridades competentes, quer a razão da sua ocorrência – quando tal ónus impendia sobre si. Z. Não poderia a douta sentença ter valorizado o facto provado 14. da forma que o fez, tendo assim incorrido em erro de julgamento na interpretação da matéria de facto fixada. AA. A declaração das entidades inglesas a informar que não podem divulgar qualquer informação referente a declarações instrastat submetidas no Reino Unido, não consubstancia qualquer relevância para a decisão da causa. BB. A sentença recorrida incorreu assim em violação do ónus da prova, desrespeitando o conteúdo dos artigos 74.º da LGT e 342.º do Código Civil. CC. Era sobre a aqui recorrida que recaía o ónus de demonstrar que os valores constantes das declarações periódicas de IVA eram os corretos e não aqueles que constavam da VIES. DD. E face aos factos provados, entende a Fazenda Pública, aqui recorrente, que não o conseguiu. EE. Conclui-se que as liquidações em causa obedeceram às disposições legais vigentes, não existindo qualquer violação do ordenamento jurídico tributário. FF. Ao decidir no sentido que decidiu, a douta sentença incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de aplicação do Direito, nomeadamente na aplicação dos artigos 74.º, da LGT e 392.º e 393.º, estes ambos do Código Civil. Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e declarar-se a legalidade do acto tributário impugnado, com as legais consequências, assim se fazendo a desejada JUSTIÇA!» 1.2. A Recorrida ("A..... Limited - Sucursal em Portugal"), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 286 a 291 SITAF, no sentido da improcedência do recurso. 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Questões a decidir: As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, consistem no imputado (i) erro de julgamento da sentença sob recurso na apreciação da matéria de facto, nomeadamente pela forma como foi valorada a prova produzida, (ii) erro de julgamento na aplicação do direito, uma vez que não efetuou correta subsunção dos factos dados como provados às normas jurídicas invocadas – artigos 74.º, n.º 1 (parte final), da LGT – bem como a outras que fazem parte do ordenamento jurídico da República Portuguesa – artigos 392.º e 393.º, ambos do Código Civil 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto: «Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os factos seguintes: 1. No cumprimento da Ordem de Serviço n.º ...65 os Serviços da Inspeção Tributária (SIT) desencadearam procedimento inceptivo ao impugnante, por divergências nas aquisições intracomunitárias – RIT no PA; 2. A AT detetou divergências entre os montantes de aquisições intracomunitárias de bens constantes do sistema VIES em 2003 e 2004 e os valores declarados pela impugnante no campo 10 das suas declarações periódicas, do mesmo período, no montante de €561.187,00 e €611.643,00, respetivamente – RIT no PA; 3. Em 14.11.2007 foi elaborado o RIT no PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 4. Em sede IVA dos anos de 2003 e 2004 a impugnante encontrava-se enquadrada no regime normal de periocidade mensal pelo exercício de comércio por grosso de sucatas e de desperdícios - fls. 27 a 29, do PA em anexo; 5. Na sequência da inspeção referida a AT detetou imposto em falta no montante de €106.625,34 e €115.877,20 – informação a fls. 27; 6. Tendo procedido a correções aritméticas emitindo as liquidações adicionais no valor total de €222.502,54, com as respetivas liquidações de juros compensatórios no valor total de €28.831,22, com data limite de pagamento de 31.01.2008 – fls. 30 a 32 e 22 a 25 da RG no PA; 7. A impugnante apresentou reclamação graciosa – PA; 8. Foi elaborado projeto de despacho da reclamação graciosa no sentido do seu deferimento parcial, conforme teor de fls. 70 e ss., da RG no PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 9. Ali se refere que foi efetuada a análise da correção apresentada pela autoridade espanhola e comparando o VIES com as declarações do impugnante, foram feitas correções, mantendo-se em falta o montante de €76.612,09 de IVA de 203 e €74.096,58 de IVA de 2004 – cfr. fls. 72, do PA; 10. Foi proferido despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa, no sentido do projeto de decisão, nos termos de fls. 76 e ss., do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 11. A casa mãe da impugnante "A... Limited" tem o numero de contribuinte GB559745488 – fls. 71 e ss., dos autos; 12. Entre janeiro de 2003 e junho de 2005 a impugnante realizou com a referida casa mãe as aquisições intracomunitárias constantes de fls. 72 a 101, dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 13. O numero de contribuinte da referida casa mãe vem identificado como fornecedor no auto de divergências da DGI a fls. 102 e 103, dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 14. Em 20.12.2007 a casa mãe em Inglaterra escreveu às autoridades fiscais inglesas informando que detetaram erros nas suas declarações ali as identificando – fls. 115 e ss. 15. A autoridade fiscal inglesa informou a casa mãe em Inglaterra que não podem divulgar qualquer informação referente a declarações intrastat submetidas no Reino Unido, por sigilo profissional – fls. 121; * Não se mostram provados ou não provados outros factos, além dos referidos, com interesse para a decisão da causa. * Motivação. O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (cfr. artigo 74,º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos, cfr. predispõe o artigo 76, n.º 1, da LGT e artigo 362 e seguintes do Código Civil e ainda face à prova testemunhal produzida. Com efeito, foi a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova conjugada que, à luz da experiência, sedimentaram a convicção do Tribunal. Nos termos do artigo 76, da LGT as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei. Conjugando esta disposição com o artigo 11, n.º 2 da LGT e com o artigo 371, do CC, resulta que as informações da autoridade ou oficial público (tais como as constantes do relatório de inspeção tributária) fazem prova plena. Como o relatório de inspecção tributária resulta de uma apreciação do inspetor tributário, sendo impugnado, está sujeito à livre valoração do julgador com os demais elementos de prova, tendo o tribunal valorado o mesmo como coerente e credível. Os depoimentos foram livremente apreciados pelo Tribunal, nos termos do que dispõe o artigo 396, do Código Civil atendendo, para tal efeito, à razão de ciência apresentada por cada uma das testemunhas inquiridas, valorados da forma seguinte: A testemunha AA, foi gerente da sucursal em Portugal até 2005, depondo, por isso com conhecimento direto dos factos. O seu depoimento foi credível, tendo explicado o modo de funcionamento da impugnante. A testemunha esclareceu que a impugnante é sucursal de uma casa inglesa que também tem sucursal em Espanha. A empresa espanhola enviava o material para a empesa portuguesa, mas faturava a Inglaterra. Em Portugal à medida em que iam vendendo enviavam a faturação a Inglaterra. A testemunha esclareceu que a faturação era feita na empresa, mas que era uma empresa externa que fazia a contabilidade, sendo que o caso aqui em discussão foi tratado por auditaria externa, razões pelas quais desconhece se havia divergências entre o VIES e as declarações entregues. Perguntado sobre se a empresa espanhola faturava a Portugal a testemunha disse que não deveria. A testemunha disse ainda que a haver divergências só poderiam ser originadas pela empresa espanhola ou inglesa. A testemunha BB, que foi secretária da impugnante entre 1986 e 2005, revelou conhecimento direto dos factos tendo prestado depoimento de forma credível. A testemunha esclareceu a forma de funcionamento da impugnante, dizendo que a mercadoria vinha inicialmente de Inglaterra e depois de Espanha para a impugnante onde se fazia o stock de material pertencente a Inglaterra, e que conforme iam vendendo material em Portugal enviavam relação das faturas a Inglaterra e Inglaterra faturava a Portugal. A testemunha disse ainda que o interstad era preenchido de acordo com a mercadoria que entrava no armazém de Portugal.» 2.2. De direito In casu, a Recorrente (Fazenda Pública) não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial intentada contra o acto de indeferimento parcial da reclamação graciosa interposta pela Impugnante, deduzida contra as liquidações de IVA, dos anos de 2003 e 2004. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do Código de Processo Civil (CPC) e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se: a sentença enferma de “erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, nomeadamente pela forma como não foi valorada a prova produzida, quer erro de julgamento na aplicação do Direito, uma vez que não efetuou correta subsunção dos factos dados como provados às normas jurídicas invocadas – artigos 74.º, n.º 1 (parte final), da LGT – bem como a outras que fazem parte do ordenamento jurídico da República Portuguesa – artigos 392.º e 393.º, ambos do Código Civil”. Vejamos, então. Na sequência de procedimento inspectivo realizado pela AT junto da aqui recorrida, aqueles serviços constataram existirem divergências nos exercícios de 2003 e 2004 entre os montantes de aquisições intracomunitárias declarados no VIES e os montantes constantes das declarações periódicas de IVA, relativas ao mesmo período, apresentadas por aquela. Tais divergências deram origem a correções aritméticas, tendo-se concluído haver IVA não liquidado por parte da impugnante, ora recorrida, que se traduzem nas liquidações adicionais de IVA de 2003 e 2004 objecto dos presentes autos, na exacta medida em que não foram corrigidas em sede de Reclamação Graciosa. Em sede de petição inicial a Recorrida invoca: (i) errónea qualificação e quantificação dos valores de imposto, porque atentas as regras de territorialidade do IVA o imposto será devido apenas uma vez, isto é, no local de aquisição final que no caso concreto será em Portugal. Assim, qualquer que seja o fornecedor e o enquadramento feito pela AT nesta operação o estado português e a DGI nunca serão lesados porque o adquirente em qualquer operação é sempre o numero de IVA PT........3, e a aquisição aqui localizada, que pode deduzir na integra o imposto; (ii) da falta de fundamentação das liquidações. A sentença sob recurso conhecendo considerou que: «No que se refere à situação em apreço a AT detetou que os valores de aquisições intracomunitárias eram distintos daqueles que constavam do VIES. Tal como consta do RIT a AT notificou a impugnante para esclarecer ou regularizar as divergências detetadas, sendo que aquela nada disse. Em sede de reclamação graciosa a impugnante conseguiu demonstrar que parte dessa divergência provinha de erro do fornecedor Espanhol, tendo a AT procedido às correções correspondentes. Ainda assim ficou por justificar a parte das divergências que originou as liquidações aqui em causa. Com efeito, para o ano de 2003 constam do VIES aquisições no montante de €1.073.187,00, sendo que da declaração da impugnante consta o montante de €654.176,00. Para o ano de 2004 constam do VIES aquisições no montante de €941.110,00, sendo que da declaração da impugnante consta o montante de €551.128,00. Por conseguinte, no que se refere ao ónus da prova constatamos que a AT logrou provar o direito à liquidação, consubstanciada na divergência detetada que revela IVA em falta. Impende agora sobre a impugnante o ónus de provar que as suas declarações são verdadeiras A impugnante invoca que as divergências só podem ter origem em lapso das empresas estrangeiras. Ora, conforme resulta do probatório as correções aritméticas efetuadas à matéria coletável da impugnante resultaram de irregularidades detetadas na inspeção efetuada pela AT. Essas divergências foram corrigidas pela AT em moldes aritméticos. São divergências entre os montantes constantes do VIES e os constantes das declarações da impugnante, pelas quais se constatou haver imposto não liquidado. Para demonstrar a veracidade das suas declarações a impugnante arrolou prova testemunhal. A prova testemunhal, conforme resulta do probatório, foi no sentido de que as divergências não foram produzidas pela impugnante, pois que todas as suas declarações estavam conformes com as aquisições efetuadas. A impugnante juntou ainda as declarações intrastad onde constam as aquisições intracomunitárias realizadas com a casa mãe no Reino Unido, onde consta o número de contribuinte desta entidade e que comparadas com as declarações de aquisições efetuadas pela impugnante são idênticas – fls. 72 e ss. Foi ainda carreada declaração da casa mãe junto das entidades fiscais inglesas dando conta de que havia incorrido em erro nas suas declarações. Também foi junta uma declaração das entidades inglesas a informar que por ato de segredo oficial não podem divulgar qualquer informação referente a declarações intrastad submetidas no Reino Unido e que estas somente podem ser alteradas no prazo de 18 meses. Verifica-se, assim, que a impugnante diligenciou junto da sua casa mãe no sentido de proceder à correção das declarações por parte desta o que não foi possível por tramites procedimentais britânicos, alheios à sua vontade. Acresce, que pelos meios de prova arrolados a impugnante logrou demonstrar a veracidade das suas declarações. Nestes termos, são ilegais as liquidações impugnadas, razão pela qual não se podem manter, procedendo a acção.» (fim de transcrição) De relevar, ab initio, que, in casu, a matéria de facto se encontra, devidamente, estabilizada, na medida em que inexistiu qualquer impugnação da mesma por parte da Recorrente, importando, nessa medida, aquilatar se a decisão recorrida padece do arguido erro de julgamento na apreciação e análise critica da matéria de facto, que a Recorrente imputa argumentando que “A prova no sentido de que são os valores que constam das declarações periódicas de IVA apresentadas os reais, e não aqueles que constam do VIES, sempre terá que ser feito através de prova documental, e não de prova testemunhal, atentos os já citados artigos 392.º e 393.º, n.º 1, do Código Civil” [conclusão P.]. E, mais alega que “BB. A sentença recorrida incorreu assim em violação do ónus da prova, desrespeitando o conteúdo dos artigos 74.º da LGT e 342.º do Código Civil. / CC. Era sobre a aqui recorrida que recaía o ónus de demonstrar que os valores constantes das declarações periódicas de IVA eram os corretos e não aqueles que constavam da VIES. / DD. E face aos factos provados, entende a Fazenda Pública, aqui recorrente, que não o conseguiu.” Em suma, o que a Recorrente não aceita é a valoração jurídica dos factos a sua subsunção jurídica, considerando que a mesma viola as regras do ónus da prova. Antes do mais, para melhor asserção das limitações e regras do ónus da prova apreciar, cumpre aquilatar do sistema de funcionamento do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias ou Transacções inta-UE. Para tanto, chamamos aqui à colação, por pertinente, o acórdão de TCA Sul de 30.04.2014, proferido no âmbito do processo n.º 7020/13: “Em traços gerais, poderemos caracterizar o regime geral das transacções intracomunitárias de bens da seguinte forma (Cfr. Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, “Cadernos IDEFF” n.º 1, 5.ª Edição, Reimp., Outubro 2012, pp. 286 a 290): a) Aplica-se a todas as transacções intra-UE de bens efectuadas entre sujeitos passivos do imposto, independentemente do tipo de bem em causa, desde que este tenha sido expedido ou transportado de um Estado-Membro para outro Estado-Membro; b) A transmissão intra-UE de bens, à semelhança das operações de exportação, é isenta no Estado-Membro de origem, i.e., no Estado-Membro onde se iniciou a expedição ou transporte do bem com destino a um outro Estado-Membro, conferindo o direito à dedução do IVA suportado a montante para a respectiva realização (isenção completa); c) A aquisição intra-UE de bens, à semelhança das operações de importação, é uma operação tributável no país de destino, ou seja, o Estado-Membro onde termina a expedição ou transporte do bem, conferindo o direito à dedução do IVA liquidado; d) Deixa de existir a intervenção dos serviços aduaneiros, dado o desaparecimento das fronteiras fiscais e passa a ser o sujeito passivo que faz a aquisição intracomunitária de bens quem liquida o IVA. Ou seja, passa a existir, também neste caso, uma autoliquidação do IVA; e) Os sujeitos passivos que fazem transacções intra-UE de bens, passam, assim, a ter como novas obrigações”, em geral: – A liquidação do imposto devido nas aquisições intra-UE; – Uma nova obrigação declarativa: o envio de um anexo recapitulativo das transmissões intra-UE de bens que efectuaram no seu período de tributação (que, entretanto, passou a ser uma declaração recapitulativa); – Novos requisitos a constar das facturas, designadamente, a aposição do prefixo dos Estados-Membros do transmitente e do adquirente, seguido dos respectivos números de identificação fiscal e a indicação do local de destino das mercadorias; f) Como mecanismos de controlo substitutivos das fronteiras fiscais temos, sobretudo, o sistema VIES de troca de informações sobre as transacções intracomunitárias de bens e os instrumentos estatísticos, para além dos mecanismos de cooperação administrativa já existentes. O VIES – VAT Information Exchange System – é um sistema de intercâmbio electrónico de transmissão de informações relativas ao registo do IVA dos operadores económicos situados na União Europeia e das entregas comunitárias de bens isentas (cfr. art.º 138.º da Directiva 2006/112/CEE ou Directiva IVA), sendo estas transmitidas pelo sistema VIES às administrações tributárias dos Estados-Membros envolvidas nas operações, sendo “uma ferramenta indispensável à concretização das operações – transmissões de bens e prestações de serviços intracomunitárias – entre sujeitos passivos com sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio a partir do qual, ou para o qual as mesmas são realizadas, localizados em Estados-membros distintos” (cfr. Ofício-Circulado nº 30.148/2013, de 25 de Julho, da AT). O funcionamento do VIES, isto é, o registo no VIES de uma dada operação por um agente económico depende de um número válido de identificação para efeitos de IVA, dado que ao pedido de registo corresponde uma solicitação ao Estado-Membro que atribui tal número inquirindo da sua validade. Note-se, todavia que, por motivos óbvios ligados ao sigilo, o sujeito passivo quando acede ao sistema VIES não tem acesso à identificação do nome associado ao número de identificação fiscal, mas, tão apenas e tão somente, se poderá certificar, através deste sistema, da existência desse numero como válido. Isto é, pode perfeitamente suceder que determinada entidade que faça transmissões intracomunitárias de bens (ou melhor dizendo, transmissões intra-UE), utilize um número de contribuinte existente e válido que não corresponda ao número de contribuinte do sujeito passivo que efectivamente fez as correspondentes aquisições intracomunitárias de bens. Ai reside uma das apontadas fragilidades deste sistema instituído para substituir o mecanismo de controlo físico das mercadorias abolido, como é sabido, a partir de 1 de janeiro de 1993, como natural consequência da abolição das fronteiras fiscais entre Estados-Membros. O VIES, como ferramenta de cooperação administrativa visa reforçar o combate à fraude no domínio do IVA, sendo essencial na chamada fraude carrossel, a qual depende, em regra, de quatro elementos fundamentais: (i) transmissão intracomunitária de bens isentos de IVA, com direito à dedução do IVA suportado; (ii) aquisição intracomunitária desses bens; (iii) venda desses bens com IVA; e, (iv) não pagamento desse IVA ao Estado. Todavia, a fraqueza do VIES neste combate reside na sua própria estrutura: por um lado as normas nacionais de registo de não residentes não estão harmonizadas ao nível da União Europeia, o que faz com que existam empresas que estão registadas em vários Estados-Membros, nos quais não têm actividade económica ou têm actividade reduzida, o que facilita a existência de empresas fraudulentas; por outro lado os modelos de IVA são preenchidos no fim do mês seguinte ao qual a transmissão intracomunitária de bens ocorreu. Este atraso, em combinação com a isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias de bens, constitui um grande incentivo à prática da fraude carrossel, já que oferece tempo suficiente para que todo o esquema se processe e consequentemente o missing trader (“Missing trader é uma empresa-fantasma ou fictícia, que liquida o IVA, mas não o entrega nos cofres do Estado nem cumpre as demais obrigações fiscais, designadamente declarativas e contabilísticas. Funciona geralmente com base numa caixa de correio que constitui a sua domiciliação ou utiliza uma morada falsa. Com actividade indefinida, a missing trader surge frequentemente sob a forma (fictícia) de sociedade de responsabilidade limitada, actuando os seus sócios, administradores ou gerentes como verdadeiros testas de ferro de empresas sedeadas em paraísos fiscais. Na cadeia de transacções aparentes em que intervém, procede a aquisições a montante no mercado intra-comunitário, a que se seguem transmissões a jusante no mercado interno a um buffer ou a um broker.) desapareça. Além disso a fiabilidade dos dados transmitidos não é totalmente assegurada, dado que estes dependem das declarações apresentadas pelos sujeitos passivos. Por isso alguns autores, como Christophe Grandcolas (“Managing VAT in a borderless world of global trade: VAT trends in the European Union- lessons for the Asia-Pacific countries”, Bulletin for International Taxation, IFBD, 2008, p.130 e ss.), defendem que o sistema VIES não é adequado para o combate à fraude no IVA. Sendo o VIES incapaz de fornecer dados completamente fiáveis relativos às operações intracomunitárias isentas ou tributadas em sede de IVA, logo se vê que os mesmos não permitem demonstrar, por si sós, a existência ou inexistência de um facto tributário relacionado com o sistema de IVA que, quando se conexiona com mais do que um ordenamento jurídico, implica que a recolha de informação seja realizada em mais do que um país, nos termos do Regulamento (CE) n.º 1798/2003 do Conselho, de 7 de Outubro de 2003 (actualmente substituído pelo Regulamento UE n.º 904/2010), cujo art.º 12.º permite até o controlo simultâneo em relação a mais do que um sujeito passivo. O que fica dito permite concluir que as informações do VIES devem, por regra, ser apoiadas em elementos complementares obtidos em território nacional que demonstrem a existência das operações ou, pelo menos, a sua plausibilidade e que permitam suportar, designadamente, uma liquidação adicional decorrente de uma acção inspectiva. O que não quer dizer que, no caso de não existir qualquer registo contabilístico da ou das operações no(s) operador(es) interno ou outro elemento probatório adicional obtido em território nacional, tais informações devam ser pura e simplesmente desconsideradas. Tudo depende das circunstâncias de cada caso concreto e, nomeadamente, do grau de credibilidade das declarações apresentadas pelo sujeito passivo e da colaboração prestada por este e da existência ou não dos pressupostos para a passagem para a fixação da matéria tributável por métodos indirectos.” (fim de citação) No caso em análise no citado arresto, a análise de todos os elementos dos autos levados ao probatório, acabou por ditar que as informações fornecidas pelo VIES eram de sufragar dada a ausência de melhores elementos e visto o comportamento de recusa de colaboração do SP e a sua contabilidade não merecer qualquer credibilidade, o que alias determinou o recurso aos métodos indirectos por parte da AT. Mas, não excluiu, antes pelo contrário menciona expressamente de encontro ao quadro normativo delineado de que: As informações obtidas através do VIES “... quando devidamente fundamentadas e se baseiem em critérios objectivos, tais informações têm a força probatória que o art.º 76.º, n.º 1, da LGT, lhes confere, pois como refere António Lima Guerreiro em lado algum o legislador consagrou “o carácter ilimitado da força probatória das declarações ou escrita do contribuinte caso em que, aliás, a actividade inspectiva perderia todo o sentido, por inútil./ Se a força probatória das declarações do contribuinte fosse “ilimitada” só pagaria impostos quem quisesse” (Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, Ed.ª Rei dos Livros, 2001, p. 335). Para, prosseguindo, afirmar que tendo essa força probatória as informações obtidas do VIES, não basta a mera impugnação dos factos a que respeitam para descredibilizar esses meios de prova; competia à recorrida provar que as informações do VIES não eram verdadeiras e não à Inspecção comprovar (adicionalmente) a sua veracidade. Munidos destas considerações, volvemos ao caso dos autos, cientes que nos encontramos nos idos anos de 2003 e 2004. A Inspecção Tributária, verificando com base nos elementos recolhidos, divergências existentes entre as informações obtidas do VIES e as declarações periódicas apresentadas pelo sujeito passivo (Recorrida) para os exercícios de 2003 e 2004, e aplicando as normas de incidência objectiva, subjectiva e taxas em vigor à data dos factos tributários, promoveu correcções meramente aritméticas nos termos do artigo 84º da LGT ao valor do IVA liquidado em falta. O fundamento da correção é unicamente a divergência existente entre o montante de aquisições intracomunitárias constantes do VIES e o montante de aquisições intracomunitárias inscritas pela Recorrida nas declarações periódicas entregues perante a AT. Em sede de Reclamação Graciosa (decisão essa objecto dos presentes autos) deferindo parcialmente a mesma, a ATA procedeu á correcção dos montantes considerados relativos à correcção efectuada pela sociedade "E..., S.A.", contribuinte fiscal espanhol, mantendo quanto ao mais a sua posição perante as restantes divergências assinaladas no RIT. Conforme decorre da decisão emitida na Reclamação graciosa a ATA aceitou a prova por parte do sujeito passivo das incorrecções por parte do fornecedor espanhol, o que só por si prova e atesta que o sistema VIES não é infalível, como o retro mencionado acórdão transcrito sublinha, aqui como ali, assim consideramos, razão pela qual falece os argumentos esgrimidos em sede de recurso de que as divergências apuradas não admitem prova em contrário. Questão distinta, é saber, se os factos provados são susceptíveis de por em causa a eficácia probatória legal das informações obtidas do VIES, e desde já avançamos que in casu no âmbito dos autos de Impugnação o sujeito passivo logrou cumprir o ónus que sobre si recaía, e que, por isso, essas informações não fazem prova plena quanto aos factos tributários a que respeitam. Conforme decorre dos autos e, não é colocado em crise em sede de recurso, a matéria de facto dada como provada, substanciada na subsequente motivação que se lhe seguiu, e que contrariamente ao alegado, ponderou, de modo assertivo, o regime do ónus da prova nos seguintes termos: “Nos termos do artigo 76, da LGT as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei. Conjugando esta disposição com o artigo 11, n.º 2 da LGT e com o artigo 371, do CC, resulta que as informações da autoridade ou oficial público (tais como as constantes do relatório de inspeção tributária) fazem prova plena. Como o relatório de inspecção tributária resulta de uma apreciação do inspetor tributário, sendo impugnado, está sujeito à livre valoração do julgador com os demais elementos de prova, tendo o tribunal valorado o mesmo como coerente e credível. Os depoimentos foram livremente apreciados pelo Tribunal, nos termos do que dispõe o artigo 396, do Código Civil atendendo, para tal efeito, à razão de ciência apresentada por cada uma das testemunhas inquiridas, valorados da forma seguinte: A testemunha AA, foi gerente da sucursal em Portugal até 2005, depondo, por isso com conhecimento direto dos factos. O seu depoimento foi credível, tendo explicado o modo de funcionamento da impugnante. A testemunha esclareceu que a impugnante é sucursal de uma casa inglesa que também tem sucursal em Espanha. A empresa espanhola enviava o material para a empesa portuguesa, mas faturava a Inglaterra. Em Portugal à medida em que iam vendendo enviavam a faturação a Inglaterra. A testemunha esclareceu que a faturação era feita na empresa, mas que era uma empresa externa que fazia a contabilidade, sendo que o caso aqui em discussão foi tratado por auditaria externa, razões pelas quais desconhece se havia divergências entre o VIES e as declarações entregues. Perguntado sobre se a empresa espanhola faturava a Portugal a testemunha disse que não deveria. A testemunha disse ainda que a haver divergências só poderiam ser originadas pela empresa espanhola ou inglesa. A testemunha BB, que foi secretária da impugnante entre 1986 e 2005, revelou conhecimento direto dos factos tendo prestado depoimento de forma credível. A testemunha esclareceu a forma de funcionamento da impugnante, dizendo que a mercadoria vinha inicialmente de Inglaterra e depois de Espanha para a impugnante onde se fazia o stock de material pertencente a Inglaterra, e que conforme iam vendendo material em Portugal enviavam relação das faturas a Inglaterra e Inglaterra faturava a Portugal. A testemunha disse ainda que o interstad era preenchido de acordo com a mercadoria que entrava no armazém de Portugal.” Somos, pois, de concluir em conformidade com a sentença recorrida, que “... pelos meios de prova arrolados a impugnante logrou demonstrar a veracidade das suas declarações.” Pois que os factos provados atestam que o sujeito passivo teve um comportamento colaborante solicitando elementos ao Reino Unido (á semelhança do que havia feito com o contribuinte espanhol) que só não alcançou tais elementos por via documental a ser aceita pela ATA, por força de indisponibilidade das autoridades ingleses, o que atesta o impedimento da sua parte de ir mais longe e credibiliza o recurso à prova testemunhal a corroborar as declarações intrastat onde constam as aquisições intracomunitárias realizadas com a casa mãe no Reino Unido, onde consta o número de contribuinte dessa mesma entidade e que comparadas com as declarações de aquisições efetuadas pela impugnante são idênticas – fls. 72 e ss. (em conformidade com o julgamento expresso na sentença sob recurso que a Recorrente não desmonta). A tudo isto acresce a credibilidade atribuída pelo tribunal a quo aos depoimentos testemunhais não colocada em crise. Atente-se outrossim, que a crise de valoração apontada pela Recorrida centra-se no valor atribuído às declarações intrastat emitidas. O intrastat é um sistema de recolha de informação estatística sobre as trocas de bens entre os países da União Europeia (UE). Criado em 1993, permite assegurar a existência de uma base de dados com indicadores comparáveis e fiáveis sobre as trocas comerciais de bens realizadas pelas empresas da UE dentro do espaço comunitário. O Intrastat veio, portanto, substituir as declarações aduaneiras enquanto principal fonte de dados comerciais. Desse modo, e de forma resumida, tendo acesso a estes dados, consegue-se conhecer de uma maneira mais profunda e rigorosa os fluxos comerciais e os mercados. Nesse sentido, o Intrastat é um instrumento fundamental para o desenvolvimento de políticas relacionadas com o mercado único da UE. Assim, todos os meses, as empresas que cumpram os requisitos previstos pelo sistema Intrastat têm de submeter uma declaração com as informações relativas às trocas de bens realizadas com os operadores de outros países da UE. Entre os dados que têm de ser comunicados pelas empresas, constam as seguintes informações: Número de identificação da empresa responsável pelo fornecimento da informação; Período de referência; Fluxo (chegada/expedição); Mercadoria em causa, identificada pelo código de oito dígitos da nomenclatura combinada; País da UE parceiro; Valor das mercadorias na moeda nacional.; Quantidade das mercadorias; Natureza da transação. Cabe depois a cada país da União Europeia transmitir ao Eurostat – o serviço de estatística da União Europeia – os resultados mensais das suas estatísticas. Esta obrigação declarativa é realizada através do preenchimento de um formulário próprio no portal Webinq, sendo apenas obrigatória para as empresas que cumpram determinados pressupostos e que realizam trocas de bens dentro da União Europeia. In casu sabemos que as declarações submetidas no Reino Unido pela casa mãe, entidade subjacente as declarações intrastat não logrou concretizar as correcções às mesmas conforme decorre dos itens 14. e 15. . Contudo, o exposto, não coloca em causa a valoração que foi atribuída as declarações intrastat apresentadas pelo sujeito passivo internamente pelo tribunal a quo conjugada com os demais meios de prova e à luz da experiência, valorando as mesmas em cotejo com as declarações periódicas de IVA. Em suma, a Recorrida logrou demonstrar a veracidade das suas declarações, por contraposição à divergência entre estas e as informações obtidas pelo VIES, fundamento das liquidações. Sendo que contrariamente ao argumentado pela Recorrente, essa prova não tinha necessariamente e exclusivamente por via da correcção dos dados do VIES, pois aqui, como nas situações de isenção de IVA nas transacções Intracomunitárias, em que se mostra necessária a prova da expedição do bem para país da UE, a mesma não tem de ser feita necessariamente, através da declaração de expedição internacional - “CMR” (meio privilegiado), sendo admissível a prova pelos sujeitos passivos que da mesma queiram beneficiar o recurso a todos os meios de prova admitidos em direito (neste domínio atente-se à vasta Jurisprudência do TJUE, que se tem mostrado sensível as dificuldades inerentes a prova do circuito dos bens, salientando-se no domínio da isenção aplicável às entregas intracomunitárias de bens, designadamente, os seguintes: Acórdão de 27 de Setembro de 2012, VSTR, C-587/10; - Acórdão de 6 de Setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11; - Acórdão de 16 de Dezembro de 2010, Euro Tyre, C-430/09; - Acórdão de 7 de Dezembro de 2010, R, C-285/09; - Acórdão de 18 de Novembro de 2010, X, C- 084/09; Acórdão de 27 de Setembro de 2007, Teleos e outros, C-0409/04; - Acórdão de 27 de Setembro de 2007, Collée, C-146/05; - Acórdão de 27 de Setembro de 2007,Twoh International, C-184/05; - Acórdão de 6 de Abril de 2006, EMAG Handel Eder, C-245/04; e - Despacho de 3 de Março de 2004, Transport Service, C-395/02, vide In Revista Finanças Públicas e Direito Fiscal: Ano 6, Número 3, Outono, “Transmissões “B2B” de bens intra-UE isentas de IYA A Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia” pág. 192 ). Paralelamente, in casu, também a maior ou menor exigência quanto à idoneidade e adequação do meio de prova, bem como a valoração da prova produzida pela Recorrida deve ser efectuada partindo dos meios de prova apresentados, mas atendendo também a todos os indícios recolhidos pela AT e se estes aparentam evasão ou fraude fiscal, fim último do sistema VIES. É da ponderação de todos os indícios recolhidos pela AT em confronto com a prova que a Recorrida vem a produzir que o tribunal a quo pode valorar convenientemente a prova produzida e formar uma convicção sobre a efectiva satisfação do ónus da prova que recai sobre o Recorrida. Ora a AT limitou-se a sustentar a existência de divergências nos exercícios de 2003 e 2004 entre os montantes de aquisições intracomunitárias de bens constantes do VIES e os valores constantes das declarações periódicas entregues pela Recorrida. E no que se refere ao ónus da prova é certo que a AT logrou provar o direito à liquidação, consubstanciada nessa mesma divergência que revela IVA em falta. Mas com a prova realizada, e sua devida conjugação, factos conduzidos ao probatório, não restam dúvidas de que a Recorrida abalou as informações obtidas pelo VIES, e convenceu de que os valores constantes nas suas declarações apresentadas em 2003 e 2004 são verdadeiras, e concomitante pôr em causa a divergência como fundamento das liquidações adicionais de IVA dos exercícios de 2003 e 2004. E assim sendo, a sentença não nos merece qualquer censura. 2.3. Conclusões I. O regime geral das transacções intracomunitárias de bens é aplicável a todas as transacções intra-UE de bens efectuadas entre sujeitos passivos de IVA, independentemente do tipo de bem em causa, desde que este tenha sido expedido ou transportado de um Estado-Membro para outro Estado-Membro. II. Para além dos demais mecanismos de cooperação administrativa existentes, o VIES – VAT Information Exchange System – é um sistema de intercâmbio electrónico de transmissão de informações relativas ao registo do IVA dos operadores económicos situados na União Europeia e das entregas comunitárias de bens isentas (cfr. art.º 138.º da Directiva IVA). III. A fiabilidade dos dados transmitidos pelo VIES não é total, pois estes dependem das declarações apresentadas pelos sujeitos passivos, razão pela qual as informações obtidas do VIES devem, por regra, ser apoiadas em elementos complementares obtidos em território nacional que demonstrem a existência das operações ou, pelo menos, a sua plausibilidade e que permitam suportar, designadamente, uma liquidação adicional decorrente de uma acção inspectiva. IV. Tudo depende das circunstâncias de cada caso concreto, perante correcções assentes na divergência entre os valores constantes do VIES e montantes constantes das declarações periódicas do sujeito passivo, a prova da credibilidade destas e da fiabilidade dos valores do VIES pode ser efectuada por qualquer meio legal e admissível. 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente Porto, 19 de janeiro de 2023 Irene Isabel Neves Ana Paula Santos Margarida Reis |