Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01447/07.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/03/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:PAULO MOURA
Descritores:VALORAÇÃO DO DEPOIMENTO TESTEMUNHAL;
CONTESTAÇÃO DA FP, REMISSÃO PARA O RELATÓRIO DE INSPEÇÃO;
SISA. AJUSTE DE REVENDA;
Sumário:
I – No processo tributário, até à alteração efetuada ao artigo 114.º do CPPT, pela Lei n.º 118/2019, de 17/09, a sentença podia ser proferida pelo juiz a quem o processo estava distribuído no momento da decisão, não tendo aplicação o princípio da plenitude da assistência dos juízes, previsto no então artigo 654.º do CPC.

II - A razão de ser do princípio do juiz natural é o proibir a designação arbitrária de um juiz para decidir um caso particular, pondo em causa a imparcialidade e isenção da decisão final ou mesmo a independência do tribunal.

III - Quando se pretende que seja dada por assente determinada matéria, é necessário apresentar factos concretos que formem a convicção de que uma determinada situação efetivamente ocorreu, conforme o alegado.

IV - A testemunha deve explicar pelas suas próprias palavas de modo preciso, claro e circunstanciado todos os contornos da situação, quando não o faz, o depoimento prestado não pode ser valorado da forma a poder dar como assente determinada factualidade pretendida pela parte.

V - Se determinada factualidade se encontra mencionado no Relatório de Inspeção Tributária, e o Impugnante na Petição Inicial pretende infirmar ou afirmar algo diverso dos factos ali descritos, a Contestação da Fazenda Pública, não carece de impugnar ou contraditar o alegado na Petição Inicial, uma vez que a Administração Tributária já apresentou a sua versão dos factos no Relatório de Inspeção. Isto, na medida em que o Relatório de Inspeção é o suporte dos fundamentos de facto e de direito que originam a prática do ato tributário de liquidação.

VI - A Contestação não precisa de estar a reafirmar a factualidade constante do Relatório de Inspeção, ou infirmar uma alegação do Impugnante que esteja em contradição com o Relatório de Inspeção, bastando-lhe remeter para o mesmo.

VII - Caso haja contradição entre o alegado na Petição Inicial com que consta no Relatório de Inspeção ou com os documentos anexos a este, compete ao juiz apreciar e valorar qual das hipóteses é que fica demostrada.

VIII - Uma cessão da posição contratual, num contrato promessa de compra e venda, relativo a um bem imóvel, encontra-se sujeita a Sisa, conforme o disposto no parágrafo 2.º do artigo 2.º do Código da Sisa.

IX - A base tributável nas situações de cessão da posição contratual de contrato promessa de compra e venda de imóvel é o preço convencionado ou o valor do prédio, caso este seja superior.

X - Nas referidas situações de cessão da posição contratual, para o cálculo da sisa não de deve atender ao abatimento do montante de imposto de SISA pago pelo promotor imobiliário aquando da aquisição do terreno onde foi construído o prédio.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA», interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de SISA e juros compensatórios.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
I. Incide o presente recurso sobre matéria de direito e matéria factual recorrendo à reapreciação da prova gravada em audiência de julgamento.
II. Quanto à matéria factual, o Recorrente pretende ver substituído o facto previsto na alínea E) da matéria dada como provada; bem como toda a matéria considerada como não provada que deve ser considerada provada.
III. Ainda, deve ser adicionado um facto que não consta nem da matéria dada como provada nem como não provada e que foi alvo de apreciação.
IV. O presente Recurso debruçar-se-á sobre 5 (cinco) temas essenciais: A violação dos Princípios da plenitude da assistência do Juiz e do Juiz Natural; Reapreciação da prova testemunhal produzida em julgamento com alteração da matéria de facto dada como provada; Alteração da factualidade vertida na alínea E) da matéria de facto dada como provada; Do valor tributável a considerar; Reapreciação da aplicação do art. 39-A do Código de Imposto Municipal de Sisa ao caso em concreto.
V. A audiência de julgamento em que se ouviram as declarações das testemunhas arroladas, foram presenciados pela Sra. Juiz «BB»;
VI. Em 2014, já com toda a prova produzida, foi o processo distribuído à Sra. Juiz «CC», que proferiu a Sentença que ora se coloca em crise.
VII. É vasta a jurisprudência sobre a desnecessidade de ser o mesmo Juiz que assistiu ao Julgamento a decidir a ação é, com o devido respeito, absolutamente desprovida de base legal e de elementos históricos que o justifiquem.
VIII. O Princípio da plenitude da assistência do juiz é o único Princípio processual que atribui expressão à necessária aproximação dos factos invocados pelas partes pelo Tribunal e que permite ao Tribunal apreciar se os factos relatados pelas Testemunhas em julgamento são ou não suscetíveis de constituir prova.
IX. A reforma dada ao Código do Processo Civil com a Lei 41/2013, de 26 junho, veio reforçar o Princípio em causa.
X. Mesmo com a obrigação de gravação de todas as audiências (cfr. art. 155.º do CPC e 118.º, n.º 2 do CPPT) o Princípio em causa foi reforçado e ganhou um destaque muito superior ao que a anterior lei expressamente lhe conferia, mas que, entendemos, já se aplicava.
XI. O desenvolvimento legislativo leva-nos a concluir que a interpretação que era feita ao anterior Código Processo Civil estava errada.
XII. Era intenção do Legislador garantir que o Juiz de Julgamento fosse o mesmo que iria proferir a decisão, ou pelo menos, na parte da decisão que se dedica à matéria de facto.
XIII. A obrigação de gravação do depoimento da testemunha ou elaboração em ata das suas declarações, têm como objetivo apenas a possibilidade de o Tribunal de Recurso poder confirmar as declarações prestadas quando confrontado com a reapreciação da prova produzida em julgamento.
XIV. Na vigência do anterior Código de Processo Civil era intenção do legislador que o Princípio da Plenitude da Assistência dos Juízes previsto no art. 654.º, fosse interpretado no sentido de que apenas o Juiz de Julgamento pudesse proferir uma decisão relativa à matéria de facto do processo, mesmo quando substituído.
XV. Deverá ser declarada a revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, e substituída por outra que seja proferida pela mesma Juiz que assistiu à Audiência, Discussão e Julgamento, o que se requer seja ordenado, por ser nula a decisão proferida.
XVI. Quanto à prova produzida, a nenhuma das testemunhas foi dada credibilidade, porquanto foram “pouco esclarecedoras”, “pouco consistentes”, “pouco circunstanciadas”, o que não corresponde à verdade.
XVII. Primeiro porque, quem esteve no dia de Audiência de Julgamento teve a oportunidade de verificar que estas falaram sobre uma situação em particular de que tinham conhecimento direto;
XVIII. Tendo em conta apenas audição da gravação da prova produzida verifica-se que as declarações das testemunhas são coerentes entre si.
XIX. Refere o Tribunal a quo que as testemunhas não convenceram o Tribunal quanto à situação de desemprego da esposa do Impugnante, nem quanto à devolução das quantias entregues, contudo, ouvida a prova gravada, é possível verificar o contrário.
XX. Depoimento da Testemunha «DD», entre os minutos 01:05 e o 08:09, quando questionada sobre as circunstâncias que levaram a celebrar o contrato promessa de compra e venda daquela fração a testemunha explicou a vontade que o casal tinha em mudar de habitação, vendendo a fração que à data habitavam.
XXI. Referido expressamente que na data em que decidiram que queriam mudar de casa a testemunha estava a trabalhar com a sua prima e que depois este trabalho não correu bem e deixou de trabalhar, pelo que deixou de auferir o rendimento que dali auferia.
XXII. Acrescentou que, nessa altura ficou grávida, tendo decidido o casal não procurar outro trabalho,
XXIII. Tendo esses dois factos sido cruciais na decisão de desistirem da concretização do contrato prometido.
XXIV. Tais factos foram também confirmados pela Testemunha «EE», primo do Impugnante, Bancário e gestor de conta do Impugnante, em especial sobre esta matéria, o depoimento prestado entre o minuto 18:29 e 20:31.
XXV. Confirmou também que foi este o motivo pelo qual o Banco não renovou o crédito para pagamento das restantes tranches com vista à celebração do contrato prometido.
XXVI. Motivo pelo qual deve o seu depoimento ser valorado, considerando-se provado que a mulher do impugnante ficou desempregada no ano de 2000 apenas tendo voltado a trabalhar em 2003, devendo tal facto ser inserido na matéria de factos provados.
XXVII. Quanto ao facto II da matéria considerada não provada, é absolutamente contrariado pelo depoimento prestado pela Testemunha «EE», entre o minuto 19:28 e o minuto 20:31.
XXVIII. A testemunha, de forma clara, esclarecedora e circunstanciada explicou ao Tribunal que o banco emprestou inicialmente para pagamento dos sinais, faz uma reanálise das condições para atribuição do crédito a habitação de 6 em 6 meses;
XXIX. Disse que a testemunha e o Recorrente tentaram procurar outras vias para reforçar as condições de obtenção de crédito nomeadamente através de prestação de garantias ou constituir fiadores;
XXX. Disse a testemunha que, no final, não foi dado seguimento ao crédito.
XXXI. O depoimento foi corretamente circunstanciado no tempo conforme se pode constatar pelo seu depoimento entre o minuto 21:57 e 22:24.
XXXII. Quanto ao ponto I e III da matéria dada como não provada, a prova de que os mesmos ocorreram decorre do depoimento da testemunha «FF» (minuto 09:29 a 15:30), representante da sociedade [SCom01...] com quem o Recorrente celebrou o contrato promessa de compra e venda.
XXXIII. Resulta do depoimento prestado que a cedência da posição contratual foi a única solução para recuperação do montante correspondente aos sinais prestados;
XXXIV. O valor do contrato de compra e venda celebrado com um terceiro, corresponde ao exato valor do contrato promessa de compra e venda;
XXXV. Os sinais prestados pelo promitente comprador foram devolvidos ao cedente.
XXXVI. A prova destes factos, de acordo com toda a Doutrina e Jurisprudência invocadas no Articulado de Impugnação, ilide a presunção de tradição jurídica do imóvel,
XXXVII. Pelo que apenas restará revogar a decisão do Tribunal a quo substituindo por outra que declare, em consequência, a presente ação totalmente procedente por provada.
XXXVIII. Quanto ao facto vertido na alínea E) dos factos provados, resulta da Sentença proferida que “A matéria de factos assentou no acordo das partes e na análise dos documentos constantes dos autos”.
XXXIX. O Recorrente na sua peça processual de impugnação à liquidação alegou no ponto 44.º que entregou a título de sinal o montante de € 64.220,23,
XL. Facto este não impugnado pela Autoridade Tributária na sua Contestação apresentada.
XLI. Neste sentido, na parte da sentença que consta a alínea E) da matéria de facto dada como provada deverá ser alterado o seu teor, passando a contar que o Impugnante entregou à [SCom01...] a quantia de € 64.220,23.
XLII. O Recorrente pagou a título de sinal o montante total de € 64.220,23.
XLIII. Deverá ser este o valor tido em conta para efeitos de tributação.
XLIV. O contrato promessa com cedência da posição contratual é considerado transmissão de propriedade imobiliária.
XLV. O regime prevê uma situação concreta de abatimento do imposto de sisa anteriormente paga.
XLVI. A aplicação do art. 16.º-A daquele Código apenas tem relevância quando o facto que deu origem ao produto seja a transmissão da propriedade no sentido lado previsto no art. 2.º.
XLVII. Não é aplicado aos casos em que se faz uma interpretação extensiva ao art. 2.º do Código de Imposto de Sisa.
XLVIII. A lei não prevê uma exceção para a aplicação do art. 39-A, já que as exceções previstas no art. 16.º-A não se integram, pela sua natureza jurídica, no facto jurídico tributado – cessação da posição contratual.
XLIX. O cedente da posição contratual, sujeito de imposto nos termos do art. 2.º parágrafo é beneficiário do abate de imposto municipal de sisa pago na aquisição do terreno onde o prédio cedido foi edificado, revogando

NESTES TERMOS, DANDO PROVIMENTO INTEGRAL AO PRESENTE RECURSO, DEVE A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA COMO REQUERIDO, POR DECISÃO DESTE TRIBUNAL, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS QUE ESSA ALTERAÇÃO IMPORÁ, ASSIM SE FAZENDO, COMO SE CRÊ QUE FARÁ, VERDADEIRA E SÃ JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se: (1) ocorre violação dos Princípios da plenitude da assistência do Juiz e do Juiz Natural; (2) se a reapreciação da prova testemunhal produzida em julgamento leva à alteração da matéria de facto dada como provada; (3) se deve ser alterada a factualidade vertida na alínea E) da matéria de facto dada como provada; (4) qual deve ser o valor tributável a considerar; (5) qual a aplicação do artigo 39.º-A do Código de Imposto Municipal de Sisa ao caso em concreto.

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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a matéria de facto assente com relevância para a decisão da causa, para além da que antecede, por ordem lógica e cronológica:

A. Pelos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças ... foi elaborado relatório de inspecção por referência ao impugnante do qual resultaram correcções à matéria tributável de natureza meramente aritmética relativas ao ano de 2002 no valor de € 129.687,45 e no imposto a pagar de € 7.733,05, com o seguinte teor – cfr. fls. 45 e ss. do PA apenso:

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

- Em 21-12-99, o sujeito Passivo celebrou um contrato promessa de compra e venda relativo à fracção “N” com a “[SCom01...], Lda.”. Em 07-01-02, o sujeito passivo cedeu a sua posição contratual nesse contrato a “«GG»", ou seja, ajustou a revenda da fracção “N” com o referido contribuinte, que em 07-01-02 celebrou a escritura com o promitente vendedor inicial.

IMPOSTO MUNICIPAL DE SISA:
De acordo com o § 1 nº 2 do artigo 2º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre Sucessões e Doações (CIMSISSD) conjugado com o § 2 do mesmo artigo, entende-se que se verificou a tradição da fracção para o sujeito passivo, pelo que se considera estarmos perante uma transmissão de propriedade imobiliária, sujeita a Imposto Municipal de SISA nos termos dos artigos 1º e 2º do CIMSISSO.
Em consonância com o artigo 19º do mesmo Código, o Imposto Municipal a SISA incide sobre o preço convencionado pelos contraentes, pelo que neste caso incidiria sobre € 129.687,45. De todo o modo entende-se que, no que concerne a edifícios ainda em construção, a incidência do imposto deve limitar-se à parte já erigida aquando da cessão de posição contratual. Assim sendo, e de acordo com elementos facultados pela empresa vendedora, em 31/12/01 - data imediatamente anterior à data da cessão de posição contratual, a percentagem de acabamento da obra era de100%. Deste modo temos que:
Ø 100% * € 129.687,45 = € 129.687,45.
Considerando as taxas previstas no n° 2 do artigo 33° do CIMSISSD para o ano de 2002 – data da celebração da escritura, é devido Imposto Municipal de SISA no montante de:
Ø € 7.733,05 = [(18% * € 129.687,45) - € 15.610,69].

B. Em 28.12.2006, sobre o relatório que antecede recaiu despacho de concordância – cfr. fls. 45 do PA apenso.
C. Em 19.03.2007, em nome do impugnante foi emitida liquidação adicional de sisa, no valor de € 7.733,05, e juros compensatórios, no valor de € 465,68 tendo como base um “valor para liquidação” de € 129.687,45 – cfr. fls. 39 e 40 do PA apenso.
D. Com data de 21.12.1999, foi subscrito pelo impugnante, como primeiro outorgante, e pelo representante de [SCom01...], Lda. (doravante, “[SCom01...]”), como segundo outorgante, documento intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, com o seguinte teor: “A primeira outorgante é dona e legítima possuidora de um terreno para construção urbana, designado por Lote Doze na Rua ... (..) inserido no Alvará de Loteamento ...9, emitido pela C. M. ... (..) Naquele terreno a primeira outorgante irá desenvolver a construção de um prédio urbano, composto por caves, R/C e 6 andares, destinados a habitação (..) Pelo presente contrato a primeira outorgante em nome da sua representada, promete vender à segunda ou à pessoa ou pessoas, singulares ou colectivas, que este venha a indicar até à data da realização da escritura, a fracção autónoma que vai ser designada por G (..) O preço de compra e venda é de (..) 129.687,45 euros, e será pago da seguinte forma: a) – Nesta data, a título de sinal e princípio de pagamento, o segundo outorgante entrega o montante de (..) 9.352,46 euros (..) que é aqui dada a correspondente quitação pelo primeiro outorgante; b) – O montante de (..) 18.704,92 euros (..) até ao dia 30/03/2000; c) – O montante de (..) 18.704,92 euros (..) até ao dia 30/07/2000; d) – O montante de (..) 18.704,92 euros (..) até ao dia 30/11/2000; e) – O montante de (..) 18.704,92 euros (..) até ao dia 30/03/2001; f – O montante de (..) 18.704,92 euros (..) até ao dia 30/07/2001; g) – O montante de (..) 26.810,39 euros (..) no ato de celebração da escritura definitiva de compra e venda. (..) logo que o prédio onde se insere a fracção objeto do presente contrato, se encontre devidamente concluído, o que se prevê para meados de 2001 (..)A segunda outorgante promete comprar a fracção acima identificada aceitando este contrato nos exactos termos exarados nas suas cláusulas” – cfr. doc. 2 junto com a p.i.
E. O impugnante entregou à [SCom01...] a quantia de € 102.877,06 – cfr. fls. 47 do PA apenso.
F. Em 12.04.2000 foi celebrada escritura pública de “compra e venda”, em que o impugnante interveio como primeiro outorgante, na qual consta, entre o mais, o seguinte: “DECLARA O PRIMEIRO OUTORGANTE: - Que é dono e legítimo possuidor da fração autónoma designada pela letra “N”, correspondente à habitação número dezasseis (...) do prédio urbano sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., da cidade ... (...) - Sobre a referida fração incide uma hipoteca registada a favor do Banco 1..., S.A., em ...21, cujo cancelamento se encontra assegurado (...) - Que pelo preço de quatro mil e cem contos, que já recebeu, vende, aos segundos outorgantes, o usufruto vitalício (...) - Que pelo preço de dezasseis mil e quatrocentos contos, que também já receberam, vende ao terceiro outorgante, a raiz ou nua propriedade, da citada fração (..)” - cfr. doc. 4 junto com a p.i.
G. A sociedade [SCom01...] fez constar, em conhecimento de SISA de 30.06.2000, com o n.º 620, a seguinte declaração: “(...) declaram que pretendem pagar a sisa que for devida à compra que vão fazer pelo preço de 340.000.000$00 a [SCom02...], SA (...) referente ao seguinte artigo: artigo 2623 – corresponde a um Lote n.º 12 do Alvará de loteamento n.º.../89 (...)” - cfr. doc. 8 junto com a p.i.
H. No conhecimento de SISA referido no ponto anterior foi liquidado um montante de imposto de € 169.591,29 (34.000.000$00), que foi pago em 30.06.2000 – cfr. doc. 8 junto com a p.i.
I. Em 24.03.2001 nasceu «HH», filho do impugnante – cfr. doc. 5 junto com a p.i.
J. Em 10.12.2001, foi emitido alvará de licença de utilização referente ao prédio em causa, com o n.º ...1 – cfr. doc. 7 junto com a p.i.
K. Em 31.12.2001, a percentagem de acabamento do prédio referido no ponto anterior era de 100% – cfr. fls. 48 do PA apenso.
L. Em 07.01.2002, o impugnante subscreveu e remeteu um fax dirigido à "[SCom01...] (Sr. «II»)", com o seguinte teor: "(...) na sequência do conversado, venho por este meio confirmar que aceito a cedência da minha posição na fração "G", T3 - 6º andar Dto do Empreendimento ... à Sr.ª «GG», B.I. n.º ...66 de 21/09/98, hoje dia 7 de Janeiro de 2002, data da escritura" - cfr. doc. 6 junto com a p.i..
M. Em 07.01.2002, foi celebrada escritura pública de "Compra e venda com mútuo e hipoteca" entre o representante de [SCom01...], Lda., como primeiro outorgante, e o representante de «GG», como segundo outorgante, na qual consta, entre o mais, o seguinte: "O PRIMEIRO OUTORGANTE DECLAROU: Que, em nome da sua representada vende à representada pelo segundo outorgante, pelo preço de cento e vinte e nove mil seiscentos e oitenta e sete euros e quarenta e cinco cêntimos, que já recebeu, o seguinte: Fração autónoma identificada pela letra "N", correspondente a uma habitação (..) do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., freguesia ... (...) DECLAROU O SEGUNDO OUTORGANTE: Que para a sua representada aceita o presente contrato" - cfr. doc. 7 junto com a p.i..
N. No período compreendido entre Janeiro de 1999 e Abril de 2003 não foram registadas remunerações na Segurança Social em nome de «DD» – cfr. fls. 141 (verso) do processo físico.

Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos com relevância para a decisão da causa, designadamente os seguintes:
I. Em Julho/Agosto, o impugnante solicitou ao representante da «FF», a rescisão do contrato promessa, com devolução das quantias até então entregues.
II. O banco do impugnante informou-o da impossibilidade de aprovar o crédito de habitação.
III. A [SCom01...] entregou ao impugnante as quantias que este lhe havia entregado.

Motivação

A decisão da matéria de facto assentou no acordo das partes e na análise dos documentos constantes dos autos, conforme indicação em cada ponto do probatório.
No que diz respeito aos factos não provados, a prova testemunhal produzida pelo impugnante não logrou convencer o Tribunal da verificação dos mesmos, concretamente quanto à devolução das quantias entregues a título de sinal e quanto à situação de desemprego da mulher do impugnante, pelas razões que se passa a expor.
No que respeita à devolução das quantias entregues a título de sinal, importa ter presente que não foi oferecida qualquer prova documental dos respectivos fluxos financeiros, sendo certo que estamos perante uma quantia que ultrapassa a centena de milhar de euros e que, também por isso, seria plausível que a mesma constasse de registo documental, sem que o impugnante tenha apresentado razões justificativas da inexistência de comprovativos documentais de tal factualidade. Acresce que os depoimentos também não se mostraram suficientemente sustentados, sólidos e coerentes para concluir no sentido pretendido pelo impugnante.
A testemunha «DD», mulher do impugnante, prestou um depoimento que se revelou pouco credível e desinteressado porquanto as suas declarações, quanto à sua situação profissional, são infirmadas pela prova documental junta aos autos. Se a testemunha afirma que estava a trabalhar quando o marido celebrou o contrato promessa de compra e venda e que posteriormente deixou de trabalhar, já a prova documental produzida – as remunerações declaradas na Segurança Social – o que revelam é que a mesma já não obtinha rendimentos do trabalho desde, pelo menos, Janeiro de 1999, situação que se mantinha na data de celebração do contrato promessa, e até Abril de 2003.
A testemunha «FF», gerente da sociedade [SCom01...], prestou um depoimento pouco consistente e esclarecedor uma vez que depôs de uma forma pouco circunstanciada quanto ao pedido de devolução dos sinais entregues feito pelo impugnante, que, recorde-se, teve por fundamento a passagem a uma situação de desemprego da mulher do impugnante – quando se provou nos autos que não houve alteração na situação profissional naquele período relevante. Por outro lado, questionado quanto aos montantes entregues a título de sinal, a testemunha referiu que o impugnante pagou os sinais e não pagou o montante previsto para o acto da escritura, que foi pago pela compradora, o que mais suporta a convicção do Tribunal pela falta de evidência dessa devolução.
A testemunha «EE», bancário, primo do impugnante e seu gestor de conta, prestou também um depoimento pouco consistente e esclarecedor porque pouco circunstanciado, revelando-se hesitante quando questionado sobre dados concretos, como o enquadramento temporal dos factos, tendo referido a impossibilidade de aprovação do crédito bancário para a aquisição do imóvel sem referir valores, com fundamento na alteração das condições profissionais da mulher do impugnante – não estando provado nos autos que houve alteração na situação profissional –, sendo certo que, aquando da cedência da posição contratual, na data da celebração da escritura de compra e venda, já tinha sido entregue à promitente-vendedora a quantia de € 102.877,06, de um valor total de transacção de € 129.687,45, isto é, quase 80% deste montante.

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Aditamento à matéria de facto

Em função do recurso apresentado e por se considerar pertinente, decide-se aditar a seguinte matéria de facto:
A – 1. O Relatório de Inspeção Tributária, referiu, ainda, o seguinte:
«II – OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA
- Esta acção inspectiva foi desencadeada por uma outra acção realizada pelos nossos serviços à sociedade “[SCom01...], Lda.” NIPC (…).
- Nessa acção verificou-se que o sujeito passivo “[SCom03...], Lda.”, em 21-12-99, um Contrato Promessa de Compra e Venda relativo à fracção “N” – também designada por “G” – do empreendimento “...”, localizado na Rua ... – .... O preço prometido foi de € 129.687,45, tendo sido pago como sinal e adiantamento o montante de € 102.877,06.
- Posteriormente, em 07-01-02, o sujeito passivo celebrou um Contrato de Cedência de Posição Contratual com “«GG»”, NIF (…), pelo valor total de € 129.687,45, tendo recebido do cessionário o montante de € 102.877,06.
- Em 07-01-02, este último celebrou a escritura de compra e venda com a “[SCom01...], Lda.” – promitente vendedor inicial.
- Assim, foi emitida a Ordem de serviço interna n.º (…), referente ao exercício de 2002, de forma a proceder-se a uma liquidação de Imposto Municipal de SISA.»
(vide fls. 47 do processo administrativo apenso aos autos)

A – 2. No dia 31/07/2001, foi emitido pela sociedade «[SCom01...], Lda.», um documento, com o seguinte teor:
«Recibo
Recebemos do Snr. «AA», a quantia de 3.750.000$00 (três milhões, setecentos e cinquenta mil escudos), para cumprimento da clausula terceira alínea f), da fracção “G” correspondente a um T3 do ... Andar, do Edifício ....
..., 30 de julho de 2001».
(vide fls. 50 do PA apenso aos autos, que corresponde ao Anexo 2 do Relatório de Inspeção)

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Apreciação jurídica do recurso.

Em primeiro lugar alega o Recorrente que ocorre violação do princípio da plenitude da assistência do Juiz e do Juiz Natural, na medida em que a sentença foi proferida por quem não efetuou a inquirição de testemunhas.
Apreciando.
Atendendo a que na data em que foi realizada a diligência de inquirição de testemunhas nos presente autos, em 2011, vigorava ainda a redação do Código de Processo Civil que veio a ser alterada pela Lei n.º 41/2013 de 26 de junho, é integralmente aplicável ao caso o decidido pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido em 2012-12-12, no proc. n.º 1152/11 (disponível para consulta em www.dgsi.pt), no qual se decidiu que neste caso a sentença devia ser proferida pelo juiz a quem o processo estava distribuído no momento em que a mesma teve de ser proferida, não tendo aplicação o princípio da plenitude da assistência dos juízes, previsto no art. 654.º do CPC, jurisprudência essa, aliás, secundada por este Tribunal Central Administrativo Norte, e na qual este Tribunal se revê, sem qualquer reserva (cf. neste sentido o Acórdão proferido por este TCAN em 2019-03-21, no proc. 02616/08.8BEPRT, e no mesmo sentido, o Acórdão proferido em 2020-11-05, no proc. 01965/04.9BEPRT, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Para tanto, formulou o Supremo Tribunal Administrativo as seguintes conclusões, que se passam a transcrever (cf. Acórdão Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 2012-12-12, no proc. n.º 01152/11):
1- O princípio da plenitude da assistência dos juízes, estabelecido no artº 654.º do CPC, só tem aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto.
2- Em sede de contencioso tributário/processo de impugnação, o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito estão cometidos ao juiz que profere a sentença, não existindo a dicotomia que se verifica em processo civil, entre a fase de audiência de julgamento, onde são produzidas as provas para a determinação dos factos e a da prolação da decisão, onde é feito o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e afirmada a consequente decisão.
3- Embora o princípio da plenitude da assistência dos juízes seja um corolário dos princípios da oralidade e da imediação, na apreciação da prova, sendo preferível que ocorra contacto directo, imediato, entre o juiz e a testemunha, tal princípio não é absoluto.
4- Ainda assim, o princípio da imediação sofria limitações, pois em tempos não muito distantes, mas em que não existia a nova tecnologia da videoconferência, sempre se utilizou a inquirição por carta precatória concretizada em meios escritos ou áudio que não proporcionavam a imediação na sua plenitude do juiz julgador com a testemunha mas valorizados e aproveitados na busca da verdade material influenciando a fixação do probatório e a realização da justiça.
5- Tais limitações continuam a justificar-se sobretudo quando se tem de ponderar, também, os inconvenientes de um “desaforamento” generalizado de processos ou a sua remessa para prolação de sentença a Magistrados entretanto destacados para equipas extraordinárias de recuperação de processos como as criadas pela Lei n.º 59/2011 de 28 de Novembro.
6- Sopesando as vantagens e inconvenientes, sempre por atenção ao quadro legal supra exposto, o qual, reitera-se, não encerra norma própria que imponha a aplicação do dito princípio na pureza enunciada e, atendendo também à especialidade do processado da impugnação judicial que não tem uma fase autónoma de fixação dos factos provados e não provados somos levados a considerar, numa interpretação sistemática, também pautada por critérios de justiça e equidade, que se justificam as referidas limitações consubstanciadas na prática em dever ser o juiz a quem o processo está distribuído a elaborar a sentença no momento em que a mesma tem de ser proferida.
Portanto, ao tempo em que foi efetuada a inquirição, estavam em vigor o Código de Processo Civil anterior ao atual, assim como o Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redação anterior às alterações efetuadas a partir da entrada a em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro (diploma que introduziu no contencioso tributário o princípio da plenitude de assistência dos juízes, com a nova redação do artigo 114.º do CPPT e que entrou em vigor 60 dias após a sua publicação), sendo que, o registo dos depoimentos prestados pelas testemunhas foram devidamente gravados, conforme resulta dos autos, ficando disponíveis para o juiz que elaborou a sentença e que fixou a matéria de facto. Naquela altura, o princípio da plenitude de assistência dos Juízes, apenas tinha aplicabilidade para a inquirição/decisão sobre a matéria de facto em processo civil e não existia em direito tributário a dicotomia entre a fixação da matéria de facto e da prolação de sentença.
Daí que, no caso dos autos, a sentença pudesse ser proferida por juiz distinto do que recolheu a prova testemunhal.
Face ao exposto, não se mostra violado o princípio da plenitude de assistência dos Juízes.

O mesmo se diga em relação à violação do princípio do juiz natural.
A razão de ser deste princípio é o proibir a designação arbitrária de um juiz para decidir um caso particular, pondo em causa a imparcialidade e isenção da decisão final ou mesmo a independência do tribunal.
Este princípio apenas encontra consagração constitucional em relação ao processo penal, quando o n.º 9 do artigo 32.º refere que nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior.
No entanto tal princípio pode considerar-se previsto na Convecção Europeia dos Direitos do Homem, que no seu artigo 6.º, determina o seguinte:
Artigo 6.º (Direito a um processo equitativo)
1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.

Assim, não obstante, não existir uma referência expressa na lei portuguesa em relação à aplicação do princípio do juiz natural aos processos de natureza não penal (vide acórdão do STJ de 08/03/2018, proferido no processo n.º 2723/04.6TBBRR.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt), a mesma retira-se não só da mencionada Convenção a que Portugal está adstrito, bem como do artigo 203.º da Constituição, que consagra o princípio da independência dos tribunais, assim como do atito 216.º da mesma Lei fundamental, que determina que os juízes são inamovíveis, salvo nos casos previstos na lei.
Para além disso, a aplicação do princípio do juiz natural também se retira do princípio processual da igualdade das partes (artigo 3.º-A do anterior CPC e atual artigo 3.º do novo CPC), assim como do artigo 2.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que determina serem os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal independentes e apenas estarem sujeitos à lei.
Ora, conforme é sabido, o juiz é designado em função do modo como o legislador definiu a distribuição ou a atribuição dos processos, cujos critérios são gerais e não têm em consideração os sujeitos processuais, mas podem ter em conta as regras funcionais internas de cada tribunal – vide artigos 203.º a 218.º do Código de Processo Civil.
A titularidade de um processo conferida a um juiz segundo as regras gerais previstas na legislação aplicável, não coloca em causa o princípio do juiz natural. Significa isto que um processo inicialmente distribuído a um juiz, pode vir a ser distribuído ou atribuído a outro juiz, por força de diversos motivos, como, por exemplo, o ingresso de mais juízes no tribunal, a movimentação de juízes ou a especialização em determinadas matérias previstas legalmente.
Aplicando-se ao caso concreto o princípio do juiz natural, resulta que o processo deve ser decidido pelo juiz a quem estiver distribuído, na medida em que já improcedeu a alegada violação do princípio da plenitude de assistência do juiz.
Ora, conforme se pode ver pela plataforma SITAF, no dia 22/10/2014, o processo foi atribuído em Lote, à juíza que proferiu a sentença (vide item do SITAF «Distribuição»).
Portanto, este processo foi redistribuído, tal como muitos outros, pelo que não resulta que tivesse havido qualquer arbitrariedade nessa redistribuição ou violação da independência ou da imparcialidade do tribunal. Nem o Recorrente alega o que quer que seja a este título.
Por sua vez, o processo foi decidido pelo juiz a que estava atribuído de forma legal, pelo que, também por aqui, não ocorre violação do princípio do juiz natural.
Face ao exposto, improcede a alegação em análise.
*
De seguida alega o Recorrente que a prova testemunhal realizada deve ser reapreciada e levar à alteração da matéria de facto dada como provada.
Para o efeito diz que as testemunhas depuseram de forma convincente e que, pelos depoimentos prestados, deveria o tribunal ter atendido aos motivos alegados para desistir do contrato-promessa e toda a situação daí decorrente, devendo ser considerada provada a seguinte factualidade:
1º. A mulher do impugnante ficou desempregada no ano de 2000 apenas tendo voltado a trabalhar em 2003 – não consta da matéria de facto constante na sentença;
2º. O Impugnante solicitou ao representante da [SCom01...] «FF» a rescisão do contrato promessa, com a devolução das quantias até então entregues – facto identificado como I. da matéria não provada;
3º. O banco do impugnante informou-o da impossibilidade de aprovar o crédito à habitação – facto identificado como II. da matéria não provada;
4º. A [SCom01...] entregou ao impugnante as quantias que este lhe havia entregado - facto identificado como III. da matéria não provada.

Mais refere o Recorrente, que considerados provados estes factos, logra ilidir a presunção de tradição jurídica do bem, para efeitos de liquidação de Sisa, nos termos do § 2.º do artigo 2.º do Código da Sisa.

A sentença considerou ter havido ajuste de revenda, pelo facto de o Impugnante não lograr infirmar a presunção legal de uma transmissão da posição contratual do contrato promessa de compra e venda, que nos termos do Código da Sisa se encontra sujeita a imposto de sisa.
A sentença considerou que os depoimentos testemunhais não foram convincentes, por isso, não deu por assente os factos pretendidos pelo Impugnante, por falta de suporte da prova testemunhal e com base na prova documental, considerada em desacordo com os depoimentos prestados.
Apreciando.
Em primeiro lugar, pretende o Recorrente que seja dado por assente, um facto que não consta da matéria de facto, nos seguintes termos: «A mulher do impugnante ficou desempregada no ano de 2000 apenas tendo voltado a trabalhar em 2003».
Relativamente a este aspeto, compete referir que os depoimentos foram pouco esclarecedores, para além de que, conforme referido na sentença, se mostrarem infirmados por prova documental.
Assim, a esposa do Impugnante referiu que em 1999 ou por volta dessa altura, tinha começado a trabalhar com uma prima e que depois de fazerem o contrato deixou de trabalhar.
Relativamente a este aspeto compete dizer que a testemunha nunca refere em concreto qual seja o trabalho que alegadamente teria tido com a sua prima. Para além disso, não se sabe o nome da prima, em que trabalhava; como tal, também não se sabe a que trabalho se está a referir a depoente.
Ora, quando se pretende que seja dada por assente determinada matéria, é necessário apresentar factos concretos que formem a convicção de que uma determinada situação efetivamente ocorreu, conforme alegado. Na situação em apreço o depoimento é vago e genérico, limita-se a dizer que «tinha começado a trabalhar com uma prima» e mais adiante «que as coisas não correram bem, eu deixei de trabalhar». Portanto, não se sabe de que trabalho se tratava ao certo, que rendimentos seriam passíveis de gerar, o que é que correu mal (se as primas se desentenderam ou se o alegado trabalho não deu os frutos pretendidos ou se ocorreu qualquer outro motivo).
Em relação ao depoimento prestado aquando da interrogação efetuada pela Meritíssima Juíza que presidiu à inquirição, o depoimento da esposa do Impugnante também não se revelou esclarecedor, tanto mais que se limitou a responder às perguntas com frases simples, como «sim», «mais estável», «sim, sim, também». Assim, a testemunha tinha de explicar pelas suas próprias palavas de modo preciso, claro e circunstanciado todos os contornos da situação, sendo que nunca o fez, pelo que depoimento prestado não pode ser valorado da forma como é pretendida pelo Recorrente.
No que concerne ao depoimento prestado pela testemunha «EE», a mesma limitou-se a referir que: «fruto da situação profissional da esposa, os rendimentos começaram a diminuir, portanto houve ali uma alteração.». Mais adiante refere que havia uma situação de diminuição de rendimentos, sem explicitar ao que se deveu essa diminuição de rendimentos. Em relação a este depoimento, vale o que já acima ficou referido, ou seja, o depoimento é vago, impreciso e não esclarece qual era a situação profissional da esposa do Impugnante, pelo que se fica sem saber ao certo o que se passou. Seguidamente, a testemunha refere-se a uma diminuição de rendimentos, sem mencionar qual a origem dessa situação, pelo que também se fica sem saber se saber ao certo o que eventualmente teria acontecido.
Portando, não se sabe nada de concreto, pelo que não é possível ao tribunal poder formar a convicção de que a esposa do Impugnante se encontrava a trabalhar, tanto mais que existe uma certidão da Segurança Social a mencionar que a Impugnante não fez descontos no período compreendido entre janeiro de 1999 e abril de 2003. Para além disso, se a esposa do Impugnante estivesse a trabalhar, com certeza teria declarado rendimentos para efeitos de IRS, até porque tal seria, com certeza, necessário, para efeitos de concessão de crédito bancário.
Em face do exposto, não é possível dar como provado o facto pretendido, ora em análise.

Em segundo lugar, pretende o Recorrente que seja dado como provado que: «O Impugnante solicitou ao representante da [SCom01...] «FF» a rescisão do contrato promessa, com a devolução das quantias até então entregues» – facto identificado como I. da matéria não provada.

O que a estes respeito a esposa do Impugnante disse foi deveras vago e genérico, limitando-se a referir que: «(…) na altura tentámos, falamos com o Senhor da [SCom01...], que conhecíamos melhor, para tentar que nos devolvessem o dinheiro e desistir da compra do apartamento.
Mandatário do Impugnante: Mas isso não aconteceu logo?
Testemunha: Não. Entretanto tinha-nos dito que se houvesse alguém interessado no apartamento que, então que, cederiam».
Portanto, alegadamente tentaram falar com alguém que conheciam na empresa, não se sabendo quem era essa pessoa, se seria um vendedor, um empregado ou o gerente da empresa, pelo que se fica sem saber ao certo e em concreto o que foi pedido e se essa pessoa tinha poder para vincular a «[SCom01...]», mais concretamente se era o representante da empresa «FF». Depois, a testemunha refere que se houvesse alguém interessado no apartamento, que então, cederiam. Esta afirmação já traduz outra realidade, que é a da cedência da posição contratual, já não de rescisão do contrato e de reembolso das verbas pagas.
Por sua vez, a testemunha «FF», representante da sociedade «[SCom01...], Lda.», com quem o Recorrente celebrou o contrato promessa, começou por dizer que o Impugnante lhe solicitou a retoma do apartamento, com a devolução dos sinais, invocando razões de caráter pessoal, de instabilidade financeira do agregado familiar. Disse, ainda, que tentou arranjar uma solução, que era recolocar a fração outra vez à venda, tendo conseguido arranjar outro comprador. De seguida refere que perguntou ao Impugnante qual o valor pelo qual pretendia vender a fração, tendo sido respondido que era pelo mesmo valor, que era de 26 mil contos.
Portanto, o depoente começa por referir que o Impugnante lhe teria pedido para resolver o contrato, que tal não aconteceu, mas que arranjaram outra pessoa para comprar o apartamento, mas depois diz que perguntou ao Impugnante qual era o preço pretendido com a venda. Ora, por um lado, se estava em causa uma retoma do apartamento, não era necessário saber qual o preço da venda do apartamento, pois bastava reembolsar os valores entretanto adiantados. Por outro lado, se se tratava de saber o preço para celebrar a escritura de compra e venda, conforme dado por assente no ponto M) dos factos provados, verifica-se que não foi o Impugnante quem celebrou a escritura de compra e venda, pelo que não se percebe muito bem esta pergunta sobre o preço da venda. Depois também não se percebe a precaução de não cumprir um contrato promessa, quando é o promitente comprador a pedir a resolução do contrato, sendo que, com a resolução, porventura a sociedade imobiliária, até lograria um valor mais elevado para a venda do apartamento a outra pessoa interessada na sua compra.
Desta forma, não se pode considerar o depoimento esclarecedor.
Para além disso, conforme consta do ponto L. da matéria de facto, o Impugnante dirigiu um fax à «[SCom01...]», em nome de «Sr. «II»», mencionando nesse fax, «na sequência do conversado», o que inculca a ideia de que a conversa tenha sido com o tal Sr. «II» (sendo que o fax refere Sr. «II»), sendo que surge agora a depor outra pessoa, mais concretamente «FF». Este facto também não ajuda a esclarecer a situação em apreço.
Por sua vez, tendo em conta que não foi julgada procedente a alegação de que a esposa do Impugnante tivesse emprego e, entretanto, ficasse desempregada, a motivação para a alegada rescisão contratual, cai por terra.
Em face do exposto, não se pode dar como provada a matéria pretendida pelo Impugnante.

Em terceiro lugar, pretende o Recorrente que seja dado como provado o seguinte facto: «O banco do impugnante informou-o da impossibilidade de aprovar o crédito à habitação» – facto identificado como II. da matéria não provada.
Diz o Recorrente que a testemunha «EE», prestou um depoimento no sentido de se poder dar como assente aquela factualidade, na medida em que é bancário, primo do Impugnante e seu gestor de conta.
A testemunha em apreço, reportando-se ao assunto em apreço, disse:
«Na altura lembro-me que falamos, para além da relação profissional que havia, havia a relação familiar e, portanto, sabíamos que as condições teriam, estavam a ser mais complicadas em termos do crédito, sobretudo pela diminuição de rendimentos, e tentamos ver se havia ali alguma possibilidade de fazermos alguma alteração ao crédito, nomeadamente através da, ou a desistir ou através da, porque quando os créditos, quando há diminuição de rendimentos, pode ser possível arranjar outras soluções nomeadamente arranjar mais fiadores ou reforço de garantias. Por isso, tivemos sempre em contacto para ver se conseguíamos fazer alguma alteração nas condições iniciais do crédito.
Mandatário do Impugnante: E esse crédito acabou depois por não se realizar, então.
Testemunha: Exatamente.».
Depois, a instância da Representante da Fazenda Pública, a testemunha interrogada sobre o contrato-promessa de compra e venda disse: «Do tal que financiamos, que fizemos a comissão por tranches, penso que foi em 2000, 99, 2000.».
Em resposta ao Mandatário do Impugnante, a testemunha refere que tem uma relação familiar com o Impugnante e que falou com ele sobre um crédito. Ora, este tipo de depoimento dá a entender que se tratou de uma conversa familiar, mais do que uma reunião profissional para tratar de um empréstimo bancário.
Depois em resposta à Representante da Fazenda Pública, refere-se a um contrato que teriam financiado, uma comissão por tranches, mas não concretiza nada sobre o assunto, pelo que não é possível, mediante tão parco depoimento dar como assente o pretendido. Até porque o facto que se pretende dar como provado, não tem a ver com o alegado financiamento para as tranches entregues em função do contrato promessa, mas antes com uma não aprovação do crédito à habitação.
Para além, disso, tratando-se de um financiamento bancário, com certeza tal deve estar documentado. Tanto mais que uma recusa de um crédito bancário tem por base um pedido efetuado por escrito, pelo que um eventual pedido verbal e uma suposta recusa verbal, não se afigura ser o modo de atuação dos Bancos. O que pode ser realizado verbalmente, é uma consulta a sondar as possibilidades de concessão de um crédito, e, nessa consulta verbal, supostamente poderia ter sido dito que o Banco poderia não aprovar tal crédito. Mas isso, não é o mesmo que uma recusa de um crédito bancário, mas antes uma opinião do funcionário bancário. Para que haja uma recusa de um crédito à habitação, é necessário que haja um pedido escrito, onde esteja indicado o exato imóvel que se pretende adquirir, haja uma apreciação superior e, também, superiormente recusado, igualmente por escrito. Nos autos não consta qualquer documento bancário em como tivesse sido pedido um empréstimo para a habitação em apreço, como tal não consta qualquer documento de recusa de empréstimo bancário.
Em face do exposto, não se pode dar como assente a matéria ora pretendida pelo Recorrente.

Em quarto e último lugar, pretende o Recorrente que seja dado como provado o seguinte facto: «A [SCom01...] entregou ao impugnante as quantias que este lhe havia entregado» - facto identificado como III. da matéria não provada.
Para o efeito, alega que o depoimento da testemunha «FF» demonstra esta factualidade.
Esta testemunha sobre o assunto em concreto nada referiu. Ou seja, não fez uma única afirmação em como tenha devolvido o valor do sinal e sucessivas entregas, a título também de sinal. Portanto, a testemunha em apreço, nunca mencionou no seu depoimento que tivesse havido reembolso do Impugnante das verbas que havia entregue.
O que o Recorrente pretende é que se conclua que, com a não celebração da escritura de compra e venda com o Impugnante, a empresa imobiliária devolveu o valor que havia sido entregue pelo Impugnante. Ora, a prova da devolução das verbas em apreço, não se pode fazer segundo o modo pretendido pelo Impugnante, tanto mais que tratando-se de quantias de elevado valor [€ 102.877,06 - vide ponto E. dos factos provados], com certeza haveria documentos bancários para demonstrar tal alegação.
Desta forma, como a testemunha que representa a empresa imobiliária nunca referiu que reembolsou o Impugnante, que não há prova documental de tal reembolso, não é possível concluir que as verbas em apreço foram reembolsadas ao Impugnante.
Para além disso, consta do Relatório de Inspeção acima aditado à matéria de facto sob a o ponto A – 1, o seguinte:
«- Posteriormente, em 07-01-02, o sujeito passivo celebrou um Contrato de Cedência de Posição Contratual com “«GG»”, NIF (…), pelo valor total de € 129.687,45, tendo recebido do cessionário o montante de € 102.877,06.».
Portanto, o Impugnante recebeu da pessoa a quem havia cedido a sua posição contratual, a totalidade dos valores de sinal que tinha realizado. Ou seja, recuperou as entregas de sinal através da pessoa que ficou com o apartamento e não através do reembolso dos valores do sinal e respetivo reforço, que havia realizado.
Face ao exposto, improcede a pretensão de dar como provado o facto pretendido e ora em análise.
*
Invoca, também, que a factualidade vertida na alínea E) deve ser alterada, na medida em que foi dado por assente que o Impugnante pagou à «[SCom01...]», a título de sinal, o montante de total de € 102.877,06, quando na petição inicial alegou que entregou a título de sinal o montante de € 64.220,23. Diz, ainda, que esta alegação não foi impugnada pela Autoridade Tributária na Contestação, quando devia ter sido impugnada, pelo que o Tribunal a quo errou ao ter considerado tal factualidade como provada, por falta de impugnação ou elementos nos autos que o contradigam.
O facto E) dado por assente, segundo a sentença resultou de fls. 47 do PA apenso e contém a seguinte redação:
«E. O impugnante entregou à [SCom01...] a quantia de € 102.877,06».

O Impugnante no artigo 44.º da Petição Inicial, efetivamente refere que teria de se considerar para efeitos de liquidação, o valor total dos montantes entregues a título de sinal, que considera ser a quantia de Esc.: 12.875.000$00 (que corresponde a € 64.220,23), referindo que, na data em que fez cessar o contrato promessa com a sociedade imobiliária, ainda tinha em dívida a quantia de 13.125.000$00.
Consultado o Processo Administrativo (PA) apenso aos autos, observa-se a fls. 47 uma página do Relatório de Inspeção, que acima foi aditada à matéria de facto. Portanto, o facto resulta do que consta desse documento, segundo o qual se refere expressamente, o seguinte: «O preço prometido foi de € 129.687,45, tendo sido pago como sinal e adiantamento o montante de € 102.877,06».
Em primeiro lugar, há que salientar que se algum facto se encontra mencionado no Relatório de Inspeção, e o Impugnante pretende infirmar ou afirmar algo diverso dos factos ali descritos, na Petição Inicial, esta não carece de ser contraditado na Contestação da Fazenda Pública, pois a Administração Tributária já apresentou a sua versão dos factos no Relatório de Inspeção. Isto, na medida em que o Relatório de Inspeção é o suporte dos fundamentos de facto e de direito que originam a prática do ato tributário de liquidação. Significa isto, que a Contestação não precisa de estar a reafirmar a factualidade constante do Relatório de Inspeção, ou a infirmar uma alegação do Impugnante que esteja em contradição com o Relatório de Inspeção, bastando-lhe remeter para o mesmo; o que, aliás é efetuado na Contestação deduzida nestes autos, conforme se pode ver pelo teor do ponto 13 dessa peça processual.
Assim, tem sido a jurisprudência deste TCAN, o entendimento de que é no relatório de inspeção que reside toda a factualidade que consubstancia a declaração fundamentadora do ato de liquidação impugnado, é essencial conhecer-se a motivação do ato impugnado, de modo a que o tribunal a possa sindicar, pelo que tal fundamentação pode [e deve] integrar o probatório.
E é à luz de tal fundamentação do ato impugnado [vertida no relatório de inspeção tributária] que o Tribunal tem de sindicar se a administração tributária demonstrou os pressupostos que a legitimam a proceder às correções à matéria tributável aqui em causa.
Na verdade, as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando devidamente fundamentadas e se sustentam em critérios objetivos (art. 76º, nº 1 da LGT). O que significa, desde logo, que a Fazenda Pública não tem que repetir em juízo o esforço instrutório e probatório que desenvolveu em sede de procedimento administrativo. Ou seja, por força do art. 76º, nº 1 da LGT a Fazenda Pública pode valer-se em sede judicial da factualidade que apurou no procedimento administrativo, sem ter de reproduzir essa prova em tribunal.
No entanto, isto não significa que se os factos aí afirmados forem impugnados na petição inicial (nomeadamente por desconhecimento ou por oposição), o tribunal esteja dispensado de valorar a respetiva prova (é que uma coisa é dar como provado que a administração tributária realizou os atos de inspeção descritos no probatório e recolheu as informações aí referidas e outra, distinta, é dar como provado o que aquela concluiu). O facto de os fundamentos aduzidos no relatório de inspeção tributária constarem do probatório em nada colide com a eventual prova que a Impugnante possa fazer nos autos, em sentido contrário àqueles.
Em regra, o local apropriado para se efetuar tal juízo será na subsunção dos factos ao direito em que o Juiz (depois de dar como assente, na resposta à matéria de facto, que a administração tributária concluiu o que concluiu) aprecia a qualidade do respetivo discurso fundamentador e confirma se houve ou não erro sobre a suficiência dos pressupostos de facto da tributação. Quando a impugnação do facto afirmado for feita por oposição, “o juízo sobre a ocorrência do facto afirmado pelos serviços de inspeção tributária depende da prova que for feita dos factos materiais que forem alegados pelo impugnante e da sua idoneidade para abalar os juízos de facto que o relatório ou as suas conclusões exprimam. Sendo tais factos alegados na petição e relevantes para a decisão, deve o juiz formular o juízo sobre a sua existência na resposta à matéria de facto e sobre a sua idoneidade na aplicação do direito aos factos” (cf. Acórdãos deste TCAN n.ºs 79/04.6 BEPNF, de 06.06.2012, 1140/05 de 22.03.2018 e n.º 475/16.6 BEAVR de 13.05.2021.)
Do exposto, resulta que uma afirmação realizada na Petição Inicial, que não seja concretamente impugnada na Contestação, só por si, não significa que tenha de ser dada como provada a versão que consta da Petição Inicial, na medida em que, caso haja contradição com que consta no Relatório de Inspeção ou com os documentos anexos a este, compete ao juiz apreciar e valorar qual das hipóteses é que fica demostrada.
Ora, da prova dos autos, resulta o contrário do pretendido pelo Impugnante, ora Recorrente.
Assim, consta de fls. 50 do PA (que corresponde ao anexo 2 do Relatório de Inspeção – acima aditado à matéria de facto sob o ponto A-2.), um documento emitido pela «[SCom01...]», no qual se exara o seguinte:
«Recibo
Recebemos do Snr. «AA», a quantia de 3.750.000$00 (três milhões, setecentos e cinquenta mil escudos), para cumprimento da clausula terceira alínea f), da fracção “G” correspondente a um T3 do ... Andar, do Edifício ....
..., 30 de julho de 2001».

Analisada a Cláusula 3.ª do Contrato promessa, que se encontra transcrita na alínea D. da ma matéria de facto, verificamos que a alínea f), corresponde à última prestação de reforço de sinal, onde consta que esse reforço deve corresponder a Esc.: 3.750.000$00, também ali convertido em euros para € 18.704,92, na data de 30/07/2001.
Ora, com a assinatura do contrato promessa o Impugnante teve de prestar o sinal no valor de Esc.: 1.875.000$00 ou € 9.352,46 e depois teve de efetuar cinco reforços desse sinal, desde 30/03/2000, até 30/07/2001, todos no mesmo montante de € 18.704,92.
Ora somando cinco vezes o valor de € 18.704,92, perfaz € 93.524,60. E, somando a este último valor o montante do sinal inicial, ou seja, de € 9.352,46, perfaz exatamente a quantia de € 102.877,06.
Ora, a testemunha «FF», representante da «[SCom01...]», referiu no seu depoimento, que o Impugnante pagou todas as quantias a título de sinal; e que, só não pagou o valor previsto para a escritura final. Este depoimento confirma-se pelo recibo emitido pela sociedade em apreço, sendo que, caso o Impugnante não tivesse entregue as demais quantias a título de sinal, com certeza já teria incorrido em incumprimento contratual, pelo que seria inverosímil que a sociedade imobiliária, emitisse um recibo da última tranche, sem as anteriores estarem pagas.
Por sua vez, com a assinatura do contrato promessa o Impugnante entregou a quantia de € 9.352,46, de que foi dada quitação nesse mesmo contrato promessa.
Para além disso, conforme acima já mencionado, o Impugnante recebeu da pessoa a quem cedeu a sua posição contratual, exatamente o valor de € 102.877,06, pelo que se o Impugnante alega apenas ter entregue montante inferior, então teria acabado por ter um manifesto lucro com a cedência da posição contratual.
Em face do exposto, não logra infirmar o Impugnante o facto relatado no Relatório de Inspeção de que entregou um total € 102.877,06, na medida em que a prova testemunhal, assim como a documental, vão neste sentido.
Desta forma, a alínea E) da matéria de facto não pode ser alterada.
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Invoca, ainda, o Recorrente que o valor tributável a considerar deveria corresponder ao total dos montantes entregues a título de sinal, num total de € 64.220,23, e não, como considerado na liquidação impugnada, ao valor da aquisição prometida.
A sentença recorrida julgou improcedente esta alegação, dizendo que o valor tributável incide sobre o montante que corresponde ao preço convencionado pelos contratantes ou o valor patrimonial, se este for superior, conforme determina o artigo 19.º, § 2.º do Código da SISA. Mais referiu, que estando provado o valor de € 129.687,45, como o convencionado para a transmissão, é sobre este valor que incide o imposto.
Apreciando.
Em primeiro lugar, compete referir que o valor do sinal entregue não é aquele que o Recorrente alega, mas o montante de € 102.877,06, conforme acima já decidido.
No entanto, a questão agora colocada é mais de direito do que de facto, pelo que a base tributável nas situações de cessão da posição contratual, só pode ser a do valor do contrato, conforme determinava o parágrafo 2.º do artigo 19.º do Código da SISA, cuja redação era a seguinte:
Artigo 19.º
A sisa incidirá sobre o valor por que os bens forem transmitidos.
(…)
Parágrafo 2.º - Nos outros casos, o valor dos bens será o preço convencionado pelos contratantes ou o valor patrimonial, se for maior.

Conforme referido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23/03/2017, proferido no processo n.º 05954/12: (em wwvv.dgsi.pt)
«A sujeição a sisa da transmissão prevista no citado artº.2, §2, do C.I.M.S.I.S.S.D., nasce no momento em que ocorre a tradição (puramente jurídica ou fiscal) e esta tem-se por verificada na data da celebração da escritura incidente sobre o imóvel objecto da cessão.
A teleologia da tributação destes factos tributários (artº.2, §2. do C.I.M.S.I.S.S.D.), igualmente levando em consideração o estatuído no artº.19, §2, do C.I.M.S.I.S.S.D., determinam que o valor a ter em conta seja o preço convencionado. E compreende-se a opção do legislador, já que o que se pretende tributar é a revenda ou agenciação de bens alheios feita ao promitente-comprador, pelo que a matéria colectável corresponderá ao valor do prédio ou ao preço convencionado, caso aquele seja menor, mais não fazendo sentido a interpretação de que deva consubstanciar-se no valor da cessão da posição contratual, a qual não encontra qualquer correspondência na letra da lei e também não vimos que a encontre no seu espirito.».

Em face do exposto, carece de razão o Recorrente sobre a base tributável da sisa.
*
Por fim, alega o Recorrente que no cálculo da sisa deve atender-se ao abatimento do montante de imposto de SISA pago pelo promotor imobiliário aquando da aquisição do terreno onde foi construído o prédio em questão, que ascendeu a € 169.591,28, nos termos do artigo 39.º-A do CIMSISSD.
A sentença recorrida entendeu que a sisa é devida pela cedência da posição contratual, considerando-se uma transmissão jurídica, presumindo-se uma transmissão económica e não a transmissão do direito de propriedade.
Sustenta, esta afirmação também no facto de o artigo 16.º-A do Código da Sisa, estabelecer que a manutenção do benefício do artigo 39.º-A está dependente da fixação da residência permanente do adquirente na habitação adquirida no prazo de seis meses contados da data da aquisição ou da manutenção dessa habitação permanente pelo período de seis anos contados da data da aquisição, salvo nas situações excecionadas naquele preceito.
Apreciando.
O artigo 39.º-A do Código da Sisa invocado pelo Recorrente contém a seguinte redação:
Artigo 39º-A
Será abatido ao imposto municipal de sisa que for devido pela primeira transmissão de prédios urbanos novos ou suas fracções autónomas, destinados exclusivamente a habitação, o imposto municipal de sisa pago pela aquisição do terreno onde os prédios foram edificados, no todo ou, tratando-se de fracções autónomas, da parte que, segundo a permilagem referida no artigo 1418º do Código Civil, lhe corresponder.
§ único. A dedução referida no corpo deste artigo será efectuada a pedido do interessado, no momento da liquidação do imposto municipal de sisa, devendo, para o efeito, ser apresentados os elementos de prova necessários.

Por sua vez, o artigo 16.º-A contém a seguinte redação:
Artigo 16º-A
As transmissões de que trata o artigo 11º, nº 21, e o artigo 39º-A deixarão de beneficiar da isenção ou redução do imposto municipal de sisa logo que se verifique qualquer dos seguintes factos:
a) Que o adquirente não fixou a sua residência permanente na habitação adquirida dentro do prazo de seis meses contado da aquisição;
b) Que o adquirente ou os eu agregado familiar não manteve a residência permanente pelo período de seis anos contados da data da aquisição, salvo no caso de falecimento do mesmo adquirente;
c) Que o adquirente venha a adquirir, em qualquer tempo, nova habitação para residência permanente com aproveitamento do benefício fiscal correspondente.
§ 1º Nos casos referidos nas alíneas a) e b) deste artigo, a perda da isenção ou da redução corresponderá, para efeitos de liquidação, ao produto de um sexto do imposto municipal de sisa que seria devida, por tantos anos ou fracção quantos os compreendidos entre a data da verificação dos eventos previstos nas mesmas alíneas e o termo do período de seis anos, acrescido de 1% por cada mês do calendário ou fracção contados desde a data da aquisição até à verificação daqueles eventos.
§ 2º No caso da alínea c) ficará sem efeito a correspondente isenção ou redução, procedendo-se à liquidação que porventura se mostre devida nos termos do disposto no parágrafo anterior, e liquidando-se ainda, mas sem aquele agravamento, o imposto municipal de sisa ou parte dele que não tenha sido abrangida pela perda da isenção ou redução prevista no mesmo parágrafo.

O artigo 39.º-A refere-se unicamente à transmissão de prédios urbanos novos ou suas frações autónomas, destinados exclusivamente a habitação.
Portanto, tem de haver uma transmissão de um prédio urbano destinado a habitação. No caso em apreço, não existiu uma transmissão de um prédio, mas antes a cessão da posição contratual de um contrato promessa de compra e venda de um prédio habitacional. Só por aqui seria suficiente para descartar a alegação do recorrente, mas, conforme refere a sentença, torna-se claro através do disposto no artigo 16.º-A do Código da Sisa que tem que ocorrer uma efetiva transmissão de um prédio, sendo que no caso concreto não ocorreu uma transmissão de um prédio urbano, mas antes uma cessão contratual. E, para além disso, o interessado no abatimento do imposto de Sisa, tem de fixar a sua residência no prédio urbano, dentro de seis meses após a aquisição.
Ora, está bom de ver que o Impugnante não fixou a sua residência no prédio habitacional em apreço.
Assim, a cessão da posição contratual não encontra acolhimento no Âmbito de aplicação do regime de abatimento de imposto de Sisa previsto no artigo 39.º-A do Código da Sisa.
Portanto, estando em apreço uma cessão da posição contratual, num contrato promessa de compra e venda, relativo a um bem imóvel, tal situação encontra-se sujeita a Sisa, conforme o disposto no parágrafo 2.º do artigo 2.º do Código da Sisa, que estabelece uma norma de incidência, nos seguintes termos:
Artigo 2º
A sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis.
1º Consideram-se, para esse efeito, transmissões de propriedade imobiliária:
2.º As promessa de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens;
(…)
§ 2.º Nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda.

Conforme tem sido entendimento jurisprudencial, trata-se de uma presunção natural, isto é, de uma ilação ou inferência extraída de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, como dispõe a norma do artigo 349.º do Código Civil. Isto é, a presunção de que o ajuste de revenda se pode inferir da cedência da posição contratual nas promessas de venda não é uma presunção legal (estabelecida expressa e diretamente na lei), mas uma presunção simples, natural ou judicial, que tem por base os dados da experiência comum e que pode ser abalada pela evidenciação dos motivos que levaram a essa cedência, evidenciação que tem de ser feita pelo cedente, dado que só ele pode dar a conhecer esses motivos.
Deste modo, quando se constata que o promitente-comprador originário cedeu a sua posição a terceiro, e é este quem tem efetiva intervenção, como comprador, na escritura de compra e venda com o promitente vendedor, pode e deve considerar-se ter havido ajuste de revenda. Isto sem embargo de aquele poder demonstrar que não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu qualquer ajuste de revenda, esclarecendo as razões que o levaram à cessão da sua posição contratual, afastando, por essa via, a existência da presunção de tradição jurídica e de transmissão para efeitos de liquidação do imposto de sisa (o que no caso concreto não logrou fazer). [(sobre esta matéria vide entre outros os Acórdãos de 02.05.2012,in recurso 895/11 (do Pleno da Secção de Contencioso Tributário), de 03.11.20010, in recurso 499/10, de 21.04.2010, in recurso 924/09, todos in www.dgsi.pt, e os acórdãos de 04.03.1998, proferido no recurso nº 20331 (Apêndice ao DR de 08.11.2001, págs. 687 e segs.) e de 31.10.2000, proferido no recurso nº 24570 (Apêndice ao DR de 31.01.2003, págs. 3880 e segs)].
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Em face ao exposto, o recurso não merece provimento.
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No concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, é o Recorrente a responsável pelas custas do recurso – vide artigos 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora- -se o seguinte sumário:
I – No processo tributário, até à alteração efetuada ao artigo 114.º do CPPT, pela Lei n.º 118/2019, de 17/09, a sentença podia ser proferida pelo juiz a quem o processo estava distribuído no momento da decisão, não tendo aplicação o princípio da plenitude da assistência dos juízes, previsto no então artigo 654.º do CPC.
II - A razão de ser do princípio do juiz natural é o proibir a designação arbitrária de um juiz para decidir um caso particular, pondo em causa a imparcialidade e isenção da decisão final ou mesmo a independência do tribunal.
III - Quando se pretende que seja dada por assente determinada matéria, é necessário apresentar factos concretos que formem a convicção de que uma determinada situação efetivamente ocorreu, conforme o alegado.
IV - A testemunha deve explicar pelas suas próprias palavas de modo preciso, claro e circunstanciado todos os contornos da situação, quando não o faz, o depoimento prestado não pode ser valorado da forma a poder dar como assente determinada factualidade pretendida pela parte.
V - Se determinada factualidade se encontra mencionado no Relatório de Inspeção Tributária, e o Impugnante na Petição Inicial pretende infirmar ou afirmar algo diverso dos factos ali descritos, a Contestação da Fazenda Pública, não carece de impugnar ou contraditar o alegado na Petição Inicial, uma vez que a Administração Tributária já apresentou a sua versão dos factos no Relatório de Inspeção. Isto, na medida em que o Relatório de Inspeção é o suporte dos fundamentos de facto e de direito que originam a prática do ato tributário de liquidação.
VI - A Contestação não precisa de estar a reafirmar a factualidade constante do Relatório de Inspeção, ou infirmar uma alegação do Impugnante que esteja em contradição com o Relatório de Inspeção, bastando-lhe remeter para o mesmo.
VII - Caso haja contradição entre o alegado na Petição Inicial com que consta no Relatório de Inspeção ou com os documentos anexos a este, compete ao juiz apreciar e valorar qual das hipóteses é que fica demostrada.
VIII - Uma cessão da posição contratual, num contrato promessa de compra e venda, relativo a um bem imóvel, encontra-se sujeita a Sisa, conforme o disposto no parágrafo 2.º do artigo 2.º do Código da Sisa.
IX - A base tributável nas situações de cessão da posição contratual de contrato promessa de compra e venda de imóvel é o preço convencionado ou o valor do prédio, caso este seja superior.
X - Nas referidas situações de cessão da posição contratual, para o cálculo da sisa não de deve atender ao abatimento do montante de imposto de SISA pago pelo promotor imobiliário aquando da aquisição do terreno onde foi construído o prédio.

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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo do Recorrente.
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Porto, 03 de outubro de 2024.

Paulo Moura
Virgínia Andrade
Isabel Ramalho dos Santos