Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00717/12.7BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/23/2024
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES
Descritores:35º DO CPC; DEVER DO INQUISITÓRIO;
PRETERIÇÃO DOS MÉTODOS INDIRECTOS;
ARTIGO 60º DA LGT; INCOMPETÊNCIA DO AUTOR DO ACTO;
Sumário:
I. As conclusões exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso, como resulta do artigo 635.º do CPC, devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo.

II. A coexistência entre o poder dever inquisitório do juiz (artigos 13º e 99º do CPPT) e as presunções e ónus de prova que impendem sobre as partes (artigos 74º nº 1, 75º nºs 1 e 2 da LGT e 100º do CPPT) é, a um tempo, sincrónica e dialéctica, quer dizer, o Juiz não tem de se substituir às partes, naquilo que é ónus delas requerer ou apresentar, antes e apenas tem o poder dever de proceder a quaisquer diligências instrutórias cuja utilidade para a descoberta da verdade venha a resultar, da instrução da causa, que, essencialmente, está a cargo das partes.

III. Perante correcções meramente aritméticas não baseadas na contabilidade do contribuinte, é à AT que compete demonstrar os factos constitutivos do direito à liquidação a que se arroga, de acordo com a regra geral que decorre do artigo 74.º, n.º 1, da LGT.

IV. Nesta situação, cabia à Impugnante /Recorrente, fazer a contraprova a respeito dos mesmos factos, isto é, da quantificação dos seus rendimentos apurada pela AT, destinada a torná-los duvidosos e, conseguindo-o, a questão deve ser decidida contra a parte onerada com a prova - esta é a regra que se extrai do artigo 346.º do Código Civil e artigo 100.º, nº 1, do CPPT.

V. Nos termos do, sempre que da (contra)prova produzida pelo contribuinte resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.

VI. Não ocorre violação do direito de audição prévia do contribuinte, artigo 60°da LGT, quando os alegados factos novos constantes do Relatório Final advém da resposta aos elementos invocados em sede de resposta.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...], Ld.ª (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 12.07.2016, que julgou a ação improcedente por si deduzida contra a liquidação adicional de IRC juros compensatórios e juros de mora, n.º ...13, relativa ao exercício de 2009, no valor global a pagar de € 16.225,34, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(…)
1) É princípio estruturante do processo judicial tributário o princípio do Inquisitório pleno previsto nos artigos 13° do C.P.P.T. e 99° da L.G.T., pelo que o processo judicial tributário não é um processo de partes.
2) Vigora antes o princípio do inquisitório, devendo o Tribunal ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente deva conhecer.
3) A correta análise e valoração da prova constante dos autos não permite concluir de forma inequívoca e irrefutável que as correções tivessem sido efetuadas com base em valores de inventários que "parecem razoáveis", sem que a Inspeção Tributária tivesse efectuado o controlo quantitativo das existências iniciais e finais com referência ao exercício de 2009, pelo que, se não houve esse controlo por parte da Inspeção, a mesma não pode concluir "parecem razoáveis".
4) Ou seja, as correções efectuadas pela Inspeção Tributária assentam em valores que "parecem razoáveis", quando a Autoridade Tributária tem de ser rigorosa e objectiva na sua correção, porque não o sendo pratica actos tributários não concretizados, nem fundamentados e, portanto, ilegais.
5) Pelo que, assim sendo, a decisão recorrida viola o disposto no artigo 100° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, designadamente, porque compete à Autoridade Tributária e Aduaneira, e não ao contribuinte, tal como entende o Tribunal "a quo", demonstrar a existência do facto tributário, bem como a sua quantificação.
6) Por outro lado, nas páginas 18 e 19 do Relatório Final foram invocados factos novos em relação ao número de urnas e funerais realizados com referência ao ano de 2009, já após o direito de audição nos termos da alínea e) do n° 1 do artigo 60° da Lei Geral Tributária.
7) O que implicaria face ao disposto na parte final do n° 3 do artigo 60° da Lei Geral Tributária, o direito de Audição antes da liquidação, a ser exercido no prazo a fixar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, o que não ocorreu, sendo que os elementos novos suscitados na audição teriam de ser obrigatoriamente tidos em conta na decisão final.
8) Deste modo, ainda que o contribuinte tenha sido ouvido antes da conclusão do Relatório Final, em caso algum podia ser dispensada nova audiência antes da liquidação, o que constitui preterição de formalidade legal essencial.
9) O acto de determinação do Resultado Fiscal com referência ao exercício de 2009, no valor de 68.748,30 £, não foi efectuado pelo Diretor de Finanças ..., nem por funcionário a quem nos termos do n° 3 do artigo 16 do Código do IRC tenha delegado essa competência, mas sim, por subdelegação, estando assim o acto afectado do vício de incompetência.
10) Daí que, tendo o acto de determinação do Resultado Fiscal por métodos diretos sido efectuado por subdelegação, o acto está efectado do vício de incompetência, o que levará, em consequência, à anulação da liquidação de IRC adicional em causa, nos termos da alínea b) do artigo 99° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
11) Por fim, refira-se que existe um afastamento da matéria colectável declarada pelo contribuinte no exercício de 2009 superior a 30%, no caso, 84,35%, o que a lei não permite (artigo 87°, n° 1, alínea c) da Lei Geral Tributária), ou seja, 57.995,43 € : 68.748,30 € = 84,35 %
12) Assim, ao proceder à determinação do imposto por métodos diretos, numa situação em que só lhe era permitido o apuramento através de métodos indiretos, a Autoridade Tributária e Aduaneira preteriu formalidade essencial do processo de liquidação, o qual conduz à sua anulação.
13) É que, nos termos do n° 3 do artigo 103° da C.R.P., ninguém é obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança se não faça nos termos da lei.
14) Foram violados os normativos legais dos artigos 16°, n° 3 do Código do IRC, 55°, 60°, 77°, n°s 1, 2 e 83°, n°1 e 2, 87° da L.G.T., artigo 45°, n° 1 do C.P.P.T., artigo 44° do Código de Procedimento Administrativo e ainda o n° 3 do artigo 103° e 104°, n° 2 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas., entende a recorrente que deverá o presente Recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, seja proferida DECISÃO que revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegal a liquidação adicional de IRC, objecto dos autos, por erro nos pressupostos de facto e de direito, falta de fundamentação legalmente exigida, vicio de violação da Lei e preterição de formalidades legais essenciais, a bem da JUSTIÇA.»
1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 266 do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, cumpre aferir da violação do princípio do inquisitório, da errada valoração e apreciação critica da prova e, do erro de julgamento de direito, conforme infra se enunciará.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 De facto
2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com base nos documentos junto aos autos e no processo administrativo (PA) apenso considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:
1. A sociedade “[SCom01...], Lda.” (doravante [SCom01...]) encontra-se inscrita no Serviço de Finanças ... (4170) desde 01/09/1999, data de início de exercício de atividade, para exercício de “de atividades funerárias e conexas” - CAE 96030, a qual é prestada num estabelecimento [arrendado] aberto ao público – fls. 7 e 8 do PA;
2. A sociedade [SCom01...] efetua ainda diligências conexas (com a atividade funerária), nomeadamente:
- Deslocação aos Municípios ou Juntas de freguesia para pagamentos das respetivas taxas de inumação, exumação ou transladação devidas;
- Efetuar contactos com os responsáveis da capela/igreja e gratificações ao padre ou coveiros;
- Apoio logístico na elaboração do requerimento para obtenção do subsídio de funeral, (apesar de não ser um serviço cobrado) junto da segurança social; - fls. 8 do PA;
3. São sócios-gerentes da [SCom01...]: «AA» [gerente de facto] e «BB»; e sócio «CC», filho do casal – fls. 7 do PA;
4. Os serviços prestados pela [SCom01...] são assegurados pelo sócio-gerente juntamente com mais 3 funcionários, prestando-os (com mais incidência) nas freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ... – fls. 8 e 9 do PA;
5. Para o exercício da sua atividade, o SP possui as seguintes viaturas, atualmente:

MatrículaData Mat.MarcaModeloTipoOBS
..-..-EC16-08-1994HyundaiFD 27XP (H100)Especial funerária 1 urnaproprietário
..-..-NZ09-08-1999Mercedes-Benz212 D/35,5Especial funerária 2 urnasproprietário
..-ET-..27-11-2007Mercedes-Benz211FEspecial funerária 1 urna limusineLocatário
..-LB-..07-12-2010BlaugamBLAUGAM 300FEspecial funerária limusineLocatário
AU-..-..01-01-1980BedfordCF VAN 97G70Ligeiro mercadoriasproprietário
OT-..-..01-01-1982Peugeot504 Break D40 LMS DieselLigeiro mistoproprietário
..-..-UG31-10-2002RoverRJ (75)Ligeiro passageirosproprietário
..-..-SD01-08-2001HyundaiH1Ligeiro mercadoriasproprietário
- fls. 8 do PA;
6. Para efeitos de IRC, a [SCom01...] está enquadrada no regime geral, e para efeitos de IVA no regime de periodicidade trimestral (sendo um sujeito passivo misto) – fls. 6 e 7 do PA;
7. No âmbito de uma ação direcionada para o sector onde operam as agências funerárias, com o objetivo de aferir a situação tributária destes sujeitos passivos, foi desencadeada ação inspetiva à atividade da ora Impugnante, determinada pela Ordem de Serviço n.° OI2011....21 de 19/05/2011, iniciada em 20/09/2011, concluída em 03/02/2012 - fls. 4 e 5, 82 a 86 do PA;
8. Em 18/10/2011 foi notificada a Impugnante, na pessoa de «AA», na qualidade de sócio-gerente da empresa, para no prazo de 5 dias, entregar elementos relativos aos “Inventários físicos de existências dos anos de 2007 (inicial de 2008), 2008, 2009 e 2010” – fls. 39 do PA;
9. Em 10/11/2011 foi ouvido em Auto de Declarações o sócio gerente da [SCom01...] – «AA», no gabinete de contabilidade [SCom02...], sito em ..., sobre “1. Falta de faturação do serviço prestado no ano de 2008, relativo ao falecido «DD»; 2. Falta de faturação do serviço prestado no ano de 2008, relativo ao falecido «EE»; 3. Apresentação de inventários (após notificação efetuada para o efeito)”, o qual referiu sobre os mesmos que “1. O serviço não foi faturado e totalizou € 2.200,00, valor que deverá ser acrescidos aos seus proveitos; 2. O serviço não foi faturado na totalidade, tendo ficado por faturar o valor de € 765,00 valor que deverá ser acrescido aos seus proveitos; 3. Foram apresentados os inventários, tendo os mesmo sido assinados e datados” – fls. 40 a 44 do PA;
10. Em 11/11/2011 o sócio-gerente da [SCom01...], «AA», assinou, tomando conhecimento do alargamento da extensão da ordem de serviço n.° OI2011....21 para o ano de 2010 – fls. 74 e 75, 83 e 85 do PA;
11. Em 11/12/2011, foi notificado o sócio-gerente da [SCom01...] nessa qualidade, para no dia 17/12/2011 apresentar os Movimentos não contabilizado até à data (Recebimentos e Pagamentos não contabilizados) e extratos bancários (Banco 1..., Banco 2... e Banco 3...), no gabinete de contabilidade [SCom02...] [tendo o TOC da [SCom01...] assinado como testemunha] – fls. 48 e 49 do PA;
12. Nessa mesma data, os Serviços de Inspeção Tributária solicitaram “a contagem física dos valores existentes em Caixa e o apuramento de vendas/serviços prestados no dia, até ao momento da contagem, extraído do rolo interno da caixa registadora, tendo observado:
f) Contagem de valores:
Euros
FraçõesQtd.Total €
20 Euros29580,00
50 Euros301.500,00
500 Euros2010.000,00
Total em euros12.080,00
g) Os valores constantes em Caixa ascendem ao total de € 12.080,00”, tendo o SP declarado “que os dados acima referidos correspondem à verdade e que os valores indicados estão em conformidade com o total físico dos valores existentes no Caixa”, e referido o seguinte: “Possui 3 contas bancárias em nome da empresa e entregará aos serviços de contabilidade os extratos bancários com referência a esta data” – fls. 46 e 47 do PA;
13. Através do Ofício n.º ...91, de 08/02/2012, foi notificado ao contribuinte Projeto de Relatório, para querendo, no prazo de 15 dias, exercer o seu direito de audição – fls. 88 a 90 do PA;
14. Em 24/02/2012 deu entrada no Serviço de Finanças ... exercício do direito de audição da contribuinte – fls. 17, 68 a 73 do PA;
15. Em 15/03/2012 por carta registada com aviso de receção, foi notificado ao SP Relatório Final e correções meramente aritméticas efetuadas, do qual consta, com relevância para os autos, o seguinte:
“II OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA AÇÃO DE INSPEÇÃO
(...) II.1. MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL
(...) No caso em apreço, a inspeção incidiu inicialmente sobre os exercícios de 2008 e 2009 devido ao índice de rentabilidade fiscal serem mais baixos em relação à média do setor. Porém, a ação foi estendida ao ano de 2010 devido ao nítido empolamento do valor dos inventários. (...)
II.3 DILIGÊNCIAS EFETUADAS
II.3.1 Valores declarados margens de lucro e índices de rentabilidade fiscal considerações
Os valores declarados para efeitos de IRC, constam do quadro elaborado e a seguir apresentado:
CUSTOS E PERDAS2006200720082009
Custo Mercad vendidas e mat cons105.169,7289.922,2084.779,66121.622,42
Ei47.620,0037.050,0046.750,0077.440,00
Compras94.624,7299.597,20115.469,6674.275,00
Ef37.050,0046.750,0077.440,0074.275,00
Fornecimentos e serviços externos33.847,8336.758,6446.376,5238.246,35
Custos com o pessoal:35.853,4642.369,6749.482,4238.630,26
Amortiz imob corp e incorp16.341,3626.512,8325.801,9425.528,21
Impostos261,59165,70249,39225,84
Juros e custos imilares4.357,423.036,619.502,897.007,23
Custos e perdas extraordinárias302,38722,2415.691,252.644,38
Sub-total196.133,76199.487,89231.884,07233.904,69
Imposto s/ rend exerc1.014,063.3648,414.851,203.203,89
Sub-total197.147,82202.852,30236.735,27237.108,58
Resultado líquido exercício3.187,68-6.556,23-24.784,59-7.640,82
TOTAL200.335,50196.296,07211.950,68229.467,76
PROVEITOS E GANHOS
Prestações de serviços = Volume de negócios200.335,50196.295,15211.950,67229.466,33
Total Proveitos200.335,50196.296,07211.950,68229.467,76
Q07 A acrescer3.895,2316.905,2233.341,9618.393,69
Q07 A Deduzir0,000,000,000,00
Lucro Tributável7.082,9410.348,998.557,3710.752,87
ML s/ preço de custo90,49%118,29%150,00%88,67%
Rentabilidade Fiscal3,54%5,27%4,04%4,69%
O custo das mercadorias/matérias vendidas não acompanha a tendência do volume de negócios. As margens de lucro (ML) sobre o custo declarado são muito baixas para o normal do setor oscilam de um ano para o outro, fruto do registo na conta 31 – compras dos encargos pagos em nome e por conta do cliente, bem como o empolamento dos inventários ao longo dos anos.
Os índices de rentabilidade fiscal (RF), pelos motivos atrás referidos e porque os encargos pagos em nome e por conta do cliente não estão a ser considerados proveitos, revelam-se igualmente anormalmente baixos comparativamente com os do setor onde o sujeito passivo opera.
II.3.2 — Análise documental — custos e proveitos: coerência
Para cumprimento dos objetivos da ação, foram analisados todos os documentos que compõem a contabilidade, bem como a exaustividade dos registos dos anos de 2008, 2009 e 2010. Conclui-se que os valores registados na contabilidade estão concordantes com os valores inscritos nas declarações de rendimentos mod. 22 de IRC enviadas pelo contribuinte, com exceção dos inventários físicos cujo valor declarado não possui qualquer suporte documental. (..)
Efetuamos um cruzamento entre as guias de inumação contabilizadas como custo e as faturas de proveitos, a fim de verificar se todos os funerais realizados foram efetivamente faturados e analisamos ainda a correspondência entre as verbas constante das faturas de proveitos designadas como “encargos pagos em nome e por conta do cliente” e o registo dos respetivos custos na contabilidade (anexo 1). (..)
III — DESCRIÇAO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III.1. — CUSTOS FISCALMENTE NÃO ACEITES — 2008 e 2009
A consideração como custo de determinadas despesas, para efeitos de determinação do lucro tributável, depende se as mesmas são indispensáveis para a atividade da empresa e para a realização de proveitos, cabendo o ónus da respetiva prova ao contribuinte, de acordo com o disposto no artigo 23º do CIRC.
Tal como referimos no ponto II.3.2., detetamos que foram registados na contabilidade, em 2008 e 2009, custo que não estão devidamente documentos e/ou não são indispensáveis para a realização de proveitos e que não serão aceites fiscalmente, designadamente;
Inventários físicos (anexo 3) — art. 17' e 18' CIRC
O SP apresentou os inventários dos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, com valores que nos parecem razoáveis, já que se coadunam com o nível de atividade do SP. Os valores agora apresentados serão considerados certos pelo IT, sendo a diferença passível de correção:
20082009
Valor
declarado
CorreçãoValor
corrigido
Valor
declarado
CorreçãoValor
corrigido
Exist Inicial46.750,00-36.773,109.976,9077.440,00-70.393,057.046,95
Exist Final77.440,00-70.393,057.046,9574.275,00-68.306,865.968,14
correção 33.619,95 2.086,19

O total dos custos não aceites fiscalmente é de (art. 23º do CIRC):
Ano20082009
Custos não aceites: anúncios não faturados-4.162,86 €-2.721,70 €
Custos não aceites: guias de inumação-1.217,12 €
Correção aos inventários€ 33.619,95- 2.086,19 €
Acréscimo de custo/custos não aceites€ 28.239,97€ 4.807,89

QUADRO GERAL RESUMO DAS CORREÇÕES EFETUADAS
Tendo em conta as correções descrita ao longo da presente informação, propõe-se a fixação de um resultado tributável de IRC, de acordo com os cálculos a seguir apresentados:
20082009
CUSTOSdeclCorr
finaldeclcorrFinal
CMV84.779,6628.239,97113.0719,63121.622,42-4.807,89116.814,53
Ei46.750,00-36.773,109.976,9077.440,,00-70.393,057.046,95
Compras115.469,66-5.379,98110.089,68118.457,42-2.721,70115.735,72
Ef77.440,00-70.393,057.046,9574.275,00-68.306,865.968,14
Forn. Serv. externos46.376,52 46.376,5238.246,35 38.246,35
Custos c/ pessoal49.482,42 49.482,4238.630,26 38.630,26
Amortiz. imob.25.801,94 25.801,9425.528,21 25.528,21
Impostos249,39 249,39225,8 225.84
Custos financeiros9.502,89 9.502,897.007,23 7.007,23
Custos extraordinários15.691,25 15.691,252.644,38 2.644,38
Sub-total231.884,0728.239,97260.124,04233.904,69-4.807,89229.096,80
Imp s/ rend exerc4.851,20 4.851,203.203,89 3.203,89
Sub-total236.735,2728.239,97264.975,24237.108,58-4.807,89232.300,69
Result líq exercício-24.784,5922.369,33-2.415,26-7.640,8257.995,4350.354,61
TOTAL211.950,6850.609,33262.559,98229.467,7653.187,54285.655,30
PROVEITOS
Prest. de serviços211.950,6750.609,33262.559,97229.466,3353.187,54282.653,87
Out proveitos0,01 0,011,43 1,43
Total proveitos211.950,6850.609,33262.559,98229.467,7653.187,54282.655,30
a acrescer33.341,96 33.341,9618.393,69 18.393,69
a deduzir0,00 0,000,00 0,00
LUCRO TRIBUT.8.557,3722.369,3330.926,7010.752,8757.995,4368.748,30

VII DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
Sobre os argumentos aduzido pelo contribuinte cumpre-nos efetuar análise e fundamentação da nossa posição, o que se passa a fazer de imediato, seguindo a numeração e metodologia adotada no projeto de relatório e seguida no documento do exercício do direito de audição.
Pontos 1º a 9º do DA
Refere o SP que toda a atuação dos órgãos da Administração Pública devem obediência à lei e ao direito, dentro dos poderes que lhe sejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhe foram conferidos. (...)
Não poderia a Inspeção tributária atuar de outro modo que não fosse exercer as suas funções na prossecução do interesse público respeitando os princípios do procedimento tributário elencados no art. 55° da LGT, tendo por alice rce os poderes que lhe são conferidos por lei, o desenvolvimento das diligências necessárias e permitidas em busca da verdade tributária, assegurando assim a missão para a qual está incumbida – regra básica de um procedimento isento da IT.
E foi o que aconteceu em todo o procedimento inspetivo em questão. Foram respeitados todos os princípios do referido artigo, foram efetuadas todas as diligências necessárias e permitidas em busca de uma verdade – a tributária.
Ponto 10º a 16º do DA
Invoca ainda não foi emitida as notas de fim de visita e que os serviços de Inspeção excederam indevida e ilegalmente a extensão da ação inspetiva, já que não podiam alargar a ação inspetiva ao exercício de 2010, sem cumprir os requisitos legais exigíveis, ou seja sem um despacho fundamentado do órgão competente, devendo esse despacho ser notificado à firma contribuinte.
Refere o n.° 1 do artigo 60° do RCPIT que “concluída a prática de atos de inspeção e caso os mesmos possam originar atos tributário ou em matéria tributaria desfavorável à entidade inspecionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses atos e a sua fundamentação.”
Refere ainda o artigo 61° que “os atos de inspeção consideram-se concluídos na data da notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento”.
As notas de fim de visita foram emitidas para as Ordens de Serviço n.° OI2012....61 E OI2011....21 no dia 03/02/2012, tendo sido nessa data concluídos os atos de inspeção externa (anexo 7).
No caso em apreço, o SP foi notificado do teor do projecto de relatório e o mesmo pronunciou-se exercendo o Direito de Audição - fase subsequente à emissão da nota de diligência, pelo que tomou conhecimento do seu conteúdo, das correções efetuadas e de que os atos de inspeção terminaram.
E terminaram porque só se pode elaborar o projecto de relatório apos terminar os atos de inspeção externos, e neste caso, o SP até exerceu o direito de audição sobre o teor do projecto de relatório, pelo que o fim a que de destina a emissão de nota de diligência, foi integralmente atingido de outro modo.
A doutrina estabelece uma clara distinção entre “formalidades essenciais” e meras “irregularidades” (...).
Assim, quando as finalidades exigidas para um determinado ato, que visava prosseguir, forma integralmente atingidas por outro meio (neste caso através da notificação do teor do projecto de relatório) – critério de utilidade - o ato em causa não é privado da aptidão intrínseca para a produção plena dos seus efeitos principais.
Em suma, o ato em causa, isto é, o terminus do procedimento inspetivo externo, seria necessariamente praticado através do consequente e obrigatório envio da notificação do projecto relatório com as conclusões da ação.

Quanto à extensão da Ordem de Serviço para o ano de 2010 apenas temos a dizer que o SP assinou de livre vontade com pleno conhecimento a Ordem de Serviço onde consta o exercício de 2010 a qual se encontrava anexada a proposta de alteração/extenso da ação inspetiva, assinada pelo órgão competente em 31/10/2011.
Envia-se cópia da primeira ordem de serviço assinada em 20/09/2011 (exercícios de 2008 e 2009), da segunda ordem de serviço assinada em 11/11/2010) incluindo o ano de 2010) bem como a proposta de alteração/extensão da ação inspetiva sancionada pelo órgão competente. Todos os documentos agora enviados são cópia dos originais (...).
O SP vem dizer que na página 2 do relatório a Inspeção só refere o ano de 2008 e 2009. Devia ter feito uma leitura mais atenta e cuidada ao parágrafo todo, e que a seguir se transcreve:
“No caos em apreço, a inspeção incidiu inicialmente sobre os exercícios de 2008 e 2009 devidos aos índices de rentabilidade fiscal serem mais baixas em relação à média do setor. Porém, a ação foi estendida ao ano de 2010 devido ao nítido empolamento do valor dos inventários.” (...)
Mais. No dia 11/11/2011, data em que o SP assinou a Ordem de Serviço com extensão ao exercício de 2010, ocorreu uma reunião no gabinete de contabilidade [SCom02...], sito em ....
A assinatura da ordem de serviço deu-se na minha presença, na presença do Sr. «AA» (Sócio-gerente da empresa) que assinou, na presença do Sr. «FF» (TOC), da D. «GG» (funcionária do gabinete de contabilidade e pessoa que prestou todo o apoio aos atos inspetivos) e ainda do coordenador desta ação Dr. «HH».
Tal reunião teve como objetivo comunicar as correções já apuradas no ano de 2008 e 2009, bem como as irregularidades e implicações no ano de 2010, pelo que, como o Sr. «AA» e o Sr. «FF» (TOC) sabiam muito bem, a ação teria necessariamente de ser estendida ao ano de 2010. Exercício este que a Inspeção Tributária só poderia inspecionar com uma credenciação, isto é, um despacho fundamentado do órgão competente!
Não é pois verdade o invocado pelo contribuinte de que os “serviços de I. T: excederam indevida e ilegalmente a extensão da ação inspetiva”. O Sr. «AA», sócio gerente, teve conhecimento dessa extensão bem como os seus fundamentos no dia 11/11/2011 e considera-se notificado quando assinou a ordem de serviço onde foi incluído o ano de 2010, à qual se encontra anexo o despacho fundamentado.
(...) Nunca foi omitida qualquer informação ou diligência efetuada ou a efetuar ao SP, e isso incluiu a nossa decisão fundamentada de analisar também o ano de 2010 e amplamente transmitida ao responsável da firma.
O SP sempre entendeu a nossa posição de estender a ação ao ano de 2010, mesmo porque sempre colaborou na descoberta da verdade e sabia que as correções deste ano resultavam essencialmente de uma correção ao inventário inicial.
Aliás (como mais à frente se refere) ele próprio refez todos os inventários, incluindo o de 2010 e os entregou à inspeção tributária a fim de repor a verdade, também deste exercício.
A inspeção atuou sempre de boa-fé e em contínua e recíproca colaboração quer com o sócio gerente da firma, quer com o gabinete de contabilidade.
Pontos 17º a 24º do DA – inventários
O SP inicia a análise à rúbrica INVENTÁRIO referindo que a “Inspeção não pode dizer que a existência final de 2007 não corresponde ao valor declarado de € 46.750,00, ou seja, à inicial do exercício de 2008”.
E que os inventários juntos ao projeto de relatório não estão assinados nem datados nem contem o carimbo de autenticidade da firma inspecionada, pelo que, carecem em absoluto de valor jurídico nos termos do art. 115' do CPPT.
Refere ainda que a inspeção aceitou como “razoáveis” o valor dos inventários [elaborados pelo próprio contribuinte] mas que lhe caberia “provar que as existências finais dos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010 não correspondem aos valores declarados”.
E que se a declaração de rendimentos apresentada pela sociedade goza de presunção de veracidade, só com provas é que a administração tributária poderá pô-la em causa, o que não fez, “face às compras, que não foram postas em causa nos exercícios de 2008, 2009 e 2010”.
Afirmar que “a Inspeção não pode dizer que a existência final de 2007 não corresponde ao valor declarado de € 46.750,00, ou seja, à inicial do exercício de 2008”, é uma afirmação incorreta, já que a existência final de um determinado exercício é a inicial do exercício seguinte – uma das regras básicas da contabilidade-. E quanto ao valor declarado inicialmente (sem haver qualquer suporte documental), só após notificação para apresentar os inventários (em suporte documental), apesenta-os e com um valor bem mais baixo que o inicialmente declarado.
No que concerne à aludida falta de assinatura dos inventários, também não entendemos o alegado já que os inventários cedidos pelo Sr. «AA» à I.T. estão todos assinados pelo Sr. «AA» e por mim. E foram assinados aquando da entrega à I.T. no dia da notificação (10/11/2011), dia em que foi lavrado um uto de declarações onde se refere que [nesse dia] foram apresentados os inventários (anexo 3). Ou seja, no dia 10/11/2011 foram-nos entregues os inventários em suporte de papel e foram os mesmos assinados pelo sócio gerente.
Munidos de um auto de declarações elaborado no dia da entrega dos inventários e munidos de inventários elaborados em suporte papel assinados pelo sócio gerente para os anos de 2007,2008,2009 e 2010 não precisamos de mais formalidades, para aceitar os inventários como “meios de prova”.
Aliás, não aceitar os inventários cedidos pelo próprio SP numa data (na qual ate foi lavrado um atuo de declarações) em resultado da notificação efetuada para sua apresentação e ainda por cima assinados pelo sócio -gerente, seria, isso sim, omitir meios de prova e falhar na reposição da verdade tributária.
O que o contribuinte deve ter pretendido dizer é que os inventários que ele (re)fez e estão na sua posse, não estão assinados. Mas os que entregou à Inspeção estão e integram o anexo 3 deste relatório.
Diga-se ainda que aquando do início da inspeção foi questionado o sócio gerente sobre a veracidade dos valores declarados de inventários finais nas declarações anuais desde 2007 até 2009 (inicial de 2010), mas que NUNCA foram suportados por qualquer relação dos mesmos em papel, mencionando quantidades, preços unitários e valores finais como é obrigatório, motivo pelo qual o SP foi notificado tendo o contribuinte referido que estava “admirado” com tais valores. Disse inclusive que é “impossível ter esses valores de inventário” e que esses montantes seriam da responsabilidade dos serviços de contabilidade.
Questionado também o TOC, Sr. «FF», o mesmo referiu que de facto teve necessidade de empolar os inventários para que a firma não espelhasse prejuízos fiscais, o que [então] não corresponderia de todo à verdade – mesmo porque o próprio SP confirma (e nos disse mais que uma vez) que a “minha empresa dá lucro”. Estas mesmas afirmações foram igualmente proferidas no dia da reunião ocorrida em 11/11/2011, onde estiveram presente, como já se referiu, além de mim e do Sr. «AA», o Sr. «FF» (TOC), a D. «GG» (funcionária) e o coordenador da ação Dr. «HH». (...)
Para além do facto de não existirem inventários em suporte de papel aquando do início da inspeção – omissão penas suprível após notificação – fácil é de comprovar que neste tipo de atividade, é impensável possuir urnas em stock (as urnas são o produto com mais peso no inventário) nos montantes declarados de € 46.750,00 em 2007, € 77.440,00 em 2008 e de € 74.275,00 em 2009 e depois em 2010 ter diminuído para “apenas” € 5.325,00.
Partindo-se dos inventários agora entregues à inspeção tributária, aferiu-se o peso das urnas no total dos mesmos, bem como o custo médio unitário das mesmas. Munido destas 2 variáveis, efetuamos os mesmos cálculos, para apurar o número de urnas que os inventários finais inicialmente declarados, poderiam representar:
Exercícios
inventário elaborado durante a inspeção: AGORA
2007200820092010
Valor inventário elaborado pelo SP, após notificaçãoA9.976,907.046,955.968,146.380,43
Valor urnas constantes deste inventárioB6.161,004.077,003.030,001.190,00
n.º urnas constantes do inventárioC2515105
custo médio por urnab/c246,44271,80303,00238,00
peso das urnas no inventáriob/a61,75%57,85%50,77%18, 65%
valor de inventário declarado – INICIAL:
Valor inventário inicialmente declarado 46.750,0077.440,0074.275,005.325,00
Peso das urnas calculado 61,75%57,85%50,77%18,65%
Valor das urnas calculado 28.869,3644.802,7737.709,11993,15
Custo médio por urna 246,44271,80303,00238,00
n.º de urnas correspondentes 1171651244

Nota: não foram consideradas as urnas para cinzas nem as urnas para ossadas, cujos custos unitário rondam os € 30,00 e falseariam o custo unitário das urnas ditas “normais” para inumação.
O valor dos inventários inicialmente declarado na contabilidade representaria um stock de urnas de 117, 165 e 124 em 2007, 2008 e 2009, respetivamente e de apenas 4 urnas em 2010 (redução drástica e incoerente).
Se compararmos estes valores (número de urnas em stock) co o número de serviços fúnebres realizados (1 serviços 1 urna), fácil é concluir pela falsidade e exagero dos inventários inicialmente declarados:
2007200820092010
Número de funerais realizados132144133143

Os cálculos efetuados demonstram que o SP teria adquirido urnas para todos os seus funerais realizados e no final de cada ano ainda ficaria em stock com um número de urnas superior ao número de funerais realizados. Impensável.
Fica cabalmente demonstrado que as existências finais declaradas em cada exercício (2007, 2008, 2009 e 2010) foram nitidamente empoladas.
Mesmo quanto ao valor das existências finais do ano de 2010 (em que os serviços de contabilidade desceram drasticamente o valor para €5.325,00, “supostamente” ao que nos foi dito, o valor correto), não se entende porque o contribuinte, apos notificação para apresentação (também) do inventario final de 2010, refaz o seu valor cifrando-o em € 6.380,43. A inspeção aceitou todos os valores refeitos e que agora foram suportados documentalmente e assinados pelo sujeito passivo, motivo pelo qual se consideraram verdadeiros, incluindo o inventario final do ano de 2010, apesar de (agora) ser de montante superior ao inicialmente declarado.
Ainda quanto a esta matéria, a Inspeção esclarece que não fazia sentido efetuar qualquer controlo das compras, como vem agora o contribuinte alegar, uma vez que a inexatidão acontece ao nível dos inventários que foram nitidamente “inventados”, como já se provou. Para que um controlo deste tipo fosse eficaz teríamos de confrontar a venda urnas com a compra (...) o que no caso concreto tornou-se impossível, face à inexistência de inventários em suporte documental, com esses dados. A inspeção estava incapacitada de fazer um controlo entre os consumos de urnas (consumo = existências iniciais + compras – existências finais) e as vendas (incluídas nos serviços fúnebres), já que não tinha os inventários em suporte papel).
Reafirme-se que qualquer que seja a desculpa agora invocada pelo SP é um facto incontornável que os inventários não estavam arquivados na contabilidade, porque não existiam. E por isso mesmo, se efetuou uma notificação para a sua apresentação, tal como imposto por lei.
Os inventários foram posteriormente apresentados à Inspeção Tributária por um valor diferente do declarado/contabilizado, bastante mais baixo. Todos os valores apresentados após notificação (2007, 2008, 2009 e 2010) se aproximaram do valor inicialmente declarado no final do ano de 2010, ano em que o TOC “acertou” o valor do inventário para um valor mais próximo do real, pelo que a inspeção ficou convencida da justeza e coerência dos inventários apresentados e agora elaborados pelo sócio gerente.
Recorde-se, todavia, que a correção feita ao ano de 2010 deriva essencialmente do empolamento do inventario inicial (final de 2009) que tem implicações diretas no custo das mercadorias vendidas do ano de 2010, facto já amplamente demonstrado.
Pontos 25º a 28º (último) do DA
Refere o SP que a Inspeção não provou “que os elementos contabilísticos da firma
contribuinte não merecem credibilidade, nos exercícios de 2008 e 2009, bem como os de 2010 (...) apurados de forma ilegal” e que não existe presunção de legalidade do ato tributário em termos de correções meramente aritméticas”.

Os inventários são pelas contabilísticas essenciais e imprescindíveis que influenciam a estrutura de custos, designadamente a componente “custo das mercadorias vendidas”. Ao é pouco frequente os contribuintes recorrerem ao empolamento de inventários para maquilhar os resultados tributáveis, empolando-os para fazer face à omissão de proveitos.
Foi o que aconteceu neste caso. Para fazer face à omissão de proveitos ocorrida e provada nos anos de 2008 e 2009,e para não declarar prejuízo fiscais inexistentes, os inventários finais dos anos de 2007, 2008, 2009 foram sendo “aumentados”, o que afetou até o ano de 2010 inclusive.
Mesmo repetindo-nos, reafirmamos que, provado o empolamento do valor dos inventários desde 2007 a 2009, fácil é perceber que a correção apurada em 2010 tem origem essencialmente no inventário inicial “empolado” (final de 2009).
Respondendo mais uma vez ao aludido em Direito de Audição, o SP assinou a Ordem de Serviço relativa ao ano de 2010 com conhecimento dos seus fundamentos e é o próprio que, após notificação para tal, cedeu à inspeção tributária os inventários em suporte papel incluindo o ano de 2010 (que não existiam inicialmente, tinham sido “inventados”) por ter demonstrado sempre a vontade de repor a verdade tributária dos factos inexatos apurados.
Em suma,
A presunção de verdade das declarações apresentadas pelo contribuinte nos anos de 2008 e 2009 cessou pelo facto de o contribuinte ter omitido à contabilidade proveitos nos montantes de € 50.609,30 e € 53.187,54 aos exercícios de 2008 e 2009, respetivamente (...).
Só após notificação para sua exibição, os inventários foram entregues à Inspeção Tributária, em suporte de papel e no dia marcado da notificação (10/11/2011), onde o sócio-gerente Sr. «AA» apôs a sua assinatura em cada folha entregue. Os valores apresentados foram considerados corretos.
Todas as correções efetuadas, designadamente:
1. A omissão de proveitos;
2. O registo de custo não aceites fiscalmente; e
3. O comprovado empolamento de inventários (corroborado pelo próprio SP que elaborou unitários com valores diferentes dos inicialmente registados na contabilidade),
porque infringem a regras contabilísticas e as normas fiscais, são consideradas correções meramente aritméticas.
– fls. 91 a 97 do PA;
16. Em 21/03/2012, foi emitida a Liquidação Adicional n.º ...13, e em 26/03/2012 foi efetuada a compensação n.º ...99, no valor global de € 16.225,34, com data limite de pagamento até 02/05/2012 - fls. 16 a 18 do processo físico;
17. Em 19/07/2012, deu entrada no Serviço de Finanças ... 4 a petição inicial da presente Impugnação – fls. 3, 4 e 5 do processo físico;
18. A sociedade [SCom01...] apresentou, em sede de IRC, todas as declarações exigidas por lei (modelo 22 de IRC), e os valores registados “estão concordantes com os registados na contabilidade, à exceção dos inventários físicos” – art. 10º da p.i não impugnado e fls. 9 do PA;
3.2 Matéria de facto dada como não provada:
Não há factos a considerar como não provados com relevância para a boa decisão da questão.
4 – Motivação de facto
A convicção do tribunal teve por base o confronto das posições das partes assumidas nos respetivos articulados e a análise global dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que, por não estarem impugnados, se dão como integralmente reproduzidos.
Nos presentes autos a questão essencial, e consequentemente, sobre a qual há discórdia, recai sobre os inventários das existências iniciais e finais (dos exercícios de 2007 a 2010), requeridas pela Administração ao contribuinte e entregues por este último àquela (facto 8 e 9 de 3.1), que ulteriormente serviram de base ao cálculo das correções meramente aritméticas.
Tal solicitação dos inventários justificou-se porque os serviços de inspeção tributária se confrontaram com irregularidades nos inventários e nos valores inicialmente declarados (leia-se registados contabilisticamente), que afetam as existências iniciais/finais de cada exercício e, que também influenciam o custo das mercadorias vendidas.
Após as diligências efetuadas (inquirição do sócio-gerente da Impugnante, e do TOC), a AT concluiu que o valor dos inventários foram propositadamente empolados, tendo tal situação sido confirmada por esses dois indivíduos.
Resulta para este tribunal a convicção de que os valores inicialmente declarados pelo SP foram efetiva e voluntariamente empolados pelo contabilista encarregado de fazer a contabilidade da [SCom01...]. Essa convicção resulta do facto de não haver (inicialmente) qualquer suporte físico e documental que suportasse a veracidade daqueles inventários, e, além disso, quando a Impugnante juntou aos autos os inventários já corrigidos constavam deles valores muito diferentes dos inicialmente declarados, apesar dos últimos números estarem mais adequados à realidade do setor de atividade.
Acrescendo, ainda, o facto muito relevante, de o próprio sujeito passivo, através do sócio-gerente e do TOC “da empresa”, o terem admitido várias vezes, ao longo do procedimento.
Ora, a situação anómala declarada na contabilidade – que a existência de urnas em armazém por vezes era superior ao número de funerais realizados [valores iniciais contabilizados], - foi reposta em conformidade, para “valores aceitáveis e razoáveis”, adequados ao setor de atividade e à própria atividade da Impugnante em si.
Os valores [corrigidos] de 25, 15, 10 e 5 urnas para os exercícios de 2007, 2008, 2009 e 2010 respetivamente, parecem exprimir uma tendência correta, lógica e real no setor de atividade, por aplicação da regra básica da contabilidade segundo a qual as existências finais de um exercício correspondem às existências iniciais do exercício seguinte.
Sendo que os valores corrigidos, (respeitante ao número de urnas, declarado nos inventários posteriormente elaborados, entregues e assinados pela Impugnante), foram todos aceites pela Administração, e, com base neles foram, as correções meramente aritméticas, efetuadas, pelo que, o que agora se discute é da sua correta aplicação, isto é, da admissão dos inventários apresentados como “meio de prova” idóneo para proceder às correções efetuadas.
Deste modo, fica o Tribunal convicto de que, apesar de inicialmente os inventários existentes na contabilidade da Impugnante (inventários esses que não tinham, inicialmente, um suporte físico e documental) estarem empolados, tais irregularidades foram sanadas quando o SP elaborou, assinou e entregou os inventários (em suporte documental) já corrigidos.
Isto porque, em face dos funerais realizados por esta, relativamente ao número de urnas com que ainda ficaria em stock, comparando com os valores constantes dos inventários elaborados pelo sócio-gerente da [SCom01...] a posteriori, de facto a diferença é abismal, indiciando seguramente que aqueles valores se encontravam empolados (o TOC afirmou que “houve essa necessidade [de empolamento], para não registar prejuízos fiscais”, que aí sim não corresponderia, de todo, à realidade da [SCom01...]), e o número de urnas que a Impugnante agora registou como tendo em stock, numa perspetiva de racionalidade lógico-contabilística, correspondem à realidade da sociedade e do próprio setor de atividade.»

2.2. De direito
In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Aveiro que julgou improcedente a impugnação que intentara contra as liquidações adicionais de IRC do exercício de 2009, decorrente da quantificação à matéria tributável com recurso a correções meramente aritméticas, operadas na decorrência de procedimento inspectivo realizado pelos Serviços da Inspecção Tributária (SIT).
Fundamentou a Recorrente a sua impugnação, imputando à liquidação ilegalidades que se reconduzem à ilegalidade das correções operadas em sede de IRC, a saber, (i) que as correcções efectuadas às existências, no valor de €2.086,19, carecem de fundamentação, (ii) da inexistência de documentação de suporte da contabilidade a suportar o recurso aos métodos directos, a exigir o recurso aos métodos indirectos, ((iii) face aos factos novos invocados a páginas 18 e 19 do Relatório Final, com referência à questão das urnas e dos funerais realizados, não foi respeitado o direito de audição previsto na parte final do n.º 3 do artigo 60º da LGT, (iv) os SIT excederam, indevida e ilegalmente, a extensão da acção inspectiva e, por último, (v) o acto de determinação do resultado fiscal por métodos directos está afectado de vício de incompetência por ter sido efectuado por funcionário sem competência para o efeito.
A sentença sob recurso, conhecendo dos mesmos, considerou a legalidade do recurso aos métodos directos versus métodos indirectos, da não ocorrência no âmbito do procedimento inspectivo da violação dos artigos 56° n.º 3, 4, 5 e 6 e artigo 29°, n.º 1, b), ambos do RCPIT, da não violação do direito de audição prévia a que alude o artigo 60º da LGT (da alegação de factos novos levados ao Relatório Final), da validade da extensão da inspeção e, por último, da competência delegada para a prática dos actos por quem a efectuou.
Em sede recursória, pretende a Recorrente [[SCom01...], Ld.ª], se bem interpretamos as suas alegações e, mais concretamente as suas conclusões, de que em conformidade com o (a) princípio do inquisitório (artigo 13º do CPPT e 99º da LGT) sobre o Tribunal a quo recai a obrigação de ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente deva conhecer, (b) que os factos constates dos autos não permitem concluir “(...) de forma inequívoca e irrefutável que as correções tivessem sido efetuadas com base em valores de inventários que "parecem razoáveis", sem que a Inspeção Tributária tivesse efectuado o controlo quantitativo das existências iniciais e finais com referência ao exercício de 2009, pelo que, se não houve esse controlo por parte da Inspeção, a mesma não pode concluir "parecem razoáveis"” como tal enferma a sentença de errada valoração e apreciação critica, (c) que“(...) a decisão recorrida viola o disposto no artigo 100° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, designadamente, porque compete à Autoridade Tributária e Aduaneira, e não ao contribuinte, tal como entende o Tribunal "a quo", demonstrar a existência do facto tributário, bem como a sua quantificação.” o que configura erro de julgamento de direito quanto ao regime do ónus da prova em apreço, (d) bem como do erro de julgamento de direito ao considerar não ocorrer violação do direito de audição (artigo 60º da LGT) perante alusão a factos novos no âmbito do Relatório Final, (e) do vício de incompetência do autor do acto e, por último, (i) da ilegalidade do recurso aos métodos directos em preterição dos métodos indirectos.
Cumpre atentar que de todo o quanto alega a Recorrente descortinamos algumas vagas manifestações de uma pretensa alocação a uma errada apreciação e valoração da matéria de facto [conclusões 3) e 4) das alegações], argumentado que «A correta análise e valoração da prova constante dos autos não permite concluir de forma inequívoca e irrefutável que as correções tivessem sido efetuadas com base em valores de inventários que "parecem razoáveis", sem que a Inspeção Tributária tivesse efectuado o controlo quantitativo das existências iniciais e finais com referência ao exercício de 2009, pelo que, se não houve esse controlo por parte da Inspeção, a mesma não pode concluir "parecem razoáveis".» e, mais refere que «(...) as correções efectuadas pela Inspeção Tributária assentam em valores que "parecem razoáveis", quando a Autoridade Tributária tem de ser rigorosa e objectiva na sua correção, porque não o sendo pratica actos tributários não concretizados, nem fundamentados e, portanto, ilegais.»
Ora, o erro de julgamento recai sobre um elemento dos dois que estruturam a decisão jurisdicional: a fundamentação de facto e a fundamentação de direito. O denominado erro de facto, por contraposição ao erro de direito, pode resultar de errada apreciação do material probatório que a ocorrer se estende à fixação da materialidade fáctica relevante para a decisão e/ou conduzir a uma desacertada interpretação dessa materialidade.
Como assertivamente se elucida, no acórdão do TCA Sul de 10.07.2014, proferido no âmbito do processo n.º 7813/14, “No primeiro caso o erro consubstancia-se numa indevida utilização da livre convicção, erro esse que deve ser demonstrado pelo recorrente através do exercício de um duplo ónus: um, (i) o de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera padecerem de erro de julgamento; outro, (ii) fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.”.
Ora, quando a selecção dos factos não é colocada em questão em sede de recurso, mas apenas se coloca a ênfase impugnatória na subsunção dos factos ao direito aplicável tendo em vista uma solução jurídica diferente da decretada, o erro que se suscita não é um erro na apreciação da prova, mas sim um erro de julgamento de direito.
No caso vertente a Recorrente não ataca a selecção dos factos feita pela sentença nem sequer sustenta que ocorreu uma indevida consideração das provas produzidas nos autos em ordem a determinar um resultado probatório diferente do fixado. Aliás, se o tivesse feito teria de concluir-se que a impugnação da matéria de facto não tinha sido correctamente estruturada segundo o regime legal aplicável, para que fosse possível a este Tribunal ad quem alterá-la. Pelo contrário o que a Recorrente esgrima, se bem interpretamos as suas alegações e conclusões, é a sua indignação pela improcedência da acção tecendo um conjunto de considerações assente em criticas difusas sobre as conclusões a que chegou a sentença e que se prendem com a fundamentação das correcções e confirmada pelo Tribunal a quo, sendo incapaz de mencionar qual os factos provados ou a reconduzir ao probatório que poderiam conduzir a um resultado diferente daquele a que chegou a sentença. Mais se diga, apresentando uma argumentação análoga, espelho da seguida em sede de petição, com ênfase sobre os vícios procedimentais.
Aliás, o que manifestamente discorre da posição do Exmo. Procurador Geral Adjunto, constante do parecer emitido nesta instância, ao inferir que “A [SCom01...], Ld.a não aduz, nas conclusões, qualquer novidade ao que já tinha alegado na petição inicial, voltando a repetir as mesmas instâncias que não tiveram acolhimento na bem fundamentada decisão./O julgador procedeu à indicação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, com especificação dos meios de prova e das razões ou motivos substanciais que relevaram ou obtiveram ou não credibilidade, conforme se apreende a fls. 123 e segs.”
Como se sabe, e em traços breves, as conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso, veja-se o disposto nos n.º 3 e 4, do art.º 635, do CPC, e como tal nos termos do n.º1, do art.º 639, do citado Código, sobre a Recorrente recai o ónus de ali sintetizar a argumentação que apresente na motivação do recurso, procedendo à enunciação dos fundamentos de facto e/ou de direito que constituem as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à pretendida alteração ou a anulação da decisão recorrida.
Assim, deverão corresponder à identificação, clara e rigorosa, de tais fundamentos que justificam a pretensão formulada, e que como se depreende, não se confundem com os argumentos que possam ser apresentados na motivação ou corpo das alegações, de ordem jurisprudencial ou doutrinal.
Assim sendo, importa reter por ora, é que não cumpre a este Tribunal ad quem proceder a qualquer alteração ou aditamento ao probatório consignado na sentença – que a Recorrente não impugna, cumprindo tão só aferir, a existirem, dos concretos ataques dirigidos ao erro de julgamento às soluções jurídicas preconizadas na sentença, com a perfeita consciência de que o objecto do recurso é balizado pelas conclusões apresentadas.
2.2.1. Da violação do principio do inquisitório pelo Tribunal a quo
Alega a Recorrente a violação do princípio do inquisitório no processo Tributário, subjacente ao artigo 13º nº 1 do CPPT e consagrado no artigo 99º da LGT, [vide Conclusões 1) e 2) das alegações] sem concretizar o mesmo em sede de conclusões, ou seja, limita-se a aludir ao mesmo, pelo que apenas se logra alcançar a sua eventual consubstanciação recorrendo ao corpo das alegações, mormente ao item 2., quando refere que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre factos alegados na petição que considera relevantes para a correcta decisão da causa.
Desde logo, olvida por certo a Recorrente, que nos presentes autos foi a própria que por requerimento apresentado em 17.04.2014 prescindiu das testemunhas por si arroladas, afirmando que a matéria em causa nos autos era exclusivamente de direito, pelo que aguardaria pela notificação para alegações (vide fls. 70 dos autos físicos).
Esta constatação, permite desde logo questionar, em que termos pretende a Recorrente ver aplicado o princípio do inquisitório a questões de direito, por um lado, e por outro, quais os factos, sendo que todos os elementos necessários a causa da lide resultam de prova documental, que foram indevidamente carreados e/ou omitidos do julgamento de facto, e necessários ao apuramento da verdade material, sendo que o recurso apresentado não contende com o julgamento de facto, mas tão só no limite com a sua apreciação e valoração.
É que, por força do, n.º 1 do artigo 13.º do CPPT incumbe aos juízes dos tribunais tributários a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer.
O n.º 1 do art.º 99.º da LGT preceitua que “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigure úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.”
Estes normativos consagram o princípio da investigação ou do inquisitório, que consiste no poder de juiz ordenar as diligências que entender úteis e necessárias para a descoberta da verdade.
Assim, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados, no entanto não pode substituir-se às partes realizando ele a prova que as partes tinham que produzir.
Os artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT não descaracterizam nem invalidam, o princípio base do processo tributário do impulso processual, quer do contribuinte/sujeito passivo quer da Fazenda Pública, nomeadamente quanto à prova dos factos que pretende que o tribunal reconheça.
É que, o princípio do inquisitório no processo tributário não é o único princípio a regê-lo – logo não é um princípio absoluto – antes coexiste com outros princípios e normas de que pode resultar a sua contracção em concreto, como o princípio do dispositivo (artigo 5º nºs 1 do CPC, ex vi artigo 2º alª e) do CPPT) do qual decorre que às partes cumpre alegar os factos fundamento da sua pretensão e o tribunal não pode decidir com fundamento em outros, salvas a excepções do nº 2, e as normas sobre presunções e os ónus probatórios, designadamente os artigos 74º nº 1 e 75º nºs 1 e 2 da LGT e 100º do CPPT.
Segundo a Recorrente, se bem alcançamos o que menciona, o Tribunal a quo, para cumprir com o seu dever inquisitório, teria de esgotar ex officio os meios de prova que a parte deliberadamente não requereu, ou tendo requerido, prescindiu, e confrontar o resultado da prova com as regras do ónus da prova, até alcançar a verdade material proclamada pela Recorrente.
Não se sufraga tal entendimento.
Primeiro, um princípio inquisitório absoluto tornaria facultativa ou até inútil toda a iniciativa instrutória e toda a actividade probatória das partes, tão profundamente regulada no CPPT e na LGT, o que é um absurdo. Depois, não é uma noção estática, passiva e aposteriorística de ónus da prova, a que decorre daquelas normas, se não uma noção dinâmica, no sentido de que incumbem à parte onerada a iniciativa e o trabalho processual de carrear para o processo todas as provas necessárias à satisfação do ónus probatório a seu cargo.
Daqui resulta que a coexistência entre o poder dever inquisitório do juiz e as presunções e ónus de prova que impendem sobre as partes é, a um tempo sincrónica e dialéctica, quer dizer, o Juiz não tem de se substituir às partes ex nihilo, naquilo que é ónus delas requerer ou apresentar, antes e apenas tem o pode dever de proceder a quaisquer diligências instrutórias cuja utilidade para a descoberta da verdade venha a resultar, dialecticamente, da instrução da causa, que essencialmente está a cargo das partes.” (in acórdão do TCA Norte de 14.01.2021, proferido no âmbito do processo n.º 267/16.2)
O princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, mas move-se dentro dos limites fixados nos factos alegados e do conhecimento oficioso, não se podendo o juiz substituir às partes realizando ele a prova que partes tinham que produzir.
Nesta conformidade, a sentença recorrida não incorreu erro de julgamento por défice instrutório ou por violação dos principio do inquisitório ou da investigação, pelo que improcede a pretensão da Recorrente.
2.2.2. Do erro de julgamento de direito
O tribunal recorrido confirmou a legalidade das correcções aritméticas e julgou improcedente a questão do alegado erro sobre os pressupostos de facto em que assentaram essas correcções da seguinte forma:
«Da aplicação de Métodos Diretos
Na petição inicial, a Impugnante começa por referir que a correção efetuada com referência às existências iniciais e finais declaradas com referência ao ano de 2010, “não está fundamentada, porque os papéis que foram fabricados durante a ação inspetiva e juntos em anexo 3 ao Relatório Final, não estão assinados, datados e autenticados, com as formalidades previstas nos n.ºs 3, 4, 5 e 6 do art. 56° do RCPIT” carecendo de valor; bem como cabia à AT fazer prova da demonstração real das existências da Impugnante; alegando ainda que dada “a falta de documentação dos inventários como suporte” a Administração deveria ter aplicado métodos indiretos “em vez de métodos diretos – correções meramente aritméticas”, o que constituí uma “preterição de formalidade legal essencial (...) que conduz à sua anulação” [cfr. conclusões a) a f)]
A Fazenda Pública contesta sustentando que por não estarem “reunidos os pressupostos legais para aplicação dos métodos indiretos”, dado o “resultado final das correções introduzidas” resultar “linearmente dos dados e apuramentos apresentados no decurso da inspeção” pelo SP, nomeadamente, dos inventários apresentados e assinados por este; e, apesar de terem sido [os serviços de inspeção] “confrontados com meras irregularidades, entretanto sanadas com a apresentação dos inventários em falta, (...) nunca existiu um verdadeiro obstáculo à correta determinação da matéria tributável por aplicação de métodos diretos”.
Vejamos.
Na determinação do quantum tributável, a CRP, como pilar fundamental do sistema jurídico português, estabelece, nos termos do artigo 104° n.º 2, que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.
Em estrito cumprimento desta disposição legal, também a LGT (art. 4°, n.º 1) prevê, quanto aos tributos da espécie “Impostos” [IRC, no caso concreto], que estes “assentam essencialmente na capacidade contributiva revelada” pelo SP.
Depreende-se daqui a tendência clara da tributação (seja de pessoas singulares ou coletivas) pelo rendimento real, por ser aquele que melhor traduz e se coaduna com a realidade dos sujeitos passivos.
Assim, a determinação do quantum tributável é efetuado em primeira linha, com base nas declarações apresentadas pelos SP, que gozam da presunção legal de boa-fé e veracidade constante no art. 75° da LGT, sem prejuízo da possibilidade de ilisão desse presunção em posterior fiscalização a efetuar pela AT.
Se a Administração se confrontar com omissões, inexatidões não sanadas ou falsificações ou outro vício previsto na lei que demonstre que os elementos do sujeito passivo não revelam a situação tributária real dos contribuintes, fica legitimada a fazer as correções necessárias, utilizando, em último recurso, métodos indiretos de determinação do quantum omitido, assim cessando a presunção de verdade e boa-fé que até então aproveitava ao contribuinte.
Diferentemente, quando a AT se depara com meras irregularidades, que podem ser sanadas e que não determinem a impossibilidade de determinação direta e exata do quantum em falta, para a quantificação da matéria tributável, essas “meras irregularidades” se efetivamente sanadas são “corrigidas”. É o propósito que está subjacente às chamadas correções meramente ariméticas ou técnicas (vide Ac. do STA, proc. 01510/13 de 02/04/2014 quanto aos três tipos de correção utilizados na fixação da matéria tributável).
Conclui-se portanto, que a avaliação indireta (por recurso a métodos indiretos) só pode ser efetuada conforme os parâmetros legalmente estabelecidos, ao apresentar-se com um carácter subsidiário face à fixação da matéria coletável através da avaliação direta. Pelo que, só na impossibilidade de recurso a esta última é que se recorre àquela (artigos 81°, n°1, e 85°, n° 1, da LGT).
É portanto uma “medida” de última ratio (embora não seja “uma sanção”), como única alternativa deixada pelos contribuintes não cumpridores das suas obrigações contabilístico-tributárias, eventualmente (não raramente) menos rigorosa no apuramento do “rendimento real”. De facto, através dos “métodos indiretos” procura-se avaliar o rendimento real “estimado”, que poderá não coincidir exatamente com o rendimento real “efetivo”. O eventual desvio, para mais ou para menos, é imputado ao comportamento incumpridor do sujeito passivo.
Note-se que a obrigação tributária, ainda que decorrente de apuramento por métodos indiretos, não tem caráter sancionatório, apesar de, tal como a coima, constituir uma obrigação de prestação pecuniária coativa a favor de entidade pública no exercício de funções de autoridade (dotada de ius imperium) e resultante de lei prévia expressa.
Em abstrato, a sanção depende da existência de culpa por ato ilícito tipificado em lei prévia (norma sancionatória); a obrigação tributária depende de existência de capacidade contributiva (no caso dos impostos), independentemente de culpa ou de ilicitude, manifestada pelo sujeito passivo em atos especificados em lei prévia (norma de incidência).
Questionado o TOC da empresa – «FF»- no âmbito da ação inspetiva, o mesmo admitiu “que teve necessidade de empolar os inventários para que a firma não espelhasse prejuízos fiscais, o que então não corresponderia, de todo, à verdade”.
Ora, sendo certo que no início da inspeção os inventários em suporte de papel não foram exibidos, a verdade é que foram ulteriormente entregues pela agora Impugnante e rubricados, conforme Auto Declarações e anexo 3 ao presente Relatório Final.
Não se discute qual o método seguido ou quais os elementos informativos que serviram de base à elaboração dos inventários apresentados pelo Sujeito passivo. Também não se discute que tais valores foram aceites pela AT, e que, com base neles, procedeu às correções meramente aritméticas, considerando-se esse incidente como “mera irregularidade” entretanto sanada.
Isto é, ao confrontar-se com a falta de documentos de suporte do inventário e com o empolamento dos valores registados (admitido pelo sócio-gerente bem como pelo próprio TOC) a titulo de existências, o serviço de inspeção interpelou o contribuinte para os apresentar, o que foi feito, contendo, os documentos apresentados, valores significativamente mais baixos do que os inicialmente registados na contabilidade considerando a AT que se coadunam melhor com a realidade do setor e da própria empresa. Por isso, a AT aceitou os valores constantes dos inventários exibidos e corrigiu os valores declarados na contabilidade.
Ou seja, a fata de exibição imediata dos inventários em causa convolou-se em mera irregularidade que não impossibilitou a determinação da matéria tributável através de uma avaliação direta.
Assim, no caso dos autos os pressupostos legais para aplicação de métodos indiretos não estavam reunidos, [por se apresentarem com uma solução de última ratio, aplicável quando não houvesse qualquer outra alternativa], o recurso aos mesmos ficou vedado à AT.
Inexistindo os pressupostos legais de aplicação de métodos indiretos fica vedada à AT a possibilidade de utilizar tal meio de avaliação da matéria tributável tal como fica vedada ao sujeito passivo a possibilidade de opção por tal método de tributação.
De qualquer maneira, não existe o “direito” de ser tributado segundo métodos indiretos de avaliação: como se disse, a tributação visa sempre, qualquer que seja o método de avaliação utilizado, o apuramento do “rendimento real” e, sempre que possível, o rendimento real “efetivo”, como no caso dos autos.
De tudo o exposto conclui-se que no caso dos autos a atuação da AT não merece qualquer crítica ou reprovação, pelo que, quando a Impugnante alega a “falta de suporte documental” como pressuposto para a AT aplicar Métodos Indiretos, a sua afirmação é completamente descabida de propósito, na medida em que usa-a de forma descontextualizada. A Impugnante retira do relatório a expressão utilizada pela AT, mas, da leitura deste e de todos os elementos juntos aos autos e das diligências efetuadas, a falta de suporte físico e documental a que se refere, entretanto suprida quando o SP foi notificado para apresentar os elementos relativos aos inventários, não se reporta uma “falta de suporte documental” que se manteve contínua e igual ao longo de todo o procedimento, foi uma “falta” inicial com que os serviços de inspeção se depararam no início do procedimento inspetivo.
No máximo, poder-se-á admitir que tal expressão invocada, como se pode ver na pág. 19 do Relatório, prende-se única e exclusivamente com a justificação dada pela Administração em ter optado por não efetuar qualquer controlo das compras das urnas (conjugando as existências finais e iniciais).
A Impugnante afirma ainda que tais documentos – os inventários - “foram fabricados durante a ação inspetiva, e juntos em anexo 3 ao Relatório”. Note-se que, tal como se viu, os documentos a que se refere o anexo 3 reportam-se aos inventários assinados e elaborados pelo sócio gerente da [SCom01...] [basta confrontar a assinatura aposta pelo dito sócio gerente «AA», e comparar com outros documentos assinados por este para se verificar que se trata da rúbrica da mesma pessoa], entregues aquando da sua solicitação à AT, em estreita colaboração com esta; documentos esses que o SP já tinha acesso inclusive em sede de Direito de Audição, aquando da notificação do Projeto de Relatório.
Não se trata de “papéis fabricados” pela AT. São elementos da contabilidade do próprio sujeito passivo, assinados pelos legítimos representantes legais, que a AT aceitou sem contestar.
Pelo que não se pode aceitar agora a insinuada “falsidade” do documento apresentado na altura como sendo verdadeiro sem valorar tal atitude como inaceitável “venir contra factum proprium”, em manifesta má-fé, que não pode aproveitar ao próprio (confesso?) falsificador.
Seja como for, não está provado que os ditos inventários são falsos (isto é, que foram “fabricados”, contendo elementos que não correspondem à verdade), sendo esse um ónus que compete ao sujeito passivo (nem sequer existe uma confissão expressa e formal desse vício), e mesmo que fosse feita tal prova não poderia aproveitar dela o próprio infrator (o benefício do infrator resultaria da anulação com fundamento em ilegalidade imputável a ele, sem qualquer liquidação alternativa), já que tal solução seria incompatível com a ideia de justiça e ofenderia gravemente a boa-fé e os bons costumes.
Invoca ainda a Impugnante que cabia à AT a demonstração real das existências, em cumprimento do ónus estabelecido no art. 74° da LGT.
Afigura-se que a Impugnante incorre em erro quanto aos factos e quanto à correta interpretação a dar ao invocado artigo 74° da LGT.
Do supra exposto, resulta que os valores inicialmente registados na contabilidade enfermavam de algumas irregularidades, por falta de um documento de suporte físico e documental que os sustente, estando desenquadrados (empolados) face aos valores “normais” para aquele setor de atividade.
Face a tal circunstância, a AT notificou o contribuinte para apresentar os documentos dos inventários.
Ora, face à admissão pelo próprio TOC da empresa que tinha empolado os valores dos inventários para não reportar prejuízos que não corresponderiam à realidade da sociedade, a AT aceitou os valores insertos nos inventários assinados e entregues pelo sócio-gerente da Impugnante, dado não haver razão alguma para não o fazer, e com base neles efetuou as correções meramente aritméticas, corrigindo assim os confessados empolamentos registados na contabilidade.
Não se verifica, pois, o ónus que a Impugnante pretende imputar à esfera de responsabilidade da AT, na medida em que esta aceitou todos os valores (corrigidos) constantes dos inventários entregues pelo contribuinte, e com base neles procedeu às correções tidas por convenientes.
O ónus da prova dos factos invocados pelas partes compete a quem aproveita deles (artigo 74°, n°1, da LGT).
O direito de tributar com base nos inventários – que a AT se arroga – resulta da apresentação desses documentos pela própria Impugnante (ainda que tenham sido “fabricados” por ela). O direito de afastar essa tributação depende da prova a produzir pela Impugnante relativamente a factos que obstem a tal tributação. Tal prova, a cargo da Impugnante, no caso, não foi feita. Pelo que a questão se resolve contra si.
Quanto à expressão “razoabilidade” usada a pág. 9 do Relatório Final, a AT empregou-a no sentido de traduzir a ideia de que os valores dos inventários já retificados pelo SP se ajustam melhor ao valor “normal” para aquele setor de atividade (visto que, inicialmente os valores de inventários registados na contabilidade foram apresentados sem qualquer suporte físico e documental, e eram absurdamente irreais, v.g. comparando o número de funerais realizados e o número de urnas em stock, sendo este era muito maior do que aquele).
Comprovado o empolamento dos inventários desde 2007 a 2009, (tendo o TOC, em 2010, “acertado” os valores de inventário), a correção efetuada ao ano de 2009 resulta dos valores constantes dos inventários entregues pelo sujeito passivo, que deriva do empolamento do inventário inicial (final de 2008).
De notar que, as existências finais de um ano coincidem necessariamente com as existências iniciais do ano seguinte. Assim as existências finais de 2008 correspondem às existências iniciais de 2009 e assim sucessivamente relativamente a cada exercício.
Ora, o valor sindicado pela Impugnante, 2.086,19 €, e tal como refere a Fazenda Pública na Contestação, além de resultar dos elementos entregues pelo contribuinte, resultou da simples aplicação da diferença entre: Valor inicialmente declarado pelo SP (registado inicialmente na contabilidade sem suporte documental) Valor das existências iniciais/finais constantes dos inventários apresentados no decurso da inspeção (entregue voluntariamente pelo SP) = Valor Corrigido (resultado final).
Assim para as existências iniciais de 2009 temos: 7.046,95 77.440,00 = € - 70.393,05 (conforme dados constantes fls. 14 do PA, pág. 11 do Relatório).
E para as existências finais de 2009: 5.968,14 74.275,00 = € - 68.306,86.
O resultado final (Corrigido) resulta da diferença entre os dois valores acima discriminados, da diferença entre o valor inicial declarado sem suporte documental e o valor final (existências iniciais/finais apresentado nos inventários pelo SP): - 70.393,05 (- 68.306,86) = € 2.086,19.
De realçar, que os valores tidos em conta para o cálculo das “existências finais e iniciais”, resultaram da correção entregue do próprio SP, depois de notificado para entrega de elementos, cujos valores [corrigidos pela Impugnante] foram aceites pela AT.
Relativamente aos dados constantes dos inventários (juntos pela Impugnante e que agora parece querer impugnar) convém fazer ainda algumas referências para além das expostas.
No relatório final, quando a Administração aprecia detalhadamente os argumentos invocados em sede de Direito de Audição, refere o seguinte, que se passa a transcrever, por ser relevante para os autos:
“Afirmar que a Inspeção não pode dizer que a existência final de 2007 não corresponde ao valor declarado de € 46.750,00, ou seja, à inicial do exercício de 2008”, é uma afirmação incorreta, já que a existência final de um determinado exercício é a inicial do exercício seguinte – uma das regras básicas da contabilidade-. E quanto ao valor declarado inicialmente (sem haver qualquer suporte documental), só após notificação para apresentar os inventários (em suporte documental), apesenta-os e com um valor bem mais baixo que o inicialmente declarado. (...)
Munidos de um auto de declarações elaborado no dia da entrega dos inventários e munidos de inventários elaborados em suporte papel assinados pelo sócio gerente para os anos de 2007, 2008, 2009 e 2010 não precisamos de mais formalidades, para aceitar os inventários como “meios de prova”. (...)
Diga-se ainda, que aquando do início da inspeção foi questionado o sócio gerente sobre a veracidade dos valores declarados de inventários finais nas declarações anuais desde 2007 até 2009 (inicial de 2010), mas que NUNCA foram suportados por qualquer relação dos mesmos em papel, mencionando quantidades, preços unitários e valores finais como é obrigatório, motivo pelo qual o SP foi notificado tendo o contribuinte referido que estava “admirado” com tais valores. Disse inclusive que é “impossível ter esses valores de inventário” e que esses montantes seriam da responsabilidade dos serviços de contabilidade.
Questionado também o TOC, Sr. «FF», o mesmo referiu que de facto teve necessidade de empolar os inventários para que a firma não espelhasse prejuízos fiscais, o que [então] não corresponderia de todo à verdade – mesmo porque o próprio SP confirma (e nos disse mais que uma vez) que a “minha empresa dá lucro”. Estas mesmas afirmações foram igualmente proferidas no dia da reunião ocorrida em 11/11/2011. (...)
Para além do facto de não existirem inventários em suporte de papel aquando do início da inspeção – omissão apenas suprível após notificação – fácil é de comprovar que neste tipo de atividade, é impensável possuir urnas em stock (as urnas são o produto com mais peso no inventário) nos montantes declarados de € 46.750,00 em 2007, € 77.440,00 em 2008 e de € 74.275,00 em 2009 e depois em 2010 ter diminuído para “apenas” € 5.325,00.”
Do excerto retirado podemos concluir que dos valores inicialmente declarados pelo SP resultava uma desconformidade com a realidade.
Visto que as existências finais de um ano correspondem às existências iniciais do ano seguinte, e, comparando o número de funerais realizados pela contribuinte relativamente ao número de urnas que tinha em stock, este era muito mais elevado; tendo ainda havido uma redução drástica do stock em 2010.
Confrontados o SP e o TOC com tais valores admitiram terem os mesmos sido empolados e não corresponderem de todo à verdade.
Comprovado o empolamento dos inventários, e corrigido o valor registado na contabilidade, a Administração aceitou os Inventário exibidos e com base neles fez as correções agora sob impugnação.
Ora, tais inventários foram elaborados pelo setor de contabilidade da Impugnante (gabinete de contabilidade especializado), que tem a obrigação e saber perfeitamente como registar contabilisticamente os movimentos, como são calculadas as existências constantes dos inventários e se os valores indicados nos inventários se aproximam da realidade da empresa ou não.» (fim de transcrição, destacados nossa autoria)
Advém que em sede de recurso, o entendimento vertido na sentença sob recurso mantem-se incólume perante as afirmações inconsistentes e destituídas de conteúdo da Recorrente apresentadas nesta sede versus fundamentação da sentença acabada de transcrever, efectivamente o afirmado sem ter ocorrido alteração do julgamento de facto em que julgamento sindicado assenta, não logra pôr em causa apreciação e valoração veiculada pelo Tribunal a quo, sendo que não incumbe a este Tribunal ad quem reapreciar ex novo o decidido.
Note-se que a impugnante tão só alega e põem em causa que uma “correta análise e valoração da prova constante dos autos não permite concluir de forma inequívoca e irrefutável que as correções tivessem sido efetuadas com base em valores de inventários que "parecem razoáveis", sem que a Inspeção Tributária tivesse efectuado o controlo quantitativo das existências iniciais e finais com referência ao exercício de 2009, pelo que, se não houve esse controlo por parte da Inspeção, a mesma não pode concluir "parecem razoáveis”, tentando se bem alcançamos pôr em causa uma eficaz prova por parte da AT do recurso às correções meramente aritméticas e, por outro, pôr em causa o cumprimento pelos SIT do princípio do inquisitório a que estão obrigados.
Ora, o Tribunal a quo dissertou assertivamente sobre a matéria, afrontando os argumentos e as questões que a Recorrente suscitara em sede de petição, mormente sobre a expressão “parecem razoáveis” em cumprimento do princípio do inquisitório, inexistindo nesta sede recursória uma qualquer substanciação ou argumentação extraída da factualidade assente susceptível de abalar a apreciação que o Tribunal a quo discorreu.
E, o mesmo se diga, no que tange ao fundamento invocado de que AT recorreu à determinação do imposto por métodos diretos, quando a situação concreta impunha o apuramento através de métodos indiretos, pois em conformidade com os destacados por nós assumidos ao discurso fundamentador da sentença, é concludente que perante os elementos fornecido ao longo da inspecção pela Recorrente o recurso àquela, última ratio de determinação da matéria tributável por via de métodos indirectos não se impunha in casu.
Como já aludimos, é pelas conclusões das alegações que se delimita o objecto do recurso (artigo 635° n°4 do CPC /art.2° al. e) CPPT), cumpre, pois uma palavra sobre a conclusão 11) das suas alegações, em que a Recorrente invoca que “existe um afastamento da matéria colectável declarada pelo contribuinte no exercício de 2009 superior a 30%, no caso, 84,35%, o que a lei não permite (artigo 87°, n° 1, alínea c) da Lei Geral Tributária), ou seja, 57.995,43 € : 68.748,30 € = 84,35 %”, argumentando da obrigatoriedade do recurso os métodos indirectos.
Ora, nestes termos, a alegada imposição dos métodos indirectos não havia sido colocada pela Recorrente, quer em sede de petição inicial, quer em sede de alegações.
Se bem, que sempre se possa aludir que estamos perante uma factualidade, que a ocorrer permite o recurso à determinação da matéria colectável por métodos indirectos, enquanto pressuposto do mesmo, certo é que, não é pela sua verificação, que sobre AT recai a obrigação do recurso aos mesmos. Muito menos, está afastado aplicação do artigo 87º da LGT, n.º 1 al. c), in casu , em que AT está na disponibilidade de elementos que lhe permitam recorrer à determinação por via de correções meramente aritméticas, e assim procedeu.
Termos em que, in casu, o recurso neste segmento [vide Conclusão 3), 4), 12), e 13) das alegações de recurso] não pode deixar de estar condenado ao insucesso dada a manifesta falta de ataque à convicção do julgador amplamente expressa, ou seja, por falta de análise critica da prova relevada e da indicação em que termos a mesma colidia com a prova documental por si indicada e que em seu entender impunham decisão diferente da adoptada pela decisão recorrida.
Mais se diga, quanto a imputação de violação do artigo 100º do CPPT [vide Conclusão 5) das alegações de recurso], em que segundo a Recorrente, a sentença teria violado esta norma porque dos seus termos decorre que compete à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao contribuinte, demonstrar a existência do facto tributário, bem como da sua quantificação, que:
O artigo 100º do CPPT reza assim:
“Artigo 100.º
Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indirectos
“1 - Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.
2 - Em caso de quantificação da matéria tributável por métodos indirectos não se considera existir dúvida fundada, para efeitos do número anterior, se o fundamento da aplicação daqueles consistir na inexistência ou desconhecimento, por recusa de exibição, da contabilidade ou escrita e de mais documentos legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou destruição, ainda que os contribuintes invoquem razões acidentais.
3 - O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de na impugnação judicial o impugnante demonstrar erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.”.
Esta norma constitui aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova, enunciada no artigo 74º, nº 1, LGT nos termos da qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recaem sobre quem os invoque. Regra que também encontramos no artigo 414º do CPC (anterior artigo 516º), a qual faz recair sobre o onerado com a prova de um facto a desvantagem da dúvida.
A norma é aplicável quando da prova produzida resultem fundadas dúvidas sobre a existência do facto tributário. Provando-se a existência ou inexistência de um facto tributário, não haverá lugar à aplicação desta norma, porque não há dúvidas (num ou noutro sentido).
A prova produzida de que há-de resultar a «fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário» [incluindo a dúvida sobre a legalidade da atuação da administração tributária: cf. acórdão do TCAS de 01.02.2011, no processo n.º 04417/10, destacando parte do seu sumário, I - É de admitir a possibilidade de operar com a fundada dúvida a que se refere o art.º 100º do CPPT, quando a dúvida se refere à legalidade da actuação da administração e não à existência dos factos tributários que são afirmados pelo contribuinte como tendo acontecido e em que funda a dedução de imposto] deverá ser não só a prova mobilizada pelas partes mas também aquela que o juiz deverá impulsionar (artigo 13º, nº 1, do CPPT); e acórdão deste TCAN de 17.09.2015, proferido no âmbito do processo 00438/12.0BEPRT.]
A dúvida relevante nunca se poderá considerar fundada se assentar na ausência ou inércia probatória da parte onerada com a prova, especialmente do impugnante, sobre quem recai o dever de comprovar os factos constitutivos do direito alegado (artigo 342º, nº 1, do Código Civil).
Uma vez que estamos perante correções meramente aritméticas – como é bem salientado na sentença sob recurso – é à AT que compete demonstrar os factos constitutivos do direito à liquidação a que se arroga, de acordo com a regra geral que decorre do artigo 74º, nº 1, da LGT. E, no caso, a AT procurou fazer tal demonstração apoiando-se nos valores que em sede de procedimento inspectivo foram fornecidos pela própria Impugnante, perante o reconhecimento por aquela de que “os valores dos inventários para não reportar prejuízos que não corresponderiam à realidade da sociedade”.
Nesta situação, cabia à Impugnante /Recorrente, fazer a contraprova a respeito dos mesmos factos, isto é, da quantificação dos seus rendimentos apurada pela AT, com base nos valores, se bem que não aqueles que constavam da contabilidade, mas sim aqueles que foram fornecidos no decorrer da inspecção e aceites pela AT por se mostrarem razoáveis, destinada a torná-los duvidosos e, conseguindo-o, então sim a questão deveria ser decidida contra a parte onerada com a prova. Esta é a regra que se extrai do artigo 346.º do Código Civil e que também decorre do artigo 100º, nº 1 do CPPT.
Contudo, tal não aconteceu nos autos, a Recorrente, não logrou, como decorre do julgamento de facto assente a produção de contraprova destinada a suscitar a dúvida sobre os factos evidenciados pela AT como constitutivos do direito a que esta se arroga, aliás o que redundaria a provar que os elementos que forneceu aos SIT não correspondiam à realidade, o que se aproxima da figura do venire contra factum proprium, daí que falece de razões a reclamação da aplicação da regra prevista no artigo 100º, nº 1, do CPPT.
Pelo que se nos impõe concluir que a sentença recorrida não violou o artigo 100º do CPPT.
Prosseguindo, cumpriria aferir do erro de julgamento assacado à sentença recorrida quanto à violação do direito de audiência prévia que alegou, e do vício de incompetência, sendo que quanto aos demais vícios procedimentais imputados em sede de petição a Recorrente se conforma com o julgamento dos mesmos, a saber, da violação do artigo 56° n.º 3, 4, 5 e 6 e artigo 29°, n.º 1, b) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCIPT) e da preterição de formalidades essenciais por violação do disposto nos artigos 14°, 15° e 46° do RCPIT.
Atentemos, com interesse para a quiçá apreciação que aqui nos seja exigida, ao que a esse respeito ficou dito na sentença, pois aí foi seguido um raciocínio que se acolhe e reitera.
«Dos Factos Novos sobre os quais não houve pronúncia
Neste ponto, a Impugnante começa por invocar o artigo 60° da LGT, que consagra o princípio da participação dos cidadãos/contribuintes, na formação das decisões que lhe digam respeito, e portanto suscetíveis de os lesar. Alega que após o exercício do direito de audição foram invocados e acrescentados factos novos no Relatório final “designadamente foram tecidas considerações na pág. 18 e 19 (...) em relação ao qual o contribuinte não teve oportunidade de se pronunciar, sobre a questão das urnas e do número de funerais realizados, que não constam do Projecto de Relatório”. Pelo que deveria ter havido nova audiência (artigo 27° e 28° p.i.).
Nesta ordem de ideias, o artigo 60° estabelece uma formalidade procedimental obrigatória a observar no decorrer do procedimento de inspeção – o direito de audição prévia do contribuinte.
No caso dos autos, de acordo com a formulação do argumento aduzido pela Impugnante e da leitura às páginas 18 e 19 do relatório por esta postas em causa, verifica-se que estas dizem apenas respeito tão-somente à resposta (quanto à questão das urnas e do número de funerais realizados) ao direito de audição exercido pelo contribuinte em 24/01/2012, tal como resulta do probatório ponto 3.1 facto 14.
É imperioso notar que a “questão das urnas e do número de funerais realizados”, que a Impugnante considera ser uma “questão nova” suscitada pela AT no Relatório final e que não constava do projeto de relatório, é na realidade mera resposta aos artigos 17° a 24° do requerimento de exercício do direito de audiência prévia (que se refere à questão do s “inventários”). Nessa parte do Relatório final a AT contesta o afirmado naquele requerimento e, para sustentar a sua posição (inicial) afirma “Partindo dos inventários agora entregues a inspecção tributária, aferiu-se o peso das urnas no total dos mesmos bem como o custo médio unitário das mesmas. Munidos destas 2 variáveis, efetuamos os mesmos cálculos, para apurar o número de urnas que os inventários inicialmente declarados, poderiam representar:” concluindo que “fica cabalmente demonstrado que as existências finais declaradas em cada exercício /2007, 2008, 2009 e 2010) foram nitidamente empoladas”.
Ora, essa conclusão já constava a fls. 6 e 8 do projeto de relatório.
Ou seja, a AT limitou-se a responder ao “direito de audição”, contrapondo à tese do sujeito passivo alguns dados que constavam já dos autos e mantendo as conclusões anteriores.
Pelo que não se acompanha a posição da Impugnante, não se podendo reconhecer a utilização, pela AT, de “factos novos” sobre os quais o sujeito passivo ainda não tivesse tido oportunidade de se pronunciar.
Além de responder artigo por artigo ao direito de audição do contribuinte, a AT fez os cálculos quanto ao número de urnas e de funerais realizados em função dos inventários entregues pelo SP, às existências iniciais/finais e urnas em stock, com base nas inquirições feitas ao TOC e ao sócio-gerente da empresa e nos elementos juntos aos autos ao longo do processo.
Aliás, foi o próprio TOC que admitiu [a par do próprio contribuinte, ao longo de todo o processo], que tinha tido a necessidade de empolar os inventários, para que não contabilizasse prejuízos fiscais, porque aí sim, não espelhava, de todo, a realidade da empresa [o TOC “acertou” em 2010, o valor dos inventários].
Basta analisar, por ordem cronológica os factos vertidos em 3.1, supra.
A 18/10/2011 o contribuinte foi notificado para apresentar documentos relativos aos “Inventários físicos de existências dos anos de 2007 (inicial de 2008), 2008, 2009 e 2010”; a 10/11/2011 o gerente de facto foi ouvido em Auto de Declarações no gabinete de contabilidade [SCom02...], tendo-o assinado e proferido declarações, nomeadamente tendo apresentado nessa data os inventários datados e assinados.
Em 11/12/2011 foi notificado para apresentar os Movimentos não contabilizados (pagamentos e recebimentos); tendo só em 24/01/2012 dado entrada o direito de audição (DA) no Serviço de Finanças ....
Do direito de audição entregue pelo contribuinte (fls. 68 a 73 do PA) resulta que o SP sabe da existência do Anexo 3 do projeto de Relatório (que se reporta aos inventários), também junto ao Relatório final. Até porque foi ele que os entregou à AT.
Conclui-se, portanto, pela improcedência do vício invocado.
(...)
Da Competência para aplicação de Métodos Diretos
A final - artigos 29° a 32° da pá -, a Impugnante alega que “a determinação do Resultado Final por métodos diretos com referência ao exercício de 2009 (...) não foi efetuada pelo Diretor de Finanças ..., nem por funcionário a quem este delegou essa competência”, pelo que, “a determinação da matéria tributável, determinada por «II», funcionário sem competência para o efeito”, determina a anulação do ato praticado por “delegação de poderes ou subdelegação inexistente ou ilegal”.
A FP contesta, sustentando que “a determinação da matéria coletável no âmbito da avaliação direta foi efetuada por funcionário munido de competências subdelegadas e devidamente mencionadas nos atos que consubstanciaram o seu exercício”.
O que está é causa, é aferir da competência, do funcionário – «II» -, para aplicação de métodos diretos nomeadamente para a aplicação das correções meramente aritméticas ao quantum tributável.
Vejamos.
Nos termos do artigo 16° do CIRC, e de acordo com o estabelecido pela Lei Geral Tributária (art. 75°, n.° 1), a determinação da matéria coletável é efetuada com base na declaração apresentada pelo SP, na medida em que esta goza, à partida, de uma presunção de veracidade e boa-fé. Só no caso de a AT verificar qualquer desconformidade relativamente a esta, é que poderá proceder à aplicação de métodos indiretos ou correções técnica e ou meramente aritméticas.
Quando haja correções à matéria coletável no âmbito da avaliação direta, o citado artigo 16°, n.° 3, do CIRC atribui competência ao “Diretor de Finanças da área da sede, direção efetiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo, ou do diretor dos Serviços de Inspeção Tributária nos casos que sejam objeto de correções efetuadas por esta no exercício das suas atribuições,” mas, conferindo a possibilidade, a final, de tais atos serem praticados “(...), por funcionário em que por qualquer deles seja delegada competência”.
Isto é, a competência para determinação da matéria coletável por avaliação direta ou correções aritméticas, é do Diretor de Finanças ... (tem competência própria), não obstante a faculdade que a lei lhe confere em delegar tal competência.
Ora, nestes termos e no cumprimento do disposto nos artigos 62° da LGT, 35° do CPA (atual art. 36°) e 27° do Decreto-Lei n.° 135/99 de 22 de Abril [“Todos os serviços adoptarão, nos termos legais aplicáveis, mecanismos de delegação e subdelegação de competências que propiciem respostas célere às solicitações dos utentes e propiciem um pronto cumprimento de obrigações e uma gestão mais célere e desburocratizada”], o Diretor de Finanças ..., delegou no Diretor de Finanças–adjunto de ..., «JJ», as competências que lhe eram próprias, tal como consta do Aviso (extrato) n.° ...43/2010, publicado no Diário da República (DR), 2ª série, n.° 249 de 27/12/2010, Capítulo II, nomeadamente, e com exclusivo interesse para os autos, “2-No director de finanças-adjunto, «JJ», as seguintes competências, que poderá subdelegar: 2.12 – Determinação da matéria tributável no âmbito da avaliação directa e prática dos actos de apuramento, fixação ou alteração, nos termos do n.° 5 do art. 65° do CIRS, do n.° 3 do art. 16° do CIRC, e dos artigos 67° do CIS e 81° e 82° da LGT.”.
Conferindo-lhe a lei a possibilidade de subdelegar tais competências, o Diretor de Finanças-adjunto de ... utilizou essa prorrogativa e procedeu à subdelegação das competências, “referidas no n.° 1.7, 2.1 e 2.3 a 2.15 do capítulo II” - constante do despacho de 19/11/2010 do Diretor de Finanças ... correspondente ao Aviso (extrato) n.° ...43/2010 – no Chefe de Divisão, «II», “relativamente à unidade orgânica em que superintende – Divisão de Inspeção Tributária I (DIT I) – bem como as competências do dirigente mencionado no n.° 2), nas suas faltas, ausências e impedimentos”, conforme Aviso
(extrato) n.° ...44/2010 de 19/12/2010 (publicado também em DR, 2ª série, n.° 249 de 27 de Dezembro de 2010).
Nos presentes autos, e no Relatório final (fls. 1 do PA), consta aposição do carimbo do Chefe de Divisão «II» no qual refere a subdelegação legal atribuída para o exercício de tais competências [por DR].
Pelo que, facilmente se pode concluir que o dito funcionário tem competência delegada para a prática dos atos em questão; sendo que, a data relevante é a data da prática do ato, que remonta a 2012 – Despacho homologatório do Relatório Final -, data em que ao dito funcionário (chefe de divisão), já lhe tinham sido subdelegadas tais competências.
Assim, mediante um ato de delegação (e subdelegação de poderes) o funcionário - Chefe de Divisão da Inspeção Tributária I, ficou autorizado a praticar atos no âmbito do procedimento de inspeção tributária como se tivesse sido o próprio delegante ou subdelegante a praticá-los, conferindo desta forma a lei, que os seus (imediatos) inferiores hierárquicos (adjuntos ou substitutos), pratiquem atos de administração nessa matéria (no caso dos autos, v.g. a determinação do quantum tributável, bem como fixação, apuramento ou alteração nos termos do 16°, n.° 3 do CIRC).
De notar que existe um lapso, assim entendido por este tribunal, na parte em que a Impugnante refere que o dito funcionário, alegadamente sem competência para a prática de tais atos, “deu Parecer no Relatório Final de Inspeção Tributária”.
Pela análise do documento em causa é fácil concluir, que o ato imputado ao dito funcionário é o “Despacho homologatório” do Relatório Final, apenas ocupando o “espaço” destinado formalmente ao Parecer do Chefe de Divisão.
Ou seja: O dito funcionário, «II», agiu no Relatório em causa, não como Chefe de Divisão, emitindo parecer, mas como Diretor de Finanças, no uso de competência subdelegada, emitindo despacho de concordância com o conteúdo do Relatório e ordenando o “andamento” dos documentos de correção e dos autos de notícia.
Pelo que, improcede o vício invocado pela Impugnante nos termos acima expostos.» (fim de transcrição, destacados nossa autoria)
Ora, cristalizada a matéria de facto, a Recorrente não demonstra, nem, relida a fundamentação da sentença recorrida, se vê que a sua conclusão, de reiterar nesta sede que ocorreu vicio de violação do direito à audiência prévia por inerência ao Relatório Final por o mesmo conter factos novos e da ocorrência de vício de incompetência do autor do acto, abale de um ponto de vista lógico, quer de um ponto de vista ponderado, o julgamento que ponderou os factos e deles fez uma correcta subsunção jurídica, o que por si dita a sua confirmação nesta sede e a improcedência do recurso.
Por último, não queremos deixar de reiterar, que não cabe a este Tribunal adivinhar as razões pelas quais o Recorrente considera que o Tribunal a quo errou. Como é sabido, são as alegações do recurso (as suas conclusões) que definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.
Como é sabido, o recurso, como meio impugnatório de decisões judiciais, visa tão só suscitar a reapreciação do decidido. Por outro lado, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece; sob pena de indeferimento do recurso ou manifesta improcedência do mesmo. (cf. ac. TRL de 18.09.2018, proc. nº 32033/17).
A decisão sob recurso, não nos merece qualquer reparo.
Como assim, improcede in totum, o recurso.


2.3 Conclusões
I. As conclusões exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso, como resulta do artigo 635.º do CPC, devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo.
II. A coexistência entre o poder dever inquisitório do juiz (artigos 13º e 99º do CPPT) e as presunções e ónus de prova que impendem sobre as partes (artigos 74º nº 1, 75º nºs 1 e 2 da LGT e 100º do CPPT) é, a um tempo, sincrónica e dialéctica, quer dizer, o Juiz não tem de se substituir às partes, naquilo que é ónus delas requerer ou apresentar, antes e apenas tem o poder dever de proceder a quaisquer diligências instrutórias cuja utilidade para a descoberta da verdade venha a resultar, da instrução da causa, que, essencialmente, está a cargo das partes.
III. Perante correcções meramente aritméticas não baseadas na contabilidade do contribuinte, é à AT que compete demonstrar os factos constitutivos do direito à liquidação a que se arroga, de acordo com a regra geral que decorre do artigo 74.º, n.º 1, da LGT.
IV. Nesta situação, cabia à Impugnante /Recorrente, fazer a contraprova a respeito dos mesmos factos, isto é, da quantificação dos seus rendimentos apurada pela AT, destinada a torná-los duvidosos e, conseguindo-o, a questão deve ser decidida contra a parte onerada com a prova - esta é a regra que se extrai do artigo 346.º do Código Civil e artigo 100.º, nº 1, do CPPT.
V. Nos termos do, sempre que da (contra)prova produzida pelo contribuinte resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.
VI. Não ocorre violação do direito de audição prévia do contribuinte, artigo 60°da LGT, quando os alegados factos novos constantes do Relatório Final advém da resposta aos elementos invocados em sede de resposta.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente.

Porto, 23 de maio de 2024

Irene Isabel das Neves
Cristina Nova
Virgínia Andrade