Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00059/22.0BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/25/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA CONTRA O MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA; AGENTE DA PSP;
FURTO QUALIFICADO E OUTROS ILÍCITOS; DEMISSÃO DO AGENTE POLICIAL; ESTATUTO DISCIPLINAR DA PSP;
NÃO RECONHECIMENTO DA CADUCIDADE DO DIREITO A APLICAR A PENA;
NÃO VERIFICAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO;
IMPROCEDÊNCIA DA ACÇÃO/NÃO PROVIMENTO DO RECURSO DO AUTOR;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:

RELATÓRIO
«AA», com NIF ...34 e domicílio na Urbanização ..., ..., ..., ... Lamego, instaurou acção administrativa contra o
Ministério da Administração Interna, com sede na Rua ..., ... ...,
peticionando:
Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência, revogado o ato administrativo junto como documento 1, sendo declarada:
a. A nulidade do ato por falta de fundamentação ou, a assim não se entender, a anulabilidade do ato;
b. A nulidade do ato por preterição de procedimento legal;
c. A anulabilidade do ato pela violação do artigo 114.º, n.º 2, alínea c) do Código do Procedimento Administrativo;
d. A anulabilidade do ato pela falta de fundamentação, por omissão de pronúncia e da violação do princípio do non liquet;
e. A anulabilidade do ato pela violação do artigo 98.º, n.º 1 do Estatuto Disciplinar da Polícia de Segurança Pública;
f. A caducidade do direito a aplicar a pena;
g. A prescrição do procedimento;
h. A circunstância do autor não ter praticado os factos de que vem acusado.
Por sentença proferida pelo TAF de Viseu foi julgada improcedente a acção e absolvido o Réu dos pedidos.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:

I. O recorrente não se conforma com a decisão recorrida.
II. Assim, em primeiro lugar, quanto à parte fáctica, deverá o facto provado 18. ser extraído do elenco de factos provados, na eventualidade de não se admitir a sua adequação para o regime legal vigente.
III. O recorrente considera que a redação a introduzir no facto 18. Deveria ser: 18. A decisão final proferida no proc. n.° 38/17.9PBLMG transitou em julgado em 23.10.2019.
IV. Quanto ao direito, o recorrente não aceita o não reconhecimento da invocada caducidade e prescrição.
V. O ED/PSP, aprovado pela Lei n.° 37/2019, de 30.05, consagra no seu n.° 2 do art. 6.° do Preâmbulo do referido diploma legal que "[o] Estatuto Disciplinar é apenas imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em execução na data da sua entrada em vigor quando o seu regime se revele, em concreto, mais favorável ao arguido" (negrito e sublinhado nossos).
VI. Tal como refere a sentença recorrida os factos que estribam o despedimento verificaram-se a 28 de fevereiro de 2017
VII. Com efeito, o ED/PSP, aprovado pela Lei n.° 37/2019, de 30.05, apenas entrou em vigor no dia 30.07.2019.
VIII. Quer isto significar que os factos praticados e a própria instauração do processo ocorreram ao abrigo da lei anterior, ou seja, 2 anos antes da entrada em vigor do ED/PSP!
IX. A atuação dos poderes públicos num Estado de Direito não pode ser arbitrária.
X. Os cidadãos têm o direito de fazerem as suas opções confiando em quadros normativos claros, acessíveis e estáveis.
XI. O legislador está obrigado a ser claro nos comandos que dirige aos cidadãos, sendo certo que estes carecem de ser interpretados, naturalmente.
XII. Mas não pode o legislador refugiar-se desnecessariamente em fórmulas ambíguas ou labirínticas, sob pena de os cidadãos não saberem aquilo com que podem contar e ficando assim sem possibilidade de confiar e de antecipar as consequências jurídicas das suas ações.
XIII. A Administração Pública também está vinculada a respeitar a confiança que os cidadãos nela depositam.
XIV. Assim não pode, por exemplo, sem mais, hoje conceder validamente um benefício - como, in casu, ser possível a aplicação subsidiária da LGTFP por remissão do RD/PSP - e amanhã revogar.
XV. Os atos constitutivos de direitos dos cidadãos não são livremente revogáveis!
XVI. Ora, no presente caso, da ponderação entre as expetativas juridicamente tuteladas pelo aqui Recorrido e o interesse público, infere-se que este não sobreleva a importância daquelas, ocorrendo, assim, violação da proteção de confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito se se considerasse a aplicabilidade do ED/PSP de 2019.
XVII. Desta sorte, por tudo quanto fora previamente aduzido, é por demais evidente a única e efetiva aplicabilidade do RD/PSP.
XVIII. Sendo o regime disciplinar aplicável ao Recorrido o constante na Lei n.° 7/90 de 20.02 (RD/PSP), e de acordo com o disposto no art. 55° n.° 1 e 2, que não prevê qualquer prazo de instrução para a tomada de decisão final de aplicação de pena e eventuais consequências do seu incumprimento, é aplicável a LGTFP, por remissão do art. 66.° do RD/PSP.
XIX. De acordo com o art. 43.° do Preâmbulo da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, “[a] legislação referente ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, a que se refere o n.° 2 do artigo 2.° da LTFP, deve ser aprovada até 31 de dezembro de 2014".
XX. Sendo certo que tal legislação especial remete-se, claro está, para o ED/PSP, aprovado em 30.05.2019!
XXI. Todavia, tal como esclarece o n.° 2 do art. 43.° do Preâmbulo da LGTFP, [a]té à data de entrada em vigor da lei especial prevista no número anterior, o pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública continua a reger-se pela lei aplicável antes da entrada em vigor da LTFP".
XXII. Ora, quer o RD/PSP, quer o ED/PSP constitui uma lei especial face ao regime disciplinar para a generalidade dos trabalhadores em funções públicas constante da LGTFP, que constitui a lei geral.
XXIII. Apesar da publicação de o art. 43.° n.° 2 da LGTFP consagrar, expressamente, que enquanto não entrar em vigor a legislação referente ao pessoal com funções policiais da PSP, este rege-se pela lei aplicável antes da entrada em vigor da LGTFP, isto é o RD/PSP.
XXIV. Ora, tendo a LGTFP entrado em vigor em agosto de 2014, o regime jurídico do pessoal com funções policiais da PSP consubstanciava-se, até junho de 2019, na aplicação do RD/PSP de 1990!
XXV. O ED/PSP, aprovado pela Lei n.° 37/2019, de 30.05, consagra no seu n.° 2 do art. 6.° do Preâmbulo do referido diploma legal que " [o] Estatuto Disciplinar é apenas imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em execução na data da sua entrada em vigor quando o seu regime se revele, em concreto, mais favorável ao arguido" (negrito e sublinhado nossos).
XXVI. Com efeito, o ED/PSP, aprovado pela Lei n.° 37/2019, de 30.05, apenas entrou em vigor no dia 30.07.2019.
XXVII. Quer isto significar que os factos praticados e a própria instauração do processo ocorreram ao abrigo da lei anterior, ou seja, 2 anos antes da entrada em vigor do ED/PSP!
XXVIII. Desta sorte, por tudo quanto fora previamente aduzido, é por demais evidente a única e efetiva aplicabilidade do RD/PSP.
XXIX. Sendo o regime disciplinar aplicável ao Recorrido o constante na Lei n.° 7/90 de 20.02 (RD/PSP), e de acordo com o disposto no art. 55.° n.° 1 e 2, que não prevê qualquer prazo de instrução para a tomada de decisão final de aplicação de pena e eventuais consequências do seu incumprimento, é aplicável a LGTFP, por remissão do art. 66.° do RD/PSP.
XXX. De acordo com o art. 43.° do Preâmbulo da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, “[a] legislação referente ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, a que se refere o n.° 2 do artigo 2.° da LTFP, deve ser aprovada até 31 de dezembro de 2014".
XXXI. Sendo certo que tal legislação especial remete-se, claro está, para o ED/PSP, aprovado em 30.05.2019!
XXXII. Todavia, tal como esclarece o n.° 2 do art. 43.° do Preâmbulo da LGTFP, “[a]té à data de entrada em vigor da lei especial prevista no número anterior, o pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública continua a reger-se pela lei aplicável antes da entrada em vigor da LTFP".
XXXIII. Ora, quer o RD/PSP, quer o ED/PSP constitui uma lei especial face ao regime disciplinar para a generalidade dos trabalhadores em funções públicas constante da LGTFP, que constitui a lei geral.
XXXIV. Apesar da publicação de o art. 43.° n.° 2 da LGTFP consagrar, expressamente, que enquanto não entrar em vigor a legislação referente ao pessoal com funções policiais da PSP, este rege-se pela lei aplicável antes da entrada em vigor da LGTFP, isto é o RD/PSP.
XXXV. Ora, tendo a LGTFP entrado em vigor em agosto de 2014, o regime jurídico do pessoal com funções policiais da PSP consubstanciava-se, até junho de 2019, na aplicação do RD/PSP de 1990!
XXXVI. Assim, determina o art. 66.° do RD/PSP que "[o] processo disciplinar rege-se pelas normas constantes do presente Regulamento e, na sua falta ou omissão, pelas regras aplicáveis do estatuto disciplinar vigente para os funcionários e agentes da administração central e da legislação de processo penal".
XXXVII. Ora, estabelece o art. 220.° n.° 4 da LGTFP, "[a] decisão do procedimento é sempre fundamentada quando não concordante com a proposta formulada no relatório final do instrutor, sendo proferida no máximo de 30 dias, a contar das seguintes datas: a) Da receção do processo, quando a entidade competente para punir concorde com as conclusões do relatório final." (sublinhado e negrito nossos).
XXXVIII. A tese do Recorrente de que o art. 66.° do RD/PSP não é aplicável carece em absoluto de sustentação legal.
XXXIX. O próprio RD/PSP determina expressamente a aplicação subsidiária do regime disciplinar no caso de falta ou omissão de regras.
XL. Ora, como o próprio Recorrente admite, não existem regras especificas no RD/PSP quanto à tomada de decisão e respetivos prazos e consequências, pelo que, só nos resta concluir que é de aplicar a regulamentação prevista para os funcionários públicos em geral.
XLI. Ou seja, é aplicável o prazo de caducidade do direito de aplicar a pena cujos normativos foram transcritos supra.
XLII. Consequentemente, não é possível seguir a argumentação advogada pela sentença recorrida.
XLIII. Com efeito, nada mais nos resta senão concluirmos pela aplicação do artigo 220.° da LGTFP e, consequentemente, a caducidade do direito de aplicar a pena disciplinar (art. 220.° n.° 6 do LGTFP ex vi art. 66.° do RD/PSP).
XLIV. Ora, sem prescindir, e na inverosímil hipótese de soçobrar, sempre se diga, que, mais uma vez, não assiste qualquer razão à sentença recorrida.
XLV. Isto porque, uma vez concluída a aplicabilidade do RD/PSP de 1990, tal como supra explanada, sempre se diga, que nos termos do art. 178.° 5 da LGTFP ex vi art. 66.° do RD/PSP, “[o] procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final."
XLVI. Ora, o processo disciplinar fora instaurado em 2017, sendo certo que o aqui Recorrido fora notificado da decisão final em 2021, isto é, 4 anos depois!
XLVII. Assim, é por demais evidente que o procedimento disciplinar em causa, aquando da data em que a decisão final fora proferida, já se encontrava há muito prescrito!

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER ANULADA A DECISÃO DE DEMISSÃO DO RECORRENTE.

ASSIM SE FARÁ A INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!
O Réu juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:
A Douta Sentença recorrida não padece de qualquer vício, designadamente dos que lhe são assacados pelo recorrente.

Termos em que, com o suprimento, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado improcedente, por não se verificarem os vícios assinalados pelo recorrente, e, consequentemente, ser mantida a Douta Sentença recorrida.

O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1. O A. é agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) desde 1999, com a categoria de Agente Principal e o número de matrícula ...65, e exerce funções na Esquadra de Investigação Criminal da Divisão Policial de Lamego do Comando Distrital de Viseu da PSP (cf. documento de fls. 83 a 86 do processo administrativo);

2. Por despacho de 15.03.2017, do Comandante Distrital de Viseu da PSP, foi ordenada a instauração de processo disciplinar ao A., ao qual foi atribuído o n.º ...03..., por, no âmbito do inquérito com o NUIPC 38/17.9PBMLG, terem sido recolhidos indícios de, no dia 28.02.2017, o A. ter subtraído EUR 15.000,00 do interior de uma residência (cf. documentos de fls. 02 a 92 do processo administrativo);

3. Em 17.03.2017, o A. foi notificado da instauração do processo disciplinar (cf. documento de fls. 93 do processo administrativo);

4. Em 20.03.2017, o Instrutor do processo elaborou Informação/Proposta da qual, entre o mais, consta que:
“(...)
Assim, face a gravidade dos factos denunciados e indícios recolhidos verifica-se haver inconveniente para o serviço e para o apuramento da verdade, que os agentes se mantenham o serviço tendo em conta que estes exerciam funções na esquadra de investigação criminal podendo com a sua presença perturbar o normal funcionamento do inquérito em curso.
Por outro lado, o facto de a comunidade em que os mesmos prestam serviço ser pequena e este conhecidos e podendo este assunto vir a ter alguma repercussão na comunicação social, causando assim alarme social na comunidade de Lamego e quebra de confiança na sua Policia, e por o aqui arguido já ter ameaçado um dos denunciantes, proponho a V. Exª que nos termos do artigo 74º do regulamento disciplinar da PSP aprovado pela Lei nº 7/90 de 20FEV, que ao mesmo sejam aplicadas as seguintes medidas cautelares:
1. A suspensão preventiva por 90 dias, prevista no nº 1 alínea c) do artigo 74º. do RD/PSP aprovado pela Lei 7/90 de 20FEV.
2. A medida de desarmamento até final do processo, nos termos do nº 3 do 74º do RD/PSP aprovado pela Lei 7/90 de 20FEV.”

(cf. documento de fls. 94 a 100 do processo administrativo);

5. Por despacho do Director Nacional da PSP de 11.04.2017, com base na informação proposta referida na alínea anterior, foi o A. suspenso preventivamente pelo período de 90 dias e aplicada a medida de desarmamento até final do processo (cf. documento de fls. 140 do processo administrativo);

6. Em 03.05.2017, o Comandante da Esquadra de Lamego da PSP, prestou a seguinte informação:

“1. O Agente Principal ...65 - «AA», do efectivo desta Esquadra, exerce actualmente funções de Patrulhamento Auto e Apeado, cumprindo cabalmente as funções que lhe são determinadas.
2. O Agente Principal «AA», durante todo o período temporal em que exerceu funções na subunidade policial por mim comandada, demonstrou ser capaz de corresponder às exigências de serviço, tendo evidenciado um bom sentido de responsabilidade, tenacidade, tendo contribuído de forma positiva para a concretização de serviços policiais de relevo e que dignificaram a imagem da Polícia de Segurança Pública.
3. Assim o Agente Principal «AA» deve beneficiar das circunstâncias atenuantes, previstas no Art.º 52º, n.º1, al. h) do Regulamento Disciplinar da PSP aprovado pela Lei nº. 7/90, de 20 Fevereiro.”

(cf. documento de fls. 146 do processo administrativo);

7. A suspensão preventiva do A. terminou no dia 09.08.2017, tendo-se mantido o desarmamento do A. até conclusão do processo disciplinar (cf. documentos de fls. 213 do processo administrativo);

8. Por despacho de 13.11.2017, no âmbito do processo n.º 38/17.9PBLMG, a correr termos no DIAP de Lamego, o Ministério Público deduziu acusação contra «BB» e contra o A., em co-autoria material na forma consumada e em concurso real, pela prática de:
- um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art.º 203º n.º 1 e 204º n.º 1 al. a) e n.º 2 al. e), por referência ao art.º 202º al a) f) II) todos do Código Penal;
- um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art.º 382º do Código Penal, por referência ao art.º 386º n.º 1 do Código Penal e do art. 4º n.º 1 e 2 al. a) e b) h) e art. 10º n.º 1 ambos do Decreto-Lei 243/2015, de 19 de Outubro,
- um crime de peculato de uso p. e p. pelo art.º 376º n.º 1 por referência ao art.º 386º n.º 1 ambos do Código Penal e art.º 18° n.º 1 do Regulamento das Condições Materiais de Detenção em Estabelecimento Policial (Despacho n.º 5863/2015 publicado no D.R. 2ª Série, de 02.06.2015),
- bem como na pena acessória de proibição do exercício de função, a que alude o art.º 66º n.º 1 al. a), b) e c) do Código Penal por referência ao art.º 4° n.º 1 e 2 al. a) e b) h) e art.º 10º n.º 1 ambos do Decreto-Lei 243/2015, de 19 de Outubro.

(cf. documento de fls. 227 a 233 do processo administrativo);

9. Em 06.02.2018, o A. prestou declarações na qualidade de arguido no âmbito do processo disciplinar (cf. documento de fls. 259 do processo administrativo);

10. Em 17.05.2018, o Instrutor deduziu acusação no processo disciplinar, a qual foi notificada ao A. a 22.05.2018 (cf. documentos de fls. 272 a 281-v.º do processo administrativo);

11. Em 18.07.2018, o Instrutor elaborou relatório, cujo teor se considera reproduzido, no qual propôs a aplicação de uma pena disciplinar de demissão e o envio do processo disciplinar ao GDD/DN/PSP para apreciação (cf. documento de fls. 287 a 299 do processo administrativo);

12. Em 24.08.2018, o processo disciplinar foi devolvido ao Comando Distrital ... por faltar o trânsito em julgado no processo crime n.º 38/17.9PBLMG, em que era arguido o A. e que corria termos no Juízo Central Criminal de Viseu (cf. documento de fls. 302 do processo administrativo);

13. Em 29.08.2018, o Comandante Distrital de Viseu da PSP proferiu despacho com o seguinte teor:

“Concordo com o conteúdo da proposta do Oficial Instrutor, que seja anulada acusação anteriormente deduzida, no Processo Disciplinar ...03..., bem como o relatório da mesma resultante, sendo deste facto notificado o arguido e seu mandatário, ficando o processo a aguardar, nos termos do Artigo 37º n 3 do Regulamento Disciplinara da PSP, aprovado pela Lei 7/90, de 20 de Fevereiro, o trânsito em julgado da decisão judicial que vier a ser proferida no âmbito do processo crime com o NUIPC 38/17.9PBLMG, do qual é arguido o agente Principal ...65 - «AA», após a que será deduzida nova acusação, com novo prazo para defesa, tendo em conta a devolução do processo por parte do GDD/DN/PSP, a fim de ser integrada a decisão transitada em julgado do processo crime acima referido, que corre o seu trâmites no Tribunal Judicial de Lamego, cuja audiência de julgamento se encontra agendada para 02 de Outubro de 2018.
Nestes termos, no uso da competência legal que me é conferida pelo n.º 1 do art.º 18º e n.ºs 1 e 2 do art.º 88.º, todos do Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei N.º 7/90 de 20 de Fevereiro, determino a suspensão do processo disciplinar e anulação da acusação e relatório resultante da mesma, até que seja conhecida decisão transitada em julgado do processo crime com o NUIPC 38/17.9PBLMG, que corre os seus trâmites, no Tribunal Judicial de Lamego, após o que deverá ser deduzida nova acusação e dado novo prazo de defesa ao arguido.”

(cf. documento de fls. 308 do processo administrativo);

14. O A. foi notificado do despacho referido na alínea anterior a 31.08.2018 (cf. documento de fls. 316 do processo administrativo);

15. Por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23.10.2019, proferido no processo n.º 38/17.9PBLMG, o arguido «BB» e o A. foram condenados, em cúmulo jurídico, na pena de cinco anos de prisão pela prática, como autores materiais, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de furto qualificado, de um crime de abuso de poder, pena esta suspensa na sua execução por igual período de tempo (cf. documento de fls. 377 e 378 do processo administrativo e documento n.º 05 junto aos autos com a p.i.);

16. No Acórdão referido na alínea anterior deram-se como provados os seguintes factos:

“1. No dia 27 de Fevereiro de 2017, pelas 17h20, foi detido «CC», no café Almedina, em Lamego, na sequência da emissão de mandados de detenção fora de flagrante delito, no âmbito do inquérito n.º 35/17...., pela prática do crime de violência doméstica, cujas diligências de investigação se encontravam a cargo da Polícia de Segurança Pública (P.S.P.) de Lamego.
2. No âmbito do referido inquérito e no mesmo dia, entre as 19h24 e 19h39, os arguidos «BB» e «AA», na qualidade de agentes principais da P.S.P., a exercer funções na esquadra ... e na prossecução das funções que lhes eram adstritas, procederam a uma busca domiciliária, consentida, à habitação de «DD», onde residia «CC», sita na Urbanização ..., ..., Lamego, com vista à eventual apreensão de arma de fogo.
3. No decorrer da busca e enquanto procuravam pelo supra referido objecto, o arguido «BB» visualizou um grande número de notas do B.C.E., envoltos num saco plástico, guardadas na última gaveta da mesa de cabeceira à esquerda, do quarto do ofendido «DD» e a este pertencente.
4. Na sequência da busca domiciliária nada foi apreendido.
5. Após a realização da busca, o arguido «BB» transmitiu ao arguido «AA», a existência de uma quantia monetária avultada, tendo ambos gizado um plano, por forma a se apoderarem daquele dinheiro, que sabiam não lhes pertencer.
6. Regressados à esquadra da P.S.P., o arguido «BB» retirou as chaves de «CC», que se encontravam no interior de um envelope e questionou o mesmo, acerca de que habitações, as mesmas respeitavam, tendo aquele especificado qual o uso de cada uma delas, sendo que uma dessas abria a porta principal da habitação do ofendido «DD».
7. Na prossecução do plano previamente elaborado, no dia seguinte, 28 de Fevereiro de 2017, a hora não concretamente apurada, os arguidos, em comunhão de esforços e intentos, retiraram as chaves da residência do ofendido «DD», que se encontravam no interior de um envelope, colocado numa mesa no hall, junto aos quartos de detenção, da esquadra da P.S.P. ... e continha os pertences do detido «CC», sem o seu conhecimento ou consentimento.
8. De seguida, e na posse das chaves acima mencionadas, os arguidos dirigiram-se à residência do ofendido «DD», sita na Urbanização ..., Lamego, bem sabendo que o mesmo não se encontrava no seu interior.
9. Munidos das referidas chaves, os arguidos abriram a porta de entrada da residência do ofendido, introduziram-se no seu interior e dirigiram-se ao quarto deste e retiraram, da última gaveta da mesa de cabeceira à esquerda, a quantia monetária lá existente, que totalizava o montante de € 15.000,00 em notas do B.C.E., que na véspera tinha sido avistada, pelo arguido «BB».
10. Na posse de tal dinheiro, os arguidos ausentaram-se do local, sem trancar a porta, voltando, de seguida, a colocar as chaves nos pertences de «CC», na esquadra da P.S.P. ..., sem que disso ninguém se apercebesse.
11. Entretanto, cerca das 16h00, o arguido «AA» entregou ao agente da P.S.P., «EE», o respectivo envelope contendo os pertences de «CC», nomeadamente as chaves da referida residência, por forma a ser entregue ao graduado de serviço, agente principal «FF», o que de imediato veio a acontecer, tendo o envelope ficado guardado no gabinete deste.
12. Regressado à sua habitação, cerca das 16h00, o ofendido apercebeu-se da falta do dinheiro, que se encontrava no seu quarto, tendo de imediato se dirigido à esquadra da P.S.P. ... e apresentado a competente queixa, deslocando-se ao local os agentes da P.S.P. «GG» e «HH».
13. No dia 08 de Março de 2017, em hora não concretamente apurada, mas na parte da manhã e após vários contactos encetados para o efeito pelo arguido «AA», por telefone e presencialmente, com o ofendido e com «CC», o arguido «AA» entregou a «II», advogado, apenas a quantia de € 11.180,00 em notas do B.C.E., por forma a ser entregue a «DD».
14. No mesmo dia, cerca das 12h30, «II», no seu escritório sito na Av. Egas ..., Edifício ..., ..., Lamego, servindo de intermediário, entregou, conforme combinado, a respectiva quantia (€ 11.180,00), ao ofendido «DD».
15. Os arguidos actuaram de forma livre, voluntária e consciente, na execução de um plano previamente delineado, sempre em comunhão de esforços e intentos, com o propósito concretizado de se apoderarem das chaves que davam acesso à citada habitação, sem o consentimento e conhecimento do ofendido e de «CC» e após, da forma supra descrita, com o auxílio das mesmas, se introduzirem na residência do ofendido e de lá retirarem e fazerem sua, a quantia de € 15.000,00, em notas do B.C.E., que dividiram entre si, de forma não concretamente apurada.
16. Bem sabiam os arguidos que tal quantia monetária não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade e em prejuízo do ofendido «DD», o que quiseram e representaram.
17. Os arguidos praticaram os factos, supra descritos, em virtude dos conhecimentos que lhes advieram do exercício das funções, enquanto agentes da P.S.P., aproveitando essa qualidade para retirarem as chaves da residência do ofendido, depositadas na esquadra da P.S.P. ..., e lá se encontravam, por forma a serem guardadas em lugar seguro até à sua devolução e enquanto se mantivesse a detenção de «CC», o que bem sabiam.
18. Os arguidos tiveram acesso às referidas chaves da habitação do ofendido, mercê das funções por si exercidas, enquanto agentes da P.S.P. e utilizaram as mesmas, para fins distintos a que o depósito dos objectos se destinava designadamente para se introduzirem na residência do ofendido e de lá retirarem a quantia monetária, supra aludida, o que quiseram e conseguiram.
19. A qualidade de agentes da P.S.P., por parte dos arguidos, foi imprescindível e necessária para a prática dos factos supra descritos e realizada no exercício da actividade daqueles, o que bem sabiam.
20. Com as suas condutas, supra descritas, os arguidos bem sabiam que violavam e desrespeitavam gravemente os deveres de lealdade, zelo, competência, integridade de carácter e espírito de bem servir, exigidos aos polícias, o que quiseram e conseguiram.
21. Ao praticar os factos supra descritos, os arguidos fizeram-no sabendo que utilizavam a sua qualidade de agentes de autoridade, em seu próprio benefício, contra os deveres e responsabilidades que aos mesmos incumbiam, mercê das suas funções, com o único fito concretizado de obterem, para si, vantagem patrimonial indevida e provocarem prejuízo patrimonial ao ofendido.
22. Aos arguidos, era-lhes exigido no desempenho das funções de polícia, um escrupuloso cumprimento da lei, actuando os mesmos por forma a violar frontalmente tais regras e deveres de conduta profissional, que bem conheciam, tendo-o feito com o propósito, conseguido, de se apoderarem da quantia monetária, pertencente ao ofendido, na prossecução de interesses pessoais.
23. Os arguidos demonstraram uma conduta imprópria e absolutamente inadequada ao prestígio e elevação que, como agentes da P.S.P., se lhes impunham, violando a confiança que nos mesmos é deposita pelos cidadãos, enquanto defensores da segurança interna e dos direitos fundamentais.
24. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente e em comunhão de esforços e intentos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, além do mais, penal.”

(cf. documento de fls. 377 e 378 do processo administrativo e documento n.º 05 junto aos autos com a p.i.);

17. Desse Acórdão, o A. e o arguido «BB» interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, que, por decisão de 09.10.2020, não conheceu do seu objecto (cf. documento de fls. 379 a 385 do processo administrativo);

18. A decisão final proferida no proc. n.º 38/17.9PBLMG transitou em julgado em 26.10.2020 (cf. documento de fls. 377 do processo administrativo);

19. Em 11.12.2020 foi proferida acusação contra o A. com o seguinte teor:

“Nos termos do disposto no n.º 4 e 5 do artigo 86º do Estatuto Disciplinar da Policia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30 de Maio, deduzo ao Agente Principal ...65, «AA», da Divisão Policial
De Lamego, do Comando Distrital ..., no Processo Disciplinar ...03..., que lhe foi organizado, a seguinte acusação:

1.º
No da 27 de Fevereiro de 2017, pelas 17H20, quando se encontrava de serviço, procedeu à detenção de «CC», no café Almedina, em Lamego, na sequência de mandados de detenção fora de flagrante delito, no âmbito do Inquérito nº 35/17...., pela prática do crime de violência doméstica, cuja investigação estava a cargo da PSP de Lamego.
No âmbito daquele inquérito o arguido acompanhado do seu colega Agente Principal ...36 - «BB», que consigo fazia equipa na investigação criminal, procederam nesse dia entre as 19H24 e 19H39, na prossecução das funções que lhes eram adstritas, a uma busca domiciliária, consentida à habitação de «DD», irmão do detido e local onde aquele detido residia, sita na Urbanização ... ..., Lamego, com vista à eventual apreensão de arma de fogo.
No decorrer da busca levada a efeito por aquela equipa, na presença do detido e enquanto procuravam a arma, o Agente Principal ...36 - «BB», visualizou um grande número de notas do B.C.E., nomeadamente de 200€ (duzentos euros), envoltos num saco plástico, guardadas na última gaveta da mesa de cabeceira à esquerda, do quarto do ofendido, «DD» e a este pertencente.
Da busca domiciliária realizada nada foi apreendido ou arrombado uma vez que foi usada a chave da mesma, tendo apenas sido apreendida na viatura do detido de matricula ..-BE-.., uma reprodução de arma de fogo com as inscrições “MADE IN CHINA” NO.6301.
Regressados à Divisão Policial ... na companhia do detido, após terem concluído a diligência, o Agente Principal ...36 - «BB», retirou as chaves do «CC», que se encontravam no interior de um envelope e questionou o mesmo acerca de que habitação as mesmas respeitavam, tendo aquele especificado qual o uso de cada uma delas, sendo que uma dessas abria a porta principal da habitação, onde momentos havia sido levada a efeito a busca domiciliária consentida pelos visados.
6.º
No dia 28 de fevereiro de 2017, o arguido esteve de serviço no turno das 07H45 às 14H00, após o que terá saído de serviço, estando as chaves da residência na posse deste e do Agente Principal ...36 - «BB», uma vez que esta apenas foi entregue, pelo aqui arguido, ao graduado de serviço, pelas 16H00 desse dia.
No dia 28 de fevereiro, em hora não concretamente apurada, o arguido em comunhão de esforços e intentos com o Agente Principal ...36 - «BB», retiraram as chaves da residência do ofendido «DD», irmão do detido, que se encontravam no envelope sob sua custódia e sem consentimento daquele. Na posse desta dirigiram-se à residência do ofendido «DD», sita na urbanização ... em Lamego, quando aquele ali não se encontrava.
Munidos da chave abriram a porta de entrada da residência, do ofendido, introduziram-se no seu interior e dirigiram-se ao quarto deste, de onde retiram da última gaveta da mesa-de-cabeceira à esquerda a quantia monetária lá existente, que totalizava o montante de 15.000,00€ (quinze mil euros) em notas do B.C.E., que haviam sido avistadas na véspera durante a busca, pelo Agente Principal ...36 - «BB».
Na posse de tal dinheiro, o arguido e o Agente Principal ...36 - «BB», ausentaram-se do local sem trancarem a porta, voltando de seguida à PSP de Lamego, onde apenas o arguido foi visto, pelas 16H00, pelo Agente «EE», a quem fez a entrega do envelope fechado com os pertences do detido «CC», onde se encontrava a chave da referida residência, tendo o mesmo ficado na posse do graduado de serviço Agente Principal «FF», que estranhou só naquela altura ter sido feita a entrega dos bens do detido.
10º
Ao regressar à sua habitação cerca das 16H00 do dia 28/02/2017, o ofendido «DD», constatou a falta do dinheiro que estava no seu quarto, tendo-se dirigido de imediato à PSP de Lamego, onde formalizou denúncia, deslocando-se ao local da ocorrência com os agentes «GG» e «HH».
11º
No dia 08 de Março de 2017, e após vários contactos presenciais e telefónicos anteriores, entre o arguido e ofendido e seu irmão, com o objetivo de convencer estes a desistir da denúncia apresentada, foi o mesmo observado em vigilância policial montada para o efeito entre as 09H40 e as 11H17, desse dia a estabelecer contacto com o advogado «II» a quem fez entrega da quantia de 11.180,00€ (onze mil cento e oitenta euros) em notas do B.C.E., por forma a ser entregue a «DD».
12º
Nesse dia 8 de Março de 2017, pelas 12H30, o advogado «II», após ter estado em contacto com o arguido, fez entrega no seu escritório na Avenida ... Lamego, da quantia 11.180,00€ (onze mil cento e oitenta euros), ao ofendido «DD». Faltando ainda a quantia de 3.820,00€ (três mil oitocentos e vinte euros).
13º
O arguido atuou de forma livre voluntária e consciente, na execução plano previamente delineado, sempre em comunhão de esforços e intentos com o Agente Principal ...36 - «BB», com o propósito concretizado de se apoderar das chaves que davam acesso à citada habitação e sem consentimento do ofendido, e com recurso à mesma se introduzir na residência e daí retirar a quantia de 15.000,0€ (quinze mil euros), que dividiram entre si, de forma não concretamente apurada.
Bem sabia o arguido que tal quantia não lhe pertencia e que atuava contra a vontade e prejuízo ofendido.
14º
O arguido praticou os factos descritos, em virtude dos conhecimentos que lhe advieram do exercício das funções, enquanto Agente da P. S. P., tendo aproveitado tal qualidade para usar a chave da residência que estava sob sua custódia, para ser guardada em local seguro até à sua devolução e enquanto se mantivesse a detenção do «CC», facto que este bem sabia.
15º
O arguido teve a acesso à referida chave em resultado das funções e diligências que estava a desenvolver em processo de sua responsabilidade e utilizou para fim distinto a que o depósito de objectos se destinava, usando-a para entrar na residência do ofendido e dali retirar a quantia monetária que havia sido visualizada durante a busca o que conseguiu. Tendo a qualidade de Agente da PSP por parte do arguido sido imprescindível e necessária para a prática dos factos realizados no exercício de funções.
Artigo 16.º
Com a conduta acima referida, o arguido bem sabia que violava e desrespeitava gravemente os deveres que se lhe encontram adstritos, bem como a integridade de caráter e espirito de bem servir, exigidos a um agente de autoridade, o que quis e conseguiu.
Artigo 17.º
Ao praticar os factos descritos, o arguido fê-lo sabendo que utilizava a sua qualidade de agente de autoridade em seu próprio beneficio, contra os deveres e responsabilidades que lhe incumbem, mercê das suas funções, com o único fito concretizado de obter, para si, vantagem patrimonial indevida e provocar prejuízo patrimonial ao ofendido.
Artigo 18.º
Ao arguido era-lhe exigido, no desempenho das funções de polícia, um escrupuloso cumprimento da lei, tendo atuado por forma a violar frontalmente tais regras e deveres de conduta profissional, que bem conhecia, tendo-o feito com o propósito, conseguido, de se apoderar da quantia monetária, pertencente ao ofendido, na prossecução de interesses pessoais.
19º
Por esta sua conduta foi o arguido, em decisão transitada em julgado, em 26/10/2020, no processo com NUIPC 38/17.9PBLMG, condenado pela prática, como co-autor material, na forma consumada e em concurso efetivo, de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, nº 1 alínea a) e n.º 2 alínea e), por referência ao artigo 202.º, alíneas a), e f), todos do Código Penal, na pena parcelar de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão, 1 (um) crime de abuso de poder, previsto e punido pelo artigo 382.º do Código Penal, por referência ao artigo 386.º, n.º 1 do Código Penal e dos artigos 4.º, n.º 1 e 2 alíneas a), b), e h), e 10.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 243/2015 de 19 de Outubro, em pena parcelar de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão. Em cúmulo jurídico, condenado na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
20º
Com a conduta acima descrita o arguido praticou infração disciplinar de acordo com o disposto no artigo 3, do ED/PSP, violando e desrespeitando gravemente os deveres de zelo previsto no artigo 13.º, nº 1 e 2, alínea g), de lealdade previsto no artigo 15.º, nº 1 e 2, alínea a), de correcção previsto no Artigo 16º n.º 1 e 2, alínea a) e de aprumo previsto no artigo 19º nº 1 e 2, alíneas a) e f), todos do Estatuto Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei nº 37/2019, de 30 de maio.
21º
Ao atuar da forma descrita o arguido demonstrou uma conduta imprópria e absolutamente inadequada ao prestigio e elevação que, como agente da PSP, se lhe impunha violando desta forma a confiança que lhe era depositada pelos cidadãos, enquanto defensor da segurança interna e dos direitos dos cidadãos, aos quais estava obrigado por força do disposto no artigo 2º, do Estatuto Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei nº 37/2019, de 30 de maio.
22º
O arguido não beneficia de qualquer circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar prevista no artigo 38º do Estatuto Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei nº 37/2019, de 30 de maio.
23.º
Beneficia, no entanto, das circunstâncias atenuantes previstas nas alíneas b), g) e h) “bom comportamento anterior”, “registo anterior de louvor ou outras recompensas” e” boa informação do seu superior hierárquico”, previstas no artigo 39.º, do Estatuto Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei 37/2019, de 30 de maio.
24.º
Militam contra o arguido as circunstâncias agravantes previstas nas alíneas b) “a premeditação”, d) “o facto de a infracção ser cometida em ato de serviço...”, e) “ser a infracção cometida em conluio com outros”, f) “a afectação da honra...” e i) “acumulação de infracções”, do n.º 1 do artigo 40.º do ED/PSP.
25.º
As infracções praticadas pelo arguido inviabilizam a manutenção da relação funcional, pois representam conduta imprópria, absolutamente inadequada e violadora do exercício da autoridade, que o tornam indigno para a função, prejudicando ainda a imagem e bom nome da PSP e todos aqueles que nela servem, sendo assim punível com a pena disciplinar de demissão prevista no artigo 30º nº 1 alínea f), conjugado com os artigos 23º, nº 1 e 2 alíneas a), e f) e artigo 41º, todos do Estatuto Disciplinar da PSP aprovado pela Lei 37/2019, de 30 de maio.”

(cf. documento de fls. 395 a 400 do processo administrativo);

20. Em 17.12.2020, o A. foi notificado, através do seu Mandatário, da dedução da acusação e para, querendo, no prazo de 15 dias úteis apresentar defesa escrita, oferecer rol de testemunhas, juntar documentos e requerer outras diligências (cf. documentos de fls. 411 a 413 do processo administrativo);

21. O A. apresentou a sua defesa em 05.01.2021, por intermédio do seu Mandatário, na qual, além do mais, requereu a junção de documentos (boletim individual do detido) e a inquirição de 10 testemunhas, cujo teor se considera reproduzido (cf. documento de fls. 424 a 450 do processo administrativo);

22. A fls. 592 e ss. foi junto aos autos de processo disciplinar o boletim individual do detido relativo ao processo n.º 35/17...., conforme requerido em sede de defesa (cf. documentos de fls. 592 a 594 do processo administrativo);

23. Em 15.04.2021 foi inquirida a testemunha «JJ», arrolada pelo A., que prestou o depoimento de fls. 560 e 560-v.º do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento de fls. 560 e 560-v.º do processo administrativo);

24. Em 29.04.2021 foi inquirida a testemunha «KK», arrolada pelo A., que prestou o depoimento de fls. 596 e 596-v.º do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento de fls. 596 e 596-v.º do processo administrativo);

25. Em 29.04.2021 foi inquirida a testemunha «LL», arrolada pelo A., que prestou o depoimento de fls. 598 a 599 do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento de fls. 598 a 599 do processo administrativo);

26. Em 29.04.2021 foi inquirida a testemunha «MM», arrolada pelo A., que prestou o depoimento de fls. 600 e 600-v.º do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento de fls. 600 e 600-v.º do processo administrativo);

27. Em 29.04.2021 foi inquirida a testemunha «CC», arrolada pelo A., que prestou o depoimento de fls. 601 e 601-v.º do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento de fls. 601 e 601-v.º do processo administrativo);

28. Em 30.04.2021 foi inquirida a testemunha «NN», arrolada pelo A., que prestou o depoimento de fls. 602 a 603 do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento de fls. 602 a 603 do processo administrativo);
29. Em 30.04.2021 foi inquirida a testemunha «OO», arrolada pelo A., que prestou o depoimento de fls. 604 a 605 do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento de fls. 604 a 605 do processo administrativo);

30. Em 30.04.2021, o A. requereu a audição do Agente Principal ...26 «PP» como testemunha no processo disciplinar (cf. documento de fls. 606 do processo administrativo);

31. Por despacho do Comandante Distrital de Viseu da PSP de 03.05.2021 foi prorrogado, por mais vinte dias, o prazo para realização da inquirição das testemunhas arroladas pelo A. (cf. documento de fls. 608 a 610 do processo administrativo);

32. Em 04.05.2021 foi inquirida a testemunha «QQ», arrolada pelo A., que prestou o depoimento de fls. 611 e 611-v.º do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento de fls. 611 e 611-v.9 do processo administrativo);

33. Em 04.05.2021 foi inquirida a testemunha «PP», arrolada pelo A., que prestou o depoimento de fls. 612 a 613 do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento de fls. 612 a 613 do processo administrativo);

34. Em 04.05.2021 foi inquirida a testemunha «RR», arrolada pelo A., que prestou o depoimento de fls. 614 a 616 do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento de fls. 614 a 616 do processo administrativo);

35. Em 06.05.2021 foi inquirida a testemunha «SS», arrolada pelo A., que prestou o depoimento de fls. 640 e 640-v.9 do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento de fls. 640 e 640-v.9 do processo administrativo);

36. Em 06.05.2021 o A. foi interrogado, na qualidade de arguido, no processo disciplinar, tendo prestado as declarações de fls. 641 a 642-v.9 do processo disciplinar (cf. documento de fls. 641 a 642-v.9 do processo administrativo);

37. Em 08.05.2021 foi elaborado termo de encerramento do processo, em virtude de não haver mais testemunhas a inquirir, documentos a juntar ou efectuar qualquer outra diligência necessária ao apuramento de qualquer facto relevante (cf. documento de fls. 649 do processo administrativo);

38. Em 09.05.2021, o Instrutor elaborou o Relatório Final com, além do mais, o seguinte teor:
“RELATÓRIO
(...)
Das diligências levadas a efeito apurou-se o seguinte:
I
Que no dia 27 de Fevereiro de 2017, o Agente Principal ...65, «AA», da Esquadra de Investigação Criminal de Lamego, entrou de serviço no turno das 07H45 às 14H00, conforme consta de fls. (66).
Nesse dia, pelas 17H20, quando se encontrava de serviço, procedeu à detenção de «CC», no café Almedina, em Lamego, na sequência de mandados de detenção fora de flagrante delito, no âmbito do inquérito n.º 35/17...., pela prática do crime de violência doméstica, cuja investigação estava a cargo da PSP de Lamego, conforme consta de fls. (262 a 269)
II
No âmbito daquele inquérito o arguido acompanhado do seu colega, Agente Principal ...36 - «BB», que consigo fazia equipa, procederam nesse dia entre as 19H24 e as 19H39, na prossecução das funções que lhes eram adstritas, a uma busca domiciliária, consentida, à habitação de «DD», irmão do detido e local onde aquele detido residia, sita na urbanização ..., ... direito ..., Lamego, com vista à eventual apreensão de arma de fogo, conforme consta de fis. (262 a 269)
III
No decorrer da busca levada a efeito por aquela equipa, na presença do detido e enquanto procuravam a arma o Agente Principal ...36 - «BB» visualizou um grande número de notas do B.C.E., nomeadamente de 200€ (duzentos euros), envoltos num saco plástico, guardadas na última gaveta da mesa de cabeceira à esquerda, do quarto do ofendido, «DD» e a este pertencente, conforme consta de fls. (16 e 21).
IV
Da busca domiciliária realizada nada foi apreendido, tendo apenas sido apreendida na viatura do detido de matrícula ..-BE-.., uma reprodução de arma de fogo com as Inscrições "MADE IN CHINA" NO.6301, conforme consta de fls. (268 e 269).
V
Regressados à Divisão Policial ... na companhia do detido, após terem concluído a diligência, o Agente Principal ...36 - «BB», retirou as chaves do «CC», que se encontravam no interior de um envelope e questionou o mesmo acerca de que habitações as mesmas respeitavam, tendo aquele especificado qual o uso de cada uma delas, sendo que uma dessas abria a porta principal da habitação, onde momentos havia sido levada a efeito a busca domiciliária consentida pelos visados, conforme consta de fls. (21)
VI
No dia 28 de Fevereiro de 2017, o arguido esteve de serviço no turno das 07H45 às 14H00, após o que terá saído de serviço, estando as chaves da residência na posse deste e do Agente Principal ...36 - «BB», uma vez que estas apenas foram entregues, pelo aqui arguido no graduado de serviço pelas 16H00 desse dia, conforme consta de fls. (67,34, 53).
Concluiu-se assim que as chaves da residência estiveram na posse do arguido e do seu Agente Principal «BB», sem razão aparente, entre a hora da detenção no dia 27/02/2017 e as 16H00 do dia 28/02/2017, altura em que foram entregues ao graduado de serviço à esquadra ..., conforme consta de fls. (67,34 e 53).
VII
Em 28 de Fevereiro de 2017, já com «CC», detido nos quartos de detenção da PSP de Lamego a aguardar a sua apresentação em primeira interrogatório no dia 01 de Março de 2017, compareceu na Divisão Policial ... pelas 16H00, o lesado «DD», a dar conta que a sua residência havia sido assaltada e que teriam levado um saco com cerca de 15.000€ (quinze mil) em dinheiro, que estava no seu quarto, na gaveta fundeira da mesinha de cabeceira que se encontra à esquerda da cama quando se entra no quarto, local que no dia anterior havia sido alvo de busca domiciliária por parte da PSP e onde o Agente Principal «BB» visualizou o referido saco e dinheiro, conforme consta de fls. (4, 5, 14 a 25).
VIII
De Imediato aquele comunica o facto ao graduado de serviço à esquadra da P.S.P. ..., que toma conta da ocorrência e elabora um auto de noticia, o qual deu origem ao presente processo e onde, entre outras coisas, faz referência a busca domiciliária efetuada pela PSP de Lamego, no dia anterior, na residência de «DD» e onde o detido «CC» estava agora a residir, conforme consta de fls. (4 e 5, 14 a 25, 49 a 51).
Da inspeção feita ao local do crime não foram recolhidos pela PSP de Lamego quaisquer indícios de arrombamento, nem a casa apresentava qualquer indício de ter sido remexida, conforme consta de fls. (123 e 124).
Por outro lado, o denunciante foi perentório a declarar que se havia ausentado de residência no dia 28/02/2017, entre as 14H00 e 16H00, tendo deixado a porta fechada com duas voltas e que ao chegar à mesma a porta de entrada estava só fechada pelo trinco, indiciando ter sido usada chave falsa tendo em conta não terem sido recolhidos indícios de arrombamento, o que o levou logo a suspeitar de furto e a dirigir-se ao local onde se encontrava o dinheiro, dando logo pela sua falta, conforme consta de fls. (15, 124 e 125).
IX
Em 01 de março de 2017, os irmãos; «CC» e «DD», depois do primeiro ter saído do Tribunal, em conversa entre os dois, chegam à conclusão que só podia ser alguém da Polícia a efetuar o furto, dado não haver arrombamento da porta da residência e o dinheiro ter sido visualizado durante a busca, conforme consta de fls. (14 a 25).
X
Com as conclusões tiradas, os dois irmãos contactam o Sr. Comandante da Esquadra ..., o qual lhes diz que o processo seguirá os seus trâmites, conforme consta de fls. (14 a 25, 42 a 45).
XI
Em 03 de março de 2017, pelas 15H00, o arguido aborda pela primeira vez o denunciante, «DD», na rotunda Fernando Amaral em Lamego, manifestando-lhe o seu desagrado pela denúncia apresentada que o colocava como suspeito do furto. Nesse mesmo dia, pelas 21H00 o arguido ligou para
denunciante a solicitar um encontro, o que veio a acontecer algum tempo depois na residência do denunciante e na presença do seu irmão, conforme consta de fls. (14 a 25).
Tal contacto feito pelo arguido para o denunciante, encontra-se confirmado em relatório de análise das comunicações a fls. (242). Confirmando-se desta forma a veracidade do depoimento do denunciante.
XII
No sábado, dia 04 de Março de 2017, cerca das 21H22, recorda-se a testemunha identificada a fls. (14), que estava a jogar o Benfica, quando foi contactado pelo arguido, a combinar um encontro com aquele, tendo ficado combinado de que este iria ocorrer na residência do lesado, facto que levou a que este último tivesse ligado ao seu irmão para estar presente, conforme consta de fls. (17).
XIII
Da análise dos registos telefónicos verifica-se que no dia 04 de março de 2017, o arguido contactou com a testemunha «DD», pelas 09H50 e às 21H16 Confirmam-se ainda as declarações prestadas pela testemunha que afirmou que após aquele contacto com o aqui arguido, ligou ao seu irmão para estar presente tendo tal ocorrido pelas 21H23. Confirma-se ainda o contacto feito pela testemunha «DD» para o seu advogado «II» que foi posto a par da situação, conforme consta de relatório a fls. (244).
XIV
Neste dia existem várias chamadas entre o arguido e o agente principal «BB», num total de oito, sendo que uma destas chamadas ocorreu pelas 22H22, após o arguido ter estado em contacto, com o lesado e seu irmão, na residência onde havia ocorrido o furto, tendo durante aquele encontro prometido que iria fazer entrega do dinheiro, conforme consta de fls. (17, 22 e 244), onde certamente terá informado o Agente Principal «BB» o resultado daquele contacto.
XV
No dia 5 de março de 2017 entre as 09H45 e as 11H45, estão registados 10 (dez) contactos entre o «DD» e «CC», estando os seus telemóveis sempre no mesmo local, o que indicia estarem em local pré combinado com o agente «AA» para a entrega do dinheiro furtado sem que tal entrega viesse a ter lugar, conforme consta de fls.(247), confirmando-se mais uma vez a versão dos factos apresentada pelo «DD» a fls. (14 a 18).
XVI
Por outro lado, nesse mesmo dia, entre as 10H15 e 11H39, o arguido ligou para o agente principal «BB» por 3 (três) vezes, após o que ligou para o «DD» pelas 11H41, 11H50 e 11H59, o que confirma a versão do lesado, no contacto que lhe for feito pelo agente «AA» a alterar o local de encontro para Penelas, junto à fábrica dos queijos Paiva ligando mais tarde para o lesado se deslocar para Cambres- Lamego, conforme consta de fls. (14 a 18 e 247).
Às 12H50 desse dia, o arguido liga para o agente «BB», tendo o seu telemóvel acionado a localização Cambres-Lamego, fato que suporta a veracidade das declarações do «DD» (14 a 18), que refere ter tido um encontro com o arguido na localidade de Cambres, conforme consta de fls. (247).
XVII
Nesse dia, há ainda registo de 17 (dezassete) contactos telefónicos entre o arguido e Agente Principal «BB» o que indicia que estes estavam em contacto permanente e em conjugação de esforço definindo a estratégia a seguir, conforme consta de fls. (247).
XVIII
No dia 06 de março de 2017, o lesado «CC» é contactado pelo advogado «II» que o informa de que estava tudo bem encaminhado, que o agente «AA» confiava nele e que iria fazer a entrega do dinheiro, conforme consta de fls. (24).
Nesse dia estão registados 10 (dez) contactos entre o arguido e o advogado «II» tendo o último ocorrido às 21H03, conforme consta de fls. (248). Após este contacto, pelas 21H58 o arguido contactou com o Agente Principal «BB», facto que vem provar de que este estaria a ser informado de todos os acontecimentos, uma vez que nesse dia foi contactado por três vezes, após o aqui arguido ter contactado com advogado «II» conforme consta de fls. (248).
XIX
No dia 07 de março de 2017, terça feira, o advogado «II» ligou novamente ao «CC» a informar que estava tudo bem encaminhado e que no dia seguinte lhe entregava o dinheiro e que estava tudo combinado para as 09H30.
XX
No dia 8 de março de 2017, o arguido e a Agente Principal «BB», encontravam-se de serviço no turno das 07H45 às 14H00, conforme consta de fls. (75).
XXI
No dia 8 de março de 2017, quarta feira, foi efectuada por esta Polícia uma ao local indicado pela testemunha «CC» para a entrega do dinheiro. Tendo durante aquela diligência, junto do escritório do Dr. «II», no desterro em Lamego, sido observado o seguinte:
Pelas 09H40 o Agente «AA» chega ao Desterro - Lamego no seu veículo matrícula ..-..-JA.
Pelas 09h45 o Agente «AA» entra na Pastelaria ... - com o Advogado «II».
Pelas 10H00 o Agente «AA» e o advogado entram no seu escritório.
Pelas 10H25 o Agente «AA» sai do interior do escritório.
Pelas 10H35 o Agente «AA» entra num veículo e segue em direção A24, pela Av.ª. ....
Este veículo, segundo o Relatório de Vigilância, pode ser o do Agente «BB» (Mitsubishi cinza).
Pelas 11H17 o advogado entra num veículo e segue em direção A24, pela Av.ª. ...
Depois, às 10H26 o advogado «II» ligou ao «DD» a dizer que o Agente «AA» já havia estado no seu escritório e que por volta do meio dia podia ir buscar o dinheiro. Mas contado por ele (advogado) e pelo Agente «AA» perfazia 11 180€ (onze mil cento e oitenta). O advogado perguntou se o seu irmão aceitava.
Pelas, 12H12 o advogado «II» ligou ao Sr. «DD» a informar que podiam ir buscar o dinheiro, conforme consta de relatório de vigilância a fls. (7a13).
XXII
Quanto ao veículo que se deslocou levando o arguido em direcção à A24, pela Avenida ... em Lamego, existem indícios que suportam o facto de se tratar da viatura do agente principal «BB», já que este tem em seu nome uma viatura Mitsubishi de cor cinza, sendo que a localização dos cartões telefónicos usados por aqueles acionaram as mesmas células de: Viseu-Lamego-Sé, Viseu -Lamego-Almacave e Viseu-Tarouca-Tarouca, provando-se assim que os mesmos estariam juntos, conforme consta de fls. (252).
XXIII
Tendo em conta a prova produzida no âmbito do processo crime com o NUIPC 38/17.9PBLMG, foi deduzida a acusação constante a fls. (227 a 233) que aqui se dá por inteiramente reproduzida na qual o arguido é acusado em conjunto com o agente principal «BB» em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real, na prática de:
Um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203º nº 1 e 204º nº 1 al. a) e nº 2 al. e), por referência ao artigo 202º al a) f) II) todos do Código Penal.
Um crime de abuso de poder p. e p. pelo artigo 382º do Código Penal, por referência ao artigo 386º nº 1 do Código Penal e do artigo 4º nº 1 e 2 al. a) e b) h) e artigo 10° nº 1 ambos do Decreto-Lei 243/2015, de 19 de Outubro.
Um crime de peculato de uso previsto e punido pelo artigo 376º nº 1 por referência ao artigo 386° nº 1 do Código Penal e artigo 18º nº 1 do Regulamento das Condições Materiais da Detenção em Estabelecimento Policial (Despacho 5863/2015 publicado no D.R. 2ª série, de 02-06-2015).
Bem como na pena acessória de proibição do exercício de função, a que alude o artigo 66° nº 1 al. a) b) e c) do código Penal por referência ao artigo 4º nº1 e 2 al. a) e b) h) e artigo 10 nº 1 ambos do Decreto-Lei 243/2015, de 19 de Outubro., conforme consta de fls. (231 e 232).
Na mesma acusação foi promovida condenação do arguido e do Agente Principal «BB» ao pagamento de forma solidária ao estado o Valor de 3820,00 euros, correspondente à vantagem por estes obtida com a prática do facto ilícito, nos termos do artigo 110º nº 1 e 4 do código penal sem prejuízo dos direitos dos lesados, conforme consta de fls. (233).
(...)
XXVII
Foi o arguido, em decisão transitada em julgado no processo com o NUIPC: 38/17.9PBLMG, condenado pela prática, como co-autor material, na forma consumada e em concurso efetivo, de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2 alínea e), por referência ao artigo 202.º, alíneas a) e f), todos do Código Penal, na pena parcelar de 3 (três)
anos e 8 (oito) meses de prisão. 1 (um) crime de abuso de poder, previsto e punido pelo artigo 382.º do Código Penal, por referência ao artigo 386.º, n.º 1 do Código Penal e dos artigos 4.º, n.º 1 e 2 alíneas a), b) e h), e 10.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 243/2015 de 19 de Outubro, em pena parcelar de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão. Em cúmulo jurídico, condenado na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, pena suspensa na sua execução por igual período de tempo. No mais manteve-se a decisão recorrida, conforme fls. (377 e 378).
XXVIII
Foi ao arguido deduzida a acusação disciplinar a fls. (395 a 400), que aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais e desta foram notificados o arguido e o seu defensor: Não se conformando com a mesma o arguido apresentou defesa escrita a fls. (424 a 450) através do seu mandatário o Sr. Dr. Advogado «TT», alegando em síntese:
Que considerando que é imposta a independência entre o processo penal e disciplinar, impõe-se a apreciação critica dos factos que motivaram a acusação e que se encontram parcialmente sobrepostos com o objeto do processo crime.
O Arguido nunca visualizou um grande número de notas do B. C. E. no decurso da busca e desconhece se o Agente Principal «BB», tenha tomado conhecimento da existência de tal verba, acreditando que, se tal tivesse acontecido, ter-se-ia apercebido.
Com base nas declarações do Subcomissário «RR» referentes ao que o «CC» lhe transmitiu, aponta para a própria (in)existência de tão avultada quantia, em dinheiro, na habitação.
Que quando o ofendido, alegadamente recuperou parcialmente a quantia, nunca exibiu tal dinheiro, como também nunca lhe foi pedido que o exibisse para efeitos de eventual apreensão. Nunca se precisando qual a quantia exata, já que todas as testemunhas mencionam cerca de 15 000€ (quinze mil), nem qual seria a composição de tais montantes.
Que dada a organização do quarto seria absolutamente impossível que o aqui arguido tivesse encontrado um saco, o tivesse aberto, tivesse constatado a existência de uma avultada quantia, tivesse ainda trocado ainda olhares com o ofendido e voltar guardar o saco devidamente acondicionado e conforme o encontrou sem que o aqui arguido se tivesse apercebido.
Que o aqui arguido, quando regressou da busca, não confrontou o «CC» sobre as habitações que as chaves daquele abriam nem presenciou tal postura por parte do agente principal «BB». No entanto, apesar de não ter sucedido, seria perfeitamente normal, para que fosse possível perceber se existia outra morada onde o «CC» tivesse depositado armas.
Refere que o aqui arguido não mais teve acesso aos bens de «CC» por estes terem ficado nos "calabouços" que se encontravam trancados e que de acordo com o testemunho do agente «LL», quem entregou o detido foi o subcomissário «RR», que se recorda de este ter afirmado que os bens ficavam à sua responsabilidade.
Que nem no dia 27 de fevereiro, dia da detenção, nem nos seguintes o aqui arguido teve contacto com a chave ou qualquer outro bem, no entanto, no dia 28 quando encontrou o envelope com os bens do detido, fez entrega do mesmo ao graduado de serviço.
Alega que no dia 28 de fevereiro de 2017 o aqui arguido não se deslocou à residência do ofendido, conforme registo da sua posição pelas antenas. Que depois de almoço e em deslocação para a esquadra efetuou uma paragem para observar um suspeito de um outro processo, estando aí abrangido pela antena “...”.
Que quanto ao local onde se encontrariam tais bens levantam-se posições contraditórias.
Que durante o período das 14h00 às 16h00, que baliza a prática dos factos o aqui arguido permaneceu sempre na esquadra conforme interceções telefónicas e esta evidência documental é corroborada por testemunhas que com ele estiveram sempre.
Refere que a vigilância que é montada está constituída ilicitamente, no dia 8 de março de 2017, visto que o processo apenas tem início uma semana depois.
Que do presente processo não resulta qualquer menção que coloque o aqui arguido nas circunstâncias de tempo e lugar onde os factos ocorreram.
Que é inadmissível a aplicação da sanção de demissão, porquanto, dos factos praticados não resultaram danos ou prejuízos elevados para o ofendido, quando considerado o valor elevado de 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto 5 100€ (cinco mil e cem), tendo o ofendido ficado apenas lesado no valor de 3 820€ (três mil oitocentos e vinte), não havendo assim lugar à qualificação.
Alega que em momento algum se demonstra que o arguido tenha usado um qualquer poder de autoridade sobre quem seja.
Refere que embora o aqui arguido tenha sido condenado em processo crime, não praticou os factos de que vem acusado.
Tendo o crime sido cometido em coautoria não se sabe qual é o produto que cada autor obteve com a prática do crime, desconhecendo-se o prejuízo ou dano que cada um provocou no ofendido não se afigurando a conduta como uma infração muito grave.
Por a acusação considerar que foi entregue o valor de 11 180€ (onze mil cento e oitenta) ao ofendido tal facto deve ser valorado em abono do arguido.
De que inexistem fatores agravantes.
Que não houve acumulação de infrações, mas sim uma só infração que corresponde à violação de diversos deveres e qualquer outro entendimento redundaria numa verdadeira violação do ne bis in idem que para todos os devidos e legais efeitos se argui.
Que não foi comprometida a confiança necessária ao exercício da função, dado que ressalvado um curto período de suspensão, o aqui arguido mantém-se em funções e em contacto com o público, querendo isto dizer que foi entendido pelas chefias que o arguido tinha o perfil necessário para ser a cara da frente da Polícia de Segurança Pública e que face a estes comportamento adotados pela PSP, nada fazia crer ao aqui arguido que esta o queria ver desvinculado.
XXIX
A fls. (438) a defesa faz alusão à data da prática dos factos, 2017, na qual se encontrava em vigor o Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90 (RDPSP). Por conseguinte refere que serão utilizadas as disposições do Estatuto Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, consagrado pela Lei n.º 37/2019, que considera um regime mais favorável ao aqui arguido, sem prejuízo de nos casos de tratamento mais favorável do regime pretérito, trazer-se o mesmo à colação.
XXX
A fls. (432 e 450) vem a defesa requer a junção ao processo do Boletim Individual de Detido e Auto de Depósito, elaborados no âmbito do NUIPC: NUIPC 35/17.... e a audição dos elementos policiais: Chefe ...14 - «MM»; Agente Principal ...33 - «LL»; Agente Principal ...46 - «KK»; Agente Principal ...84 - «CC»; Agente Principal ...80 - «NN»; Agente Principal ...38 - «OO»; Subcomissário ...29 - «QQ»; Chefe Coordenador ...88 - «SS»; Subcomissário ...70 - «RR» e Subcomissário ...37 «JJ».
XXXI
No decorrer da execução das diligências requeridas pela defesa, foi requerido pela mesma, a fls. (607) a audição do Agente Principal ...26 - «PP», tendo sido assentido a audição do referido Agente.
XXXII
Da análise dos documentos, Boletim Individual de Detido e Auto de Depósito e da audição das testemunhas arroladas pela defesa não resulta alteração dos factos, conforme fls. (560 a 642).
XXXIII
Ouvido o arguido em sede de defesa este relatou na sua pessoa os acontecimentos passados nos dias 27 e 28 de fevereiro, no dia 8 de março de 2017 e ainda em outro dia que não se recorda, quando é abordado pelo ofendido «DD» na rotunda Fernando Amaral.
XXXIV
Compulsados os autos verifica-se que no dia 27 de fevereiro de 2017, pelas 17H20, no café Almedina em Lamego, o arguido e o Agente Principal «BB», detiveram no âmbito do inquérito com o NUIPC 35/17...., e na sequência de um mandado de detenção, «CC», residente na Urbanização ..., ..., ..., ..., ..., Lamego. No âmbito daquele inquérito procederam ainda a busca domiciliária consentida por «DD» Irmão do detido e responsável pela residência em causa tendo em vista a apreensão de uma arma de fogo que havia sido usada no crime de violência doméstica em investigação.
No decorrer daquela busca o agente principal «BB» visualizou um grande número de notas do B.C.E. nomeadamente notas de 200€ (duzentos), envoltos num saco plástico e guardadas, na última gaveta da mesa de cabeceira à esquerda, do quarto do ofendido «DD» e a este pertencente.
Regressados à Divisão Policial ..., na companhia do detido, após terem concluído a diligência, o Agente Principal ...36 - «BB», retirou as chaves do «CC», que se encontravam no interior de um envelope e questionou o mesmo acerca de que habitações as mesmas respeitavam, tendo aquele especificado qual o uso de cada uma delas, sendo que uma dessas abria a porta principal da habitação, onde momentos havia sido levada a efeito a busca domiciliária consentida pelos visado.
Na prossecução do plano previamente elaborado, no dia 28 de fevereiro de 2017, a hora não concretamente apurada, mas seguramente entre as 14H00 e as 16H00, o arguido, em comunhão de esforços e intentos com o Agente Principal ...36 - «BB», na posse das chaves da residência do ofendido «DD», sem o seu conhecimento e consentimento, dirigiram-se à residência do ofendido, «DD», sita na urbanização ..., em Lamego, sabendo que o mesmo não se encontrava no seu interior.
Munidos da chave abriram a porta de entrada da residência do ofendido, introduziram-se no seu interior e dirigiram-se ao quarto deste de onde retiraram da última gaveta da mesa de cabeceira à esquerda a quantia monetária lá existente, que totalizava o montante de 15.0000 (quinze mil) em notas do B.C.E., que haviam sido avistadas na véspera durante a busca, pelo Agente Principal ...36 - «BB».
Na posse de tal dinheiro, o arguido e o Agente Principal ...36 - «BB», ausentaram-se do local sem trancarem a porta, voltando de seguida a colocar as chaves nos pertences de «CC», na PSP de Lamego, sem que disso ninguém se apercebesse.
Cerca das 16H00, o arguido entregou ao Agente «EE», o envelope contendo os pertences de «CC», nomeadamente as chaves da referida residência, por forma a ser entregue ao Graduado de Serviço, Agente Principal «FF», que estranhou só naquela altura ter sido feita a entrega dos bens do detido, o que veio a acontecer, tendo o envelope ficado guardado no gabinete deste.
Ao regressar à sua habitação cerca das 16H00, o ofendido «DD», que esteve ausente daquela entre as 14H30 e 16H00, do dia 28/02/2017, constatou a falta do dinheiro que estava no seu quarto, dirigiu-se de imediato à PSP de Lamego, onde apresentou a competente queixa, tendo ao local da ocorrência os agentes «GG» e «HH», que constataram não ter ocorrido qualquer arrombamento da residência.
No dia 08 de março de 2017, em hora não concretamente apurada, mas na parte da manhã, e após vários contactos presencias e telefónicos anteriores entre o arguido, o ofendido e seu irmão «CC», com o objectivo de convencer estes a desistir da denuncia apresentada, foi o mesmo observado em vigilância policial montada para o efeito entre as 09H40 e as 11H17, desse dia a estabelecer contacto com o advogado «II» a quem fez entrega da quantia de 11.1800 (onze mil cento e oitenta) em notas do B.C.E por forma a ser entregue a «DD».
Nesse dia 8 março de 2017, pelas 12H30, o advogado «II», após ter estado em contacto com o arguido, fez entrega no seu escritório na Avenida ... (onze mil cento e oitenta), ao ofendido «DD», faltando ainda a quantia de 3.8200 (três mil oitocentos e vinte).
XXXV
O arguido atuou de forma livre voluntária e consciente, na execução de plano previamente delineado, sempre em comunhão de esforços e intentos com o Agente Principal ...36 - «BB», com o propósito concretizado de se apoderarem das chaves que davam acesso à citada habitação e sem consentimento do ofendido e do «CC», e com recurso às mesmas se introduziram na residência e daí retiraram a quantia de 15.000€ (quinze mil), que dividiram entre si, de forma não concretamente apurada.
XXXVI
Bem sabia o arguido que tal quantia não lhe pertencia e que atuava contra a vontade
e prejuízo do ofendido «DD», o que quis e representou.
XXXVII
O arguido praticou os factos descritos, em virtude dos conhecimentos que lhe advieram do exercício das funções, enquanto Agente da P.S.P., tendo aproveitado tal qualidade para usar a chave da residência que estava sob sua custódia, para ser guardada em local seguro até à sua devolução e enquanto se mantivesse a detenção do «CC», facto que este bem sabia.
XXXVIII
O arguido teve a acesso às referidas chaves da residência do ofendido, em resultado das funções e diligências que estava a desenvolver em processo de sua responsabilidade e utilizou para fim distinto a que o depósito de objectos se destinava, usando-a para entrar na residência do ofendido e dali retirar a quantia monetária que havia sido visualizada durante a busca o que conseguiu.
XXXIX
A qualidade de Agente da PSP por parte do arguido foi imprescindível e necessária para a prática dos factos acima referidos, realizados no exercício de funções.
XL
Com a conduta acima referida, o arguido bem sabia que violava e desrespeitava os deveres que se lhe encontravam adstritos, bem como a integridade de carácter e espírito de bem servir exigidos a um agente de autoridade, o que quis e conseguiu.
XLI
Ao praticar os factos descritos, o arguido fê-lo sabendo que utilizava a sua qualidade de agente de autoridade em seu próprio benefício, contra os deveres e responsabilidades que lhe incumbiam, mercê das suas funções, com o único fito concretizado de obter, para si, vantagem patrimonial indevida e provocar prejuízo patrimonial ao ofendido.
XLII
Ao arguido era-lhe exigido, no desempenho das funções de polícia, um escrupuloso cumprimento da lei, tendo atuado por forma a violar frontalmente tais regras e deveres de conduta profissional que bem conhecia, tendo-o feito com o propósito, conseguido, de se apoderar da quantia monetária pertencente ao ofendido, na prossecução de interesses pessoais.
XLIII
Por esta sua conduta foi arguido, em decisão transitada em julgado no processo com o N...7..., condenado pela prática, como co-autor material, na forma consumada e em concurso efetivo, de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1e 204.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2 alínea e), por referência ao artigo 202.º, alíneas a) e f), todos do Código Penal, na pena parcelar de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão. 1 (um) crime de abuso de poder, previsto e punido pelo artigo 382.º do Código Penal, por referência ao artigo 386.º, n.º 1 do Código Penal e dos artigos 4.º, n.º 1 e 2 alíneas a), b) e h), e 10.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 243/2015 de 19 de outubro, em pena parcelar de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão. Em cúmulo jurídico, condenado na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, pena suspensa na sua execução por igual período de tempo. No mais manteve-se a decisão recorrida.
(...)
XLV
Ao arguido foi, durante o presente processo, aplicada a medida de suspensão preventiva pelo período de 90 dias e de desarmamento até final do processo.
XLVI
O arguido foi ainda demandado a pagar ao Estado, de forma solidária com o Agente Principal ...36 - «BB», a quantia 3.820€ (três mil oito centos e vinte), correspondente à vantagem patrimonial obtida com a prática daqueles factos.
XLVII
Com a sua conduta o arguido praticou infração disciplinar de acordo com disposto no artigo 3.º do ED/PSP violando e desrespeitando gravemente os deveres de zelo previsto no artigo 13º, nº 1 e 2, alínea g), de lealdade previsto no artigo 15.º, n.º 1 e 2, alínea a), de correção previsto no artigo 16.º n.º 1 e 2, alínea a), de aprumo previsto no artigo 19.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e f), todos do Estatuto Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30 de maio.
XLVIII
Ao atuar da forma descrita o arguido demonstrou uma conduta imprópria e absolutamente inadequada ao prestígio e elevação que, como agente da PSP, se lhe impunha violando desta forma a confiança que lhe era depositada pelos cidadãos, enquanto defensor da segurança interna e dos direitos dos cidadãos, aos quais estava obrigado por força do disposto no artigo 2.º Código Deontológico do Serviço Policial, aplicável nos termos do artigo 8.º do ED/PSP, aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30 de maio.
XLIX
O arguido não beneficia de qualquer circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar prevista no artigo 38.º do Estatuto Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei n.º 37/2019 de 30 de maio.
L
Beneficia, no entanto, das circunstâncias atenuantes previstas nas alíneas b) (bom comportamento anterior), g) (ter louvor ou outros recompensas), e h) (boa informação do seu superior hierárquico), previstas no artigo 39.º, do Estatuto Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei n.º 37/2019 de 30 de maio.
LI
Militam contra o arguido as circunstâncias agravantes previstas nas alíneas b) (a premeditação), d) (o facto de a infração ser cometida em ato de serviço...), e) (ser a infração cometida em conluio com outros), f) (ser a infração comprometedora da honra, do brio, do decoro profissional ou prejudicial à ordem ou ao serviço) e i) (acumulação de infrações), do n.º 1 do artigo 40.º do ED/PSP.
LII
As infrações praticadas pelo arguido inviabilizam a manutenção da relação funcional, pois representam conduta imprópria, absolutamente inadequada e violadora do exercício da autoridade, que o tornam indigno para a função, prejudicando ainda a imagem e bom nome da PSP e todos aqueles que nela servem, sendo assim punível com a pena disciplinar de demissão prevista no artigo 30º nº1 alínea f), conjugado com os artigos 23º n.º 1 e 2 alíneas a) e f) e artigo 41.º, todos do Estatuto Disciplinar da PSP aprovado pela lei n.º 37/2019 de 30 de maio.
(...)”

(cf. documento de fls. 650 a 665 do processo administrativo);

39. Em 18.05.2021, o processo foi enviado ao Director do Gabinete de Assuntos Jurídicos (Deontologia e Disciplina) da Direcção Nacional da PSP (DN/PSP) para decisão (cf. documento de fls. 765 do processo administrativo);

40. Em 14.06.2021, o Conselho de Deontologia e Disciplina deliberou emitir parecer no sentido de aplicação da pena de demissão ao A., da qual consta, além do mais, o seguinte:
“(...)
Os membros do CDD, visto o processo e discutida a matéria em causa, consideram estar suficientemente provado que as infracções disciplinares praticadas pelo arguido inviabilizam a manutenção da relação funcional.
Porque os seus efeitos se repercutem na própria Corporação, a pena disciplinar de aposentação compulsiva não se afigura suficientemente penalizadora da conduta do arguido, uma vez que lhe permitia manter a qualidade de agente da autoridade na situação de aposentado, com os direitos inerentes a essa condição e com evidente desprestígio para a PSP, pelo que, a pena adequada à gravidade da infracção praticada é a pena disciplinar de demissão, justificando-se, por isso, a rotura total do vínculo à PSP.
Finda a discussão procedeu-se à votação, por escrutínio secreto, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo do Regulamento de Funcionamento do Conselho de Deontologia e Disciplina, aprovado pela Portaria n.º 1284/2008, de 10 de novembro, tendo-se apurado o seguinte resultado:12 (doze) votos a favor da pena disciplinar de demissão; 0 (zero) a favor da pena disciplinar de aposentação compulsiva.
Assim, por unanimidade, o CDD emitiu parecer de que deverá ser aplicada ao Agente Principal ...65, «AA», a pena disciplinar de DEMISSÃO, prevista nos artigos 23.º, n.º 1 e 2, alínea f), artigo 30.º n.º 1 alínea f), 36.º do Estatuto Disciplinar da Policia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30 de Maio, porquanto o arguido foi condenado no âmbito do processo-crime n.º 38/17.9PBLMG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, pela prática, em coautoria material e na forma consumada e em concurso efetivo, de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea e), por referencia ao artigo 202.º, alíneas a) e f), todos do Código Penal, na pena parcelar de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão; 1 (um) crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º do Código Penal, por referência ao artigo 386.º n.º 1 do Código Penal, e dos artigos 4.º n.º 1 e 2 alíneas a), b) e h), e 10.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 243/2015 de 19 de outubro, em pena parcelar de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, E ainda foi condenado a pagar solidariamente ao assistente, em consequência do crime e a titulo de indemnização civil, a quantia de 5820,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento. A decisão transitou em julgado em 26/10/2020.
As infrações praticadas pelo arguido inviabilizam a manutenção da relação funcional, porque como agente policial prestar funções na investigação criminal, fazendo uso de tais poderes, pondo em causa a autoridade e a Instituição onde está integrado, a cometer os crimes acima mencionados.

(cf. documento de fls. 766 a 771 do processo administrativo);

41. Em 17.06.2021, por despacho do Director Nacional da PSP foi a proposta de aplicação de pena disciplinar de demissão remetida ao Ministro da Administração Interna para decisão (cf. documentos de fls. 772 e 773 do processo administrativo);

42. Em 18.06.2021, o Mandatário do A. solicitou certidão das declarações prestadas pelas testemunhas no âmbito do processo disciplinar (cf. documentos de fls. 775 a 777 do processo administrativo);

43. Em 29.06.2021 foi o Mandatário do A. informado da impossibilidade de satisfazer o solicitado uma vez que o processo havia sido remetido ao Ministério da Administração Interna para decisão (cf. documentos de fls. 774 e 798-v.º do processo administrativo);

44. Em 30.07.2021, a Direcção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna emitiu o parecer n.º 476-FA/2021, com, além do mais, o seguinte teor:
“(...)
Apreciando a legalidade do procedimento cabe referir:
11. Foram dadas ao arguido todas as garantias de audiência e defesa, apresentando-se o processo livre de qualquer vício ou irregularidade que o afete do ponto de vista formal.
12. A qualificação jurídico-disciplinar dos factos constantes da acusação não merece censura, antes se adequa plenamente à falta cometida.
13. Nada temos a opor quanto à escolha da pena proposta que foi considerada adequada pelo Conselho de Deontologia e Disciplina da Polícia de Segurança Pública (CDD), afirmando expressamente, e de forma unânime, que consideram estar suficientemente provado que as infrações disciplinares praticadas pelo arguido inviabilizam a manutenção da relação funcional.
Resultou, ainda, da referida discussão que os efeitos da conduta do arguido se repercutem na própria Corporação inviabilizando a manutenção da relação funcional e, por isso, a pena disciplinar de aposentação compulsiva não se afigura suficientemente penalizadora, uma vez que lhe permitia manter a qualidade de agente da autoridade na situação de aposentado, com os direitos inerentes a essa condição e com evidente desprestígio para a PSP, pelo que, a pena adequada à gravidade da infração praticada c a pena disciplinar de demissão, justificando-se, por isso, a rutura total do vínculo à PSP.
14. Foram tidos em conta os critérios de aplicação e graduação das penas disciplinares, constantes do artigo 41.º do ED/PSP, aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30 de maio, atendendo a que, o arguido, pertencente ao Comando Distrital ..., praticou os factos devidamente descritos na Ata da mencionada reunião do CDD, que, para os devidos e legais efeitos, se dá aqui por integralmente reproduzida, porquanto, o arguido foi condenado no âmbito do processo-crime n.º 38/17.9PBLMG, que correu temos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, pela prática, em coautoria material e na forma consumada e em concurso efetivo, de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 alínea e), por referência ao artigo 202.º, alíneas a) e f), todos do Código Penal, na pena parcelar de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão; e de 1 (um) crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º do Código Penal, por referencia aos artigos 386.º, n.º 1 do Código Penal e 4.º, n.os 1 e 2 alíneas a), b) e h), e 10.º, n º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro, na pena parcelar de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foi o Arguido condenado na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, bem como apagar solidariamente ao assistente, a título de indemnização cível a quantia de €5.820,00 (cinco mil oitocentos e vinte curos) acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento. A decisão transitou em julgado em 26/10/2020.
15. Assim, tendo o arguido sido condenado pela prática dos factos por que foi nos presentes autos acusado, não pode tal facto ignorar-se, sem que a entidade com poder disciplinar possa, fazendo o enquadramento que considera mais adequado, aplicar ao arguido a pena que melhor se coadune às necessidades de repressão e prevenção, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 3 e 5, do ED/PSP.
16. O Arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente, na execução de plano previamente delineado, sempre em comunhão de esforços e intentos com o Agente Principal ...36 - «BB», com o propósito concretizado de se apoderarem das chaves que davam acesso à citada habitação e sem consentimento do ofendido e de «CC», e com recurso às mesmas se introduziram na residência e daí retiraram a quantia de €15.000 (quinze mil curos), que dividiram entre si, de forma não concretamente apurada.
17. Bem sabia o Arguido que tal quantia não lhe pertencia e que atuava contra a vontade e em prejuízo do ofendido, «DD», o que quis e representou.
18. O arguido praticou os factos descritos, em virtude dos conhecimentos que lhe advieram do exercício das funções, enquanto Agente da PSP, tendo feito uso de tal qualidade para usar a chave da residência que estava sob sua custódia, para ser guardada em local seguro até à sua devolução e enquanto se mantivesse a detenção de «CC», facto que este bem sabia.
19. O arguido teve acesso às referidas chaves da residência do ofendido, em resultado das funções e diligências que estava a desenvolver em processo de sua responsabilidade e utilizou para fim distinto a que o depósito de objetos se destinava, usando-a para entrar na residência do ofendido e dali retirar a quantia monetária que havia sido visualizada durante a busca, o que conseguiu.
20. A qualidade de Agente da PSP por parte do arguido foi imprescindível e necessária para a prática dos factos dados como provados, realizados no exercício de funções.
21. Com a sua conduta, o arguido bem sabia que violava e desrespeitava os deveres que se lhe encontravam adstritos, bem como a integridade de carácter e espírito de bem servir exigidos a um agente de autoridade, o que quis e conseguiu.
22. Ao praticar os factos descritos, o arguido fê-lo sabendo que usava da sua qualidade de agente de autoridade em seu próprio benefício, contra os deveres e responsabilidades que lhe incumbiam, mercê das suas funções, com o único fito concretizado de obter para si, vantagem patrimonial indevida e provocar prejuízo material ao ofendido.
23. Ao arguido era-lhe exigido, no desempenho das suas funções policiais, um escrupuloso cumprimento da lei, tendo atuado por forma a violar frontalmente tais regras e deveres de conduta profissional, que bem conhecia, tendo-o feito com o propósito, conseguido, de se apoderar da quantia monetária pertencente ao ofendido, na prossecução de interesses pessoais.
24. Ao atuar da forma descrita o arguido demonstrou uma conduta imprópria e absolutamente inadequada ao prestígio e elevação que, como agente da PSP, se lhe impunha, violando desta forma a confiança que lhe era depositada pelos cidadãos, enquanto defensor da segurança interna e dos direitos dos cidadãos, aos quais estava obrigado por força do disposto no artigo 2.º do Código Deontológico do Serviço Policial, aplicável nos termos do artigo 8.º do ED/PSP, aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30 de maio.
25. Acresce referir que, dos factos praticados pelo arguido, bem como da sua elevada negatividade e censurabilidade, quer no seio da sociedade em geral, quer no seio profissional, não pode deixar de se considerar ter resultado prejuízo, manifesto, para
serviço e para a disciplina, pelos prejuízos que acarretaram para a sua imagem e
prestígio como agente de autoridade, do agente de autoridade em geral, e, por arrastamento, da Instituição PSP no seu todo.
26. As infrações praticadas pelo arguido inviabilizam a manutenção da relação funcional, pois, assumem uma ilicitude e culpabilidade intensas, logo resulta intensa a sua censurabilidade, uma vez que cumprindo-lhe zelar pela e segurança e evitar a prática de crimes, nomeadamente, contra a liberdade, a integridade física, e a segurança, ao atentar contra tais valores, da forma como o fez, violou esse dever e pôs irremediavelmente em causa a sua permanência no seio da Instituição PSP, já que sabia que por tais factos poderia vir a ser condenado criminalmente e atentava contra os mais elementares deveres de um agente da PSP.
27. E mesmo sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime, não se absteve de praticar, pondo em causa a imagem de seriedade e credibilidade da PSP, atentando contra o prestígio, a confiança e a fiabilidade que esta Instituição tem de transmitir aos cidadãos.
28. Ora, a um Agente da PSP é exigível um comportamento exemplar no exercício das suas funções. Assim, atento o facto de enquanto agente policial, desempenhar funções no Núcleo de Investigação Criminal, fazendo uso de tais poderes, competindo-lhe prevenir a criminalidade e a prática de quaisquer atos contrários à lei, não ser ele a praticá-los, pondo em causa a autoridade e a Instituição onde está integrado, ao cometer os crimes descritos.
29. Consagra o Código Deontológico do Serviço Policial, no seu artigo 6.º n.º 1, que os membros das forças de segurança devem cumprir as suas funções com integridade e dignidade, evitando comportamentos que comprometam o prestígio e
espírito de missão de serviço público em função policial.
30. Isto é, no caso em apreço, o Arguido, de forma deliberada, adotou uma postura que degrada a imagem de seriedade intrínseca à instituição policial e demonstrou falta de idoneidade moral para o exercício de funções. E, como tão bem refere Germano Marques da Silva, “a polícia é um símbolo dos mais visíveis do poder e é por isso essencial que o povo tenha confiança que, em grande parte, mantém a ordem e a estabilidade social, e é condição de legitimidade sociológica da policia."
31. Concretizando, o arguido, com o seu comportamento, demonstrou marcado desinteresse pelo cumprimento dos mais elementares deveres profissionais, o que afeta, de forma acentuada c irreversível, o prestígio e a credibilidade da instituição, e que é suscetível de impossibilitar a relação de confiança indispensável à manutenção do respetivo vínculo profissional que deve existir entre a Instituição e os seus Agentes.
Caso Vossa Excelência se digne acolher o presente parecer, poderá, nos termos da competência que lhe é conferida pelo artigo 58.º, conjugado com o artigo 101.º e pelo Quadro Anexo II do Estatuto Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (ED/PSP), aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30 de maio, aplicar ao Agente Principal ...65 da PSP, «AA», a pena disciplinar de DEMISSÃO, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 23.º, n.os 1 e 2, alínea f), 30.º, n.º 1, alínea f) e 36.º, todos do ED/PSP.
(...)”

(cf. documento de fls. 780 a 786 do processo administrativo);

45. Por despacho de 14.10.2021, o Ministro da Administração Interna aplicou ao A. a pena disciplinar de demissão, tendo por base o teor do relatório final, a deliberação do Conselho de Deontologia e Disciplina da PSP de 14.06.2021 e o parecer 476-FA/2021, de 30.07.2021, da Direcção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna (cf. documento de fls. 779 do processo administrativo);

46. Em 22.10.2021, o A. foi pessoalmente notificado nos seguintes termos:
“Nos termos dos Art.º 114º, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Dec. Lei nº. 4/2015, de 07JAN, e por força do nº. 1 e 3 do Art.º 268º. da Constituição da República Portuguesa, e em cumprimento do solicitado no email do GDD/DN/PSP, datado de 20OUT2021, notifico o Agente Principal ...65 - «AA», do despacho de Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, datado de 14-10-2021, no qual lhe aplicou a pena de demissão, acompanhado do Parecer nº 476-FA/2021, de 07-07-2021, emitido pela Direção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa da Secretaria Geral do MAI, do despacho do Ex.mo Sr. Director Nacional, da ata do Conselho de Deontologia e Disciplina, do relatório final e despacho do Senhor Comandante Distrital do CD de Viseu.
Junta-se por fotocópia toda documentação acima mencionada.
Mais se notifica, que o arguido deverá dar início ao cumprimento da pena, no dia seguinte à sua notificação, nos termos do Art.º 50.º, do ED/PSP, aprovado pela Lei nº 37/2019 de 30 de Maio.
Fica ainda notificado que o seu Mandatário será, igualmente, notificado.”

(cf. documento de fls. 788-v.º do processo administrativo);

47. Em 08.11.2021, o Mandatário do A. requereu, novamente, certidão das declarações prestadas por todas as testemunhas no âmbito do processo disciplinar (cf. documento de fls. 798 e 798-v.º do processo administrativo).

Em sede de factualidade não provada o Tribunal fez constar:
Inexistem quaisquer factos relevantes para a decisão a proferir que se tenham considerado não provados.
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
É objecto de recurso a sentença que julgou improcedente a acção.
Na óptica do Recorrente a sentença ora recorrida enferma de erro de julgamento quanto à solução jurídica no procedimento disciplinar da causa, em concreto, no que tange ao juízo feito à prescrição do procedimento disciplinar e à caducidade do direito de aplicar a pena.
Cremos que carece de razão.
Senão vejamos,
O Recorrente vem arguir a prescrição do procedimento disciplinar, alegando em síntese, a aplicação ao seu caso dos prazos de prescrição previstos no artigo 178.°, n.° 5 da Lei n.° 35/2014, de 20 de junho, por via da subsidiariedade manifesta no art.° 66.° do Regulamento de Disciplina da PSP (RD/PSP), por constituir o regime manifestamente mais favorável, e por terem decorrido mais de dezoito meses desde o despacho que determinou a instauração do procedimento disciplinar, mais concretamente porque decorreram 4 anos razão pelo qual o procedimento se encontra prescrito.
Sucede que tal assim não é.
O "pessoal com funções policiais dos quadros da Polícia de Segurança Pública (PSP)" dispõe de um estatuto disciplinar especial: o Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.° 37/2019.
Por seu lado, o n.° 3 do artigo 1.° do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas de 2008 excetuou da sua aplicação os "trabalhadores que possuam estatuto disciplinar especial", como é o presente caso.
A lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (doravante LTFP), aprovada pela Lei n.° 35/2014, de 20 de junho, no artigo 2.°, n.° 2 exclui do seu âmbito de aplicação "... o pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública". Significa que a norma do artigo 178.°, n.° 5, da LTFP, não pode ser aplicada, por o Recorrente, enquanto elemento policial da PSP, estar subordinado a outro estatuto disciplinar, o ED/PSP.
Existem, pois, Regulamentos Disciplinares específicos para determinados agentes, como sejam os elementos das forças de segurança, relativamente aos quais vigora o Estatuto Disciplinar da PSP, que vimos seguindo, e o Regulamento de Disciplina da GNR (aprovado pela Lei n.° 145/99, de 28 de agosto, alterada pela Lei n.° 66/2014, de 28 de agosto), não lhes sendo aplicável o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas.
O procedimento disciplinar instaurado ao ora recorrente obedeceu todo ele, e bem, a regras muito diversas das que se preveem na Lei Geral de Trabalho: veja-se a norma do n.° 1 do artigo 55.° do RD/PSP, tão diferente da atual norma do artigo 178.°, n.° 1, da LTFP, ou a norma do n.° 5 do artigo 55.° do RD/PSP, tão diferente das normas dos n.°s 3 e 4 do artigo 178.° da LTFP, ou seja, é certo que o artigo 55.° do RD/PSP não previu a prescritibilidade do procedimento disciplinar, o que, há muito, se considerava constituir uma lacuna normativa deste Regulamento Disciplinar.
Esta questão foi, todavia, enfrentada e resolvida pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, através do Parecer n.° 160/2003 (publicado no D.R., 2.° série, n.° 79, de 2 de abril de 2004), que foi homologado pelo Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (despacho de 10 de março de 2004).
O princípio que o dito Parecer estabeleceu na matéria - e que foi sempre seguido pela PSP - foi o seguinte (oriundo do artigo 121.°, n.° 3, do Código Penal): a prescrição do procedimento disciplinar terá sempre lugar quando, desde o seu início, e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.
Nem podia ser de outro modo: o prazo de prescrição do procedimento disciplinar de 18 meses previsto na LTFP corresponde ao prazo de prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar - um ano - acrescido de metade desse prazo, o que perfaz 18 meses.
Ora o Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei n.° 7/90, de 20 de fevereiro, prevê no n.° 1 do artigo 55.° que o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que a infração foi cometida, sendo que o prazo da prescrição do próprio procedimento disciplinar corresponde a este prazo, acrescido de metade - ou seja, quatro anos e seis meses.
Com a entrada em vigor da Lei n.° 37/2019, de 30 de maio, que aprova o novo Estatuto Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (ED/PSP), e à semelhança do que já se encontrava prescrito no Regulamento da GNR, o artigo 48.° do ED/PSP veio resolver o problema da prescrição e da sobredita lacuna do artigo 55.° do anterior RD/PSP, ao preceituar claramente que o prazo de prescrição é de 3 (três) anos e tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade (cf. n.°s 1 e 6 do art.° 48 do ED/PSP) ou seja, 4 anos e 6 meses.
Repete-se que no âmbito do procedimento disciplinar, a legislação aplicável ao pessoal em funções policiais nos quadros da Polícia de Segurança Pública (PSP), independentemente da natureza do respetivo vínculo, é o ED/PSP, sendo, portanto, para todos os efeitos, a lei especial aplicável ao procedimento disciplinar em apreço (cf. art.° 1 do ED/PSP).
Aliás, trata-se de um regime especial para os membros da PSP com funções policiais relativamente ao regime geral dos trabalhadores em funções públicas, com abrigo, nomeadamente, no art.° 270.° da Constituição da República Portuguesa, na parte em que se reporta a "agentes dos serviços e das forças de segurança", pois, como se relembrou no acórdão n.° 62/2016, de 03-02-2016, do Tribunal Constitucional (Processo n.° 457/2015), essa norma permite reconhecer que os mesmos "dispõem de um estatuto jurídico constitucional próprio". E continua o citado acórdão: "O que tem também reflexo, no que diz respeito ao policial, no respetivo estatuto profissional, que é caracterizado, não apenas pela restrição a alguns direitos e liberdades, mas também pela sujeição a um conjunto de princípios orientadores e deveres especiais, que justificam o reconhecimento da sua especificidade face aos demais trabalhadores da Administração Pública. O que permite compreender que o policial, para além da sujeição aos deveres gerais aplicáveis aos trabalhadores que exercem funções públicas se encontre também subordinado a um código deontológico próprio e o estatuto disciplinar especial (artigos 4. ° e 13.º do Decreto-Lei n.° 299/2009, de 14 de outubro). Condicionamentos estes que estão associados naturalmente às atribuições da PSP...".
Tratando-se o referido Regulamento da PSP de uma lei especial, não é revogada pela lei geral aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas, revogação ou derrogação que apenas ocorreria caso essa fosse a intenção inequívoca do legislador (cfr. artigo 7.°, n.° 3 do Código Civil).
E mais: constata-se que a norma do n.° 5 do artigo 178.° da LTFP - à semelhança da norma do artigo 6.°, n.° 6, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (aprovado pela Lei n.° 58/2008, de 9 de setembro, hoje artigo 178.° da Lei no 35/2014) - se mostra (completamente) inadaptada à norma do n.° 1 do artigo 55.° do RD/PSP: não faria sentido prever-se um prazo de prescrição do procedimento disciplinar de 18 meses conjugado com o prazo normal de prescrição de três anos.
A norma do n.° 5 do artigo 178.° da LTFP mostra-se adaptada, isso sim, à norma do n.° 1 do mesmo artigo, estabelecendo com ela o princípio constante do artigo 121.° do Código Penal e que foi recolhido pelo supramencionado Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, segundo o qual o prazo de prescrição do procedimento disciplinar corresponderá ao prazo normal da prescrição acrescido de metade.
Os factos que deram origem ao procedimento disciplinar com o ...03..., também correram termos no âmbito do processo-crime NUIPC ..., que correu termos no Juízo Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu - Juiz ..., tendo o aqui recorrente sido condenado pela prática, como co-autor material, na forma consumada e em concurso efetivo, de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.°, n.° 1 e 204.° , n.° 1, alínea a) e n.° 2 alínea e), por referência ao artigo 202.°, alíneas a) e f), todos do Código Penal, na pena parcelar de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, e de 1 (um) crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.° do Código Penal, por referência aos artigos 38.°, n.° 1 do Código Penal e 4.°, n.°s 1 e 2, alíneas a), b) e h), e 10.°, n.° 1, ambos do Decreto-Lei n.° 243/2015, de 19 de outubro, na pena parcelar de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o Arguido, ora recorrente, condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão, bem como no pagamento da quantia de (cinco mil oitocentos e vinte euros) ao assistente, solidariamente com o outro arguido, a título de indemnização cível.
Tendo recorrido para o Tribunal da Relação de Coimbra, este concedeu provimento parcial ao recurso, determinando a condenação do arguido na pena única de 5 (cinco anos de prisão, pena esta suspensa na sua execução por igual período de tempo. No mais, manteve o acórdão proferido em 1ª Instância, que transitou em julgado a 26/10/2020 (cf. fls. 377 e 378 do PA).
Ora, quanto à prescrição do procedimento disciplinar, a infração disciplinar in casu constitui, igualmente, ilícito penal, pelo que, nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 48.° do ED/ PSP (à semelhança do anterior n.° 2 do artigo 55.° do RD/PSP), as infrações disciplinares que constituam ilícito penal, só prescrevem nos termos e prazos estabelecidos na lei penal, se os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a três anos.
De onde se conclui que, na medida em que os factos que determinaram a instauração do procedimento e motivaram a acusação, além de infração disciplinar, constituem também ilícito penal, concretamente o crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203.°, n.° 1 e artigo 204.°, n.° 1, alínea a) e n.° 2, alínea e), por referência ao artigo 202.°, alíneas a) e f), todos do Código Penal, que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 118.°, n.° 1, al. b) e 204.°, n.° 1, alínea a) e n.° 2, alínea e), do Código Penal, só prescreve no prazo de 10 anos. Porquanto, tendo os factos ocorrido em 28-02-2017 (cf. fls. 4 e 5 do PA) e o processo disciplinar ora sob apreciação sido instaurado em 15-03-2017 (cf. fls. 2 do PA), o despacho punitivo sido proferido em 14-10-2021 (cf. fls. 779 do PA), devidamente notificado em 22-10-2021 (fls. 788v), e publicado em Ordem de Serviço - II Parte -n.° 140 de 03-11-2021 (cf. fls. 794 do PA), não se encontra prescrito.
Impõe-se, pois, concluir que não ocorreu a prescrição do presente processo disciplinar.
Como tal, bem andou a sentença ao decidir: "Deste modo, na medida em que os factos que determinaram a instauração do processo disciplinar, além da infração disciplinar, constituem também ilícito penal, o prazo de prescrição do procedimento é de 10 anos.
Assim, tendo os factos ocorrido em 28.02.2017 e o processo disciplinar ora sub specie instaurado em 15.03.201, tendo o despacho punitivo sido proferido em 14.10.2021 e sido notificado em 22.10.2021, e considerando também o período em que esteve suspenso, manifesto é que não se encontra prescrito o procedimento disciplinar."
No que respeita à alegada caducidade do direito de aplicar a pena cabe sublinhar que os prazos para a aplicação da pena disciplinar, são prazos ordenadores, não constituindo prazos legalmente perentórios, mas apenas indicativos ou ordenadores do procedimento disciplinar, não precludindo a possibilidade de exercício do poder disciplinar por parte da entidade competente. Nesse sentido veja-se, entre outros, o Acórdão do STA de 11 de junho de 1997, Proc. n.° 38760, no qual se refere que: "Os prazos para elaboração do relatório, nos processos de averiguações, e para ultimação da instrução e prolação da decisão final no processo disciplinar, são ordenadores e não preclusivos, acarretando a sua inobservância eventual responsabilidade disciplinar".
Não se trata de matéria em que se haja de aplicar o alegado regime mais favorável previsto no RD/PSP, uma vez que, não obstante a não previsão de qualquer prazo para decisão (contrariamente ao que sucede no atual ED/ PSP), em matéria de prazos de prescrição ou de caducidade aplica-se sempre supletivamente o disposto no Código Penal e no Código do Processo Penal, pela mesma ordem de razões invocada no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.° 160/2003 e no Parecer n.° 37/2014, e não o regime previsto na LTFP por via do disposto no artigo 66.° do RD/ PSP, como o Recorrente pretende.
Conforme resulta claro do sobredito Parecer n.° 37/2014, de 19 de maio, do Conselho Consultivo da PGR. "O regime estabelecido no citado artigo 220.°, n.° 6, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, não é aplicável aos militares da GNR e ao Pessoal com funções policiais da PSP porque dispõem de regimes especiais, conforme dispõe o artigo 2.°, n.° 2, daquela Lei.".
Importa ainda sublinhar que a responsabilidade disciplinar do ora recorrente e o correspondente poder disciplinar da Administração, só se extinguem, conforme prescreve o art.° 47.° do ED/PSP (à semelhança do artigo 54.° do anterior RD/PSP), em razão da prescrição do procedimento disciplinar, da prescrição da pena, do cumprimento da pena, da morte do infrator e da amnistia, perdão genérico ou indulto, não integrando este elenco taxativo a violação do prazo para decisão.
«Conforme profusa e estabilizada jurisprudência do STA, os Prazos estabelecidos na lei para conclusão de processos de natureza disciplinar são de qualificar como meramente ordenadores ou disciplinadores, não derivando da sua violação a extinção da responsabilidade disciplinar» (cf. Acórdão do TCA SUL, de 04/07/2019, no Proc. n.° 2187/18.7BELSB).
Neste sentido bem andou a sentença ao decidir:
(...) Alega o A. que se verifica a caducidade do direito ao aplicar a pena porque a decisão não foi proferida no prazo de 30 dias a contar da receção do processo, em violação da alínea a) do n.° 4 do art.° 101.° do EDPSP.
O art.° 101º
Decisão final
(...)
4- A decisão, quando não concordante com a proposta formulada no relatório final, é fundamentada e proferida no prazo máximo de 30 dias contados das seguintes datas:
a) Da receção do processo, quando a entidade competente para punir concorde com as conclusões do relatório final;
b) Do termo do prazo que marque, quando ordene novas diligências."
In casu, face à norma transitória, é inevitável a conclusão de que aquele prazo foi excedido, atendendo que o processo foi remetido para decisão em 17.06.2021 e a decisão punitiva só veio a ser proferida no dia 14.10.2021.
Contudo, já não se pode concordar que a consequência seja a caducidade como pugna o A.
Senão vejamos.
O A, considera que se verifica a caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, lançando mão do disposto no n.° 6 do art.° 220.° da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei n.° 35/2014, de 20 de junho, na qual se estabelece que o incumprimento do prazo de trinta dias para a decisão disciplinar implica a caducidade do direito de aplicar a sanção.
Estabelece o art.° 7.° do EDPSP, sob a epígrafe " direito subsidiário", que
"em tudo o que não estiver previsto no presente estatuto são subsidiariamente aplicáveis, com as devidas adaptações, os princípios gerais e normas do direito sancionatório, e da legislação processual penal".
Note-se que esta norma tem uma redação bem diferente do art.° 66.° do RDPSP, na qual se previa que o estatuto disciplinar da Função Pública à data vigente (que, entretanto, foi substituída pela LGTFP) era de aplicação subsidiária ao processo disciplinar.
Ao contrário do que acontecia com o RDPSP, o atual estatuto disciplinar remete apenas para "os princípios gerais e normas de direito sancionatório, e da legislação processual penal", sem indicar a LGTFP (ou qualquer outro diploma relativo ao estatuto disciplinar dos trabalhadores em funções públicas), nomeadamente na parte relativa a matéria disciplinar, como norma de aplicação subsidiária.
Esta conclusão é reforçada pelo n.° 2 do art.° 2.° da LFTFP, que exclui, perentoriamente, do seu âmbito de aplicação os trabalhadores com estatuto disciplinar próprio, como é o caso dos elementos com funções policiais dos quadros da PSP, que expressamente refere.
Deste modo, é inócuo invocar a jurisprudência proferida à luz do anterior regulamento disciplinar da PSP (constante da Lei n.° 7/90, de 20 de fevereiro), porquanto a nível do direito subsidiário não está em causa normas idênticas: enquanto o RDPSP indicava como norma subsidiária o estatuto disciplinar da Função Pública, o EDPSP remete em matéria substantiva para os princípios gerais e normas de direito sancionatório que constam da parte geral do CP e em matéria de procedimento para o CPP.
O que por si só implica a improcedência do invocado pelo A., atendendo a que o disposto no artigo 220.° da LGTFP não é aplicável, sequer por via subsidiária, ao EDPSP.
Mas mesmo que se considerasse, por mera hipótese, que a LGTFP, seria de aplicação subsidiária, também não existe qualquer lacuna que interesse preencher por aplicação do disposto no art.° 220 da LGTFP.
É que ao contrário do que acontecia com o revogado RDPSP, o atual Estatuto Disciplinar regula a tomada de decisão e o respetivo prazo.
Existindo norma própria que regula o prazo de decisão em processo disciplinar não faz qualquer sentido uma remissão para o disposto no art.° 220º da LGTFP na parte em que, ao contrário do estabelecido no EDPSP, associa ao incumprimento do prazo a caducidade do direito de exercer a ação punitiva.
Repare-se que o EDPSP constitui uma lei especial face ao regime disciplinar para a generalidade dos trabalhadores em funções públicas constante da LGTFP, que constitui a lei geral.
Por conseguinte, o estatuto disciplinar especial, como é o caso do atual EDPSP, prevalece sobre o estatuto disciplinar da Função Pública, que é a lei geral, daí que não faça sentido convocar o disposto no art.° 220º da LGTFP quando a lei especial regula o prazo de decisão não associando ao incumprimento de tal prazo a caducidade do direito de aplicar a pena disciplinar. Isto é, o legislador tomou uma opção clara no Estatuto Disciplinar no sentido de não associar a caducidade do direito ao incumprimento daquele prazo.
Esta opção não é inédita no ordenamento jurídico português, até porque no art.° 105.° do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana (aprovado em anexo à Lei n.° 145/99, de 1 de setembro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.° 66/2014, de 31 de agosto) é efetuada idêntica opção em norma em tudo igual à constante do EDPSP.
Salienta-se que, quer o CP quer o CPP, que são as normas de aplicação subsidiária ao Estatuto Disciplinar, apenas sujeitam o exercício da ação penal à prescrição e não à caducidade.
Por último, é de referir que, de acordo com o disposto no art.° 298.° do CC, só existe prazo de caducidade quando a lei expressamente o previr, o que não é o caso do EDPSP.
Porém, mesmo que assim não se entenda, ou seja, mesmo que se entenda que ao caso é aplicável o RDPSP, a verdade é que continua o A. a carecer de razão no que invoca.
Para tanto, importa ter em consideração o julgado firmado pelo Supremo Tribunal Administrativo quanto a esta questão, formado no processo cautelar apenso aos presentes autos (Acórdão de 29.09.2022 (proc. ° 485/ 21.18EVIS).
(…)
Assim, independentemente do regime jurídico que se considere aplicável ao caso em apreço, é certo o entendimento do Tribunal a quo de que não se verifica o vício invocado pelo Autor.
Em conclusão, improcede o vício em análise - sentenciou-se, e bem.
Donde a desnecessidade de se bulir no probatório.
Em suma,
Nas suas alegações de recurso o Recorrente arguiu que a sentença padece de nulidade por apresentar “enquadramentos jurídicos absolutamente contraditórios”;
Todavia não verteu tal invocação nas conclusões de recurso;
Tal equivale a dizer que essa matéria não é passível de apreciação por este Tribunal ad quem;
No mais sublinhe-se que não é de aplicar ao caso, subsidiariamente ou por analogia que fosse, qualquer outro regime que não o expressamente previsto para a situação;
É que não estamos perante um caso omisso ou uma lacuna;
Está, pois, vedada qualquer integração analógica;
Só se podia recorrer à analogia, neste caso, se a situação não se encontrasse regulada. Mas, como se expôs, a situação encontra-se regulada;
O "pessoal com funções policiais dos quadros da Polícia de Segurança Pública (PSP) "dispõe de um estatuto disciplinar especial: o Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.° 37/2019;
Por seu turno, o n.° 3 do artigo 1° do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas de 2008 excetuou da sua aplicação os "trabalhadores que possuam estatuto disciplinar especial", como é o presente caso;
A lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei n.° 35/2014, de 20 de junho, no artigo 2°, n.° 2 exclui do seu âmbito de aplicação "... o pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública";
Significa isso que a norma do artigo 178°, n.° 5, da LTFP, não pode ser aplicada, por o Recorrente, enquanto elemento policial da PSP, estar subordinado a outro estatuto disciplinar, o ED/PSP;
Existem, pois, Regulamentos Disciplinares específicos para determinados agentes, como sejam os elementos das forças de segurança, relativamente aos quais vigora o Estatuto Disciplinar da PSP, que vimos seguindo, e o Regulamento de Disciplina da GNR (aprovado pela Lei n° 145/99, de 28 de agosto, alterada pela Lei n° 66/2014, de 28 de agosto), não lhes sendo aplicável o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas;
Da alegada ofensa ao princípio da confiança -
Os princípios da boa fé e da confiança respeitam à necessidade de se ponderarem os valores fundamentais de direito, pertinentes no caso concreto, em função designadamente da confiança suscitada na contraparte por determinada actuação e do objectivo a alcançar - cfr. Diogo Freitas do Amaral - Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2009, págs. 133 a 138; Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos - Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª ed., Dom Quixote, 2008, págs. 220 a 225;
Conforme jurisprudência dos tribunais superiores, para que exista violação dos princípios da boa fé e da confiança é necessário que tenham sido criadas expectativas no particular minimamente sólidas, censurando-se os comportamentos que sejam desleais e incorrectos, bem como as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas - Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 160/00, de 22/03/2000, n.º 109/02, de 05/03/2002, n.º 128/02, de 14/03/2002 e do STA de 11/09/2008, Proc. 0112/07 e de 13/11/2008, Proc. 073/08, entre tantos outros;
Ainda na definição que nos é dada pelo Prof. Freitas do Amaral, a justiça é “o conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que lhe é devido em função da dignidade da pessoa humana” (ob. cit. págs. 130 e 131);
Acresce que “o princípio fundamental consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP é o princípio da justiça, sendo que os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa fé são subprincípios que se integram no princípio da justiça” (autor e obra cit., pág. 134);
Assim, o artigo 6.º-A, do CPA (artigo 10º do NCPA), veio acolher expressamente o princípio da boa fé, no direito administrativo, dispondo que «No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regas da boa fé» (v. n.º 1);
Por outro lado, o respeito pela boa fé realiza-se através da ponderação dos “(...) valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial: a) da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; b) do objectivo a alcançar com a actuação empreendida” (v. o seu n.º 2);
1 - No exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé. 2 - No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do Direito relevantes em face das situações consideradas, e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa e o objetivo a alcançar com a atuação empreendida.
Ora, uma das mais importantes concretizações da boa fé é o princípio da protecção da confiança, que se traduz numa regra ético-jurídica fundamental, já que impõe que sejam asseguradas as “legítimas expectativas” criadas aos cidadãos, baseadas na conduta de outrem;
Destarte se protegem os particulares, relativamente aos comportamentos administrativos que objectivamente inculquem uma crença na sua efectivação;
Todavia, a tutela da boa fé não é absoluta, porquanto só poderá ocorrer mediante a verificação de certos pressupostos, a saber: a) existência de uma situação de confiança, traduzida na boa fé subjectiva da pessoa lesada; b) existência de elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível; c) desenvolvimento efectivo de actividades jurídicas assentes nessa crença, d) existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado (vide autor e ob. citadas, págs. 149 e 150);
Com efeito, “(...) a confiança criada, a boa fé, não é factor isolado de valorização duma conduta jurídico-administrativamente relevante” (cfr. Mário Esteves Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, em Código do Procedimento Administrativo, comentado, 2ª edição, pág. 116);
Mais referem “(...) é ousada essa cláusula geral, porque refere o dever de boa fé a todas as “formas e fases” da actividade administrativa, quando, por exemplo, nalgumas dessas formas (...) não sobra praticamente campo de valorização jurídica do princípio da boa fé para além da garantida pela intervenção dos princípios da (legalidade e da igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e justiça. (...).“ (Autores e ob. cit., pág. 112);
De resto, ainda nas palavras dos citados Autores, “(...) Subjectivamente, a boa fé é essencialmente um estado de espírito, uma convicção pessoal sobre a licitude da respectiva conduta, sobre estar a actuar-se em conformidade com o direito” (ob. cit., pág. 108);
O que pressupõe e implica, no seguimento do entendimento perfilhado pelos mesmos Professores, que o princípio da boa fé perde forçosamente a sua força normativa, se e quando a Administração Pública se vê confrontada com a obrigação vinculada e estrita de obedecer à Lei e ao Direito;
Aqui carece de sentido a alegada violação do princípio da confiança, já que não se mostram aplicadas quaisquer disposições legais, fora do seu âmbito e contexto, quer pelo Recorrido, quer pelo Tribunal a quo;
Assim sendo, face aos elementos recolhidos e à luz do quadro normativo aplicável, bem andou o TAF de Viseu ao julgar improcedente a acção.
Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique e DN.

Porto, 25/10/2024

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Paulo Ferreira de Magalhães