Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01674/07.7BEVIS |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 10/11/2024 |
Tribunal: | TAF de Viseu |
Relator: | RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA |
Descritores: | MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE MATÉRIA DE FACTO; DEPENDÊNCIA UMBILICAL COM O ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO; |
Sumário: | I- Nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 662º do C.P.C., o Tribunal Superior só deve alterar a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuser decisão diversa. II- Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova. III- Estando a demonstração do erro de julgamento de direito umbilicalmente dependente da validação da tese associada ao erro de julgamento de facto, a inverificação desta determina a improcedência daquele.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos: * * I – RELATÓRIO 1. O MUNICÍPIO ..., Réu nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM em que é Autora a sociedade comercial [SCom01...], S.A., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do T.A.F. de Viseu, editada em 12.06.2023, que julgou “(…) a presente ação procedente, por provada e, consequentemente, [condenou] a Entidade Demandada a proceder ao pagamento de uma indemnização à Autora no montante global de € 236.600,97, pelos danos resultantes da prorrogação do prazo de execução da empreitada por 157 dias, acrescido de juros de mora sobre o montante de € 215.057,19, às taxas de juros comerciais, desde a citação até efetivo e integral pagamento (…)”. 2. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) I. Vem o presente recurso interposto da Decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que, julgando a presente acção provada e procedente, condenou a ED, aqui Recorrente, a proceder ao pagamento de uma indemnização à A., ora Recorrida, no montante global de € 236.600,97 (duzentos e trinta e seis mil e seiscentos euros e noventa e sete cêntimos), pelos danos resultantes da prorrogação do prazo de execução da empreitada por 157 dias, acrescido de juros de mora sobre o montante de € 215.057,19 (duzentos e quinze mil cinquenta e sete euros e dezanove cêntimos), às taxas de juros comerciais, desde a citação até efectivo e integral pagamento. II. Entendeu o Mmº Tribunal a quo estarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 196º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março (que previa o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas – RJEOP, então aplicável), e, assim, consequentemente, decidiu que a A., aqui Recorrida, tem direito ao pagamento pela Recorrente de uma indemnização por prorrogação do prazo de execução da empreitada. Ora, III. Como se tentará demonstrar, entende-se - sempre com o devido e maior respeito - que o Tribunal a quo não avaliou nem julgou correctamente parte da prova produzida, o que teve como consequência directa o não ter dado como provados factos que, no entender do ora Recorrente, o deveriam ter sido, e ter dado como provados factos que não o poderiam ter sido e que, consequentemente, levariam à prolação duma outra decisão. Está aqui em causa a modificabilidade da decisão relativa à matéria de facto. Vejamos então. IV. No âmbito dos presentes autos defendeu a ora Recorrente que as prorrogações de prazo de execução da empreitada, foram motivadas por atrasos da exclusiva responsabilidade da Recorrida, não podendo a mesma ser indemnizada pelos custos em que incorreu durante os períodos de prorrogação. A factualidade que suporta a posição do Recorrente foi alegada nos artigos 23º a 25º, 27º, 28º a 31º, 33º, 35º a 38º, 39º a 43º e 46º da contestação apresentada. V. Acontece que, contrariamente àquilo que o aqui Recorrente tentou demostrar, entendeu o Tribunal a quo, a Recorrida tem direito a uma indemnização respeitante a esses custos, uma vez que as prorrogações deveram-se a factos imputáveis à Recorrente, designadamente nos atrasos dos trabalhos da EDP. Ora, com o devido e maior respeito, VI. Face à prova produzida entende-se que o Tribunal não fez uma sua correcta apreciação. VII. Para tal conclusão importa ter presente o depoimento da testemunha indicada pelo Recorrente «AA», engenheiro Civil na Câmara Municipal ... desde 1985, director de departamento, ouvida nas sessões de audiência de julgamento realizadas nos dias 28 e 29 de Maio de 2015, as fotografias juntas com a contestação como documentos 1 a 5, Informação n.º 3/05, relativa ao auto n.º 12, Informação n.º 8/05, relativa ao auto n.º 14, Informação n.º 13/05, relativa ao auto n.º 17, e, ainda, o Cronograma Financeiro actualizado de 25.02.2005 (cfr. ponto 36 FP). VIII. Atente-se, especialmente, no depoimento prestado pela Testemunha «AA», na sessão de Audiência de Julgamento que teve lugar no dia 28 de Maio de 2015, aos minutos [02:13:12 – 02:25:00]e [02:30:42 – 02:37:52], e na continuação do depoimento da mesma Testemunha, prestado na sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 29 de Maio de 2015, aos minutos [17:38 a 25:52], [Minutos 26:44 – 42:25], [Minutos 51:52– 01:06:18], [Minutos 01:16:39 – 01:18:36], [Minutos 01:20:02 – 01:29:07], [Minutos 01:47:40 – 01:51:46] IX. Do depoimento acabado de transcrever, bem como da sua confrontação com as fotografias juntas à contestação como documentos 1 a 5, Informação n.º 3/05, relativa ao auto n.º 12, Informação n.º 8/05, relativa ao auto n.º 14, Informação n.º 13/05, relativa ao auto n.º 17, e ainda o Cronograma Financeiro actualizado de 25.02.2005 (cfr. ponto 36 FP), extraem-se os seguintes factos: • Estava contratualmente estipulado que à Recorrida competia a realização de infraestruturas de abastecimento de água e de esgotos domésticos, assim como a aplicação de tout venant e de betuminoso, em todo o passeio • A celebração do contrato da EDP implicou para a Recorrida, para além dos trabalhos contratualizados, a abertura da vala técnica do lado direito do passeio onde seriam colocados os cabos de alta tensão a cargo da EDP, mantendo-se, quanto aos mais, o contratado. • Que uma vez que o preço contratual não incluía estes trabalhos de abertura da vala técnica e entivamento da mesma, o preço para a abertura desta vala, foi acordado e fixado em função das características e da dificuldade do trabalho. • A execução de todos os trabalhos a mais em função dos dez contratos adicionais celebrados entre as partes, que implicaram a alteração do plano inicial de trabalhos, foi paga pela Recorrente à Recorrida nos termos explicitados naqueles contratos. • Recorrente procedeu à revisão de preços nos termos previstos na lei, tanto em relação aos trabalhos a mais como aos trabalhos normais, o que se veio a traduzir na quantia de € 666.000,00 (seiscentos e sessenta e seis mil euros) pagos à Recorrida, para além do inicialmente contratado, valor no qual se inclui a abertura da vala técnica e o seu entivamento. X. Para além disso, e como resulta do depoimento transcrito: • A Recorrida tinha de colocar as infraestruturas contratualizadas no lado direito do passeio. • Só depois de instaladas estas infraestruturas é que teria de abrir a vala técnica e entivar a mesma. • A Recorrida podia ter aberto a vala técnica em toda a extensão da empreitada, e não apenas de 600 em 600 metros, já que nada a impedia, deixando a mesma aberta para que a empreiteira da EDP colocasse os cabos de alta tensão. • Aberta a vala técnica - que sublinhe-se, apenas foi realizada ao longo de uma das faixas de rodagem, mais precisamente sob o passeio (e nalguns casos pontos só em parte deste) do lado direito, no sentido Rotunda da Volvo/Rotunda do Palácio do Gelo - a Recorrida podia ter continuado a realizar os restantes trabalhos ao longo de toda a restante parte da obra, desde o lancil/guia deste passeio, até à totalidade do passeio da faixa da rodagem contrária e em toda a extensão da via rodoviária. • Ademais, a obra da EDP só começou a ser realizada em finais de Setembro de 2004, sete meses depois da consignação e a cerca de dois meses do final previsto para a empreitada. • Todavia, à data do início da obra da EDP, na parte de terreno disponível para laborar estavam por executar vários trabalhos contratados, nomeadamente a realização das infraestruturas que era necessário instalar antes da abertura da vala técnica. XI. Assim, em Maio de 2004: estavam por executar os trabalhos de pavimentação em quase toda a extensão da via, (tanto das faixas de rodagem, como dos passeios e do estacionamento) e, por consequência, todos aqueles cuja execução deles dependeria; estavam por executar, em alguns pontos e em toda a extensão da via, vários trabalhos de terraplanagem e todos os subsequentes que desta dependeriam; XII. Em Setembro de 2004 continuavam por executar grande parte dos trabalhos atrás mencionados, a saber: estavam por fazer as infraestruturas contratuais; havia pavimento e betuminoso por colocar; havia lancis por colocar; havia contra guias por colocar; XIII. Em Outubro de 2004: havia ainda por colocar a camada de tout venant; havia ainda uma parte substancial das duas faixas de rodagem por pavimentar; havia ainda parte do terreno por terraplanar e por aterrar; estava por implantar a totalidade dos postes de iluminação pública; estava por executar a totalidade do passeio respeitante à faixa de rodagem que não foi objecto de obras por parte da EDP; estava por executar o separador central; estavam por colocar as árvores do lado direito; estava ainda por fazer a sinalização horizontal e por colocar a sinalização vertical; XIV. Em Novembro de 2004: estava por executar a totalidade do referido passeio; estava por terraplanar parte das bermas; estava por executar toda a sinalização vertical e horizontal na parte da via já pavimentada e, sobretudo, da que não fora 47 objecto de intervenção por parte da EDP; estavam por colocar lancis laterais e da rotunda; estava por colocar uma camada de betuminoso; estavam por acabar de instalar as infraestruturas contratuais; XV. Em Fevereiro de 2005: continuava por executar a totalidade dos passeios, lancis e guias, mesmo nas partes já concluídas e respeitantes aos trabalhos da EDP; estava por executar a totalidade das rotundas previstas; estava por executar a totalidade dos passeios, lancis, guias, pinturas do pavimento, bem como a sinalização vertical e horizontal; estavam por colocar as árvores. XVI. Permitimo-nos, ainda, notar que em período de tempo abrangido pela prorrogação contratual: XVII. Em 04.02.2002, da Informação n.º 3/05, relativa ao auto n.º 12, constavam os seguintes trabalhos executados: desmatação e limpeza (rotunda Viso Sul); saneamento de terras e demolição de muros; pavimentação e lancis de passeios, separador central e reconstrução de muros de vedação; abertura de valas, remoção de terras, aterros, assentamento de tubagem, ramais de sarjetas e bocas de aqueduto, tudo isto na rede geral de colectores de água; escavação e aterro de valas para a rede de esgotos domésticos, assentamento de tubagem e execução de ramais domésticos; abertura e tapamento de valas para a instalação de iluminação pública. XVIII. Em 08.03.2005, da Informação n.º 8/05, relativa ao auto n.º 14, constavam os seguintes trabalhos executados: demolição de muros (rotunda de Ranhados e rotunda do Viso); execução de pavimentos, abertura e aterro de valas, implementação da iluminação pública (abertura e tapamento de valas, montagem de postes). XIX. Em 20.07.2005, da Informação n.º 13/05, relativa ao auto n.º 17, constavam os seguintes trabalhos executados: execução de pavimentos e de guias nos passeios e estacionamentos, sinalização vertical e horizontal (aposição de marcas longitudinais, transversais e orientadoras de prioridade). XX. Ora, do acabado de expor, entende-se que existiram, inequivocamente, atrasos na normal e atempada execução dos trabalhos da empreitada adjudicada por parte da ora Recorrida, atrasos na execução dos trabalhos contratuais inicialmente previstos, acabados de elencar, enumerados e explicitados ao longo do depoimento da Testemunha «AA», e que, igualmente, resultam expressos e inequívocos do teor de todos os autos de medição realizados e das correspondentes informações técnicas elaboradas pelos serviços internos do Recorrente, e que originaram atrasos na realização das obras associados à abertura da vala técnica. XXI. Parece-nos, salvo melhor opinião, que foi manifestamente demonstrado que a Recorrida não concluiu no prazo inicial muitos dos trabalhos da empreitada a executar em terreno não afectado pelas obras a cargo da EDP. XXII. Havia inúmeros trabalhos contratuais por executar, para além dos trabalhos associados à vala técnica, sendo que a Recorrida teve sempre terreno disponível para executar as obras que lhe competiam, nada a impedindo de ter no local, ao seu serviço e por sua conta, homens e máquinas capazes de as executar. XXIII. Acresce que, durante todo o período de tempo em que decorreram os trabalhos da empreitada a Recorrida teve no local um número de homens (serventes, maquinistas...) e de máquinas inferior (em mais de sete/oito trabalhadores e uma/duas máquinas retroescavadoras e de outro tipo) ao previsto no seu próprio plano de trabalhos, Assim, considerando o acabado de expor, o Mmº Tribunal a quo: XXIV. Devia ter dado como provados os factos alegados pelo ora Recorrente nos artigos 23º a 25º, 27º, 28º a 31º, 33º, 35º a 38º, 39º a 43º e 46º da contestação, o que, com o devido respeito, erradamente não fez. XXV. Devia ter considerado a seguinte redacção nos pontos 47. e 49. do elenco de factos provados:“47. Os trabalhos de abertura da vala, adjudicados à Autora nos termos referidos supra em 16. e 17., não estavam subordinados à programação definida pelo empreiteiro da EDP. 49. Por sua vez, os trabalhos da empreitada podiam ir sendo executados simultaneamente com os trabalhos relativos à vala técnica da EDP.” XXVI. Não devia ter dado como provados os factos constantes nos pontos 48., 50. e 51. dos Factos provados. ASSIM SENDO, como se entende, XXVII. Atendendo à conjugação da prova referida, designadamente, da factualidade resultante do aludido depoimento, conjugada com a identificada prova documental, nos termos do artigo n.º 662º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, deverá ser alterada a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto: XXVIII. DANDO-SE COMO PROVADOS, E ADITANDO-OS À MATÉRIA PROVADA, OS FACTOS CONSTANTES DOS ARTIGOS 23º A 25º, 27º, 28º A 31º, 33º, 35º A 38º, 39º A 43º E 46º DA CONTESTAÇÃO. XXIX. CONSIDERANDO A SEGUINTE REDACÇÃO DOS PONTOS 47. E 49. DO ELENCO DE FACTOS PROVADOS: 47. Os trabalhos de abertura da vala, adjudicados à Autora nos termos referidos supra em 16. e 17., não estavam subordinados à programação definida pelo empreiteiro da EDP. - 49. Por sua vez, os trabalhos da empreitada podiam ir sendo executados simultaneamente com os trabalhos relativos à vala técnica da EDP. XXX. » ELIMINANDO-SE do elenco dos factos provados os pontos 48. 50. e 51. XXXI. Ora, por tudo o exposto, e atenta a alteração da matéria de facto aqui defendida, é forçoso concluir que a maior dificuldade na execução da empreitada, com agravamento dos encargos respectivos, alegada pela Recorrida, só à mesma pode ser imputável, porque à mesma são também imputáveis os atrasos que motivaram as prorrogações havidas. XXXII. Deste modo e não se encontrando preenchidos os pressupostos previstos no artigo 196º do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de Março, nem os pressupostos necessários para que a Recorrida tenha direito a indemnização, deve a Sentença proferida ser revogada e substituída por Decisão que julgue o presente recurso provado e procedente e, em consequência, absolva a Recorrente da presente acção. XXXIII. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo fez uma errada apreciação e valoração da prova, bem como, uma incorrecta aplicação de direito – violou designadamente os artigos 196º do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de Março, o artigo 342º, n.º 1 do Código Civil, e os artigos 266º, n.º 2 e 22º da Constituição da República Portuguesa - pelo que deve a Decisão proferida ser consequentemente revogada com todas as consequências legais. XXXIV. Pelo exposto e, entende-se que a situação fáctica apurada e provada impunham diversa decisão, pelo que, deve o presente recurso ser julgado provado e 51 procedente, devendo, nos termos do art.º 662º, n.º 1 do CPC, proceder-se à alteração a matéria de facto como se defende, proferindo-se Decisão em conformidade (…)”. * 3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida contra-alegou, defendendo a improcedência da apelação e a manutenção do decidido. * 4. Após algumas vicissitudes processuais, o Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida. * 5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no n.º1 do artigo 146.º do C.P.T.A. * 6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta. * * * * II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR 7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA. 8. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir consistem em saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explanados no ponto I) do presente aresto, incorreu em (i) erro[s] de julgamento de (i.1) facto, por errada apreciação e valoração da prova, e de (i.2) direito, por violação do disposto no artigo 196.º do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de março, no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, e nos artigos 266.º, n.º 2 e 22.º da Constituição da República Portuguesa. 9. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar. * * III- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO 10. A Autora intentou a presente ação administrativa comum visando a condenação do Réu no pagamento da quantia de 354,116,00 €, a título de indemnização por danos sofridos pela prorrogação do prazo da execução da empreitada, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da citação. 11. Esta ação foi julgada [parcialmente] procedente, tendo o Réu sido condenado “(…) a proceder ao pagamento de uma indemnização à Autora no montante global de € 236.600,97, pelos danos resultantes da prorrogação do prazo de execução da empreitada por 157 dias, acrescido de juros de mora sobre o montante de € € 215.057,19, às taxas de juros comerciais, desde a citação até efetivo e integral pagamento (…)”. 12. O Recorrente não se conforma com o assim decidido, impetrando-lhe (i) erros de julgamento de (i.1) facto, por errada apreciação e valorização da prova, e de (i.2) direito, por violação do disposto no artigo 196.º do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de março, no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, e nos artigos 266.º, n.º 2 e 22.º da Constituição da República Portuguesa. 13. Realmente, brevitatis causae, o Recorrente clama que o Tribunal a quo incorreu em errada apreciação seleção da matéria de facto provada e não provada, por duas ordens de razão, a saber: 14. A primeira ordem de razão prende-se com o entendimento de que deveria ter sido dado como provado o tecido fáctico vertido nos artigos 23º a 25º, 27º, 28º, 31º, 33º, 35º A 38º, 39º a 43º e 46º da contestação [conclusões IV) a XXIV) e XXVIII]. 15. A segunda ordem de razão relaciona-se com a consideração de que o Tribunal a quo, por um lado, deveria ter considerado a seguinte redação nos pontos 47.º e 49.º do elencos dos factos provados: “(…) 47. Os trabalhos de abertura da vala, adjudicados à Autora nos termos referidos supra em 16. e 17., não estavam subordinados à programação definida pelo empreiteiro da EDP. - 49. Por sua vez, os trabalhos da empreitada podiam ir sendo executados simultaneamente com os trabalhos relativos à vala técnica da EDP (…)” e, por outro, não devia ter dado como provado o tecido fáctico elencado nos pontos 48.º, 50.º, 51.º do probatório coligido nos autos [conclusões XXV) a XXVI) e XXIX e XXX]. 16. Apregoa ainda, desta feita com reporte ao invocado erro de julgamento de direito, em tais termos, que, alterando-se a matéria de facto nos termos supra expostos, impõe-se concluir que a dificuldade na execução da empreitada com agravamento dos encargos só pode ser imputada à Recorrida, dessa sorte, não se mostrando preenchidos os “(…) pressupostos previstos no artigo 196º do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de Março, nem os pressupostos necessários para que a Recorrida tenha direito a indemnização, devendo, por isso, a Sentença proferida ser revogada e substituída por Decisão que julgue o presente recurso provado e procedente e, em consequência, absolva a Recorrente da presente acção (…)”.[conclusões XXXI) a XXXIV)]. 17. Vejamos estas questões especificadamente. 18. Assim, e com reporte ao primeiro esteio argumentativo, importa que comece por sublinhar que a impugnação da matéria trazida a juízo recursivo observa os ditames da normação contida no artigo 640.º do CPC, n.º 1, a) a c), e n.º 2, a), do NCPC, pelo que importa conhecer do recurso nesta parte. 19. Do preceituado no n.º1 do artigo 662.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, ressuma com evidência que este Tribunal Superior deve alterar a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuser decisão diversa. 20. Na interpretação desta normação de lei ordinária, decidiu-se no aresto do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02.11.2017, o seguinte:“(…) o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade. Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade. A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem. (...) O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis. E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. (...). Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados. Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre a apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância. Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação. Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos não apreensíveis na gravação dos depoimentos. Em suma, na reapreciação das provas em segunda instância não se procura uma nova convicção diferente da formulada em primeira instância, mas verificar se a convicção expressa no tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que consta da gravação com os demais elementos constantes dos autos, que a decisão não corresponde a um erro de julgamento (…)”. 21. Posição que se acolheu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 27.11.2020, tirado no processo n.º 01291/14.5BEAVR: “(…) Nesse domínio, impõe-se precisar que da conjugação do regime jurídico previsto nos arts. 637º, n.º 2, 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), 641º, n.º 2, al. b) e 662º do CPC ex vi art. 1º do CPA, é pacífico o entendimento que perante o direito positivo processual vigente, sempre que esteja em causa a impugnação do julgamento da matéria de facto em relação a facticidade cuja prova ou não prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos ao princípio da livre apreciação, a 2.ª Instância tem de efetuar um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, considerando os meios de prova indicados pelo apelante no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da 1ª Instância, formando a sua convicção autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e recorrendo a presunções judiciais ou naturais, embora esteja naturalmente limitado pelos princípios da imediação e da oralidade, “devendo alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência” Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 273 e 274; Acs. STJ de 14/01/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.S1; RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BRGC.C1, in base de dados da DGSI. No entanto, para que ao tribunal ad quem seja consentido alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, nos termos do art. 662º, n.º 1 do CPC, não basta que a prova indicada pelo apelante, conectada com a restante prova constante dos autos, a que o tribunal ad quem, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se, consinta esse julgamento de facto diverso, mas antes que o determine, isto é, que o “imponha”. Essa exigência legal fixada pelo mencionado n.º 1 do art. 662º decorre da circunstância de se manterem em vigor no atual CPC os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova. Deste modo, apesar de serem de rejeitar as teses que defendem que a modificação da decisão de matéria de facto apenas está reservada para os casos de “erro manifesto” e, bem assim aquelas que sustentam não ser permitido à 2.ª Instância contrariar o juízo formulado pela 1ª Instância relativamente a meios de prova que são objeto do princípio da livre apreciação da prova, importa ter presente que os princípios da livre apreciação da prova, da imediação, da oralidade e da concentração se mantêm vigorantes e que como decorrência dos mesmos e da consideração que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, não se pode aniquilar, em absoluto, a livre apreciação da prova que assiste ao juiz da 1ª Instância, sequer desconsiderar totalmente os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, que tornam percetíveis a esse julgador, que intermediou na produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação da sua convicção, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem através da mera audição da gravação áudio dos depoimentos pessoais prestados em audiência final. Como tal, os poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, isto é, quando depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova produzida que entenda pertinente, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. Deriva do que se vem dizendo que após a 2.ª Instância ter feito esse seu julgamento autónomo em relação à matéria de facto impugnada pela apelante, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso”Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609 (…)”. 22. Reiterando esta linha jurisprudencial, tem-se, portanto, por assente que, perante a impugnação do tecido fáctico fixado em 1.ª instância, impende sobre o Tribunal Superior a realização de um novo julgamento, encontrando-se a alteração do tecido fáctico fixado em 1.ª instância apenas reservada para as situações em que a prova produzida imponha decisão diversa, o que não sucede quando o Tribunal ad quem, apreciada essa prova, propende antes para uma diferente convicção, contudo, não imposta pela prova produzida. 23. Realmente, inexistindo uma convicção inevitável quanto à prova produzida, o Tribunal Superior terá que conceder na prevalência da decisão proferida pela 1.ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova. 24. Cientes destes considerandos de enquadramento, atentemos, agora, no caso sub juditio. 25. O Recorrente veio pugnar pela alteração da decisão sobre a matéria de facto, por manter a firme convicção de que o Tribunal a quo teria feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitiria (i) que se dessem como demonstrados os factos alegados nos artigos 23.º a 25.º, 27º, 28º, 31º, 33º, 35º a 38º, 39º a 43º e 46º da contestação; (ii) que considerasse a seguinte redação nos pontos 47º e 49º do elenco dos factos provados: “(…) 47. Os trabalhos de abertura da vala, adjudicados à Autora nos termos referidos supra em 16. e 17., não estavam subordinados à programação definida pelo empreiteiro da EDP. - 49. Por sua vez, os trabalhos da empreitada podiam ir sendo executados simultaneamente com os trabalhos relativos à vala técnica da EDP (…)”, e ainda, (iii) que não se dessem como provados os pontos 48º, 50º, 51º do probatório. 26. Julgamos, porém, que os termos em que o Recorrente desenvolve a sua argumentação são absolutamente imprestáveis para fulminar a decisão com o invocado erro de julgamento de facto, desde logo, por falta de certeza das premissas em que se baseiam. 27. Na verdade, a realidade vertida no artigo 47º do probatório coligido nos autos – de teor idêntico à alegação contida no artigo 25º do libelo inicial - foi expressamente admitida pelo Recorrente no artigo 19º da sua contestação, tornando qualquer resolução em torno da admissibilidade do argumentário aduzido pelo Recorrente no domínio em análise. um exercício inócuo e estéril, por desprovido de qualquer fundamento. 28. Por sua vez, é certo e sabido que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no artigo 607.º, n.º 5, 1.ª parte, do CPC. 29. O Tribunal a quo deu como provado que (i) “(…) Os trabalhos de abertura da vala, adjudicados à Autora nos termos referidos supra em 16. e 17., estavam subordinados à programação definida pelo empreiteiro da EDP (…)” [artigo 47º]; que (ii) “(…) A abertura da vala ia sendo feita por troços definidos pelo empreiteiro da EDP, sendo que cada troço só podia ser aberto após tapamento do troço anterior (…)” [artigo 48º]; (iii) que “(…) Os trabalhos da empreitada só podiam ir sendo executados após e à medida da conclusão dos trabalhos relativos à vala técnica da EDP, pelo empreiteiro desta (…)” [artigo 49º]; (iv) que “(…) Os trabalhos da empreitada só podiam ir sendo executados após e à medida da conclusão dos trabalhos relativos à vala técnica da EDP, pelo empreiteiro desta (…)” [artigo 50º]; e ainda (v) que “(…) o empreiteiro da EDP foi atrasando os trabalhos de instalação dos cabos e tapamento dos diversos troços da vala, impossibilitando a Autora de dar seguimento aos seus trabalhos (…)” [artigo 51º]. 30. Escrutinada a motivação da matéria de facto, logo se constata que, para a prova destes factos, o Tribunal teve em atenção o teor dos documentos elencados nos pontos 25), 28), 29), 30), 31), 32), 33), 37), 38), 40) e 41) do probatório, analisando-os conjuntamente com os depoimentos prestados pelas testemunhas «BB» e «CC», inequívocos na afirmação, de entre outras realidades, (i) que os trabalhos de abertura da vala que haviam sido adjudicados à Autora estavam subordinados à programação definida pelo empreiteiro da EDP, concretamente pela empresa [SCom02...]; (ii) que a abertura da vala ia sendo feita por troços definidos por esse mesmo empreiteiro, sendo que cada troço só podia ser aberto após tapamento do troço anterior e que os trabalhos da empreitada só podiam ir sendo executados após e à medida da conclusão dos trabalhos relativos à vala técnica da EDP, pelo empreiteiro desta; e ainda (iii) que o empreiteiro da EDP foi atrasando os trabalhos de instalação dos cabos e tapamento dos diversos troços da vala, impossibilitando a Autora de dar seguimento aos seus trabalhos, tendo a Autora alertado, por diversas vezes, a Entidade Demandada para os atrasos verificados e para as suas consequências, designadamente, impossibilidade de execução de trabalhos sequenciais aos trabalhos do empreiteiro da EDP, bem como mão-de-obra e equipamento parados ou subaproveitados tais trabalhos consistiam na abertura de uma vala ao longo do traçado da obra. 31. Esta convicção, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, é uma das soluções possíveis, desde logo, por encontrar correspondência com a essencialidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas, para além de se mostrar indiretamente suportada pelos elementos documentais vertidos no probatório coligidos, expressivos da existência de um problema com a execução de trabalhos preparatórios por parte do empreiteiro da EDP, com reflexos na execução global da empreitada. 32. O Recorrente procura obviar a convicção assim formada pelo Tribunal a quo, alertando para a existência do depoimento prestado pela testemunha «AA», representativo de uma realidade contrária à afirmada pelo Tribunal a quo. 33. Esta alegação em torno da falta de ponderação do depoimento prestado pela testemunha «AA» merece a nossa objeção. 34. De facto, percorrendo a motivação da matéria de facto, ressuma cristalino que o teor do depoimento da testemunha foi, efetivamente, equacionado no julgamento da matéria de facto. 35. Contudo, o mesmo não foi capaz de convencer o Tribunal a quo, sobretudo, por incidir sobre alegados atrasos na execução da empreitada por parte da Autora durante o decurso do ano de 2004, período temporal que não integra o núcleo gerador da indemnização peticionada nos autos, como se sabe, apenas reportado a duas prorrogações legais do prazo, a primeira de 86 dias concedida por deliberação de 13.02.2005 até 20.04.2005, e a segunda de 71 dias concedida por deliberação datada de 13.06.2005 até 30.06.2005. 36. Tal é o que decorre, inexoravelmente, da motivação da matéria de facto que ora se transcreve: “(…) De realçar que os depoimentos das testemunhas arroladas pela Entidade Demandada, «AA», engenheiro civil na Câmara Municipal ... desde 1985, sendo diretor de departamento, e «DD», assistente técnico na Câmara Municipal ... desde 1988, incidiram sobretudo sobre alegados atrasos na execução da empreitada por parte da Autora, mormente durante o decurso do ano de 2004. Sucede que, como resulta do probatório, a empreitada da responsabilidade da Autora era de 10 meses a contar da consignação, que ocorreu em 16.02.2004, prevendo, desse modo, o plano de trabalhos o término em 16.12.2005, o qual foi aprovado por deliberação de 15.03.2004 [cfr. pontos 1. a 6. do probatório], tendo, no entanto, sido celebrados dez contratos adicionais de trabalhos a mais e de trabalhos a menos [cfr. pontos 7., 8., 9., 14., 15., 16., 19., 20. e 21. do probatório], na sequência dos quais veio a ser concedida uma primeira prorrogação legal do prazo por 43 dias, ou seja, até 28.01.2005 [cfr. pontos 23., 24. e 26. do probatório]. Ora, quanto a estes 43 dias de prorrogação legal, a Autora não peticiona qualquer indemnização, porquanto todos os custos diretos e indiretos estão incluídos nos respetivos preços constantes dos referidos contratos adicionais. Com efeito, a Autora apenas peticiona indemnização pelas duas outras prorrogações legais do prazo, concretamente de 86 dias (até 20.04.2005) concedida por deliberação datada de 13.02.2005, [cfr. ponto 34. do probatório] e de 71 dias (até 30.06.2005) concedida por deliberação datada de 13.06.2005 [cfr. ponto 42. do probatório], as quais, e como se disse supra, foram concedidas por motivos não imputáveis à aqui Autora, mas antes devido aos problemas e atrasos resultantes dos trabalhos da responsabilidade da EDP. Com efeito, ainda que eventualmente possam ter havido atrasos da responsabilidade da Autora, a verdade é que, da documentação acima referida, dúvidas não há de que aquelas duas últimas prorrogações foram motivadas pelos atrasos nos trabalhos da responsabilidade da EDP e não dos da aqui Autora, sendo também certo que não existe nos autos qualquer comunicação da parte da Entidade Demandada a dar conta da existência de atrasos da parte da Autora (…)” [destaque nossos]. 37. Sendo esta uma prerrogativa do Tribunal à luz do princípio da livre apreciação da prova colhido no art. 607º, n.º 5, do CPC, é de manifesta evidência que não se mostra evidenciada a tese do Recorrente em torno da falta de ponderação do dito depoimento no domínio da realidade motivacional em análise. 38. Naturalmente, pode objetar-se que o Tribunal recorrido errou ao desconsiderar assim o depoimento prestado pela testemunha «AA». 39. Porém, em momento algum o Recorrente procura afastar o enquadramento temporal afirmado pelo Tribunal a quo quanto ao depoimento em questão, designadamente, estendendo-o ao período verdadeiramente conexo com o direito indemnizatório peticionados nos autos, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão relativamente à validação da tese invocada pelo Recorrente com base neste depoimento. 40. As razões que se vem de invocar valem, igualmente, para a pretensão de demonstração da realidade vertida nos artigos 23º a 25º, 27º, 28º, 31º, 33º, 35º a 38º, 39º a 43º e 46º da contestação e, bem assim, de eliminação do tecido fáctico plasmado nos artigos 48º, 50º e 51º, pois também elas assentam na ponderação do depoimento prestado pela testemunha «AA». 41. Em todo o caso, e para que não subsistam quaisquer dúvidas, se dúvidas se suscitassem sobre o bem fundado da decisão impugnada, ainda assim não seria de alterar a decisão sobre a matéria de facto. 42. Na verdade, não estamos perante nenhuma situação de meio legal de prova plena, - seja tal meio documental aferido nos termos do artigo 371.º, n.º1 do CPC, por confissão ou por admissão -, nem sequer perante nenhuma situação de prova livre confirmada reflexamente por tais termos probatórios. 43. Por sua vez, contra a realidade invocada pela testemunha «AA» milita, como se sabe, a representação fáctica emergente dos depoimentos prestados pelas testemunhas «BB» e «EE», expressivos em sentido contrário. 44. Perante este cenário de evidente antagonismo testemunhal e atendendo à fragilidade intrínseca da prova produzida, impõe-se invocar o ensinamento de Ana Luísa Geraldes, in "Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto" - Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, página 609, segundo a qual: "Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova". 45. Neste enquadramento, e atendendo à posição de “paridade probatória” dos elementos documentais convocados pelo Recorrente vis-à-vis aqueles convocados pelo Tribunal recorrido como esteio da sua convicção, somos compelidos a concluir, em estrita observância dos princípios da imediação, oralidade e livre apreciação da prova, também por esta motivação, pela manutenção do juízo factual formulado pela primeira instância. 46. Assim deriva, naturalmente, que se não antolha a existência de qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique a reversão da materialidade coligida no probatório, com que fica negada a procedência do imputado erro de julgamento da mesma. 47. Ponderado o acabado de julgar, temos por assente que a factualidade pertinente à demanda recursiva se consubstancia unicamente naquela que mereceu acolhida pela douta sentença censurada, a qual, por economia processual, aqui se reputa integralmente reproduzida, conforme decorre do preceituado no art.º 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil. 48. Dirimida esta querela, cumpre agora ajuizar se o Recorrente logra razão ao sustentar que a douta decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do disposto no artigo 196.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, no artigo 342º, n.º 1 do Código Civil, e nos artigos 266.º, n.º 2 e 22.º da Constituição da República Portuguesa. 49. Adiante-se, desde já, que a indagação suscitada encontra resposta desfavorável às pretensões do Recorrente. 50. Na verdade, defende o Recorrente que “(…) atenta a alteração da matéria de facto aqui defendida, é forçoso concluir que a maior dificuldade na execução da empreitada, com agravamento dos encargos respectivos, alegada pela Recorrida, só à mesma pode ser imputável, porque à mesma são também imputáveis os atrasos que motivaram as prorrogações havidas. XXXII. Deste modo e não se encontrando preenchidos os pressupostos previstos no artigo 196º do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de Março, nem os pressupostos necessários para que a Recorrida tenha direito a indemnização, deve a Sentença proferida ser revogada e substituída por Decisão que julgue o presente recurso provado e procedente e, em consequência, absolva a Recorrente da presente acção (…)”. 51. A constelação argumentativa, como está bom de ver, que se vem de transcrever enuncia o sentido provável a atravessar ao erro de julgamento de direito em análise. 52. De facto, caso resulte demonstrada a tese do Recorrente no domínio do erro de julgamento da matéria de facto, será de proceder o erro de julgamento de direito imputado à decisão judicial recorrida, pois que esta se mostrará destituída de real fundamento legitimador do seu dispositivo. 53. Em sentido inverso, isto é, não sendo de acolher a tese do Recorrente no domínio da invocada “errada apreciação e fixação da matéria de facto”, não será de admitir a procedência do erro de julgamento em análise, por falta de demonstração dos necessários pressupostos prévios integradores da tese do Recorrente. 54. Pois bem, no caso sub juditio, já vimos que não se divisa qualquer erro de julgamento da matéria de facto coligida nos autos. 55. Por conseguinte, em consonância com a lógica que se vem supra de expor, falece inteiramente o erro de julgamento de direito em análise. 56. E assim improcedem todas as conclusões do recurso sub juditio. 57. Consequentemente, impõe-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida. 58. Ao que se proverá no dispositivo. * * IV – DISPOSITIVO Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da C.R.P., em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional em análise, e confirmar a sentença recorrida. Custas pelo Recorrente. Registe e Notifique-se. * * Porto, 11 de outubro de 2024, Ricardo de Oliveira e Sousa Clara Ambrósio Tiago Afonso Lopes de Miranda |