Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02486/15.20BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/14/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:REALIZAÇÃO OBRAS PÚBLICAS, INEXISTÊNCIA CONTRATO., NULIDADE – EFEITOS – ART.º 289.º-1 CÓDIGO CIVIL, JUROS MORA.
Sumário:1 . Inexistindo dúvidas acerca da nulidade de contratos de empreitada verbais, da aplicação do n.º1 do art.º 289.º do Código Civil, importa, dada a impossibilidade objectiva de restituição em espécie, a condenação da Ré no pagamento do valor correspondente à utilidade advinda da realização das obras executadas, o que se consubstancia nos valores indicados, peticionados pela A./Recorrida, julgados provados, atento o valor total, deduzida a quantia já paga.

2 . Desconhecendo-se, objectivamente e com rigor, a data da citação judicial ou interpelação, a data relevante para o início do cálculo dos juros civis devidos, devem contar-se na data da citação da Ré para a presente acção.
Recorrente:JUNTA de FREGUESIA (...)
Recorrido 1:I., LDA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . A JUNTA de FREGUESIA (...), Município de (...), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Braga, datada de 21 de Março de 2019, que julgando procedente a acção administrativa comum instaurada por "I., Lda.", com sede na Rua (...), a condenou a pagar à A./Recorrida a quantia de 23.944,47 €, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde 1/8/2012 até integral pagamento.
*
Nas suas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
"1. Da ausência de prova quer do preço que a Ré terá aceite pagar pelos trabalhos efetuados, quer do valor dos mesmos e suas consequências:
A) Analisados Factos Provados constantes na sentença recorrida, constata-se desde logo que apenas se provou que a Autora faturou determinados serviços (cfr. Facto Provado 4), mas NÃO SE PROVOU QUE O PREÇO ALEGADO/FATURADO PELA AUTORA TENHA SIDO ACEITE/ACORDADO PELA RÉ bem como que NÃO SE PROVOU 0 VALOR CONCRETO DOS TRABALHOS EFETUADOS PELA AUTORA.
B) Sucede que, para fazer corresponder o almejado "valor correspondente aos trabalhos efetuados decorrentes de contratos nulos" ao valor das faturas unilateralmente emitidas pela Autora (solução escolhida pela Tribunal "a quo") era essencial demonstrar que o mesmo correspondia a contraprestação acordada/aceite pela Ré, o que manifestamente não foi cumprido. Alias, essa e a posição expressamente seguida pelo Acórdão do STA de 24/10/2006, proferido no processo 732/05, invocado a fls. 15, 16 e 17 da douta sentença recorrida, quando refere "(...) Nos contratos de execução continuada em que uma das partes beneficia do gozo de uma coisa - como no arrendamento - ou de serviços - como na empreitada, no mandato ou no depósito - a restituição em espécie não é, evidentemente, possível. Nessa altura, haverá que restituir o valor correspondente o qual, por expressa convenção das partes, não poderá deixar de ser a da contraprestação acordada. Isto é: sendo um arrendamento declarado nulo, deve a "senhorio"restituir as rendas recebidas e o "inquilino" o valor relativo ao gozo de que desfrutou e que equivale, precisamente, as rendas. Ambas as prestações restituitórias se extinguem, então, por compensação, tudo funcionando, afinal, como se não houvesse eficácia retroactiva, nestes casos. (...)" (cfr. fls. 16 e 17 da sentença recorrida realce e sublinhado nosso). Percebe-se a tese seguida por este Acórdão STA de fazer equiparar o "valor correspondente aos trabalhos efetuados decorrentes de contratos nulos" ao preço acordado, pois aí há um consenso entre as partes quanta ao valor das obras em causa. No entanto, como vimos supra, tal não ocorreu no presente caso.
C) Na verdade, apesar de o invocar em defesa da sue tese, constata-se que o Tribunal "a quo" não seguiu o entendimento do referido Acórdão STA de 24/10/2006 pois, na ausência de prove da referida "contraprestação acordada" ou preço acordado/aceite entre as partes, optou pelos valores que foram unilateralmente faturados pela Autora e que não se provou que tenham sido aceites pela Ré.
D) Deste modo, pelos motivos supra expostos, entendemos que o Tribunal "a quo" utiliza um raciocínio equivocado, partindo de premissas erradas que acabam por inquinar as suas conclusões e subsequente decisão. Não podemos aceitar que se faca corresponder o "valor correspondente aos trabalhos efetuados decorrentes de contratos nulos" aos valores faturados unilateralmente pela Autora como decidiu a douta sentença recorrida, sendo que essa decisão contraria as decisões judiciais dos tribunais superiores em que a mesma expressamente se fundamenta.
E) Por outro lado, não existindo um preço acordado, também não se provou qual o efetivo valor concreto correspondente aos trabalhos efetuados decorrentes dos contratos declarados nulos. Com efeito, apesar de a Ré ter impugnado/não aceite o respetivo preço, o certo é que competia a Autora provar qual o valor concreto das obras em questão, pois o ónus da respetiva prova era seu. A Autora optou por nada fazer, não tendo provado qual o valor das obras como lhe competia.
F) Não faz sentido que, para esse efeito, se utilize como referência, como decidiu o Tribunal "a quo", o valor unilateralmente faturado pela Autora, pois aceitar tal procedimento corresponderia a abrir uma caixa de Pandora de consequências imprevisíveis. Consequentemente, a presente ação sempre teria de ser julgada improcedente.
G) Como se isso não bastasse, existem muitos outros indícios que afetam a credibilidade das alegadas faturas emitidas pela Autora em causa nos presentes autos, designadamente:
· O período de tempo que decorreu entre a execução dos referidos trabalhos (1999 a 2001) e o vir exigir o pagamento do respetivo preço (cerca de 12 anos);
· O facto de terem sido juntas meras fotocópias de faturas e não as originais;
· O facto de diversas faturas terem sido emitidas pela Autora com rasuras e com números de contribuinte da Ré diferentes entre si (cfr. factos provados 5 e 6)
· O facto de, apesar de notificada expressamente para o efeito, a Autora não ter conseguido juntar aos autos um orçamento por si elaborado, um auto de medição das obras realizadas, um contrato ou qualquer outra evidência que suportasse a sua pretensão ou que, pelo menos, permitisse suspeitar que os valores por si reclamados tivessem fundamento:
H) Por tudo isto, não pode a Ré aceitar acriticamente que os valores faturados exclusivamente pela Autora correspondam ao valor da obra em causa. Com efeito os procedimentos impostos pela lei para celebração e execução dos contratos de empreitada públicos não são meras formalidades ou burocracias. Eles existem em defesa do interesse público, salvaguardando o principio da legalidade, principio da prossecução do interesse publico, principio da transparência, principio da publicidade, principio da igualdade, principio da concorrência, principio da imparcialidade, principio da proporcionalidade, principio da boa fé, principio da responsabilidade e principio da estabilidade. Todos estes princípios foram clamorosamente ofendidos com esta decisão "a quo", pelo que a Ré não a pode aceitar, impondo-se o presente recurso.
B) Da errónea fixação dos juros de mora:
I) Conforme consta na douta sentença recorrida, o Tribunal "a quo" entendeu que os juros de mora seriam devidos desde a data em que a Ré "terá sido citada" para a execução, equiparando-a a uma interpelação para pagamento do prego dos alegados contratos de empreitada. No entanto, o Tribunal "a quo" parece não ter levado em consideração que a interpelação/citação para pagamento de um preço diz respeito a alegados contratos que foram declarados nulos (inválidos) pelo próprio Tribunal. Assim, tal interpelação para cumprimento de um contrato que afinal é inválido não pode valer para o presente caso. Uma coisa é interpelar para o pagamento de um preço fixado num pretenso acordo, outra é interpelar para restituir o que foi prestado na sequência da declaração de nulidade de um contrato, como sucede no presente caso.
J) No máximo, os juros de mora, a serem devidos, teriam de ser calculados desde em que foi proferida a sentença que decretou a nulidade do contrato de empreitada e determinou a restituição de um certo a determinado valor e não a partir de 01/08/2012. Consequentemente, deve a douta sentença recorrida ser revogada em conformidade também nesta parte.
C) Da errónea fixação das custas da presente ação:
K) O Tribunal "a quo" condenou ainda a Ré no pagamento integral das custas. No entanto, analisada a p.i., constata-se que a Autora pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de EUR 56.489,10 acrescida do demais vincendo a titulo de juros, custos e custas até integral pagamento, enquanto, na sua decisão, o Tribunal "a quo" "apenas" a condenou a pagar-lhe a quantia de EUR 23.944,47, acrescida de juros até integral pagamento, o que corresponde a um decaimento para a Autora superior a 50%.
L) Ora, parece-nos óbvio que a Autora não obteve total vencimento na sua ação, muito pelo contrário. Deste modo, a responsabilidade pelas custas deve ser determinada na proporção do decaimento de cada parte, como obriga o art. 527º/2 do CPC, e não 100% da responsabilidade da Ré, como erroneamente decidiu o Tribunal "a quo". Consequentemente, deve a douta sentença recorrida ser revogada em conformidade também nesta parte.
D) Da impugnação da matéria de facto considerada provada e não provada:
D.1) Dos factos alegados nos arts. 18° e 19 ° da Contestação;
M) Desde logo, entende a Ré que os factos alegados nos arts. 18° e 19° da Contestação foram incorretamente julgados pois, dada a sua relevância, deveriam fazer parte da sentença, mais concretamente declarando-os "Factos Provados". Os meios de prova que impunham essa decisão são os seguintes:
· Requerimento/declaração da Ré de 04/02/2016, junto a fls. ... dos autos, no qual consta designadamente, que, após buscas, apurou-se que Não foi adoptado qualquer procedimento de contratação público da Autora sobre as obras em questão; Não existe qualquer deliberação dos seus órgãos representativos (Junta de Freguesia ou Assembleia de Freguesia) a adjudicar à Autora as obras reclamadas; Não existe sequer qualquer orçamento, contrato de empreitada ou auto de medição escrito celebrado entre a Autora e a Ré sobre essas mesmas obras.
· Na parte final da sua contestação, junta a fls. ... dos autos, e requerimento da Autora de 22/03/2018, a fls. ... dos autos pelo qual a Autora, após notificação para juntar contrato, orçamentos, autos de medição, afirmou não possuir tal documentação
· Depoimento da testemunha A., inquirida na audiência final de 20 de Março de 2019, com depoimento gravado no programa informático "sitaf" com inicio 01:07:00 a 01:21:26, mais concretamente na passagem 01:08:20 a 01:10:50,
· Depoimento da testemunha M., inquirida na audiência final de 20 de Março de 2019, com depoimento gravado no programa informático "sitaf" com inicio 01:31:42 a 01:41:32, mais concretamente na passagem 01:32:00 a 01:37:40.
N) Face ao exposto, através da conjugação dos elementos de prova atrás mencionados, parece-nos que devem ser considerados Provados os seguintes Factos (correspondentes aos arts. 18 e 19 da Contestação): 18) Não existe qualquer deliberação da JUNTA de FREGUESIA (...) e da Assembleia de Freguesia de Palme a adjudicar as obras mencionadas à aqui Autora (nomeadamente ampliação do cemitério, construção de capela de repouso, pavimentação do caminho da capela e construção de um muro no lugar da granja); e 19) Não existe qualquer orçamento, contrato de empreitada escrito ou auto de medição tendo em vista a realização, acompanhamento e/ou fiscalização dessas mesmas obras cujo pagamento a Autora agora reclama;
O) Consequentemente, devem tais factos passar a constar dos Factos Provados pois, não só foram atempadamente alegados pela Ré na sua contestação, como tem grande relevância para a boa decisão da causa.
D.2) A parte final Facto Provado 8 constante da sentença:
P) A parte final do Facto Provado 8 também foi também incorretamente julgado, pois sendo a citação um ato formal só poderia ser provada por documento. Com efeito, no seu ponto 8, o Tribunal "a quo" considerou provado o seguinte: "Na sequência, a Autora intentou processo executivo, tendo a Ré sido citada em junho ou julho de 2012;"
Q) Entende a Ré que o Tribunal "a quo" não poderia dar como provada a data da citação, muito menos utilizando a expressão "sido citada em Junho ou Julho de 2012.". uma vez que tal facto só poderia ser provado par documento e não tendo o mesmo sido junto, parece-nos que o Tribunal não poderia dar como provada a data da citação.
R) Consequentemente, deve a expressão "tendo a Ré sido citada em Junho ou Julho de 2012", ser considerado "Não provado;" e consequentemente a redação do Facto Provado 8 ser alterada em conformidade, o que desde já se requer;
E) Da caducidade da presente acção:
S) No seu requerimento de injunção a Autora fundou a sua pretensão em hipotéticos contratos de empreitada de obras públicas alegadamente celebrados em 1999, 2000 e 2001, os quais reger-se-iam pelo Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Publicas aprovado pelo DL 59199, de 02/03.
T) E, aplicando as normas de caducidade previstas nesse regime jurídico, em vigor à data da sua pretensa celebração, ocorreu a caducidade da presente acção, atento o disposto no art. 255° do RJEOP previsto no DL 59/99 de 02/03, as questões que se suscitem sobre interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada de obras públicas tem de ser interpostas no prazo de 132 dias, o que não aconteceu. Note-se que esse prazo de caducidade de 132 dias decorreu integralmente ainda na vigência do RJEOP previsto no DL 59/99 de 02/03, pelo que a referida caducidade ocorreu (se consolidou) antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de Janeiro.
U) Por outro lado, segundo estabelecia nesse altura o Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 54-A/99, de 22 de Fevereiro, seu ponto 2.3.4.2, alínea h), em vigor na altura das alegadas empreitadas de obras publicas, 'o credor deve pedir o pagamento dos encargos regulamentares assumidos e não pagos, no prazo improrrogável de três anos, a contar de 31 de Dezembro do ano a que respeita o crédito. Deste modo, a Autora apenas poderia requerer o pagamento, no prazo improrrogável de três anos, a contar de 31 de Dezembro do ano a que respeita cada um dos créditos invocados, sendo que também se trate de um prazo de caducidade de acção.
V) Ora, sendo os alegados créditos invocados pela Autora de 1999, 2000 e 2001, e evidente que tal prazo de 3 anos também se encontra há muito ultrapassado. Consequentemente, pelos motivos supra expostos, sempre teriam caducado os direitos reclamados pela Autora.
F) Da inexistência dos alegados contratos de emp. obras publicas invocados:
W) Acresce que, consultados os Livros de actas da JUNTA de FREGUESIA (...) e da Assembleia de Freguesia de Palme, constata-se que não existe qualquer deliberação destes órgãos a adjudicar as obras mencionadas no requerimento de injunção a aqui Autora, bem como não existe qualquer orçamento, contrato de empreitada ou auto de medição tendo em vista a realização, acompanhamento e/ou fiscalização dessas mesmas obras cujo pagamento a Autora agora reclama.
X) Assim, nenhuma deliberação da JUNTA de FREGUESIA (...) houve que adjudicasse as obras de construção mencionadas na p.i. a Autora, nem sequer por simples administração directa. Sendo certo que todos os actos administrativos praticados pela Junta de Freguesia devem ser sempre consignados em acta, sem o que não produzirão efeitos (art. 122° do CPA).
Y) Bem como não foi efectuado qualquer procedimento de cantata* pública legalmente admissível (concurso publico, ajuste directo, etc) que justificasse a celebração desses alegados contratos de empreitada com a Autora.
Z) Consequentemente e forçoso reconhecer que esses alegados contratos de empreitada verbais, mesmo que existissem (o que não se aceita), teriam de ser considerados juridicamente inexistentes, je que não houve legal manifestação de vontade do órgão Junta de Freguesia, faltando elementos essenciais da noção de acto administrativo. "O acto administrativo e, portanto, inexistente quando seta emanado dos membros de um órgão colegial que não se reuniram, que se reuniram mas sem o quórum legal ou que, em reunião sem quórum, tomaram a deliberação sem a maioria simples dos votos dos presentes." (M. Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, Vol. I, pág. 534).
AA) E sendo declarados inexistentes, os mesmos não podem produzir quaisquer efeitos na ordem jurídica, não podendo a Ré ser condenada a restituir a Autora qualquer montante.
G) Da ausência de autos de medição:
BB) Por outro lado, como se demonstrou supra, não existem também quaisquer autos de medição confirmados pela Ré dos trabalhos alegadamente executados pela Autora. Ora, mesmo que existissem contratos validamente celebrados (o que não ocorreu), a Ré só poderia proceder ao pagamento das respetivas faturas se as mesmas estivessem suportadas em autos de medição devidamente confirmados pela Junta de então, nos termos dos arts. 202° e seguintes do RJEOP previsto no DL 59/99, de 02/03.
CC) Inexistindo quaisquer autos de medição efectuados pela Junta de Freguesia de então, a Ré sempre estaria impedida de confirmar se e quanto os trabalhos foram executados. Consequentemente, a Ré este legalmente impedida de proceder ao pagamento de facturas que não estão suportadas em autos de medição elaborados nos termos legais (arts. 202° e seguintes do RJEOP), o que deve ser declarado.
DD) Não podendo a Ré ser condenada a pagar qualquer valor a Autora por total ausência de autos de medição dos trabalhos efetuados que permitam aferir as quantidades e valores dos mesmos".
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Notificadas as alegações, apresentadas pela recorrente, supra referidas, veio a A./Recorrida "I., Lda." apresentar contra alegações que finalizaram com as seguinte proposições conclusivas:
1- A autora / recorrida entende não assistir qualquer razão à recorrente quando intenta o presente recurso
2- A sentença aqui posta em crise não merece essa censura
3- Resulta evidente nos autos que, quer na motivação da decisão sobre a matéria de facto, quer na fundamentação jurídica, o Tribunal recorrido elencou de forma clara e exaustiva os seus argumentos
4- Nada há alterar no que diz respeito à matéria de facto dada como provada
5- Não existe caducidade da presente ação
6- Como tal, porque não sofre dos vícios ou defeitos apontados (a subjetividade dos argumentos apresentados é evidente) pela recorrente, deve a sentença proferida em primeira instancia ser na íntegra mantida".
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A Digna Magistrada do M.º P.º, notificada nos termos do art.º 146.º, n.º1 do CPTA, não se pronunciou.
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Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento. foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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2 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida:
1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica à construção civil, obras públicas e particulares.
2. Entre os anos de 1999 e 2001, a Autora, a pedido da Ré, realizou obras no espaço desta, mormente a ampliação do cemitério, a construção da capela de repouso, a pavimentação do caminho da capela e a construção de um muro no lugar da Granja.
3. Quanto às referidas obras, foi paga a quantia global de 64.273,27€.
4. A Autora emitiu as faturas n.º 3857, em 02.07.1999, n.º 3910, em 30.12.1999, n.º 3929, em 10.03.2000, n.º 3984, em 13.11.2000, n.º 4044, em 12.07.2001, n.º 4049, em 17.07.2001, n.º 4050, em 17.07.2001, no valor global de 88.217,74€ - cfr. docs. 1 a 7 juntos com a petição inicial.
5. Nas referidas faturas, dirigidas à JUNTA de FREGUESIA (...), consta como n.º de contribuinte (…) e (…) – cfr. docs. 1 a 7 juntos com a petição inicial;
6. A primeira das faturas encontra-se rasurada na parte onde se identifica a JUNTA de FREGUESIA (...) – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial.
7. Em 12.04.2012, a Autora apresentou requerimento de injunção, quanto à quantia de 50.262,33€, relativa a não pagamento parcial das faturas referentes às obras constantes do ponto 2 supra e juros, no qual foi aposta fórmula executória.
8. Na sequência, a Autora intentou processo executivo, tendo a Ré sido citada em junho ou julho de 2012.
9. Em sede de processo executivo, após a referida injunção e com base na mesma, a Ré deduziu oposição e o processo findou por incompetência material do Tribunal Judicial.
10. À data de 1999, 2000 e 2001 era frequente a contratação de obras de empreitada, entre Juntas de Freguesia e empresas de construção civil, ser verbal.
11. O Município de (...), por ocasião da realização das obras, ou após à sua concretização, aprovava verbas que transferia às Freguesias, com o intuito de serem pagas as mesmas.
12. Em conjunto com as Juntas de Freguesia, o Município de (...) fiscalizava a execução das obras e juntos elaboravam autos de medição.
13. O Município de (...) acompanhou as obras em causa nestes autos.
14. O Município de (...) auxiliou as negociações entre a Ré e a Autora, no sentido de auxiliar na resolução do litígio que as opunha quanto ao não pagamento de parte das obras.
15. A Ré nunca pagou a quantia que a Autora ora reclama.
16. A petição inicial que motiva estes autos deu entrada, neste Tribunal, em 18.06.2015 – cfr. fls. 2 dos autos em suporte físico.



2 . MATÉRIA de DIREITO

No caso dos autos, a questão essencial a decidir resume-se em determinar se, na situação vertente, a decisão recorrida, ao julgar procedente a acção administrativa comum, condenando a JUNTA de FREGUESIA (...) a pagar à A./recorrida "I., L. da" a quantia de 23.944, 47 €, por obras/trabalhos realizados entre os anos de 1999 e 2001, acrescida de juros, incorreu em erro de julgamento.
Vejamos!
Porém, em primeiro lugar, importa verificar se os factos dados como provados são suficientes - a recorrente entende que devem ser aditados os factos constantes dos arts. 18.º e 19.º da contestação - e se o facto inserto no ponto 8 da factualidade provada se mostra materialmente correcto.
Antes, porém, atentas as especificidades deste processo --- onde se discutem obras realizadas há cerca de 20 anos a esta parte e onde a documentação, agora indispensável em termos de contratação, praticamente inexiste --- com a incúria de ambas as partes - convenhamos -, ainda que mais criticável numa entidade pública, como não deixa de ser uma Junta de Freguesia --- na audiência de julgamento onde foram inquiridas diversas testemunhas, o TAF de Braga, em atitude francamente louvável, não deixou de fazer exaustiva análise aos diversos depoimentos, que nos permitem, nesta sede, melhor apreender a factualidade dada como provada e acima transcrita.
Relembremos, assim, essa fundamentação fáctica:
"... No que tange à prova testemunhal, foram ouvidas as seguintes testemunhas, arroladas pela Autora e pela Ré:
. A.;
. A.;
. M.;
. A. (Autora);
. A.;
. J.;
. M. (Ré).
Dos depoimentos, globalmente considerados, prestados em sede de audiência final, foi possível retirar que as obras invocadas foram realizadas e que foi a Autora quem as concretizou. Mais se pôde colher dos mesmos que havia grande informalidade na celebração de contratos de empreitada com as Juntas de Freguesia nos anos que aqui estão em causa, sendo que se recorria frequentemente à contratação verbal. Posto isto, analise-se individualmente cada um dos depoimentos prestados. A testemunha A., que pertenceu ao Município de (...) (tendo tido funções executivas e não executivas), prestou depoimento credível e isento, situado, concretizando a sua razão de ciência por reporte a pormenores que permitiram que se tivesse o seu depoimento por verdadeiro. Ao nível do conteúdo do mesmo, relatou, com interesse, que houve duas reuniões com o Município de (...) e a Autora e a Ré, nas quais esteve presente, em que se discutia o pagamento de valores à Autora, por parte da Ré, não podendo afiançar se se discutia a dívida em si ou somente os valores em causa. O que afirmou, perentoriamente, é que havia negociações nesse domínio e que o Município se disponibilizou a transferir verbas, para a aqui Ré, para que se liquidasse o que estava em causa. A testemunha A., engenheiro técnico da Autora, recordava-se das obras realizadas, referindo que rondariam o valor global de cerca 137.000,00€ ou 138.000,00€, mas que quanto a valores, pagamentos e dívidas não teve qualquer conhecimento direto. Mais relatou que o acompanhamento das obras foi feito por parte dos serviços do Município de (...) e que, a final, fez conta final da obra com autos de medição, os quais foram remetidos à contabilidade para envio posterior à Ré. O seu depoimento foi valorado, por credível. A testemunha M., encarregado de construção, que trabalhou para a Autora por mais de 30 anos, prestou depoimento credível e isento, relatando as obras que foram feitas pela Autora para a Ré, declarando nada saber quanto a preços e pagamentos. A testemunha A., que, à data do que aqui se discute, foi vereador na Câmara Municipal de (...), na área das Freguesias, prestou um depoimento de maior importância, dada a coerência, desinteresse e exatidão/convicção com que o prestou. Com relevo, referiu que acompanhava de perto a atividades das freguesias, o que lhe permitia saber que as mesmas não detinham particular organização, tanto que, a maior parte das vezes, a sede da junta de freguesia era a mala do carro do seu presidente; afirmou, com segurança, que o procedimento habitual para obras de pequena monta, passava pela obtenção de 2 ou 3 orçamentos, deslocação ao local e adjudicação ao orçamento melhor, até por telefone; que o concurso era para obras grandes e que dependia da disponibilização, por parte do Município, de apoio nesse sentido; que não havia processo administrativo; que havia transferências de verbas por parte do Município para resolver as questões que surgiam quanto a obras realizadas; mais referiu, neste domínio, que o representante legal da Autora, não raras vezes, referiu que havia problemas nos pagamentos com a aqui Ré; quanto aos autos de medição, referiu que os mesmos eram assunto que só passava pela Ré e pelo Município, não negando que a Autora pudesse participar na sua elaboração. Mereceu valoração o seu depoimento na parte em que, desinteressadamente, referiu que a Autora era uma entidade credível, nada podendo afirmar quanto à sua organização documental e que, quanto à negociação do preço, o mesmo há de ter sido estabelecido, ou não haveria realização da obra. Esta testemunha revelou-se credível e desinteressada, tanto que exerceu funções no Município, que não é parte na ação, e exerceu, também, funções de Presidente de Junta de outra freguesia, o que lhe permitiu revelar seriedade e experiência pessoal nos aspetos a que foi inquirido.
A testemunha A., membro da Junta de Freguesia entre os anos de 2005 e 2010, nada relatou de relevante porquanto não detinha qualquer conhecimento direto do que aqui está em causa; referiu concretamente que nunca soube de qualquer pedido por parte da autora dos valores aqui reclamados, mas referiu que nunca cuidou de se inteirar da herança do executivo anterior. Daí que o seu depoimento não mereça particular destaque.
A testemunha J., secretário da Ré de 2001 a 2011, referiu que nunca ouviu falar, nesse período, de qualquer dívida à Autora, não tendo visto qualquer documento nem conversado sobre isso com o demais executivo, mormente o seu presidente. No entanto, aludiu a que a documentação da Junta estaria pela mão do à data presidente, o que o impedia de tomar conhecimento concreto dos assuntos da Junta.
A testemunha M., tesoureiro da Ré entre 2011 e 2013, relatou, com interesse, que soube do processo executivo, aquando de um contacto do banco, em 2012, no sentido de que um cheque, que havia sido passado, não tinha cobertura, em virtude de uma penhora de contas bancárias; que a citação da ré terá ocorrido em junho ou julho desse ano; que não teria havido oposição ao requerimento injuntivo porque, efetivamente, o anterior Presidente não teria tido conhecimento atempado; nada sabendo quanto à alegada dívida deste processo.
Os depoimentos foram, na sua globalidade, coerentes e credíveis, apenas relativos a certos aspetos do que aqui se encontra em causa, sendo valorados apenas nesses aspetos". **
Antes, porém, de entrarmos na análise específica e crítica das provas levadas em consideração para se obterem os factos provados, importa que clarifiquemos alguns conceitos inerentes a esta matéria, de molde a balizarmos, tanto quanto possível, a sindicância possível e adequada, no que concerne à modificação da matéria de facto, dada como provada, pela 1.ª instância, ainda que com base na jurisprudência dos Tribunais Superiores da jurisdição administrativa, quer do STA, quer deste TCA, os quais já lapidaram, com rigor, esta matéria e com os quais concordamos e já temos incluído noutras decisões por nós relatadas.
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Assim, refere, a este propósito o Ac. do STA, de 14/3/2006, in Rec. 01015/06, que refere que “A garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto (art. 712º C.P.Civil) deve harmonizar-se com o princípio da livre apreciação da prova (art. 655º/1 do C.P.Civil).
Assim, tendo em conta que o tribunal superior é chamado a pronunciar-se privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1ª instância e que a gravação/transcrição da prova, por sua natureza, não pode transmitir todo o conjunto de factores de persuasão que foram directamente percepcionados por quem primeiro julgou, deve aquele tribunal, sob pena de aniquilar a capacidade de livre apreciação do tribunal a quo, ser particularmente cuidadoso no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto e reservar a modificação para os casos em que a mesma se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que for seguro, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência comum que a decisão não é razoável.
Tudo a aconselhar um especial cuidado por parte do tribunal superior no uso dos seus poderes de reapreciação dos pontos controvertidos da matéria de facto (cfr., neste sentido, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 2003.06.18 – rec- nº 1188/02 e de 2004.06.22 – rec. nº 1624/03)".
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Salientamos, ainda, (face às normas do CPTA) acerca desta matéria, o que se escreveu no Ac. deste TCA Norte, de 8/3/2007, in Proc. 00110/06, a saber :
Decorre do regime legal vertido nos arts. 140.º e 149.º do CPTA que este Tribunal conhece de facto e de direito sendo que na apreciação do objecto de recurso jurisdicional que se prende com a impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal “a quo” se aplica ou deve reger-se, na ausência de regime legal especial, pelo regime que se mostra fixado em sede da legislação processual civil nesta sede.

Assim, pese embora tal regime e situações diversas temos, todavia, que referir que os poderes conferidos no art. 149.º, n.º 2 do CPTA não afastam os poderes de modificação da decisão de facto por parte deste Tribunal ao abrigo do art. 712.º do CPC por força da remissão operada pelos arts. 01.º e 140.º do CPTA porquanto o TCA mantém os poderes que assistem ao tribunal de apelação no âmbito da fixação da matéria de facto quando esta constitui objecto ou fundamento de recurso jurisdicional.

É que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que, na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa, não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa simples gravação áudio. Tal como já era apontado pelo Juiz Cons. Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, o juiz, perante o qual foram prestados os depoimentos, sempre estará numa posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos do Prof. Enrico Altavilla "(…) o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3ª ed., pág. 12).
Como já defendia o Prof. J. Alberto dos Reis “… É já hoje lugar-comum a nota de que tanto ou mais do que o que o depoente diz vale o modo por que o diz, é que se as declarações contam, contam também as reticências, as hesitações, as reservas, enfim a atitude e a conduta do declarante no acto do depoimento ...” (in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. IV, pág. 137).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto da discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este, pese embora, livre, no seu exercício de formação da sua convicção, não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do CPC).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça...".
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Feitas estas considerações dogmáticas acerca da matéria, revertamos ao caso concreto dos autos.
Pretende a recorrente que sejam aditados os factos constantes dos arts. 18.º e 19.º da contestação por si apresentada.
Consta desses artigos da contestação:
18.º - "Acresce que, consultados os livros de actas da JUNTA de FREGUESIA (...) e da Assembleia de Freguesia de (…), constata-se que não existe qualquer deliberação destes órgãos a adjudicar as obras mencionadas no requerimento de injunção à aqui Autora (nomeadamente ampliação do cemitério, construção da capela de repouso, pavimentação do caminho da capela e construção de um muro no lugar da Granja"
19.º - "Bem como não existe qualquer orçamento, contrato de empreitada escrito ou auto de medição escrito celebrado entre a Autora e a Ré tendo em vista a realização, acompanhamento e/ou fiscalização dessas mesmas obras cujo pagamento a Autora agora reclama".
Ora esta factualidade - que nem sequer se questiona nos autos - pese embora não tenha as consequências jurídicas que a recorrente dela pretende retirar, nada impede que, em bom rigor formal, se adite, o que se fará, passando a constituir, nos seus precisos termos, os pontos 17 e 18 dos factos provados.
Quanto ao facto constante do ponto 8 da factualidade dada como assente pelo TAF de Braga e acima transcrito -- Na sequência, a A. intentou processo executivo, tendo a ré sido citada em Junho ou Julho de 2012 --, alega a recorrente que não se mostra provado documentalmente esse facto, pelo que não poderia ser levado ao probatório.
Efectivamente, embora A./Recorrida não tenha feito juntar aos autos documentação referente à citação da JUNTA de FREGUESIA (...) no processo de injunção - o que facilmente, poderia ter sido efectivado - o certo é que a Ré/recorrente não nega que tenha ocorrido esse processo no Tribunal Judicial da Comarca de (...) - Proc. 1764/12.4TBBCL - na sequência da apresentação de oposição à injunção e assim - sem que a sentença aí proferida tenha qualquer validade formal e material para estes autos - o certo é que, nesse processo o pedido foi idêntico ao formulado nestes autos - 23.944,47 € (o valor alegadamente ainda não pago pela Ré à A.), excepto, obviamente no que se refere à contabilização de juros até à data respectiva entrada Na contestação - art.º 52.º - ainda que impugnando a factualidade dada como provada naquele processo judicial - que aqui não releva, nisso concordando com a Ré - não deixa de admitir a factualidade vertida no art.º 14.º da pi.
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Deste modo, embora se pudesse concluir que, pelo menos, desde 1/8/2012 --- embora se desconheça, em concreto, a data da citação nesse processo de injunção e que, com a oposição à execução, foi convertido em processo declarativo - o certo é que não se pode, efectivamente, por falta de documento idóneo, dar como provado que a citação ocorreu em Junho ou Julho de 2012 Aliás, neste aspecto, a sentença não justifica, fundamenta este facto, em concreto, seja com base em qualquer documento, seja mesmo - ainda que sem o valor probatório inerente - com qualquer prova testemunhal.
Por curiosidade, como se relata no art.º 15.º da petição, dando conta da sentença do Tribunal Judicial de (...), a pessoa que recebeu a citação – C., filha do anterior presidente da Junta de Freguesia - não deixa de referir que foi ela que recebeu e assinou a carta registada com A/R do requerimento injuntivo, dado à execução, sendo que esse documento (A/R) foi junto a esse processo - fls. 104 - mas não - como o poderia ter sido, nestes autos, sendo ónus da A./Recorrida a sua junção, como facto constitutivo do direito que alega.
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Para tanto, deveria a A. ter feito juntar documento da citação e não o fez - cfr. Nota de Rodapé n.º 2 - , pelo que, nesta parte, entendemos que dever ser eliminada a segunda parte do ponto 8 dos factos provados, ficando apenas restringida à 1.ª parte, ou seja, "Na sequência, a Autora intentou processo executivo", donde, a seu tempo, se tirarão as necessárias e pertinentes consequências jurídicas.
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Fixados os factos, centremo-nos no erro de julgamento, imputado pela recorrente à decisão recorrida do TAF de Braga.
Importa, desde já, porém, referir que escrevemos “decisão recorridae não sentença recorrida”, na medida em que, analisadas as alegações – sumariadas nas conclusões supra transcritas, em sede de Relatório – verificamos que a JUNTA de FREGUESIA (...), embora discordando do dispositivo, acaba por não efectivar qualquer crítica à fundamentação da sentença, apontando-lhe objectivamente erros de julgamento, antes, ignorando a fundamentação propendida pela 1.ª instância, fazendo alusão (transcrevendo, quando julga pertinentes) arestos de tribunais superiores que suportam a sua tese, repete o que já havia efectivado em sede de contestação.
Aliás, no que se refere à "Caducidade da presente acção" - al. E) das alegações, "Da inexistência dos alegados contratos de empreita de obras públicas invocados" - al. F) das alegações e "Da ausência de autos de mediação" - al. G) das alegações de recurso, a transcrição é textual.
Diferentemente do que se passa com o valor da dívida apurado.
Porém, nesta parte, independentemente das consequências jurídicas decorrentes do facto de inexistirem quaisquer contratos de empreitadas escritos, o certo é que o TAF de Braga deu como provado o valor da dívida em 23.944,47 € Cfr. pontos 3, 4 e 15 dos factos provados, donde resulta o valor total de capital em dívida de 23.944,47 €.
, sem que estes pontos factuais tenham sido questionados nesta sede recursiva, diversamente do que se verificou com o pretendido aditamento dos arts. 18.º e 19.º da contestação e eliminação de parte do ponto 8 dos factos dados como provados e que supra apreciámos.
Ora, manifestamente, não é esta a forma correcta de sindicar a sentença de que discorda; em sede recursiva, o que está em causa é a bondade da sentença que não a reafirmação de teses, pese embora a sua eloquência.
Efectivamente, os recursos destinam-se a permitir que o tribunal superior proceda à reponderação das decisões recorridas, pelo que se pressupõe que a questão já tenha sido objecto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação, além de que não compete, em sede recursiva e também por isso, conhecer de questões novas.
Deve, assim, o recorrente atacar a sentença através da impugnação dos seus fundamentos, explicando onde e em que medida a apreciação que foi feita das questões a dirimir padece de erro de julgamento.
Apenas esta impugnação justifica o recurso, sendo por isso e consequentemente inócua toda a alegação que se limite a reiterar os fundamentos apresentados na 1.ª instância, nos articulados, como o faz a recorrente.
E, se, porventura, a sentença recorrida não se debruçou sobre esses fundamentos, importa então que a forma correcta de a impugnar é imputar-lhe nulidade por omissão de pronúncia.
Tudo isto resulta inequívoca e conjugadamente do disposto nos arts. e 615.º, n.º 1, d), 627.º, n.º 1, 635.º, ns. 2, 3, e 4, e 639.º, todos do Cód. Proc. Civil, ex vi, art.º 140.º, n.º 3, do CPTA.
Embora esta carência objectiva de crítica à sentença recorrida nos dispensasse, sem mais, de outras considerações, ainda assim, mas mais limitadamente, não deixaremos de referir que concordamos com a abordagem efectivada na decisão final do TAF de Braga.
Na verdade, consabido que inexistem (i) contratos escritos acerca das empreitadas em causa nos autos, antes apenas se tratou de contratos/acordos verbais, (ii) deliberações/actas da JUNTA de FREGUESIA (...) que, de algum modo, aprovem ou, no mínimo, lhes façam referência, (iii) autos de medição dos trabalhos executados, o certo é que a A. realizou os trabalhos, obras referidas nos autos Concretamente, ampliação do cemitério, construção da capela de repouso, pavimentação do caminho da capela e construção de um muro no lugar da Granja.
- sendo relevante que a Ré, em momento algum, nega a realização dessas concretas obras - tendo mesmo recebido da Ré, mesmo sem documentação alguma de suporte, parte do pagamento dessas obras, num valor total de 64.273,27 €, pelo que, com base na escassa documentação apresentada nos autos – facturas, ainda que, pelo menos, algumas, formalmente incorrectas – rasuradas - e nos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento – que mereceram a credibilidade do julgador, nos termos melhor fundamentados na sentença - , conseguiu a A. que o Tribunal considerasse provado que ainda devia o capital de 23.944,47 €.
Inexistindo dúvidas acerca da nulidade dos contratos verbais, as teses dogmáticas chamadas à colação na sentença recorrida, nomeadamente, no que se refere à aplicação do n.º1 do art.º 289.º do Código Civil, importam efectivamente, dada a impossibilidade objectiva de restituição em espécie, atento o que realmente está em causa, a condenação da Ré no pagamento do valor correspondente à utilidade advinda da realização das obras executadas, o que se consubstancia nos valores indicados e peticionados pela A./Recorrida, atento o valor total, deduzida a quantia já paga (88.217,74€ – 64.273,27€ = 23.944,47 €).
Quanto aos juros, a sentença recorrida fixou como termo inicial para a sua prestação o dia 1/8/2012, tendo em consideração que deu como provado que a citação para a execução ocorreu em Junho/Julho de 2012.
Tendo nós, porém, eliminado a segunda parte do ponto 8 da factualidade dada como provada, pelas razões sobreditas, desconhecendo-se, objectivamente e com rigor, a data da citação judicial ou interpelação relevante --- sendo que os documentos de fls. 15 dos autos – Doc. N.º 9 – junto com a pi – com data de 17/2/2012, nada esclarecem --- entendemos que a data relevante para o início do cálculo dos juros civis devidos), à taxa de 4% - valor não questionado nos autos - se deve cifrar, não na data da sentença do TAF de Braga, como admite a Ré Cfr. Conclusão j) das suas alegações., mas na data da citação da Ré para a presente acção, ou seja, em 26/6/2015 – fls. 17 dos autos - o que importa, a final, que se dê parcial provimento ao recurso.
Quanto ao regime de custas.
A sentença recorrida, dando provimento à acção, acriticamente, condenou a Ré no pagamento da totalidade das custas, no que concorda a A./Recorrida.
A Ré/Recorrida insurge-se quanto a esta decisão, antes devendo as custas fixadas levar em consideração o valor constante do dispositivo, ou seja, o valor de €23.944,47€, devendo, assim, a condenação em custas ser proporcional.
Na petição inicial a A./Recorrida atribuiu à presente acção o valor de 56.489,10€, valor correspondente ao valor das facturas não pagas (23.944,47 €) – art.º 7.º da pi – acrescido da quantia de 32.544,60 €, atinente ao cálculo juros de mora vencidos desde a datas das diversas facturas até à data da entrada da pi (18/6/2015).
Ora, considerando que, pese embora o valor do capital peticionado tenha sido totalmente aceite pelo Tribunal e, nessa consonância, a condenação nesse preciso valor (23.744,47 €), o certo é que o valor dos juros calculado na pi não foi aceite pela sentença recorrida que, em vez de levar em consideração a data das diversas facturas em dívida, como o efectivou a A., teve em consideração a data de 1/8/2012, posterior à data das facturas.
Desse modo, impunha-se que a condenação em custas também reflectisse essa divergência, condenando na proporção do decaimento.
Mas, independentemente dessa incorrecção, porque entendemos corrigir a data do início da contagem de juros --- data da citação nesta acção -15/6/2015 --- a decisão final levará em consideração essa alteração, sendo as custas devidas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em :
- conceder parcial provimento ao recurso; e assim:
- condenar a Ré/Recorrente JUNTA de FREGUESIA (...) a pagar à A./Recorrida "I., L. da" a quantia de 23.944,47 €, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, devidos desde a data da citação nesta acção (15/6/2015) até efectivo e integral pagamento.
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Custas pelas partes, na proporção do decaimento.
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Notifique-se.
DN.

Porto, 14 de Janeiro de 2022

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
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i) Na contestação - art.º 52.º - ainda que impugnando a factualidade dada como provada naquele processo judicial - que aqui não releva, nisso concordando com a Ré - não deixa de admitir a factualidade vertida no art.º 14.º da pi.

ii) Aliás, neste aspecto, a sentença não justifica, fundamenta este facto, em concreto, seja com base em qualquer documento, seja mesmo - ainda que sem o valor probatório inerente - com qualquer prova testemunhal.
Por curiosidade, como se relata no art.º 15.º da petição, dando conta da sentença do Tribunal Judicial de (...), a pessoa que recebeu a citação – C., filha do anterior presidente da Junta de Freguesia - não deixa de referir que foi ela que recebeu e assinou a carta registada com A/R do requerimento injuntivo, dado à execução, sendo que esse documento (A/R) foi junto a esse processo - fls. 104 - mas não - como o poderia ter sido, nestes autos, sendo ónus da A./Recorrida a sua junção, como facto constitutivo do direito que alega.

iii) Cfr. pontos 3, 4 e 15 dos factos provados, donde resulta o valor total de capital em dívida de 23.944,47 €.

iv) Concretamente, ampliação do cemitério, construção da capela de repouso, pavimentação do caminho da capela e construção de um muro no lugar da Granja.

v) Cfr. Conclusão j) das suas alegações.