Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00324/18.0BEVIS |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 05/29/2025 |
| Tribunal: | TAF de Viseu |
| Relator: | PAULO MOURA |
| Descritores: | IRS; PROVA DO PREÇO EFETIVO; REMISSÃO PARA O ART.º 139.º DO CIRC; |
| Sumário: | I - A prova do preço efetivo da venda de um imóvel, realiza-se através do procedimento especial estabelecido no artigo 139.º do Código do IRC, para as situações de tributação de mais-valias sujeitas a IRS, após 01/01/2015. II - Caso, o vendedor não tenha lançado mão desse procedimento, não pode realizar a prova do preço efetivo diretamente em sede judicial, na medida em que é obrigatório iniciar previamente aquele procedimento especial. |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: «AA» e «BB», interpõem recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS do ano de 2016, por entenderem que a sentença enferma de erros de julgamento da matéria de facto e de direito. Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: A) Com todo o respeito pela douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que é muito, não podem os Recorrentes concordar com a mesma, face aos erros de julgamento da matéria de facto e de direito em que assenta. DO ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO B) Além dos factos que deu como provados, considerou o douto tribunal recorrido que “nada mais se julga ou é de julgar provado ou não provado”, o que não corresponde à verdade, inquinando a douta sentença de erro de julgamento por não constar do elenco dos factos provados outros factos que revestiam interesse para a decisão a proferir e que resultam de prova documental não impugnada. C) Como resulta do requerimento inicial dos presentes autos, junto pela AT, com a impugnação judicial deduzida pelos aqui recorrentes, estes juntaram um documento comprovativo dos depósitos bancários efetuados na sua conta, no montante global de 200.000,00€, que protestaram juntar no artigo 10º da impugnação (cfr. carta registada com aviso de receção datada de 11 de julho de 2018). D) Ora, deste documento resulta que, no período compreendido entre 9 de junho de 2016 e 1 de setembro de 2016, apenas foram efetuados dois depósitos bancários na conta dos aqui recorrentes: a) um depósito no dia 09-06-2016, no valor de 50.000,00€, correspondente ao sinal pago com a outorga do contrato-promessa de compra e venda (doc. 6 da petição inicial); b) um depósito no dia 16-08-2016, no valor de 150.000,00€, correspondente ao remanescente do preço. E) Ou seja, os aqui recorrentes demonstraram que o valor declarado na escritura de compra e venda, de 200.000,00€, foi o efetivamente por si recebido como contrapartida por aquele negócio e, consequentemente, foi este o valor de realização, o que reveste manifesta relevância para a decisão a proferir. F) Assim, deverá ser aditado ao elenco dos factos provados, o seguinte ponto: 7. No período compreendido entre 9 de junho de 2016 e 1 de setembro de 2016, apenas entraram na conta bancária dos aqui recorrentes os seguintes pagamentos: a) Um depósito no dia 09-06-2016, no valor de 50.000,00€; b) Um depósito no dia 16-08-2016, no valor de 150.000,00€. G) Além disso, da escritura pública de compra e venda (DOC. 4 da petição inicial) resulta demonstrado que, à data da sua alienação, incidia sobre o imóvel um ónus registado de “demolição a favor do Ministério da Guerra pela Apresentação nove, de catorze de agosto de mil novecentos e trinta”. H) Facto este que releva para a decisão a proferir, na medida em que, o facto de incidir sobre o imóvel alienado um ónus real de demolição diminui substancialmente o seu valor de mercado, o qual não é considerado para efeitos de determinação do VPT (valor patrimonial tributário) e, por consequência, justifica a divergência entre o valor de venda e o VPT. I) Posto isto, também deverá ser aditado ao elenco dos factos provados, o ponto seguinte: g. À data da sua alienação, incidia sobre o imóvel em causa um ónus de demolição a favor do Ministério da Guerra, registado pela apresentação nove, de catorze de agosto de mil novecentos e trinta. DO ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO J) Em suma, julgou o douto tribunal a quo improcedente a impugnação deduzida pelos aqui impugnantes contra o ato de liquidação nº ...71, de 23 de fevereiro de 2018, no valor de 16.671,97€, relativo a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de 2016 e correlativos juros compensatórios, com o fundamento que se resume no seguinte trecho:“(…) quando o sujeito passivo efectue a venda de um bem imóvel por preço inferior ao VPT que tiver servido de base à liquidação do IMT e não lance mão da prerrogativa que lhe confere o artigo 44.º, n.ºs 5 e 6, do CIRS, o valor da realização a considerar para efeitos do cálculo da mais-valia será, sempre, o VPT que tiver servido de base à liquidação do IMT e não o valor por que efectuou a venda e que, em princípio, efectivamente recebeu, pois é pressuposto sine qua non da utilização deste a prévia instauração do procedimento administrativo tendente à demonstração ou prova da veracidade do valor.” K) No presente caso, tendo os aqui Recorrentes, por lapso, indicado na sua declaração de IRS de 2016 o valor da contraprestação e não o VPT, estavam os aqui Recorrentes impedidos de fazer uso daquele procedimento administrativo em janeiro de 2017, pois ainda não tinham como saber que a sua declaração não se encontrava correta. L) Ademais, só em fevereiro de 2018 é que a impugnada veio proceder à correção oficiosa daquela liquidação, o que significa que, após este ato, deveria ter sido dada a oportunidade aos aqui recorrentes para fazerem prova de que o valor de realização foi, de facto, inferior ao VPT. M) Porém, independentemente do disposto no n.º 6 do artigo 44.º do Código do IRS, permanece válido e aplicável o disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária (LGT) e no artigo 64.º, n.º 1, do CPPT, na medida em que, como é hoje pacífico doutrina e jurisprudencialmente (inclusive do Tribunal Constitucional), a norma contida no n.º 2 do artigo 44.º do CIRS é uma norma de incidência tributária objetiva. N) O que significa que, além do procedimento de prova previsto no nº 6 do artigo 44.º do CIRS, também poderiam os aqui recorrentes ilidir a presunção, implícita no n.º 2 do mesmo artigo, por via da reclamação graciosa ou da impugnação judicial, sendo esta a única interpretação constitucionalmente admissível do citado quadro normativo, face aos princípios da igualdade e legalidade tributária e da capacidade contributiva. O) Sendo certo que, salvo o devido respeito por entendimento diverso, não é aqui aplicável o disposto no n.º 7 do artigo 139.º do CIRC, na medida em que o n.º 6 do artigo 44.º do CIRS apenas prevê que a prova deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações, o que não inclui normas de natureza “processual”, como é o caso da norma contida no referido n.º 7, uma vez que a inimpugnabilidade de um ato tributário configura uma exceção dilatória que conduz à absolvição do réu da instância. P) Mais, uma coisa é a forma como se processa a produção da prova, outra bem diferente é a condição para se impugnar o ato de correção à liquidação de IRS decorrente da consideração do VPT como valor de realização. Q) Resulta dos autos e da requerida alteração da matéria de facto, os aqui recorrentes fizeram prova de que o preço efetivamente recebido pela venda do imóvel em causa foi apenas de 200.000,00€, valor este muito longe do VPT, através da junção do contrato-promessa (onde consta o preço, forma e prazo de pagamento), da escritura pública de compra e venda (onde consta o preço e ónus de demolição que incidia sobre o prédio) e do extrato da sua conta bancária (onde se encontram refletidos os pagamentos do preço nos termos contratados). R) Razão pela qual, deveria o douto tribunal a quo ter julgado totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pelos aqui recorrentes, anulando o ato de liquidação impugnado, com as demais consequências legais. S) Ao ter decidido como decidiu, violou o douto tribunal recorrido o disposto no artigo 44.º do Código do IRS, no artigo 73.º da LGT, no n.º 1 do artigo 64.º do CPPT e no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. T) Pois que, errou na interpretação que fez das normas contidas nos n.ºs 5 e 6 do artigo 44.º do Código do IRS, no artigo 73.º da LGT, no n.º 1 do artigo 64.º do CPPT e no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, as quais deveriam ter sido interpretadas no sentido de que os aqui Recorrentes poderiam ter feito prova de que o valor de realização foi inferior ao VPT, não só em sede daquele procedimento, mas também através de reclamação graciosa, de outro procedimento iniciado para esse efeito e de impugnação judicial. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que julgue a impugnação procedente e anule o ato tributário impugnado, com as demais consequências legais. Não foram apresentadas contra-alegações. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente. Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais). ** Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir. As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de se devem ser aditados factos ao probatório e se a sentença incorreu em erro de julgamento de direito, violando o disposto no artigo 44.º do Código do IRS, no artigo 73.º da LGT, no n.º 1 do artigo 64.º do CPPT e o artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. ** Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte: Com interesse para a decisão a proferir, julgo provados os seguintes factos: 1. A 19.03.2001, no ... Cartório Notarial ..., foi outorgada uma escritura pública de habilitação de herdeiros e de partilha, da qual exaro, entre o mais, o seguinte: “(…) - Que, sendo portanto, os únicos interessados na partilha dos bens deixados por óbito dos referidos autores da herança, resolvem a ela proceder, adoptando para tanto, o valor que o bem tem na matriz, que é o seguinte:--- - prédio urbano destinado a habitação e comércio, sito na Rua ..., vinte e oito-A e vinte e oito-B, freguesia 1..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...55, com o valor patrimonial de 7.814.859$00, descrito na Conservatório do Registo Predial ... sob o número ..89, registado a favor dos autores da herança pela inscrição G-dois. -------------- - Que o valor deste bens é de sete milhões oitocentos e catorze mil oitocentos e cinquenta e nove escudos, igual ao patrimonial e ao que lhes atribuem, o qual tem de ser dividido em três partes iguais de dois milhões seiscentos e quatro mil novecentos e cinquenta e três escudos, valor do quinhão hereditário de cada um dos dois filhos e do neto, «CC», este filho do pré falecido filho dos autores da herança – «DD». ---------------------------- - Que aos pagamentos procedem do seguinte modo:----------------------------- - Para pagamento dos quinhões hereditários do filho - «EE» - (…), e neto - «FF» - (…), não lhe são adjudicados qualquer bem, pelo que são inteirados do seu valor em dinheiro, nas importâncias de dois milhões seiscentos e quatro mil novecentos e cinquenta e três escudos, para cada um deles; e----- - Para pagamento do quinhão hereditário da filha, «BB» e marido (…) é-lhes adjudicado o prédio urbano atrás identificado, no valor de sete milhões oitocentos e catorze mil oitocentos e cinquenta e nove escudos, superior em cinco milhões duzentos e nove mil novecentos e seis escudos, ao valor da sua quota. ------------------------------- - Que não se encontram em dívida quaisquer tornas. --------------------------- (…)” - cf. de fls. 7 a fls. 1º do PA, constante, no SITAF, sob o registo 004631969; 2. A 12.08.2016, no Cartório Notarial ..., outorgada uma escritura pública de compra e venda, na qual intervieram, como primeiros outorgantes, «BB» e «AA» e, como segundo outorgante, «GG», na qualidade de gerente da sociedade comercial [SCom01...], Ld.ª, escritura da qual resulta, entre o mais, o seguinte: “(…) DISSERAM OS PRIMEIROS OUTORGANTES:--------------------------- Que, pela presente escritura, e pelo preço já recebido de duzentos mil euros, vendem à sociedade que o segundo outorgante representa, o PRÉDIO URBANO, sito na Rua ..., ..., ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..89 da freguesia 1..., nela registada a aquisição a seu favor pela Apresentação vinte e cinco, de vinte e oito de maio de dois mil e um, achando-se o prédio inscrito na matriz da freguesia 2... sob o artigo ...02 (que teve a sua origem no artigo ...55 da extinta freguesia 1...), com o valor patrimonial tributário de € 349.640,00;------------- (…) DISSE O SEGUNDO OUTORGANTE, NA INVOCADA QUALIDADE:------------ -------------------------------------------------------------- Que, para a sociedade sua representada, aceita a presente venda nos termos exarados e que o prédio atrás identificado se destina a revenda.------ (…)” - cf. o Doc. 4 que instruiu a petição inicial; 3. A 19.02.2018, no Serviço de Finanças ..., foi lavrada informação, com o seguinte destaque: “(…) Após análise da Modelo 3 para o ano de 2016, e no âmbito das divergências de IRS, constatou-se que os contribuintes «AA» e «BB» omitiram parcialmente rendimentos de mais-valias imobiliárias, resultantes da venda do artigo urbano no ...02 da freguesia 2..., concelho .... Notificados para comprovar os valores e datas de aquisição e realização, bem como as despesas suportadas com o imóvel alienado, apresentaram estas últimas. Contudo e no que respeita às restantes importâncias, nomeadamente o valor de realização para efeitos fiscais / de tributação, manifestaram discordar da interpretação da AT. Notificados para exercer o direito de audição, pelo ofício local n.º ...69, registo ...88..., mantiveram a posição já transmitida, abstendo-se de o fazer por escrito. À semelhança do exposto na notificação do direito de audição (que basicamente se passa a transcrever), nos termos do artigo 44.º, n.º 2 do Código do IRS, o valor de realização para determinação das mais-valias pela alienação onerosa de imóveis, é o que servir de base à liquidação de IMT (ou seja, o mais alto de entre o declarado como contraprestação e o patrimonial à data). Contudo, no preenchimento da declaração foi indicado o declarado na escritura (€ 200.000,00), quando o que serviu de base à liquidação de IMT foi superior. No que respeita às despesas e encargos com o imóvel vendido, comprovaram de facto ascenderem estas ao montante declarado, mas não tiveram em conta que as referidas são dedutíveis na proporção da mais-valia tributada, e não integralmente. Relativamente ao valor de aquisição da parte sujeita a tributação, ainda que a quota-parte tributável não seja a declarada (como a seguir se demonstra), este terá que ser calculado com base no valor patrimonial do imóvel à data da última transmissão gratuita (óbito de «HH», em 1991), por ser o que serviu de base à liquidação de imposto sucessório, ou seja, €29.984,89 (valor patrimonial total) - artigo 45.º, n.º 1 do Código do IRS. No que respeita aos momentos de aquisição, de facto 1/8 foi adquirido em 1978, por óbito da mãe da S.P. B, «BB» (e por isso declarado no anexo G 1), tendo em 1991 adquirido mais 5/24 por óbito do pai, e o remanescente (2/3) em 2001, por escritura de partilhas. Contudo, a Circular 21/1992 da DGCI determina que “o momento da aquisição dos bens por sucessão “mortis causa” seja o da abertura da herança, ainda na partilha sejam adjudicados ao herdeiro bens de valor superior ao da quota-ideal”. Não tendo existido partilha do património herdado por óbito da mãe (apenas do casal, posteriormente), é entendimento neste serviço de finanças que a quota-parte da herança afastada da tributação seja a que lhe caberia caso fosse a única herdeira dos autores da transmissão gratuita (pai e mãe), ou seja, 3/8 à data do óbito de «BB», e o remanescente (5/8) à do óbito do pai, «HH». Sem outros elementos que contrariem os apurados, propõe-se a correcção oficiosa da liquidação nos termos do artigo 65.º, n.º 4 do CIRS, a notificar pelo ofício n.º ...23:
- cf. fls. 2 (verso) e 3 do PA, constante, no SITAF, sob o registo 004631969; 4. Na mesma data (19.02.2018), por remissão para a INFORMAÇÃO transcrita na alínea anterior, a Chefe do Serviço de Finanças ... proferiu o despacho que transcrevo: “(…) Concordo. Proceda-se como vem proposto. (…)” - cf. fls. 2 do PA, constante, no SITAF, sob o registo 004631969; 5. A 23.02.2018, a AT emitiu, em nome de «AA» e «BB», a Liquidação n.º ...71, no valor de 29 267,46 €, relativa a IRS do ano 2016 e com data limite de pagamento da importância de 16 671,97 € a ocorrer a 09.04.2018 - cf. o Doc. 1 e o Doc.2 que instruíram a petição inicial; 6. A 26.02.2018, «AA» e «BB» receberam notificação do teor da decisão descritas nas alíneas 3. e 4. - cf. fls. 4 do PA, constante, no SITAF, sob o registo 004631969. * Com interesse para a decisão a proferir, inexistem factos não provados. * Nada mais se julga ou é de julgar provado ou não provado, tendo o Tribunal formado a sua convicção a partir da análise crítica das alegações das partes e, bem assim, do teor dos documentos juntos aos autos pelas partes, nestes incluindo os integrantes do PA, que estão especificadamente identificados em cada uma das alíneas do probatório a que respeitam e que dou aqui por integralmente reproduzidos. ** Apreciação jurídica do recurso. Alegam os Recorrentes, que deve ser aditada matéria de facto comprovativa da venda ter sido realizada apenas por duzentos mil euros, conforme consta do contrato-promessa de compra e venda, da escritura de venda, assim como dos depósitos bancários efetuados. Apreciando. A questão de saber se tal matéria comprova ou não o alegado pelos Recorrentes, é matéria de direito a analisar de seguida. * Em segundo lugar, invocam os recorrentes, que o preço efetivo da venda foi de duzentos mil euros e que a sentença errou, violando o disposto no artigo 44.º do Código do IRS, no artigo 73.º da LGT, no n.º 1 do artigo 64.º do CPPT e o artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. A sentença recorrida, referiu, assertivamente, que é possível ao sujeito passivo fazer prova que o valor da venda foi efetivamente inferior ao Valor Patrimonial Tributário, que serviu de base à liquidação do IMT, mas tal prova deve ser realizada no âmbito de um procedimento administrativo iniciado pelo interessado, conforme as disposições conjugadas do n.º 6 do artigo 44.º do Código do IRS e do artigo 139.º do Código do IRC, conforme remissão daquele preceito para este último. Segundo a sentença recorrida, os Impugnantes deviam ter instaurado o procedimento tendente à demonstração ou prova que o valor da transmissão, teria sido o declarado na escritura e o efetivamente recebido, até ao fim do mês de janeiro de 2017, por ser a venda se ter realizado no ano de 2016. Refere a sentença recorrida, que este era um pressuposto sine qua non, para demonstrar ou provar o efetivo valor da transmissão, pelo que, inexistindo tal procedimento, a liquidação impugnada se devia manter na ordem jurídica. Apreciando. Em primeiro lugar, deve dizer-se que, não obstante constar da escritura de compra e venda o valor da alienação de duzentos mil euros e haver entradas de capital na conta da Banco 1..., nesse mesmo montante, tal não é suficiente, para que se possa dar como provado, ser esse o valor da venda. Assim, por um lado, para além de se desconhecer se os Impugnantes são titulares de alguma outra conta bancária, também não é possível realizar-se a prova do preço efetivo do modo que pretendem os Recorrentes. Conforme referiu a sentença, a prova do preço efetivo deve ser realizada em procedimento próprio, iniciado pelos interessados. Somente depois de findo esse procedimento, caso não seja dada razão aos impetrantes, é que é admissível a abertura da via judicial. Assim, em relação às mais-valias, obtidas pela alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, estabelece o artigo 44.º do mesmo diploma: Artigo 44.º (Valor de realização) 1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: (…) f) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação. 2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida. (…) 5 - O disposto no n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto. 6 - A prova referida no número anterior deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações. Por sua vez, o artigo 139.º, do Código do IRC, consigna, o seguinte: Artigo 139.º (Prova do preço efetivo na transmissão de imóveis) 1 - O disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objetivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário. 3 - A prova referida no n.º 1 deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos. 4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor da diferença positiva prevista no n.º 2 do artigo 64.º, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, é da competência da Autoridade Tributária e Aduaneira. 5 - O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei. 6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização. 7 - A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correções efetuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º, ou, se não houver lugar a liquidação, das correções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa. 8 - A impugnação do ato de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo. Ora, segundo o n.º 2 artigo 44.º do Código do IRS, nas situações de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, prevalece o valor considerado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis. Segundo o n.º 1 do artigo 12.º do Código do IMT, o valor a considerar para este imposto, é o seguinte: Artigo 12.º (Valor tributável) 1 - O IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior. Portanto, o IMT incide sobre o valor que consta do contrato de venda, mas se o valor patrimonial tributário (VPT), for superior ao do contrato, é o valor do VPT que determina o montante do IMT. Foi o que sucedeu no caso em apreço, conforme se pode ver pelo que consta da transcrição da escritura de compra e venda, efetuada no ponto 2. da matéria de facto. Portanto, os Impugnantes tinham conhecimento do valor do VPT e que este era superior ao valor da venda indicado na escritura de compra e venda. Por sua vez, o n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS (da redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12), determina que a matéria coletável, é determinada pelo valor da venda ou do valor que serviu para liquidar o IMT, caso este valor seja superior ao da venda. Daqui resulta, que os Impugnantes tinham forma de conhecer a base de incidência tributária do IRS, no momento da celebração da escritura pública, na medida em que tal situação estava claramente prevista na legislação ao caso aplicável. E o desconhecimento da Lei não pode ser invocado, conforme estabelece o artigo 6.º do Código Civil. Por isso, não faz sentido a alegação de que, não tinham como saber como é que a sua liquidação de IRS não estava correta, uma vez que, a lei (ou seja, o referido n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS) definia a matéria coletável de modo superior àquela que foi declarada. E isso, não podia ser desconhecido, seja no momento da celebração da escritura de compra e venda, seja, no momento da submissão da declaração de IRS de 2016. Por sua vez, o código do IRS, previa já a possibilidade de os interessados poderem ilidir a presunção legal estabelecida no n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS, conforme o disposto nos nos. 5 e 6 (na redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, vigente em 01/01/2015) deste mesmo preceito, abrindo, por sua iniciativa, o procedimento próprio de prova do preço efetivo da venda; o que não lograram fazer. Assim, a legislação permite a possibilidade de os interessados poderem ilidir a presunção legal do preço de venda corresponder ao VPT, através do procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC (aplicável ao IRS, com as devidas adaptações). Só depois desse procedimento ter sido realizado, é que os interessados podem intentar em tribunal a ação respetiva, caso considerem que assim devem proceder. Desta forma, não se mostra violado o regime do artigo 73.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual, as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, na medida em que os interessados não se socorreram do procedimento disponível para o efeito; onde poderiam ter realizado prova distinta da presunção tributária. Também não se mostra violado o disposto no artigo 64.º do CPPT, na medida em que, norma especial derroga norma geral. Ou seja, estando previsto no n.º 6 do artigo 44.º do Código do IRS, que se utiliza o procedimento próprio estabelecido no artigo 139.º do Código do IRC (aplicável, com as devidas adaptações ao IRS), é esse o procedimento a seguir a não qualquer outro. Por isso, não será possível ilidir a presunção em apreço, em reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IRS, nem em impugnação judicial, intentada diretamente contra a liquidação de IRS. Por sua vez, considerando que existe a possibilidade de os interessados lançarem mão do referido procedimento próprio de prova do preço efetivo, não se vê como foi violado o artigo 103.º da Constituição (afigurando-se que, pelo modo como fazem a sua exposição, os Recorrentes reportam-se ao n.º 2 deste preceito, que se refere às garantias dos contribuintes), na medida em que existe norma legal, que assegura as garantias dos contribuintes, em poderem realizar prova dos direitos que alegam, nesse procedimento próprio. Se os interessados não tomaram a iniciativa prévia ou autónoma à liquidação de IRS, de iniciar tal procedimento, depois a liquidação ter sido emitida, já não pode ser afetada por essa inércia dos interessados. Do exposto resulta, que a presente impugnação judicial, não é o meio próprio para demonstrar ou provar que o efetivo preço de venda, correspondeu ao exarado na escritura pública de compra e venda. Desta forma, ocorre antes uma situação de inimpugnabilidade do ato tributário, o que configura uma exceção dilatória, que conduz à absolvição da instância do Réu, como muito bem referem os Recorrentes na sua conclusão O) deste recurso. Significa isto, que é inadmissível aditar ou alterar a matéria de facto, com vista a eventual prova do preço efetivo, conforme pretendem os Recorrentes, em sede deste recurso., por isso, o recurso improcede também nesta parte. * Em face do exposto, concluiu-se que, para os efeitos pretendidos pelos impugnantes, a impugnação não é admissível, por falta de um pressuposto processual prévio, que é o da falta de abertura do procedimento próprio de prova do preço efetivo, pelo que a Fazenda Pública deve ser absolvida da instância e não do pedido. * Face ao exposto, o recurso não merece provimento. * No concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, é são os Recorrentes responsáveis pelas custas do recurso – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. ** Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora- -se o seguinte sumário: I - A prova do preço efetivo da venda de um imóvel, realiza-se através do procedimento especial estabelecido no artigo 139.º do Código do IRC, para as situações de tributação de mais-valias sujeitas a IRS, após 01/01/2015. II - Caso, o vendedor não tenha lançado mão desse procedimento, não pode realizar a prova do preço efetivo diretamente em sede judicial, na medida em que é obrigatório iniciar previamente aquele procedimento especial. * * Decisão Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida na parte em que mantém na ordem jurídica a liquidação impugnada e absolver da instância a Fazenda Pública. * * Custas a cargo dos Recorrentes. * * Porto, 29 de maio de 2025. Paulo Moura Cristina da Nova Rui Esteves |