Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01529/24.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/25/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:LUÍS MIGUEIS GARCIA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES E PASSAGEM DE CERTIDÃO;
Sumário:
I) – Não satisfaz o direito à informação resposta que se alheia do pedido.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

Município ... (Rua ..., ...) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, que, em intimação para prestação de informações e passagem de certidão intentada por Freguesia ... (Rua ..., ... ...), julgou «improcedente a excepção dilatória de falta de legitimidade passiva» e condenou «a Entidade Demandada a satisfazer o pedido de informação e o pedido de emissão de certidão vertidos no requerimento apresentado pela Autora em 05-06-2024, no prazo de 10 dias».

Conclui:

a) O objeto do presente recurso é a sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual condena o réu a satisfazer o pedido de informação e pedido de emissão de certidão vertidos no requerimento apresentado pela autora em 05-06-2014, no prazo de 10 dias.
b) O requerimento da autora de 05-06-2024, referido pela douta sentença recorrida, pede, em suma, informações sobre um alegado processo de delimitação territorial da Junta de Freguesia ..., a aqui autora recorrida, cuja única referência que esta tem relativamente a este processo, é o teor de uma missiva da Autoridade Tributária.
c) Sucede que, é da competência exclusiva da Assembleia da República legislar sobre modificação das autarquias, designadamente quanto à sua delimitação territorial, (Cfr. artigo 164.º n) da CRP), o que a autora reconhece expressamente no requerimento que dirigiu ao réu.
d) Pelo que, tendo em conta que o artigo 105.º n.º 1 do CPTA, diz expressamente que a intimação deve ser requerida contra a pessoa de direito público que seja competente para facultar a informação, tal pedido deveria ter sido dirigido ao Estado e não ao réu Município.
e) Assim, a autora errou na identificação da entidade administrativa a quem dirigiu o pedido de prestação de informação pois, bem sabendo que a entidade competente para prestar a informação pretendida era o Estado (Assembleia da República), dirigiu o pedido a outra entidade administrativa, no caso, o Município aqui réu.
f) Assim, o réu nem sequer dispõe de elementos em concreto para esclarecer a autora, nem o poderia fazer sob pena de praticar um ato nulo nos termos do disposto na alínea b), do n.º 2 do artigo 161 do CPA.
g) Assim, andou mal o tribunal a quo ao julgar improcedente a exceção dilatória de falta de legitimidade passiva, violando o disposto no n.º 2 e na alínea e) do n.º 2 do artigo 89.º do CPTA, pelo que, no entender do recorrente, a norma supra referida deveria ter sido aplicada e, consequentemente, a decisão a proferir deveria ter sido no sentido de absolver o réu da instância.
Mas mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, sempre se diria o seguinte:
h) Não obstante o Município não estar obrigado a prestar qualquer informação, respondeu à autora, na pessoa da sua Ilustre Mandatária, antes da propositura da ação, nos termos em que o poderia fazer, ou seja, apresentando o quadro legislativo atualmente em vigor no que à matéria de alteração dos limites territoriais das freguesias diz respeito.
i) Informação que foi prestada de forma clara, exaustiva, precisa, com indicação dos diplomas e normas em concreto, e de onde apenas se pode concluir que, não sendo o réu competente na matéria que ao pedido de informação diz respeito, não poderá, logicamente, deter informações sobre um processo de delimitação da Freguesia ..., o qual é da competência de outra entidade administrativa.
j) Portanto, qualquer cidadão colocado na posição da Junta de Freguesia ..., e da sua Ilustre Mandatária, a quem foi dirigida a resposta, perceberiam o alcance da resposta, pelo que andou mal a douta sentença em crise ao considerar que não foi dada “cabal resposta” nem que a mesma era clara.
k) Assim, e no entender do recorrente, deveria a douta sentença aplicar as normas atinentes ao direito à informação administrativa (artigos 268.º n.º 2 da CRP e normas reguladoras da LADA), julgando assim devidamente prestada a informação e, por via disso, absolver o réu do pedido.
l) Acrescerá ainda referir que, o controle jurisdicional do exercício de um poder discricionário da administração, como é o caso do conteúdo do cumprimento do direito à informação administrativa, não tem por finalidade interferir na conveniência da escolha efetuada pela administração, mas sim e apenas apreciar a forma e competência do exercício desse poder (Cfr. artigo 111.º da CRP).

Sem contra-alegações.
*
A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta foi notificada nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, não emitindo parecer.
*
Com legal dispensa de vistos, cumpre decidir.
*
Factos, que o tribunal “a quo fixou como provados:
1) Em 05-06-2024, a Autora enviou à Entidade Demandada, via correio postal registado, um requerimento com o seguinte conteúdo:
“[…]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]”
[cf. doc. 3 junto com a p.i.]
2) Em data não concretamente apurada, mas situada entre 03-07-2024 (data da subscrição do ofício) e 10-07-2024 (data da propositura da presente acção), a Entidade Demandada remeteu à Autora o ofício com a refª ...68, do qual consta o seguinte:
“[…]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]”
[cf. doc. 5 junto com a p.i.]
*
A apelação.
→ Sobre a legitimidade passiva.
O art.º105º, nº 1, do CPTA, dita que “[a] intimação deve ser requerida contra a pessoa coletiva de direito público, o ministério ou a secretaria regional cujos órgãos sejam competentes para facultar a informação ou a consulta, ou passar a certidão”.
O recorrente insiste no que manifestamente não tem razão.
Com todo o acerto se observou na decisão recorrida que “pouco importa que a Entidade Demandada não detenha competências em matéria de organização administrativa territorial. Não é esse o objecto do presente processo, isto é, o processo não se reporta a uma relação jurídico-administrativa conformada v.g. por um acto administrativo, mas antes a uma relação jurídica enformada pelo direito de informação administrativa. Se a Autora afirma que formulou um pedido de informação administrativa e que este não obteve resposta, está justificada a legitimidade processual passiva da Entidade Demandada. A Entidade Demandada até pode não estar substantivamente legitimada a actuar em matéria de organização administrativa territorial, mas está pelo menos substantivamente obrigada a informar sobre o assunto suscitado pela Autora, mesmo que a resposta seja, nomeadamente, que não se encontra em curso qualquer procedimento e que inexiste um processo administrativo que o documente.”.
→ Sobre o fundo.
Depois de contextualizar, enunciando os prececeitos, de lei constitucional e ordinária, concluiu o tribunal “a quo” que ao “pedido de informação não foi dada cabal resposta. Nem o ofício com a refª ...68, a que se refere o item 2) do probatório, atingiu esse desiderato, pois que o dever de informação deve ser cumprido com clareza. Escalpelizando esse ofício, apesar de a Entidade Demandada discorrer sobre os trâmites e competências do procedimento de delimitação e demarcação territorial das freguesias, não responde directamente ao que lhe é pedido pela Autora.
Por um lado, não informa sobre se existe ou inexiste, no acervo documental municipal, um qualquer procedimento atinente a essa matéria, como lhe foi requerido. Por outro lado, não emite a certidão – mesmo que negativa – que também foi requerida.
Assim sendo, à míngua de um cumprimento claro do dever de informação extraprocedimental, impõe-se, em sede de dispositivo, julgar procedente a presente intimação, condenando-se a Entidade Demandada a satisfazer o pedido de informação e o pedido de emissão de certidão vertidos no requerimento apresentado pela Autora em 05-06-2024, no prazo de 10 dias (cf. artigo 108º do CPTA”.
A garantia do princípio do arquivo aberto «é um elemento dinamizador da «democracia administrativa» e um instrumento fundamental contra o «segredo administrativo»” (J.J. Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa, Vol I, 4ª ed.ª, pág. 824).
Como o recorrente conclui (ultrapassando alguma ambiguidade em corpo de alegações), cabe aplicar “as normas atinentes ao direito à informação administrativa (artigos 268.º n.º 2 da CRP e normas reguladoras da LADA)”.
Ora, foi isso que, precisamente, foi indagado e aplicado; sem erro de julgamento; não satisfaz o direito à informação resposta que se alheia do pedido.
Perante um pedido claro e preciso em que está em causa e fim um direito à informação administrativa, impunha-se uma informação quanto ao pedido, uma informação, como dito por Raquel Carvalho, “clara, exaustiva, exata, coerente e tempestiva e só dessa forma a administração pode considerar cumprida a sua obrigação” (Raquel Carvalho, “O direito à informação administrativa procedimental”, Porto, Universidade Católica, 1999), passando ainda (na/por atenção aos termos em que o foi) a requerida certidão; que não obtém satisfação “apresentando o quadro legislativo atualmente em vigor no que à matéria de alteração dos limites territoriais das freguesias diz respeito”, esclarecimento ou consulta jurídica que não foi requerida.
O recorrente convoca um “poder discricionário da administração”, que verdadeiramente não existe; de todo o modo, no que lhe poderá ter alguma proximidade de ideia força - de algum espaço de actuação com equilíbrio de proporcionalidade -, sem que o caso o desperte e justifique.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo recorrente.
Porto, 25 de Outubro de 2024.

Luís Migueis Garcia
Alexandra Alendouro
Ana Paula Martins