Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00866/11.9BEPRT-S1 |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 07/12/2024 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | ANA PAULA ADÃO MARTINS |
Descritores: | ARTIGO 11º, Nº 1 DO CPTA; ARTIGO 40º, Nº 2 DO CPC; QUESTÕES DE DIREITO; |
Sumário: | O requerimento no qual se solicita a declaração de nulidade de sessão de julgamento e “todo o processado a seguir (incluindo sentença, despachos, guias, etc)” levanta questões de direito, pelo que carece de ser subscrito por advogado.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO «AA», autor nos autos principais e aí melhor identificado, vem recorrer do despacho de 15.11.2023, pelo qual foi ordenado o desentranhamento de requerimento por si apresentado a 06.11.2023. * Concluiu assim as suas alegações: 1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho do Tribunal a quo datado de 15.11.2023 que ordenou o desentranhamento de requerimentos apresentados pelo ora Recorrente, pois, segundo entendeu tais peças “levantam questões de Direito”. 2. De facto, salvo o devido e merecido respeito por melhor opinião, entende o Recorrente que no despacho recorrido se cometeram erros na aplicação da matéria de Direito, impondo-se por isso uma solução totalmente inversa à decidida na sentença ora impugnada, competindo, assim, a este Tribunal ad quem usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de censura. 3. Por correio eletrónico datado de 30 de setembro de 2019 foi comunicado pelo aqui Recorrente ao Tribunal a quo, a sua nova morada, pela qual, adiante teriam de ser remetidas todas as notificações que adviessem no decorrer do processo administrativo em referência. 4. Posteriormente, em 22 de abril de 2019 foi confirmada e, consequentemente, alterada a morada do Autor, o que, aliás, é constatável através das sucessivas notificações remetidas para a nova morada indicada, mormente a do dia 01 de agosto de 2022, relativa à nomeação de novo Advogado. 5. Todavia, não tendo sido, mais tarde, respeitado pelo Tribunal a quo tal alteração de morada da parte ativa do processo, nomeadamente a que se refere à data da marcação de audiência de julgamento, dado que, todas as notificações passaram novamente a ser remetidas para a antiga morada do Autor, este, numa atitude de absoluta boa-fé, elaborou um requerimento ao Tribunal da 1.ª instância, agora desentranhado. 6. Sucede que, à data do respetivo requerimento, o Recorrente encontrava-se sem patrocínio judiciário, porquanto, em 06.11.2023 realizou pedido de substituição de patrono nomeado que, igualmente, pediu escusa. 7. Por conseguinte, em tal peça, bem como, aliás, todas as restantes desentranhadas pelo respetivo Tribunal, não há qualquer articulação de Direito, mas antes informações úteis, pertinentes e importantes ao processo e, como tal, é igualmente da competência das partes do processo, por si, elaborá-las! 8. Discordamos, assim, por completo, da decisão do Tribunal a quo, pela evidente e grave violação ao artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (adiante somente CRP), relativo ao Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva. 9. Nesta senda, não há qualquer fundamento, salvo o devido respeito, que é muito, para o Tribunal sob censura, ordenar o desentranhamento das comunicações remetidas pelo Recorrente, pois, encontrava-se o mesmo, somente, a salvaguardar e zelar pelo seu direito constitucional de acesso à justiça. 10. Com efeito, nos pontos 1 a 4 da requerida comunicação, veio o Recorrente informar que tinha solicitado a substituição do patrono oficioso, pelo que nunca o seu requerimento devia ter sido desentranhado, dado que se aplicam as mesmas regras do pedido de escusa. 11. Ora, pese embora a fundamentação (vaga) do Tribunal a quo para o desentranhamento do requerimento do Recorrente através da aplicação do artigo 11.º do CPTA, em boa verdade, foi precisamente a obrigatoriedade da constituição do mandatário que levou o Recorrente a levar a cabo a comunicação sob análise. 12. Na verdade, conforme estipula o artigo 40.º, número 2 do CPC “Ainda que seja obrigatória a constituição de advogado, os advogados estagiários, os solicitadores e as próprias partes podem fazer requerimentos em que se não levantem questões de direito.” (destaque nosso). 13. Assim sendo, por tais requerimentos não suscitarem, de modo algum, qualquer questão de Direito, tem o Recorrente Autor toda a legitimidade para os remeter! 14. De acordo com o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30 de novembro de 2022 – proc. n.º 5867/21.6T8VNF, “No sentido pretendido pelo recorrente, todos os requerimentos juntos a processo, de um modo ou de outro, levarão o julgador a ter que tomar uma posição juridicamente fundamentada, i é, com base na lei, e nesse sentido todos levantariam questões de direito. Não pode ser esse o sentido do nº 2 artigo 40º do CPC.” (negrito nosso). 15. Segundo o referido supra douto Acórdão “É em função do que se requer e solicita que há de verificar-se se levanta questão de direito.”, pelo que, os requerimentos aqui em causa limitam-se a conceder informações processuais relevantes e, desse modo, não levantam, em si mesmos, qualquer questão de direito, pois notoriamente, nos mesmos requerimentos, não é solicitada a aplicação de qualquer norma legal. 16. A propósito deste preceito referem Lebre Freitas, João Redinha e Rui Pinto in Código do Processo Civil anotado, Coimbra Editora, Vol. 1.º, 19998, pág. 72: “Dada a razão de ser da exigência do patrocínio, é dispensada a intervenção do advogado nos requerimentos em que não se levantem questões de direito. Pode assim, a parte, o solicitador ou um advogado estagiário, por exemplo, propor a prova e requerer a gravação da audiência final… fornecer esclarecimentos sobre a matéria de facto…”. 17. Neste sentido, os requerimentos em causa podiam ser apresentados pela parte, já que se limitam a consignar informações, não levantando, contudo, questões de direito. 18. Atento o que se deixa alegado, o despacho agora sob escrutínio, que ordenou o desentranhamento de requerimentos e documentos apresentados pelo A. Recorrente diretamente, que não o seu patrono, estando em causa o pedido de substituição do patrono nomeadamente que igualmente pede escusa, nada impede que possa ser também e diretamente a parte a apresentar tal requerimento. 19. Deste modo, importa, em provimento do recurso, reverter a decisão do Tribunal a quo e assim reintegrar, de novo, os requerimentos (e documentos) desentranhados. 20. Face ao exposto o despacho recorrido viola do n.º 2 do artigo 34 e o artigo 32º da Lei 34/2004, artigo 11º do CPTA e artigo 20º da CRP. TERMOS EM QUE, e nos demais de direito que V. Exas. douta e superiormente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via dele, ser revogado o despacho recorrido e, em consequência, reintegrar, de novo, os requerimentos (e documentos) desentranhados, como aliás, é de DIREITO E DE JUSTIÇA * As Entidades Demandadas, regularmente notificadas, não apresentaram contra-alegações. * O Ministério Público junto deste Tribunal Central, notificado para os efeitos previstos no artigo 146º, nº 1 do CPTA, não emitiu parecer. * Com dispensa de vistos, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência. * II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, que delimitam o seu objecto, nos termos dos art.s 635.º, n.ºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140.º, n.º 3 do CPTA, a questão decidenda reside em saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao não admitir o requerimento apresentado pelo Autor a 06.11.2023. * III – FUNDAMENTAÇÃO Com interesse para a decisão, importa atentar nas seguintes ocorrências processuais: 1- A 18.02.2023, nos autos principais, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente. 2- Ás 21h48m do dia 06.11.2023, o Autor, por via electrónica, remeteu aos autos requerimento, subscrito pelo próprio, no qual requer: “1- Aguarda decisão da Ordem dos Advogados sobre a nova nomeação. 2- A sessão de julgamento de 12.01.2023 e todo o processado a seguir (incluindo sentença, despachos, guias etc) devem ser consideradas legalmente nulas;” 3- Com o aludido requerimento, anexou 10 documentos, entre os quais mensagem eletrónica, datada de 06.11.2023 (às 17:35 horas), dirigida à Ordem dos Advogados na qual solicita a “substituição urgente do senhor advogado”, o Dr. «BB». * O Tribunal a quo determinou o desentranhamento do requerimento apresentado a 06.11.2023 e dos documentos que o acompanham, fazendo uso da seguinte fundamentação: “Considerando que o artigo 11.º, n.º 1, do CPTA, preceitua que “Nos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de mandatário, nos termos previstos no Código do Processo Civil...”; Considerando que o artigo 40.º, n.º 1, alínea a), do CPC, prescreve que “É obrigatória a constituição de advogado: a) Nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário”; Considerando que os Tribunais Administrativos têm alçada, em que é admissível o recurso ordinário, atento o previsto no artigo 6.º, n.º 1, do ETAF, que dispõe o seguinte: “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal têm alçada”; Considerando que as próprias partes só podem fazer requerimentos em que se não levantem questões de direito, segundo o disposto no artigo 40.º, n.º 2, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 1.º do CPTA; Considerando que, compulsado o requerimento formulado pelo próprio Autor, no mesmo são levantadas questões de direito, sobretudo, de direito processual, com especial ênfase para o pedido final de declaração de nulidade contra vários atos processuais e contra decisões tomadas ao longo da tramitação dos presentes autos; É de concluir que o Autor não pode, por si próprio, deduzir o requerimento “sub judice”, atendendo, precisamente, ao vertido no já citado artigo 40.º, n.º 2, do CPC, e à obrigatoriedade de constituição de mandatário que dimana do artigo 11.º, n.º 1, do CPTA. Assim, o Tribunal a quo não admitiu requerimento subscrito pela parte, por entender que o mesmo levanta questões de direito. O Recorrente não se conforma e aponta erros na aplicação da matéria de direito. Porém, adiante-se, sem razão. Perscrutadas as alegações de recurso, parece o Recorrente esquecer o teor integral do requerimento apresentado, designadamente o pedido de considerar “legalmente nulas” a “sessão de julgamento de 12.01.2023 e todo o processado a seguir (incluindo sentença, despachos, guias etc)”. É certo que o Autor veio aos autos informar que tinha solicitado a substituição do patrono oficioso. Não havendo notícias de que este tenha apresentado pedido de escusa. Todavia, ao contrário do alegado pelo ora Recorrente, no requerimento apresentado, não se limita a consignar informações. É, aliás, indubitável que o principal objectivo do requerimento apresentado é arguir a nulidade da sessão de julgamento levada a cabo no dia 12.01.2023 e do restante processado, por, segundo alega, não ter sido devidamente notificado. De resto, o presente recurso só reveste utilidade relativamente a esta pretensão. Ora, é patente a natureza jurídica do requerimento em causa. O pedido de declaração de nulidade contra actos processuais comporta questão de direito. Tal pedido não se resolve sem a interpretação e aplicação de determinadas normas legais. No sentido de que a apreciação da nulidade de um despacho envolve questão de direito, pronunciou-se o TRL, em acórdão de 26.10.2006 (proc. 5672/2006-2), publicado em www.dgsi.pt. Donde, como bem decidiu o Tribunal a quo, o requerimento em causa teria que ser subscrito por advogado. E, não o sendo, não poderia ser admitida a sua junção. O que vem dito é bastante para que se conclua pela improcedência do presente recurso. * IV - DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo o despacho recorrido. * Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. * Registe e notifique. *** Porto, 12 de Julho de 2024 Ana Paula Martins Conceição Silvestre Celestina Caeiro Castanheira |