Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00681/10.7BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/25/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:MARIA CLARA ALVES AMBROSIO
Descritores:PRECLUSÃO DO DIREITO DE REQUERER A DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA DISPENSA;
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ;
(ACÓRDÃO N.º 1/2022 PUBLICADO NO DR, 1ª SÉRIE DE 03.01.2022); APLICAÇÃO NO TEMPO.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Indeferir o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte,

I.RELATÓRIO
MUNICÍPIO ..., na presente acção que correu termos no Tribunal arbitral constituído ao abrigo da cláusula 100º do Contrato de Concessão da Exploração e Gestão dos Serviços Públicos de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais de ..., celebrado no dia 30 de dezembro de 2004 com a [SCom01...], S.A., vem, apelando ao estatuído no artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, requerer o seguinte: “i) Deve o presente requerimento ser aceite, por tempestivo, e deferido por este Douto Tribunal ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 7 do RCP, artigo 695.º n.º 3 do CPC e, bem assim, do princípio previsto no artigo 7.º do CPTA; Caso assim não se entenda, ii) Deve este Venerando Tribunal determinar oficiosamente a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao ora Requerente/Município nos termos do artigo 6.º n.º 7 do RCP; Ou, subsidiariamente, iii) Mesmo que se entenda que processualmente não é admissível o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, seja proferida decisão quanto ao preenchimento (ou não) dos pressupostos materiais previstos no artigo 6.º n.º 7 do RCP para o efeito, mais concretamente, se atendendo à complexidade da causa e conduta do Requerente se sempre este pedido poderia ser procedente.
Para tanto, em síntese, sustenta o seguinte:
- O Recorrente não desconsidera a existência do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ (Acórdão n.º 1/2022 publicado no DR, 1ª Série de 03.01.2022 (Processo n.º 1118/16.3T8VRL-B.GLS1-A de 10.11.2021) o qual fixou o seguinte: “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem lugar, de acordo com o nº 7 do artº 6º do RCP, com o trânsito em julgado da decisão final do processo.”
- Porém, dispõe o artigo 695.º n.º 3 do Código de Processo Civil aplicável ex vi ao processo em análise, que “A decisão de provimento do recurso (de uniformização de jurisprudência) não afeta qualquer sentença anterior à que tenha sido impugnada nem as situações jurídicas constituídas ao seu abrigo.”
- Ao tempo em que a Sentença do Acórdão Arbitral foi proferida e objeto do presente recurso para o TCA Norte (no ano de 2010) que agora transitou em julgado, processualmente esta questão sobre a tempestividade e momento da preclusão do pedido do remanescente da taxa de justiça ainda não tinha sido objeto de uniformização pelo STJ.
- A Recorrente considera que ao abrigo do disposto no artigo 695.º n.º 3 do CPC e, bem assim, do artigo 7.º do CPTA, o qual dispõe que “Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”, impõe-se que este Venerando Tribunal considere tempestivo o presente requerimento à luz da interpretação do artigo 6.º n.º 7 do RCP com o artigo 695.º n.º 3 do CPC.
- Interpretação esta que implica a aceitação da tempestividade do presente pedido pelo facto de, ao tempo em que a decisão de uniformização foi adotada, a Sentença e o respetivo recurso para o TCA Norte (com o pagamento da respetiva taxa de justiça e sobre a qual se está a requerer a dispensa do remanescente) já haviam sido objeto de decisão e pagamento por parte do Requerente.
- Sendo assim irrelevante a interposição de um requerimento nesse sentido por parte do ora Requerente o qual, perante a ausência de notificação da conta e/ou da decisão de dispensa do pagamento do remanescente ordenada pelo Juiz, vem ao abrigo do presente articulado promover uma decisão acerca desta temática.
- Caso em que o presente pedido deverá ser processualmente admitido/deferido e/ou este Venerando Tribunal determinar oficiosamente (ou não) a sua procedência em função das razões materiais que seguidamente se elencam.
- Não tendo a conta final sido ainda elaborada nem notificada, entendemos que a dispensa deste pagamento será sempre uma prerrogativa que assiste ao Tribunal promover de forma unilateral e oficiosa nos termos do artigo 6.º n.º 7 do RCP.
- Não é minimamente proporcional que o Município e ora Requerente seja condenado a pagar o remanescente da taxa de justiça depois de no âmbito do presente processo ter acabado por ser condenado apenas por uma questão de ordem meramente processual, ou seja, porque aquando da impugnação da validade do contrato de concessão já tinham passado 2 anos sobre a sua celebração quando, ao abrigo do artigo 41.º n.º 2 do CPTA ao tempo aplicável, o prazo para requerer a anulabilidade daquele expirava no prazo de 6 meses a contar da sua celebração.
- As questões que foram decididas acabaram por ser, apenas e só, relacionadas com i) saber se os vícios assacados ao contrato eram passíveis de gerarem apenas a anulabilidade daquele (caso em que o prazo de caducidade para a impugnação já tinha sido ultrapassado ao tempo da interposição da ação) ou, ao invés, ii) saber se os vícios do contrato (cuja existência nenhuma instância refutou) eram de tal forma graves que impunham um juízo de censura mais contundente com a culminação da respetiva nulidade.
- O Acórdão do TCA Norte de 29.04.2022 veio entender que embora o contrato de concessão celebrado comporte alterações substanciais das cláusulas gerais dispostas no Caderno de Encargos (CE), das regras do Programa do Concurso (PC) e da própria proposta à qual o concorrente (posterior adjudicatário) se vinculou, o mesmo não estaria ferido de nulidade mas apenas do vício de anulabilidade, tendo caducado o direito de ação por parte do Recorrente por incumprimento do prazo de 6 meses contemplado no artigo 41.º n.º 2 do CPTA (na versão aplicável aos autos).
- Facto que determinou a improcedência da ação e o não conhecimento da matéria de facto alegada, ficando a lide comprometida por uma questão meramente processual e de direito.
- Em sede de recurso para o STA, este mesmo Tribunal no respetivo Acórdão entendeu que a questão era controvertida mas acabou por considerar que embora tenham existido desvios graves entre a formação do contrato e os posteriores ajustamentos ao contrato, esses desvios não eram passíveis de determinar a nulidade do contrato mas apenas uma anulabilidade para a qual a respetiva arguição já havia caducado.
- Embora de natureza complexa, a questão central do presente processo exigiu uma intervenção do TCA e do STA para a melhor aplicação do direito que, no final de contas, se limitou e cingiu a uma análise sobre a qualificação do vício assacado ao contrato (nulidade ou anulabilidade) e das consequências processuais decorrentes do mesmo juízo.
- Limitação de análise que não justifica o pagamento do remanescente da taxa de justiça que, no presente processo e atendendo a que o valor da causa se balizou no pedido de reequilíbrio financeiro (pelo montante de dezenas de milhões de euros) não é proporcional face à questão de direito que veio a ser dirimida nesta sede.
- Representando um encargo financeiro que desviará centenas de milhares de euros dos cofres de um município já penalizado pela decisão judicial gravosa e economicamente inédita em apreço, e que terá efeitos diretos na própria operacionalização e sustentabilidade da autarquia.
- Fica também demonstrada a boa-fé processual e cooperação que foi adotada pelo Requerente, pressuposto esse que se impõe para efeitos da determinação da dispensa deste pagamento.
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O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer do qual se extrai “que nada opõe á pretensão formulada pelo MUNICÍPIO ..., elaborada ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, pela fundamentação jurídica que está suficientemente desenvolvida no requerimento em causa, cuja argumentação se dispensa de repetir e comentar aqui por razões de economia processual, mas para a qual remete, com a devida vénia”.
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Questões a decidir: saber se é tempestivo o requerimento de dispensa de pagamento da taxa de justiça e, em caso afirmativo, se estão reunidos os pressupostos para deferir a requerida dispensa.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II. 1 DE FACTO
A factualidade relevante é a seguinte:
1) A 20 de julho de 2010, o Tribunal Arbitral constituído ao abrigo da cláusula 100º do Contrato de Concessão da Exploração e Gestão dos Serviços Públicos de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais de ..., celebrado no dia 30 de dezembro de 2004 entre o MUNICÍPIO ... e a [SCom01...], S.A., proferiu acórdão no qual decidiu: (i)Não reconhecer o pedido de indemnização, formulado pelo Município ..., por alegados prejuízos causados pela concessionária ¯[SCom01...], SA‖ à população do conselho; (ii)Julgar procedente o pedido da concessionária ¯[SCom01...], SA‖ de ver reconhecido o direito ao reequilíbrio económico-financeiro da concessão, determinando a atribuição, pelo MUNICÍPIO ..., de uma compensação financeira no valor de 16 milhões de euros; (iii)Julgar procedente o pedido de reconhecimento de um crédito a favor da concessionária ¯[SCom01...], SA‖, sobre o MUNICÍPIO ..., no valor de 892.976,52€, relativo à faturação global da taxa variável de saneamento (entre o início da concessão e 31 de dezembro de 2007), acrescido dos juros de mora vencidos; (iv) Que a renda anual estabelecida na Modificação Unilateral do contrato de concessão, que ficará a cargo da concessionária ¯[SCom01...], SA‖ relativa às infraestruturas a construir pelo concedente, só será devida na proporção em que as referidas infraestruturas sejam disponibilizadas para entrada em serviço; (v)Julgar improcedente o pedido alternativo da concessionária ¯[SCom01...], SA‖ de ver reconhecido o direito de rescindir unilateralmente o contrato de concessão com base em violação do mesmo contrato e o concomitante direito a indemnização
2) Inconformado com o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral, o Município ... interpôs recurso.
3) O TCAN por Acórdão de 29/4/2022 negou provimento ao recurso e, em consequência, confirmou o acórdão arbitral recorrido, condenado o apelante em custas.
4) O Município ... interpôs recurso de revista para o STA que por Acórdão de 20/10/22 o admitiu.
5) Por Acórdão de 11/5/2023 o STA negou provimento ao recurso, com custas pelo recorrente.
6) Por ofício datado de 11/5/2023 foram os mandatários das partes notificados do Acórdão do STA.
7) O Município ..., por requerimento de 22/5/2023 interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
8) O Tribunal Constitucional, por decisão sumária de 10/10/2023 decidiu não conhecer do objecto do recurso interposto.
9) A decisão do Tribunal Constitucional foi notificada aos mandatários das partes por ofício datado de 11/10/2023.
10) O Município ..., através de requerimento que apresentou nestes autos em 14/5/2024 vem requerer, entre o mais, a sua admissão por tempestivo, e deferido ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 7 do RCP, artigo 695.º n.º 3 do CPC e, bem assim, do princípio previsto no artigo 7.º do CPTA.

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II.2 DE DIREITO
Quanto à tempestividade da pretensão do requerente para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP)
Dispõe-se no art.6º, nº7, do RCP: “Nas causas de valor superior a € 275.000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
A justificação deste preceito legal decorre do Preâmbulo do Regulamento das Custas Processuais – DL nº34/2008 de 26/2 – nos termos do qual:
Esta reforma, mais do que aperfeiçoar o sistema vigente, pretende instituir todo um novo sistema de concepção e funcionamento das custas processuais. (…) A taxa de justiça é, agora, com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço. De um modo geral, procurou também adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores. De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção. Constatou-se que o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa”.
Traduz, assim, aquele normativo um princípio fundamental, que orienta o actual sistema de custas processuais, nos termos do qual deve haver proporcionalidade entre o valor da taxa de justiça a pagar pelos intervenientes no processo e o serviço prestado.
Importa, todavia, desde já, saber se após o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos, pode o juiz oficiosa ou a requerimento da parte, dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do art. 6º nº7 do Regulamento das Custas Judiciais.
A jurisprudência anterior ao Acórdão do STJ uniformizador de jurisprudência nº 1/2022, proferido no âmbito do recurso extraordinário nº 1118/16.3T8VRL-B.G1.S1-A, sobre a questão relativa ao momento até ao qual o interessado podia requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, dividia-se, maioritariamente, entre os que entendiam que o interessado podia suscitar a questão até ao trânsito em julgado da decisão, ou na que incidisse sobre o incidente de reforma da decisão quanto a custas, nos termos do art. 616º/1 do CPC. Assim decidiu p.ex. o Acórdãos do STJ de 13/10/2020, processo 767/14.9TBALQ-C.L1.S2, extraindo-se do respectivo sumário: “IV. A parte, notificada da decisão que põe termo ao processo, está em condições, por dispor de todos os elementos necessários, de solicitar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, pois que sabe, de antemão, qual a taxa de justiça que será devida e incluída na conta de custas, uma vez que essa taxa de justiça tem necessariamente por referência o valor da ação e a tabela I-A anexa ao RCP. V. Seguindo a jurisprudência dominante, o momento próprio para o juiz proceder à avaliação dos pressupostos previstos no art. 6.º, n.º 7, do RCP, é o da prolação da sentença ou do acórdão, oficiosamente, ou antes do trânsito em julgado da decisão, por via do pedido de reforma nos termos dos artºs 616.º, nºs 1 e 3, 666.º, n.º 1, e 679.º, do CPC”) e os que defendiam a possibilidade de a questão poder ser suscitada em momento posterior ao trânsito em julgado da decisão, até à elaboração da conta. Assim decidiu p.ex. o Acórdão do STJ de 24/10/2019, Processo 1712/11.9TVLSB-B.L1.S2 extraindo-se do respectivo sumário:I – A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 7º, nº6, do Regulamento das Custas Processuais, pode ser determinada oficiosamente pelo juiz ou a requerimento das partes. II – Quando o processo é remetido à conta, a responsabilidade pelo pagamento das custas está definitivamente fixada. III – O requerimento a solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça não pode ser apresentado em reclamação à conta de custas, mas sempre antes da elaboração desta).
A apontada divergência da jurisprudência foi resolvida pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº 1/2022 no já referido recurso extraordinário, cujo segmento uniformizador é o seguinte: “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem lugar, de acordo com o nº 7 art. 6º do RCP, com o trânsito em julgado da decisão final do processo.”
À luz do assim decidido, qualquer requerimento relativo à dispensa do remanescente da taxa de justiça deve ser apresentado antes do trânsito em julgado da decisão.
O requerente refere conhecer o segmento uniformizador do Acórdão do STJ, mas entende que, ao tempo em que o Acórdão Arbitral foi proferido e objeto do recurso para o TCA Norte (no ano de 2010) que já transitou em julgado, esta questão sobre a tempestividade e momento da preclusão do pedido do remanescente da taxa de justiça ainda não tinha sido objeto de uniformização pelo STJ, pelo que, não será de aplicar ao caso em apreço.
Um dos fundamentos a que apela o requerente para sustentar a sua posição é o disposto no artigo 695.º n.º 3 do CPC, que estabelece que a decisão de provimento do recurso de uniformização de jurisprudência não afecta qualquer sentença anterior à que tenha sido impugnada, nem as situações jurídicas constituídas ao seu abrigo.
Vejamos.
A questão que o requerente coloca prende-se com a aplicação do acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ nº 1/2022 publicado no DR, 1ª Série de 03.01.2022 à situação dos autos, cuja tramitação vem parcialmente reflectiva na selecção de factos assentes, da qual sobressai que, parte dela, decorre em momento temporal posterior à publicação do referido Acórdão, a saber: (i) Acórdão do TCAN de 29/4/2022 que negou provimento ao recurso e, em consequência, confirmou o acórdão arbitral recorrido, condenado o apelante em custas; (ii) Acórdão do STA de 11/5/2023 que negou provimento ao recurso, com custas pelo recorrente; (iii) Decisão Sumária do Tribunal Constitucional de 10/10/2023, que não conheceu do objecto do recurso interposto.
Note-se que, em nenhuma das referidas decisões judiciais, o pagamento/dispensa do remanescente da taxa de justiça foi objecto de qualquer análise e decisão, pelo que, o disposto no artigo 695.º n.º 3 do CPC não tem aqui aplicação, já que dele resulta apenas que o acórdão de uniformização de jurisprudência não pode abranger os casos julgados anteriores, visando impedir a reapreciação de situação que já foi definida por sentença transitada, vinculando o Tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido.
Por outra via, a aplicação do Acórdão Uniformizador de jurisprudência à situação dos autos não implica qualquer aplicação retroactiva uma vez que a interpretação aí fixada é convocada para a apreciação que este Tribunal, (sendo admissível) fará do requerimento de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado nos autos apenas em 14/5/2024 e, por conseguinte, estando em causa determinar o momento a partir do qual se mostra precludido o direito de a parte requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, impõe-se aplicar o sentido interpretativo que foi fixado pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º l/2022 ao art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, isto é, a preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo.
Como se pode ler em sumário do Acórdão do STJ de 24/5/22 processo 1562/17.9T8PVZ.P1.S1: “IV - A linha interpretativa fixada nos acórdãos uniformizadores só deverá ser objecto de desvio, no âmbito do mesmo quadro legal, perante diferenças fácticas relevantes e/ou (novos) argumentos jurídicos que não encontrem base de ponderação nos fundamentos que sustentaram tais arestos” e, em Acórdão do TRP de 27/2/2023 processo 220/11.2TBAMT-D.P1 “Não oferece dúvidas que, em princípio, os tribunais de primeira instância e da Relação devem observar o sentido dos acórdãos uniformizadores. Os recursos para uniformização de jurisprudência visam introduzir certeza e segurança em domínios em que mesmo ao nível da instância de recurso constituída pelo Supremo Tribunal de Justiça exista divergência, no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.(…) Como se lê no ac. S.T.J. de 13-11-2003 (proc. 03P3157, Simas Santos, consultável in http://www.dgsi.pt/, tal como os demais acórdãos que vierem a ser nomeados, salvo indicação diversa), o eventual afastamento, por parte dos tribunais judiciais, da jurisprudência fixada só deverá ocorrer quando: - o tribunal judicial em causa tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador (no seu texto ou em eventuais votos de vencido), susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada; - se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma a que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso; ou, finalmente, - a alteração da composição do Supremo Tribunal de Justiça torne claro que a maioria dos juízes das Secções Criminais deixaram de partilhar fundadamente da posição fixada. Mas seguramente não sucederá quando o Tribunal Judicial não acata a jurisprudência uniformizada, sem adiantar qualquer argumento novo, sem percepção da alteração das concepções ou da composição do Supremo Tribunal de Justiça, baseado somente na sua convicção de que aquela não é a melhor solução ou a “solução legal”, com base em argumentos já considerados”.
Ora, no caso dos autos, o requerente não avança argumentos nesse sentido, isto é, diferenças fácticas relevantes e/ou novos argumentos jurídicos que não encontrem base de ponderação nos fundamentos que sustentaram o Acórdão Uniformizador, pelo que, nenhuma razão se vislumbra para afastar do caso concreto a aplicação da jurisprudência uniformizada do STJ, no acórdão n.º 1/2022.
Nesse sentido, uma vez que a decisão final do processo já havia transitado em julgado à data em que a requerente apresentou o requerimento em análise, destinado a alcançar a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, sendo aplicável, como é, a jurisprudência uniformizada, segundo a qual, a preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo, impõe-se concluir que o direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça se encontra precludido.
Termos em que, se indefere a requerida dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, exigido no nº7 do artº 6º do RCP para as causas como a que aqui nos ocupa, de valor superior a € 275.000.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Administrativa, Subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte, em indeferir o presente requerimento.
Custas do incidente pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
Notifique.
Porto, 25 de Outubro de 2024.

Maria Clara Ambrósio
Tiago Afonso Lopes de Miranda
Ricardo de Oliveira e Sousa