Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00282/20.1BEVIS |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 09/13/2024 |
Tribunal: | TAF de Viseu |
Relator: | MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO |
Descritores: | AMNISTIA; APLICAÇÃO DA LEI 38.°-A/2023, DE 2 DE AGOSTO; |
Votação: | Maioria |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO «AA», «BB», «CC», «DD» e «EE» instauraram ação administrativa contra a Ordem dos Enfermeiros, todos melhor identificados nos autos, peticionando: “A ver dos Autores, e com todo o respeito, a presente acção administrativa comum merece ser julgada procedente, por provada, e consequentemente: i) Ser anulada a deliberação, de 10/julho/2020, do Conselho Jurisdicional Plenário, da Ordem dos Enfermeiros, que lhes aplicou a sanção disciplinar de censura escrita; ii) Ser a Ordem dos Enfermeiros condenada a expurgar do registo respectivo dos Autores a sanção disciplinar.” Por decisão proferida pelo TAF de Viseu foi julgada extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide: Desta vem interposto recurso pela Ré. Alegando, formulou as seguintes conclusões: A. A presente ação tem por objeto a impugnação da decisão administrativa que condena os Recorridos em sanção disciplinar de censura escrita, aplicada por violação dos deveres previstos nas alíneas g) e j), do n.º 1, do artigo 97.º e nas alíneas d) e e), do artigo 104.º, todas do EOE. B. Apresentados os articulados, o Tribunal a quo notificou as partes para se pronunciarem quanto à aplicação da Lei da Amnistia ao caso concreto. C. Embora os Autores nada tenham apresentado, a Recorrente pronunciou-se no sentido da não aplicação da referida Lei. Ainda assim, a Sentença recorrida decidiu pela extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide com fundamento na aplicação da Lei da Amnistia ao caso concreto. D. O Tribunal a quo, decidiu, assim, pela aplicação da Lei da Amnistia ao caso concreto declarando amnistiadas as infrações disciplinares sancionadas pelo ato impugnado nos presentes autos, atento o facto de (a) se tratarem de infrações disciplinares assentes em factos praticados e/ou omitidos em 25.08.2016 (ou seja, até às 00:00 horas de 19/06/2023), (b) que não constituem simultaneamente um ilícito penal e (c) cuja sanção aplicável não é superior a suspensão (uma vez que foram aplicadas sanções de censura escrita). E. Ora, com o devido respeito, andou mal a Tribunal a quo, não só porque ao aplicar a Lei da Amnistia aos presentes autos, a Sentença recorrida afronta diretamente o princípio constitucional da separação de poderes, na concretização que lhe é conferida pelo n.º 1, do artigo 3.º, do CPTA, e, por outro lado, faz uma incorreta interpretação e aplicação de Direito, ao aplicar aos presentes autos a Lei da Amnistia. F. Mas mais, a Sentença recorrida incorreu, também, em erro de julgamento sobre a matéria de facto, designadamente na fixação da matéria de facto, na medida em que considerou provados por acordo factos que foram impugnados pela Recorrente em sede de Contestação e que não encontram suporte documental para que se tenham por provados. Do Recurso sobre a matéria de facto Considerações preliminares G. No dia 14 de novembro de 2023, o Tribunal a quo proferiu sentença, na qual começou por fixar os factos provados, com base nas posições alegadamente expostas nos articulados, na prova junta aos autos e no princípio da livre apreciação da prova, nos termos do artigo 94.º, n.º 4, do CPTA e do artigo 607.º, n.os 3 a 5, do CPC, aplicável ex vi artigos 1.º e 35.º, n.º 1, do CPTA. H. De entre os factos apurados, o Tribunal a quo deu por provados por acordo das partes os factos que constam dos n.os 4 a 11 da Sentença recorrida, contudo, não pode a Recorrente concordar com a factualidade, dado que não só não aceitou como impugnou os referidos factos em sede de Contestação. I. Assim, a Sentença recorrida incorreu em erro de fixação da matéria de facto, limitando-se admitir, nos seus exatos termos, os artigos 6.º a 13.1.º da Petição Inicial, ignorando a impugnação dos mesmos que consta dos artigos 33.º a 39.º da Contestação e a falta de prova que os corroborasse. J. Acresce que, após enumerar os factos provados, a Sentença recorrida termina referindo que “[n]os presentes autos, a decisão da matéria de facto efetuou-se mediante o recorte dos factos pertinentes, em função da sua relevância jurídica e atentas as soluções plausíveis de direito (cf. artigo 949, n9s 3 e 4, do CPTA e artigo 6079, n9s 3 a 5, do CPC), com base na posição das partes, no exame da prova documental oferecida pelas partes e do processo administrativo junto aos autos - não impugnada (cf. artigos 3749 e 3769 do CC) e cuja veracidade não foi colocada em crise (cf. artigos 3709 a 3729 do CC) -, e ainda por consulta à plataforma SITAF, tal como se encontra especificado, individualmente, nos itens da matéria de facto provada”. K. Ora, não pode a Recorrente concordar com tal afirmação dado que, ao fixar os factos provados com fundamento no acordo das partes - o que não se verifica, dada a impugnação dos mesmos na Contestação -, a Sentença recorrida não decidiu em consonância com o disposto no “artigo 949, n9s 3 e 4, do CPTA e artigo 6079, n9s 3 a 5, do CPC” nem “com base na posição das partes”. L. Acresce que também não foram juntos aos autos documentos que comprovem os factos n.º 4 a 11 dados por provados na Sentença Recorrida, pelo que o Tribunal a quo não cumpriu o disposto no artigo 94.º, n.ºs 3 e 4, do CPTA e no artigo 607.º, n.ºs 3 a 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º e 35.º, n.º 1, do CPTA. M. Nos termos do artigo 640.º, do CPTA, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre analisar, individualmente, cada um dos factos dados por provados que, por falta de acordo e de prova, devem ser julgados como não provados. Do erro na fixação da matéria de facto N. Compulsada a motivação da matéria de facto constante da Sentença recorrida, resulta que o facto provado n.º 4 - “O Centro Hospitalar ..., E.P.E. recebeu o aviso prévio de greve e nada contrapôs perante o SEP - Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, nem suscitou a intervenção do serviço competente do ministério responsável pela área laboral (artigo 5389, n9 2, do Código do Trabalho), não tendo havido, por isso, intervenção do Tribunal Arbitral (que funciona junto do Conselho Económico e Social) [admitido por acordo]” - foi dado como provado por ter sido “admitido por acordo”. O. Ora, o referido facto corresponde, nos seus exatos termos, ao artigo 6.º da Petição Inicial que não foi aceite nos termos do artigo 33.º da Contestação e que foi expressamente impugnado no artigo 36.º da Contestação. P. Assim, a ora Recorrente alegou que não são do seu conhecimento os procedimentos levados a cabo pelo CHTV e pelos Autores, no seguimento da greve declarada pelo SEP, não tendo sido aos autos prova documental que corroborasse os factos alegados. Q. Em face do exposto, incorreu a Sentença recorrida em erro de julgamento de facto, designadamente, de fixação da matéria factual provada, dado que não foram invocados pelo Tribunal a quo outros fundamentos para a fixação do facto provado n.º 4 (além, diga-se, do (alegado, mas inexistente) acordo das partes, que, como já referido, não se verificou). R. Assim, deve considerar-se procedente o alegado erro de fixação da matéria de facto, sendo o facto provado n.º 4 da Sentença recorrida dado como não provado, por falta de acordo das partes e de prova que o suporte. S. O facto provado n.º 5 da Sentença recorrida - “Nas proximidades de instalação da greve o Centro Hospitalar ..., E.P.E., fixou, unilateral e autoritariamente, os meios humanos necessários para assegurar os serviços mínimos [admitido por acordo]” - reproduz, nos seus exatos termos, o artigo 7.º da Petição Inicial. T. Ora, tendo em conta que a Recorrente não tem conhecimento dos procedimentos que foram levados a cabo pelo CHTV e pelos Autores, no seguimento da greve declarada pelo SEP, a mesma não poderá estar de acordo com o facto alegado pelos Autores. U. Contudo, a Sentença recorrida fundamentou a fixação deste facto como provado no acordo das partes, o que não se verifica dada a impugnação feita pela Recorrente em sede de Contestação (cfr. artigo 36.º). V. Assim, com a fixação do facto provado n.º 5, a Sentença recorrida incorre em erro de julgamento de facto, designadamente, de fixação da matéria factual provada, dado que não foi provada a veracidade do mesmo e que não foram invocados pelo Tribunal a quo outros fundamentos para a sua fixação (além, diga-se, do (alegado, mas inexistente) acordo das partes, que, como já referido, não se verificou). W. Assim, deve julgar-se a Sentença recorrida ferida de erro de julgamento de facto, devendo o facto provado n.º 5 da Sentença recorrida ser dado como não provado, por falta de acordo das partes e de prova que o sustente. X. O facto provado n.º 6 da Sentença recorrida - “Os Autores aderiram à greve e na presença do não questionado, no tempo e na forma devida, aviso prévio seguiram o que nele figurava quanto à dotação e face ao que nele também foi proposto (“os grevistas acordarão entre si quem permanecerá no serviço para ocorrer a situações impreteríveis”), porquanto havia enfermeiros não aderentes detentores de formação profissional adequada para a prestação de cuidados de enfermagem [admitido por acordo]” - reproduz, nos seus exatos termos, o artigo 8.º da Petição Inicial, tendo tal facto sido, também, dado como provado com fundamento no acordo das partes. Y. Contudo, e estando em causa, uma vez mais, procedimentos levados a cabo pelo CHTV e pelos Autores, no seguimento da greve declarada pelo SEP, as partes não se encontram de acordo, até porque tal facto foi impugnado pela Recorrente em sede de Contestação (cfr. artigos 33.º, 34.º e 36.º, da Contestação). Z. Ora, tendo em conta que a Recorrente não tem conhecimento dos procedimentos que foram levados a cabo pelo CHTV e pelos Autores, no seguimento da greve declarada pelo SEP, a mesma não poderá estar de acordo com o facto alegado pelos Autores. AA. Assim, a Sentença recorrida padece de erro de fundamento de facto, por ter dado como aprovado por acordo o facto n.º 6, visto que não foi provada a veracidade do mesmo e que não foram invocados pelo Tribunal a quo outros fundamentos para a sua fixação como matéria de facto (além, diga-se, do (alegado, mas inexistente) acordo das partes, que, como já referido, não se verificou). BB. Assim, deve julgar-se a Sentença recorrida ferida de erro de julgamento de facto, devendo o facto provado n.º 6 da Sentença recorrida ser dado como não provado, por falta de acordo das partes e de prova que o sustente. CC. O facto provado n.º 7 da Sentença recorrida - “Os Autores foram disciplinarmente perseguidos pelo Centro Hospitalar ..., E.P.E. [admitido por acordo]” - foi também dado como provado por acordo das partes, contudo, uma vez mais, inexiste qualquer acordo. DD. Analisada a Contestação, verifica-se que o mesmo não foi aceite no artigo 33.º da Contestação e que foi ainda impugnado nos artigos 37.º a 39.º do mesmo articulado, dado que a Recorrente não é conhecedora da tramitação interna dos processos encetados pelo CHTV e que não foi junta prova documental aos autos que suportasse o alegado. EE. Dado o desconhecimento da sua veracidade e a falta de prova que o corrobore, nunca poderia a Recorrente concordar com o disposto no artigo 9.º da Petição Inicial. FF. Assim, a Sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto, por ter dado como aprovado por acordo o facto n.º 7, uma vez que o mesmo não foi documentalmente provado, não foi junta aos autos qualquer prova e não foram invocados pelo Tribunal a quo outros fundamentos para a sua fixação como matéria de facto (além, diga-se, do (alegado, mas inexistente) acordo das partes, que, como já referido, não se verificou). GG. Em face do exposto, deve o facto provado n.º 7 da Sentença recorrida ser dado como não provado. HH. Também o facto provado n.º 8 - “No procedimento disciplinar movido ficou apurado que “da actuação dos Arguidos não resultou qualquer prejuízo para os utentes do Centro Hospitalar ..., E.P.E. (especificamente da UCIM/UAVC), não estando em causa a adequação do seu comportamento para o exercício das suas funções” [admitido por acordo]” -, que reproduz, nos seus exatos termos, o artigo 10.º da Petição Inicial, foi dado como provado por acordo das partes. II. Contudo, e nos termos já expostos, a Recorrente impugnou a matéria referente à tramitação dos processos internos encetados pelo CHTV, nos artigos 37.º a 39.º da Contestação. JJ. Assim, também os factos alegados pelos Recorridos no artigo 10.º da Petição Inicial não são do conhecimento da Recorrente, pelo que não poderão ser tidos como matéria de facto fixada por acordo das partes. Mais se refira que sobre os mesmos não foi junta qualquer prova aos presentes autos. KK. Em face do exposto, ao fixar como provado por acordo o artigo 10.º da Petição Inicial, que corresponde ao facto provado n.º 8 da Sentença recorrida, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, uma vez para além de tal facto não se encontrar documentalmente provado, não foram invocados outros fundamentos para a sua fixação como matéria de facto (além, diga-se, do (alegado, mas inexistente) acordo das partes, que, como já referido, não se verificou). LL. Assim, o facto provado n.º 8 da Sentença recorrida deve ser dado como não provado. MM. O facto provado n.º 9 da Sentença recorrida - “No entanto o referido Centro Hospitalar puniu-os disciplinarmente, tendo os Autores impugnado judicialmente [admitido por acordo]” - constitui a transcrição do artigo 11.º da Petição Inicial e versa sobre uma alegada impugnação judicial da decisão proveniente do processo interno do CHTV. NN. Ora, conforme já exposto e o disposto nos artigos 33.º e 37.º a 39.º da Contestação, a Recorrente não aceitou o artigo 11.º da Petição Inicial e impugnou o mesmo com fundamento na falta de conhecimento do alegado facto e de prova que sustente o mesmo. OO. Assim, entende a Recorrente que, não havendo acordo quanto ao referido facto por seu desconhecimento e não tendo sido junta qualquer prova documental aos autos que o corroborasse, incorreu o Tribunal a quo num erro de julgamento de facto na fixação do mesmo como provado. PP. Pelo que, deve o facto apurado n.º 9 da Sentença recorrida ser julgado não provado. QQ. Também no âmbito dos processos judiciais encetados no decurso do processo interno do CHTV, foi dado por provado o facto n.º 10 da Sentença recorrida - “As punições dos Autores «AA» e «BB», na pendência dos autos, foram anuladas na sequência de impugnação administrativa necessária, com a qual o Centro Hospitalar ..., E.P.E., se conformou - o que determinou a inutilidade superveniente das lides [admitido por acordo]” - que corresponde, nos seus exatos termos, ao artigo 13.º da Petição Inicial. RR. Dado o desconhecimento da Recorrente alegado nos artigos 37.º a 39.º da Contestação quanto a esta matéria, nos quais impugnou o facto em apreço, e a ausência de prova documental que o suporte, não pode o Tribunal a quo considerar o facto n.º 10 da Sentença recorrida por provado, incorrendo num erro na matéria de facto dada com assente. SS. Assim, atenta a falta de acordo das partes e qualquer outro fundamento que o sustente, deve o facto n.º 10 da Sentença recorrida ser julgado como não provado. TT. Por fim, a Sentença recorrida dá por provado por acordo das partes o facto n.º 11 - “No caso das Autoras «EE», «DD» e «CC», em transação judicialmente homologada, o Réu, Centro Hospitalar ..., E.P.E., “comprometeu-se a expurgar dos respectivos registos disciplinares as sanções que aplicara” [admitido por acordo]” -, que corresponde, nos seus exatos termos, artigo 13.1.º da Petição Inicial. UU. Em consonância com o que tem vido a ser arguido, a Recorrente não tinha conhecimento da matéria alegada no referido artigo da Petição Inicial, motivo pelo qual o impugnou nos artigos 37.º a 39.º da Contestação. VV. Assim, não tendo conhecimento da matéria e impugnando a mesma, a Recorrente não acordou com a veracidade da mesma. WW. Acresce que, não foi junta prova documental aos autos que fundamentasse o alegado pelos Recorridos pelo que não havia motivação para a fixação do facto n.º 11 da Sentença recorrida como não provado. XX. Em face do exposto, o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento de facto, designadamente, na fixação da matéria de facto, devendo o facto provado n.º 11 da Sentença recorrida ser julgado como não provado, dada a falta de acordo das partes e de prova que o suporte. YY. Em face de todo o exposto, deve ser declarado o erro de julgamento de facto na fixação dos factos provados n.ºs 4 a 11 da Sentença recorrida, quer por falta de acordo das partes, quer por falta de prova documental que os suporte e, em consequência, devem os factos provados n.º 4 a 11 da Sentença recorrida ser julgados como não provados. Do erro de julgamento de direito Considerações preliminares ZZ. No que ao erro de julgamento diz respeito, a Sentença recorrida afronta diretamente o princípio constitucional da separação de poderes, na concretização que lhe é conferida pelo n.º 1, do artigo 3.º, do CPTA, na medida em que o Tribunal a quo profere uma decisão sobre um ato que manifestamente não é sindicável uma vez que o respetivo âmbito de aplicação se restringe às margens da discricionariedade administrativa. Da violação da separação de poderes AAA. De facto - e conforme ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (cfr. Almeida, Mário Aroso de; Cadilha, Carlos Alberto Fernandes - Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos. 5.ª edição, Coimbra: Almedina, 2021, pág. 52 e 53) -, por força do n.º 1, do artigo 3.º, do CPTA, aos Tribunais Administrativos cabe a sindicância judicial do cumprimento, pela Administração, das normas e princípios jurídicos que a vinculam, ainda que se encontra fora da jurisdição judicial a formulação de valorações que implicam juízos de conveniência ou oportunidade da atuação da Administração. BBB. Acresce que, como explica Diogo Freitas do Amaral, a atividade administrativa está sujeita a diversos tipos de controlo, entre os quais se destacam o controlo administrativo e o controlo jurisdicional, sendo que “o controlo de legalidade, em princípio, tanto pode ser feito pelos tribunais como pela própria Administração, mas em última análise compete aos tribunais; o controlo de mérito só pode ser feito, no nosso país, pela Administração” (sublinhado nosso) - cfr. Amaral, Diogo Freitas do - Curso de Direito Administrativo, Volume II. 4@ edição. Coimbra: Almedina, 2020, pág. 87. CCC. O autor refere ainda que “[o] mérito de um ato administrativo - ou seja, a conformidade dos aspetos discricionários do ato com a conveniência do interesse público - só pode ser controlado pela Administração” (sublinhado nosso) - cfr. Amaral, Diogo Freitas do - Curso de Direito Administrativo, Volume II. 4@ edição. Coimbra: Almedina, 2020, pág. 90. DDD. Também a jurisprudência entendeu que “[o]s poderes dos tribunais administrativos abarcam apenas as vinculações da Administração por normas e princípios jurídicos, ficando de fora da sua esfera de sindicabilidade o ajuizar sobre a conveniência e oportunidade da actuação da Administração, mormente o controlo actuação ao abrigo de regras técnicas ou as escolhas/opções feitas pela mesma na e para a prossecução do interesse público, salvo ofensa dos princípios jurídicos enunciados no art. 266.º, n.º 2 da CRP” (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 01/10/2010, proferido no âmbito do processo n.º 00514/08.4BEPNF). EEE. Assim, existindo um ato administrativo, como é o caso, caberá em primeira linha à Administração, neste caso à Ordem dos Enfermeiros, a decisão quanto à aplicação da Lei da Amnistia ao ato administrativo, até porque a mesma não se aplica sem mais, carecendo de uma análise factual e tendo em conta cada caso em concreto. FFF. Isto porque, os Tribunais Administrativos não são segunda instância administrativa e, nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do EOE, a Recorrente tem como atribuições regular o exercício da profissão e o exercício profissional (alíneas d) e e), do n.º 3, do artigo 3.º, do EOE) e ainda exercer a jurisdição disciplinar sobre os Enfermeiros (alínea l), do n.º 3, do artigo 3.º, do EOE). GGG. Ora, a Recorrente tramitou o processo disciplinar dos aqui Recorridos que culminou com a decisão disciplinar de sanção escrita, pelo que, cabe-lhe uma reserva de matérias, por se encontrar mais apta - e legalmente habilitada - a regulá-las, sendo que se encontra mais legitimada para as executar, cumprindo, assim, o seu desígnio - a função administrativa. HHH. Trata-se de uma “margem de livre decisão administrativa” ou “discricionariedade técnica”, cujo exercício os Tribunais podem controlar, mas apenas na medida em que esteja envolvida uma violação de um parâmetro de conformidade jurídica, conforme disposto no artigo 203.º, da CRP, consagrando e respeitando, assim, a independência recíproca da administração e justiça. III. Assim, e ainda que incumba aos Tribunais o cumprimento das funções que constam do artigo 202.º, n.º 2, da CRP, a fiscalização e julgamento do mérito da atuação pública (no caso, o mérito de considerar que determinada atuação consubstancia uma boa prática do exercício de enfermagem) não entram no âmbito das competências dos Tribunais, na administração da justiça. Isto porque, caso os Tribunais controlassem o exercício da margem de livre decisão administrativa estariam a exercer a função administrativa e aí teríamos uma dupla administração, daí a importância da separação entre as esferas de legalidade e do mérito. JJJ. Na situação em apreço, a reserva de administração é assegurada pelo princípio da legalidade, que neste âmbito surge como princípio da separação de poderes, que visa separar a Administração e a Justiça, tal como os respetivos órgãos, concretizando e otimizando a distribuição orgânica das funções. KKK. Em face de todo o exposto, entende-se que os Tribunais podem condenar a Administração, mas deixam os juízos de mérito (oportunidade e conveniência) a cargo da própria, pelo que, no caso vertente, não pode o Tribunal substituir-se à Administração e ofender a sua autonomia administrativa, cabendo-lhe sindicar tão só os atos pelos mesmos proferidos. LLL. Assim, a decisão sobre se certo facto ocorreu ou não pode ser avaliada pelo Tribunal, já a qualificação desse facto como infração disciplinar e a aplicação da Lei da Amnistia a uma infração, integram a margem de livre decisão administrativa que, no caso, é conferida à Recorrente pela alínea h), do n.º 1, do artigo 5.º, e pelo artigo 18.º, ambos da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro e pelo EOE. MMM. Ao pretender aplicar aos autos disciplinares a Lei da Amnistia, considerando que a infração se encontra amnistiada, a Sentença recorrida viola os artigos 111.º e 268.º, n.º 4, da CRP e o artigo 3.º, n.os 1 e 2 , do CPTA. Ao entender desta forma, a Sentença recorrida interpretou e aplicou incorretamente os referidos preceitos, devendo os mesmos ser interpretados no sentido de que a determinação da Lei da Amnistia a uma infração disciplinar insere-se no âmbito da reserva da administração consubstanciada numa margem de livre decisão administrativa. Caso assim se não entenda, o que se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio, certo é que a Sentença recorrida faz uma incorreta interpretação e aplicação da Lei da Amnistia aos autos disciplinares. Vejamos: Do erro de interpretação e aplicação do direito na aplicação da Lei da Amnistia NNN. Das diligências realizadas em sede de processo disciplinar, foi possível apurar que os Recorridos não diligenciaram no sentido de assegurar os serviços mínimos na UCIM/UAVC, durante a greve decretada para os dias 24/08/2016 e 25/08/2016, colocando assim em perigo os utentes da unidade e violando o dever de vigilância a que estão adstritos. OOO. Perante os factos provados, foi aplicada a sanção disciplinar de censura escrita, que não foi objeto de amnistia, entendendo a Recorrente que a Lei da Amnistia nenhum efeito tem sobre o processo disciplinar em análise. PPP. O mesmo raciocínio tem forçosamente de ser realizado no que aos autos judiciais diz respeito: a Lei da Amnistia não é de aplicar, pois o que está em causa nos presentes autos é a legalidade da deliberação impugnada e não as infrações disciplinares praticadas pelos Recorridos, pelo que a Deliberação impugnada deve manter-se. QQQ. A Lei da Amnistia estabelece o perdão de penas e a amnistia de infrações e, uma vez que não estipula limites sobre quem é abrangido pela amnistia, entende-se serem elegíveis todas as categorias profissionais, cabendo no âmbito da sua aplicação todas as infrações disciplinares. RRR. O ponto de partida para a análise da extensão da amnistia nos processos disciplinares é o artigo 6.º, da Lei da Amnistia, que estabelece a regra de amnistiar todos os factos suscetíveis de enquadrar um ilícito disciplinar, com dois limites: por um lado, ela não é aplicável se estiverem em causa “ilícitos penais não amnistiados pela presente lei” e, por outro lado, que “a sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar”. SSS. Ainda que a Sentença recorrida faça referência ao artigo 6.º, da Lei da Amnistia, a Recorrente não pode acompanhar a posição da Sentença recorrida, uma vez que da interpretação das normas dos artigos 2.º, n.º 1, 4.º e 6.º, da Lei da Amnistia resulta conclusão contrária. Vejamos: TTT. De acordo com o seu artigo 2.º, n.º 1, a mesma só se aplica a pessoas que “tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto”, o que significa que a amnistia não é aplicável às infrações disciplinares por factos que consubstanciem um crime (seja ele qual for) que tenha sido praticado por maior de 30 anos. UUU. Já de acordo com o artigo 4.º, da Lei da Amnistia, se a infração for praticada por alguém com idade inferior a 30 anos, só são amnistiados os crimes cuja moldura penal “não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa”. VVV. Em suma, contrariamente ao que defende a Sentença recorrida, o legislador pretendeu fazer uma aplicação da Lei da Amnistia com uma incidência distinta em razão da idade, pelo que: a amnistia não abrange as infrações disciplinares por factos que consubstanciem um crime que tenha sido praticado por um agente com idade superior a 30 anos, nem por menor de 30 anos em caso de crime cuja moldura penal do crime seja superior a 1 ano. WWW. Assim, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1 e 4.º, da Lei da Amnistia, as infrações aqui em causa apenas poderiam ser amnistiadas se, à data dos factos, os Autores, ora Recorridos, tivessem uma idade inferior a 30 anos, o que a Sentença recorrida não logrou provar e se a conduta praticada não consubstanciasse um ilícito penal punível com pena de prisão superior a 1 ano. XXX. Concluindo-se que a amnistia não abrange as infrações disciplinares por factos que consubstanciem um crime que tenha sido praticado por maior de 30 anos, nem por menor de 30 anos em caso de crime cuja moldura penal do crime seja superior a 1 ano ou em caso de crime que se inclua no âmbito do artigo 7.º, da Lei da Amnistia, importa perceber como essa conclusão se articula com a natureza e o conteúdo do processo disciplinar. YYY. Ora, os mesmos factos podem desencadear cumulativamente, sem violação do princípio da presunção da inocência, responsabilidade disciplinar e responsabilidade penal (cfr. artigo 68.º, n.º 1, do EOE e artigo 2.º, n.º 2, do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Enfermeiros) e cabe à Recorrente exercer a jurisdição disciplinar sobre os Enfermeiros (artigo 3.º, n.º 3, alínea l), dos EOE), sendo-lhe vedada a condenação penal da conduta. ZZZ. Contudo, a Recorrente pode (tratando-se de um verdadeiro poder-dever), na prossecução normal dos seus poderes deveres - no caso, no exercício da jurisdição disciplinar que lhe está acometido - pronunciar-se sobre a relevância criminal dos factos integradores de faltas disciplinares, para os estritos efeitos de aplicação ou desaplicação da amnistia (cfr. Santos, José Beleza dos - Ensaio sobre a introdução ao direito criminal. Porto: Arquivo de Atlântida Editora, S.A.R.L., 1968, pp. 113 e 116). Ou seja, a Ordem dos Enfermeiros pode e deve analisar se a infração disciplinar cometida é subsumível à prática de um crime previsto no Código Penal ou em legislação avulsa, estando essa faculdade dentro do âmbito da jurisdição disciplinar que lhe compete exercer, sendo tal suficiente para efeitos de desaplicação da amnistia à infração disciplinar em causa. AAAA. E note-se, uma vez mais contrariamente ao que foi entendido na sentença recorrida, que esta ponderação não é exigível aquando da redação da decisão final, nem tão pouco o seria na Contestação deduzida, mas apenas aquando da análise da aplicação, aos autos disciplinares em concreto, da Lei da Amnistia. E mais, o facto de não ter sido apresentada qualquer queixa-crime contra os ora Recorridos, não pode, igualmente, ser considerado para efeitos da aplicação da Lei da Amnistia, atendendo a que a inexistência de processo criminal e de condenação criminal não obstam à integração dos factos objeto do processo disciplinar na exclusão do âmbito da amnistia (nos termos fixados pelos artigos 2.º, 4.º, 6.º e 7.º, n.º 1, alínea g), da Lei da Amnistia). BBBB. Aqui chegados e analisado o caso concreto, conclui-se que a Lei da Amnistia não é aqui aplicável, incorrendo a Sentença recorrida num erro de interpretação e aplicação de direito, designadamente, do artigo 2.º, do artigo 4.º, do artigo 6.º e da alínea g), do n.º 1, do artigo 7.º, todos da Lei da Amnistia. CCCC. Isto porque para determinar a aplicação da Lei da Amnistia, revela-se importante analisar se o comportamento dos Recorridos, que foi disciplinarmente sancionado, é suscetível de se subsumir à prática de um crime, no caso em apreço do crime de exposição ou abandono, previsto e punido pelo artigo 138.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, ao qual é aplicável uma pena de prisão de 1 a 5 anos. DDDD. De facto, encontravam-se os Recorridos adstritos ao dever de vigilância e assistência dos Utentes internados na UCIM/UAVC, por diagnósticos de AVC, encontrando-se submetidos a terapêutica Fibrinolítica, cujas características e grau de dependência configuravam situações de grande instabilidade hemodinâmica, pelo que os mesmos deveriam beneficiar de um dever especial de cuidado e vigilância a que os Recorridos foram completamente alheios. EEEE. Ao não assegurarem os serviços mínimos nos dias 24/08/2016 e 25/08/2016, os Recorridos criaram um especial estado de perigo aos Utentes, designadamente, criaram a falsa expectativa de que estariam a ser prestados cuidados devidos - quando, na verdade, os Enfermeiros estavam ausentes da Unidade - e colocaram seriamente em causa a segurança e a saúde dos utentes internados, na medida em que ficou apenas um Enfermeiro a assegurar os serviços, não estando reunidas as condições para o seu normal funcionamento. FFFF. Assim, encontravam-se reunidos os factos suscetíveis de integrarem os elementos objetivo (os Recorridos colocaram em perigo a vida dos utentes internados na UCIM/UAVC através do abandono, no referido serviço, de utentes que deviam vigiar e assistir, criando ou potenciando um perigo para s suas vidas) e subjetivo (os Recorridos agiram com dolo, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua atuação colocaria em perigo ou potenciava um perigo para os utentes internados naquelas unidades) do crime de exposição ou abandono, previsto e punido pelo artigo 138.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal. GGGG. E note-se que não sendo o crime ao abandono um crime de resultado, o facto de do processo disciplinar que correu termos no Centro Hospitalar ..., E.P.E. contra os também Autores, ora Recorridos - processo este ao qual a Recorrente é totalmente alheia -, constar que “da actuação dos Arguidos não resultou qualquer prejuízo para os utentes do Centro Hospitalar ..., E.P.E. (especificamente da UCIM/UAVC), (...)”, em nada impede a subsunção do comportamento dos Arguidos ao referido ilícito, na medida em que, com tais atuações, a vida e a segurança dos Utentes internados na UCIM/UAVC foi colocada em perigo por falta de vigilância e assistência dos ora Recorridos. HHHH. Nestes termos, e ainda que tenha sido aplicada aos Recorridos uma sanção disciplinar inferior à expulsão (artigo 6.º, da Lei da Amnistia), certo é que estamos perante uma infração disciplinar por factos que se podem subsumir à prática de um crime sancionado por uma pena superior a 1 ano de prisão, pelo que não é de aplicar a Lei de Amnistia aos presentes autos. IIII. Assim, a Sentença recorrida, ao decidir pela aplicação da Lei da Amnistia ao caso concreto, extinguindo a instância por inutilidade superveniente da lide e pretendendo condenar a Recorrente à aplicação da referida lei em sede de processo disciplinar, incorre num erro de interpretação e aplicação da Lei da Amnistia, designadamente do artigo 2.º, do artigo 4.º, do artigo 6.º, todos da Lei da Amnistia. As normas referidas devem ser interpretadas no sentido de não ser de aplicar aos autos disciplinares em apreciação nos presentes autos a Lei da Amnistia. JJJJ. Ainda que se admitisse que a Lei da Amnistia não se aplica nos termos ora expostos - o que apenas se aceita, sem conceder, por mera cautela de patrocínio -, certo é que nos termos da alínea g), do n.º 1, do artigo 7.º, da Lei da Amnistia, os crimes praticados contra “vítima especialmente vulnerável” (nos termos e para os efeitos do artigo 67.º-A, do Código de Processo Penal), não beneficiam da amnistia, pelo que, verificando-se esta condição dos utentes, não seria de aplicar a amnistia aos autos disciplinares. KKKK. Ora, nos termos e para os efeitos do artigo 67.º-A, do Código de Processo Penal, “vítima especialmente vulnerável” é aquela cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, pelo que, considera-se que atentas as características e a vulnerabilidade dos utentes contra os quais foram levadas a cabo as atuações dos Recorridos, os mesmos enquadram-se no conceito de “vítima especialmente vulnerável”. LLLL. Do referido, dúvidas não restam de que os Autores, aqui Recorridos, violaram um dever a que se encontravam obrigados, designadamente o dever de vigiar, cuidar e proteger os Utentes, sendo as suas atuações subsumíveis à prática do crime de exposição ou abandono para com pessoas especialmente vulneráveis, previsto e punido pelo artigo 138.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal. MMMM. Ora, verificando-se o preenchimento do tipo de ilícito previsto e punido pelo artigo 138.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, praticado contra vítimas especialmente vulneráveis nos termos já aqui devidamente desenvolvidos, a atuação dos Recorridos enquadra-se numa das exceções à aplicação da Lei da Amnistia, designadamente a prevista na alínea g), do n.º 1, do artigo 7.º, da Lei da Amnistia, pelo que a mesma nunca seria de aplicar aos autos disciplinares. NNNN. Por todo o exposto, e atendendo a que a inexistência de processo criminal e de condenação criminal não obstam à integração dos factos objeto do processo disciplinar na exclusão do âmbito da amnistia (nos termos fixados pelos artigos 2.º, 4.º, 6.º e 7.º, da Lei da Amnistia), não sendo necessário correr termos um processo-crime e ser proferida uma decisão judicial condenatória para definir se a conduta se trata de um crime não amnistiado, é forçoso concluir não ser de aplicar a Lei da Amnistia ao processo disciplinar. OOOO. Assim, a Sentença recorrida, ao decidir pela aplicação da Lei da Amnistia ao caso concreto, extinguindo a instância por inutilidade superveniente da lide e pretendendo condenar a Recorrente à aplicação da referida lei em sede de processo disciplinar, incorre num erro de interpretação e aplicação da Lei da Amnistia, designadamente do artigo 2.º, do artigo 4.º, do artigo 6.º e da alínea g), do n.º 1, do artigo 7.º, todos da Lei da Amnistia. As normas referidas devem ser interpretadas no sentido de não ser de aplicar aos autos disciplinares em apreciação nos presentes autos a Lei da Amnistia. Do erro de interpretação e aplicação do artigo 11.º, da Lei da Amnistia PPPP. A Sentença recorrida erra, ainda, ao decidir pela impossibilidade de recusa da amnistia, incorre num erro de interpretação e aplicação do artigo 11.º, da Lei da Amnistia. QQQQ. De facto, analisada a Lei da Amnistia no seu conjunto, facilmente se conclui que a recusa na aplicação da Lei da Amnistia tem, no que respeita a infrações disciplinares, âmbito de aplicação, não fazendo qualquer sentido ser de outra forma. RRRR. A Ordem dos Enfermeiros, enquanto ordem profissional, tem como desígnio fundamental a defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços de enfermagem e a representação e defesa dos interesses da profissão (artigo 3.º, n.º 1, dos EOE), exercendo a jurisdição disciplinar sobre os Enfermeiros (artigo 3.º, n.º 3, alínea l), dos EOE). de todo o modo, condenar criminalmente a conduta de um Enfermeiro encontra-se vedado à Ordem dos Enfermeiros, pois extrapola a sua jurisdição. SSSS. De qualquer forma, para aplicação do referido normativo não é exigido que se esteja perante uma infração penal - como parece resultar da Sentença recorrida -, mas que a atuação em análise seja suscetível de ser subsumível à prática de um ilícito penal, o que, conforme já devidamente escalpelizado, ocorre. TTTT. Assim, a Sentença recorrida, ao decidir pela impossibilidade de recusa da amnistia, incorre num erro de interpretação e aplicação do artigo 11.º, da Lei da Amnistia. A referida norma deve ser interpretada no sentido de ser aplicada a quaisquer infrações que se subsumam à prática de um ilícito penal. Do erro quanto aos efeitos da amnistia UUUU. Por fim, a Sentença recorrida faz uma interpretação incorreta dos efeitos da Lei da Amnistia ao caso concreto. VVVV. Ora, a amnistia pode aplicar-se antes da condenação propriamente dita ou já após a condenação. Assim: a. A amnistia em sentido próprio, é aquela que ocorre antes da condenação; é aquela que se refere ao próprio crime, extinguindo-o, e fazendo extinguir o procedimento criminal, o que equivale à absolvição do Arguido; b. A amnistia em sentido impróprio, é aquela que ocorre depois da condenação, impede ou limita o cumprimento da pena aplicada, fazendo cessar ou restringir a execução da pena principal, bem como das penas acessórias, o que significa que a condenação propriamente dita não se apaga. WWWW. No caso que se analisa, a aplicar-se a Lei da Amnistia - o que não se concebe e apenas por mera cautela se equaciona -, sempre estaríamos perante uma amnistia em sentido impróprio, uma vez que a mesma ocorreria já após a aplicação de sanção disciplinar. XXXX. Ora, tal apenas impediria ou limitaria o cumprimento da sanção disciplinar aplicada, fazendo cessar ou restringir a execução dessa sanção, bem como das sanções acessórias, pelo que a infração propriamente dita não cairia em “esquecimento”, não sendo o seu registo eliminado do registo disciplinar do membro. Assim, a aplicação da Lei da Amnistia após a condenação não destruiria os efeitos já produzidos pela aplicação da sanção disciplinar, efeitos esses que permanecerão, devendo apenas a amnistia ficar averbada no processo individual do membro. YYYY. Em face de todo o exposto, conclui-se que caso a Lei da Amnistia fosse de aplicar aos presentes autos - o que não se concebe e apenas por mera cautela se equaciona -, a mesma sempre configuraria uma “amnistia em sentido impróprio”, o que não determinaria a extração da sanção do registo disciplinar, mas apenas o seu averbamento no processo individual dos Recorridos. ZZZZ. Ao entender de forma distinta a Sentença recorrida faz uma incorreta interpretação e aplicação do artigo 128.º, n.º 2, do Código Penal e do artigo 6.º, da Lei da Amnistia. As referidas normas devem ser interpretadas no sentido de que ocorrendo a amnistia já após a sanção disciplinar ter sido aplicada, os seus efeitos apenas fazem cessar ou restringir a execução dessa sanção, bem como das sanções acessórias, não caindo a infração em “esquecimento”, nem sendo o seu registo eliminado do registo disciplinar do membro, apenas se procedendo ao averbamento da aplicação da Lei da Amnistia em tal registo disciplinar. AAAAA. Atento todo o exposto, razões não existem para que a instância seja declarada extinta, por impossibilidade superveniente da lide, uma vez que o objeto dos presentes autos se mantém, não tendo sido (nem podendo ser) amnistiado pela Entidade Demanda, ora Recorrente. Ao julgar a instância extinta por impossibilidade superveniente da lide, a sentença recorrida faz uma incorreta interpretação e aplicação da Lei da Amnistia ao caso concreto, incorrendo em erro de direito. A Lei da Amnistia, designadamente as normas dos artigos 2.º, 4,.º, 6.º e alínea g), do n.º 1, do artigo 7.º, devem ser aplicadas e interpretadas no sentido de não serem amnistiadas as infrações disciplinares aplicadas aos ora Recorridos e aqui em apreciação, atento o não preenchimento dos pressupostos para tal aplicação, com consequente manutenção das infrações disciplinares. NESTES TERMOS, Os Autores juntaram contra-alegações, concluindo:requer-se a Vs. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte, que admitam o presente recurso e se dignem revogar a Sentença recorrida, substituindo-a por outra que (A) julgue não provados os factos n.º 4 a 11 da Sentença recorrida; bem como (B) determine a não aplicação da Lei da Amnistia e, consequentemente (i) a remessa dos autos ao Tribunal a quo para prosseguimento dos autos; ou (ii) decida sobre o mérito da ação e determine a sua total improcedência, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA! 1 - A Recorrente Jurisdicional propugna pela alteração da matéria de facto mas o certo é que dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto não resulta claramente uma decisão diversa sobre a aplicabilidade da “lei da amnistia”. 2 - O acto do Pleno do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros é impugnável: a natureza necessária da impugnação administrativa da deliberação punitiva da 1ª Secção do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros para o Pleno do mesmo Conselho Jurisdicional foi afirmada no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 16/Junho/2023, Proc° n° 1043/20.313EPRT (e que os Recorridos Jurisdicionais, com todo o respeito, aqui convocam na sua leitura da norma do n° 3 do art° 8° do Código Civil). 3 - As normas do art° 2°, n° 2, b) e 6° da Lei n° 38-A, de 2 de Agosto, enquanto amnistiam as infracções disciplinares praticadas até às 00:00 horas do dia 19 de Junho de 2023 cuja sanção não seja superior a suspensão são aplicáveis no direito disciplinar das associações públicas profissionais e, portanto, aos Recorridos Jurisdicionais [cfr. o que extrai do discurso jurídico fundamentador do acórdão n° 153/93 do Tribunal Constitucional – in “Diário da República”, II Série, n° 69, de 23/Março/1993, págs. 3077/3078]. 4 - A qualificação de um ilícito como ilícito penal é da área da acção penal: o exercício da acção penal é função própria do Ministério Público e só aos tribunais compete apreciar, qualificar e valorar as condutas sob prisma jurídico-penal, dentro do âmbito da respectiva competência funcional. 5 - Assim, a Recorrente Jurisdicional, que integra a estrutura da Administração Pública, é absolutamente incompetente para apreciar, qualificar e valorar condutas sob prisma jurídico-penal: os factos imputados aos arguidos em processo disciplinar só podem ser qualificados como infracção desta mesma natureza [o afirmado a itálico é extraído do acórdão do STA de 28/Junho/1979, sumariado em http://www.dgsi.pt e texto publicado no Apêndice ao “Diário da República” de 21/Janeiro/1984, págs. 1567 e segs.]. 6 - Deste modo, e com todo o respeito, improcede a censura que a Recorrente Jurisdicional dirige à douta sentença recorrida. 7 - A amnistia em “sentido impróprio” é a que ocorre após a condenação e o acto punitivo disciplinar não é condenação em sentido próprio, porquanto é passível de submissão a juízo de censura contenciosa e a sua anulação jurisdicional tem eficácia ex. tunc. 8 - Sendo que como se vê em acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (identificado e convocado pela douta sentença recorrida) no art° 6° da Lei n° 38-A/2023, de 2 de Agosto (“lei da amnistia”) não se distingue entre amnistia própria e amnistia imprópria e, por isso, pode dizer-se que a amnistia ali prevista tem efeitos retroactivos, afectando não só a sanção aplicada, mas o próprio acto passado, que é esquecido, considerando-se como não praticado (abolição retroactiva da infracção). 9 - Deste modo, e com todo o respeito, também por este lado improcede o recurso jurisdicional. Nestes termos, e nos mais e melhores de direito doutamente supridos, Requerem sejam admitidas as presentes contra-alegações e, conhecendo-se delas, seja o recurso jurisdicional julgado improcedente, com todas as suas legais consequências. O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso. Cumpre apreciar e decidir. Antes, porém, a Recorrente apelou ao erro de julgamento de facto. Estabelecendo ainda o legislador, apenas quanto às infrações penais previstas no artº. 4º, a possibilidade de o arguido recusar a aplicação da amnistia, dispondo, efetivamente, no artº. 11º, que: É por isso infundado afirmar que os ora recorridos não diligenciaram no sentido de assegurar os serviços mínimos na Unidade de Cuidados Intermédios de Medicina e na Unidade de AVC do Centro Hospitalar ..., E.P.E. no âmbito da greve decretada para os dias 24/08/2016 e 25/08/2016, colocando assim em perigo os Utentes da Unidade e violando o dever de vigilância a que estão adstritos. Sendo certo que a Entidade Administrativa sancionou disciplinarmente os Recorridos por considerar, em suma, que os mesmos violaram, por mera negligência, deveres deontológicos inerentes à sua profissão de enfermeiro, concluindo no Relatório final com proposta de acusação - Processo Disciplinar nº ...17... que «Feita a demonstração dos factos apurados, resulta cabalmente a conduta negligente demonstrada pelos Enfermeiros ora Arguidos». Rogério Martins |