Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01021/21.5BEBRG |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 10/11/2024 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | LUÍS MIGUEIS GARCIA |
Descritores: | INTERESSE EM AGIR |
Sumário: | I) – «Se a legitimidade deve ser avaliada face à "relação controvertida tal como é configurada pelo autor" (art.º 26, n.º 3, do CPC), por isso, independentemente da análise concreta das suas razões e da consistência dos seus fundamentos (sem entrar na apreciação do mérito), o juízo a emitir sobre o seu interesse em agir (um particular aspecto da legitimidade) tem que partir do mesmo pressuposto, a versão dos factos dada pelo autor.» (Ac. do STA, de 02-12-2009, proc. n.º 0760/09).* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: «AA» (R. ..., ... ...), em «ACÇÃO ADMINISTRATIVA de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido» intentada contra Município ... (Praça ..., ... ...), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Penafiel, que julgou “verificada a falta de interesse em agir do Autor, absolve-se o Réu da instância.”. Sob “conclusões”, discorre o recorrente: a) Vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls., que julgou improcedente a acção administrativa intentada pelo apelante, por via da procedência da excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir; b) A decisão está errada e padece de um manifesto erro de julgamento da matéria de facto e de direito; c) O Tribunal “a quo” não considerou ou teve em atenção factos existentes nos autos que podiam e deviam integrar a sentença, por serem relevantes ou essenciais para as diversas soluções de direito, e que determinariam uma decisão diversa daquela que foi proferida d) Além disso, verifica-se que não foi feita uma correcta aplicação da lei. e) Considerando o alegado pelas partes e ainda o que melhor consta do Processo Administrativo junto aos autos, é manifesto que o Tribunal “a quo” não fixou nem teve em consideração factos essenciais e relevantes para a decisão; f) A presente acção tinha como objecto a condenação do R. na prática do ato devido. Pois estava em causa a necessidade de ser proferida decisão no processo administrativo do Pedido de Informação Prévia, atento o exercício do direito de audiência prévia pelo A., e na sequência deste, da informação requerida em 17/03/2021; g) Assim, assume particular importância o alegado pelo A. na petição inicial sob os artigos: 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 20.º, 21.º e 46.º, que aqui por brevidade e economia processual, se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais; h) Por sua vez, e com a pertinência devida, a propósito do PIP, releva o alegado pelo R. no seu articulado de contestação, designadamente o constante sob os artigos 7.º e 8.º que aqui se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais; i) Do processo administrativo junto aos autos a fls. é possível verificar quer a data da entrada do PIP (19/12/2019), quer a data da conclusão da instrução completa do PIP (06/04/2020) pelo interessado, e, ainda, o despacho a ordenar a notificação do interessado para o exercício do direito de audiência prévia e a data da sua notificação, no caso, 15/06/2020 e ainda a data do seu exercício efetivo, que sucedeu em 02/07/2020; j) Estes elementos factuais porque alegados e junto aos autos os documentos relativos aos mesmos, constituem factos relevantes e essenciais para a determinação da decisão de facto e de direito a proferir; k) Porém, como resulta da decisão, não foram considerados pelo Tribunal “a quo”, mas deviam; l) Assim, ao não serem considerados na fixação da matéria de facto, determinou uma decisão errada. m) Na verdade, o Tribunal “a quo” ao dar como assente que o PIP deu entrada em 19/12/2019, desmerecendo qualquer outra ocorrência no processo administrativo, designadamente o facto de no processo administrativo, tal como alegado pelo R., aquele pedido apenas ter ficado concluída a sua instrução em 06/04/2020 e ainda o exercício o direito de audiência prévia pelo A., ao considerar a ocorrência de um deferimento tácito, em 25/01/2020, ignorou em absoluto outros factos que de acordo com o estipulado na lei sempre impediriam a formação de acto tácito naquela data; n) Aliás, a considerar-se o facto de o pedido apenas ter ficado completo em 06/04/2020, não poderia considerar-se aquela data (anterior) de 25/01/2020, como o momento do deferimento tácito. o) Assim, o Tribunal “a quo” também não considerou outros factos relevantes e decorrentes da lei, para efeito de prazos, que são determinantes para a manutenção da validade e interesse em agir do apelante, como sucede com o facto de no período em causa, por imposição legal – Lei nº 1-A/2020 de 19 de março, alterada pela Lei nº 4-A/2020 de 06 de abril, os prazos estavam suspensos, o que se verificou desde 09/03/2020, até 02/06/2020; p) Sem prejuízo desta situação, é facto que foi realizada notificação ao A., para o exercício da audiência prévia, no caso, em 15/06/2020, conforme decorre do alegado nos autos pelo A. e também resulta do processo administrativo de fls.; q) Sendo certo que, de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 121.º do CPA, a notificação para o exercício da audiência prévia, determina a suspensão dos prazos administrativos. r) Assim, face à conclusão da instrução do processo em 06/04/2020 e à inequívoca existência ou ocorrência da suspensão dos prazos por imposição legal, até 02/06/2020, não se pode considerar que o deferimento tácito ocorreu em 25/01/2020, ou seja, não se pode considerar o deferimento antes da instrução completa do processo pelo interessado, nem pode ignorar-se que este foi notificado em 15/06/2020, para exercer o direito de audição nos termos do disposto nos artigos 121.º e 122.º do CPA, cujo exercício ocorreu em tempo, no caso em 02/07/2020; s) Sendo certo que, o direito de audiência prévia, previsto nos arts. 121.º e seguintes do CPA, representa o cumprimento da directiva constitucional de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” (art. 267º, nº 5 da CRP), determinando para o órgão administrativo competente a obrigação de associar o administrado à tarefa de preparar a decisão final. t) Ante a verificação da suspensão do prazo administrativo por via da notificação do direito de audiência prévia, impõe-se após tal exercício pelo interessado, a necessidade de decisão pela administração; u) Porém, como isso não sucedeu, decorrido o prazo, tal facto motivou o requerimento de 17/03/2021, a instar a administração acerca da situação do processo; v) Não tendo a administração prestado a devida informação, nem mesmo proferido decisão no processo, apesar de exercida a audiência prévia o que motivou a interposição da acção, para tutela do direito do A.. w) Acção esta que, como decorre do peticionado, além do pedido de condenação à prática do acto devido, pela entidade Administrativa, tem ainda o pedido de condenação no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais ao A.; x) Assim, ante a factualidade que resulta dos autos e que devia e deve ser considerada e a integralidade da causa de pedir e dos pedidos formulados, contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo”, é inegável existir por parte do A., interesse em agir; y) Na verdade, afere-se face à petição inicial, que o interesse em agir é inquestionável, pois o A. invocou uma situação justificada, razoável e fundada para intentar o processo para nele fazer valer direito seu carecido de tutela judiciária; z) Aliás, impondo-se à administração uma resposta, pois o processo não podia ficar parado e sem decisão indefinidamente, tão só porque o R. resolveu provocar a suspensão do prazo por via da audiência prévia; aa) Sendo que este direito de ver declarada a decisão no processo administrativo que a administração por via da audiência prévia suspendeu indefinidamente, merece a tutela do direito; e bb) A mesma tutela é devida quanto ao pedido indemnizatório por via dos danos causados ao A. pela omissão e protelamento da decisão; cc) Tutela esta que em termos efectivos, só é viável com a presente acção; dd) Sendo certo que, o art 3º do CPC, aplicável “ex vi” artigo 1º do CPTA estrutura a acção judicial – qualquer acção, na base de um conflito de interesses, e este evidencia-se numa acção de simples apreciação positiva, perante a configuração pelo seu autor, através de factos, de uma conduta do réu que implique colocar em dúvida o seu direito ou a consistência do mesmo, e implicando para esse direito, um grave e objectivo estado de incerteza que possa comprometer o valor ou negociabilidade da própria relação jurídica; e numa acção de condenação, na configuração pelo seu autor, igualmente através de factos, de comportamentos do réu que impliquem a violação pelo mesmo daquele direito, ou a ameaça dessa violação. ee) Quando o A. configura, através dos factos que articula, como é o caso, a existência de um conflito de interesses com o R., existe da sua parte interesse em agir; ff) No caso concreto, o A. tem interesse em agir pois pretende ver judicialmente reconhecido o direito constituído por deferimento tácito, na sequência do seu exercício do direito de audiência prévia; gg) Mais pretendendo ser indemnizado pelos danos causados pelo R. em face da sua omissão na prática do acto legalmente devido e bem assim, pelo facto do R. ter provocado a suspensão dos prazos, com a notificação para o exercício da audiência prévia, sem que, entretanto, em tempo útil, tenha promovido a decisão, antes tenha mantido de forma indefinida ou indeterminada a decisão a que estava obrigado; hh) Atenta a causa de pedir e os pedidos formulados na acção, é manifesto o interesse em agir do A., carecendo as suas pretensões de tutela judicial, pois só através da intervenção judicial conseguirá quer o reconhecimento do seu direito à informação prévia favorável e ainda o ressarcimento devido pelos prejuízos ou danos causados pelo R.; ii) Ademais, não se pode olvidar que o A., decorridos 10 meses sobre aquele exercício de audiência prévia (que suspendeu os prazos) e perante a falta de decisão da administração, que se fez valer da suspensão do prazo por via da notificação para o exercício da audiência prévia, protelando e impedindo dessa forma a decisão sobre o PIP do A. e o consequente pedido de licenciamento, tal motivou o pedido de informação por parte do A. em 17/03/2021, usando da faculdade que lhe é concedida pela lei, in casu, artigo 110.º do RJUE; jj) Requerimento e pedido formulado em observância a esta disposição legal, mas que o R. não curou de responder, embora esteja obrigado a tal; kk) Sendo certo que, tal como vem alegado na P.I., também esta conduta omissiva, motivou a interposição da presente acção. Pois de acordo com a lei – cfr. arts. 11.º, 12.º, 13.º, nº 1, 128.º e 129.º do CPA, o R. tinha o dever de se pronunciar sobre o assunto em face da petição formulada pelo A.; ll) Sendo que, a falta, no prazo legal, de decisão final sobre pretensão que lhe foi dirigida constitui incumprimento do dever de decisão, conferindo ao interessado aqui A. a possibilidade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados; mm) Além disto, é evidente que o A. por via da acção do R. ficou impedido de apresentar o licenciamento da operação urbanística pretendida, pois de forma propositada provocou a suspensão do prazo e não decidiu; nn) Pelo que, apenas a presente acção podia e pode obstar á situação causada pelo R. e que é prejudicial ao A.. oo) Verifica-se ainda existir erro na aplicação do direito, porquanto, o Tribunal “a quo” no caso dos autos, não considerou o plasmado no artigo 121.º do CPA, pois com a notificação em 15/06/2020, para o exercício do direito de audição, o prazo no processo administrativo ficou suspenso, e, deste modo, nunca poderia o deferimento tácito ter ocorrido em 25/01/2020. pp) Mais se verifica que não foi tido em devida conta o disposto nos artigos 3.º, 596.º, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA e ainda os artigos 11.º, 12.º, 13.º 128.º, 129.º do CPA e 14.º, 16.º, 110.º e 111.º do RJUE. qq) Assim, é inegável que a pretensão do A. carece de tutela jurídica, o que só é atingível com a presente acção, para a qual está em tempo e tem legitimidade. rr) Assim a sentença apelada violou, entre outros, o disposto nos art.s 3.º, 596.º do CPC, arts.11.º, 12.º, 13.º 128.º, 129.º do CPA e 14.º, 16.º, 110.º e 111.º do RJUE e 267.º da CRP. ss) Funda-se, também, o presente recurso no disposto nos artºs 607º, 615º nº 1 al. b), do CPC e 142º e 147º do CPTA. Contra-alegou o Município, concluindo: 1. No recurso doutamente apresentado, o Autor esqueceu o disposto no artigo 130.º CPA e 111.º c) do RJUE e, em consequência, que o ordenamento jurídico já “lhe deu” o ato que pretende. 2. Daí a evidente falta de interesse em agir, o que foi decidido acertadamente pelo Exmo. Senhor Juiz a quo. 3. As conclusões a) a v) do recurso são irrelevantes para a economia dos presentes autos, na exata medida em que a defesa por exceção invocada pelo Município e em causa nessas conclusões (falta de objeto e caducidade do direito de ação), foi decidida improcedente. 4. Significa que a discussão quanto ao início do prazo de decisão – data da entrada do requerimento a 19/12/2019 ou da conclusão da sua instrução em 06/04/2020 -, que entreteve o Recorrente nas suas conclusões até à alínea v), não tem qualquer relevância na economia dos presentes autos, pois a douta sentença recorrida considerou que a ação é tempestiva, julgando improcedente a respetiva exceção alegada pelo Réu. 5. O único objeto do recurso é, assim, a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a exceção dilatória inominada de falta de interesse em agir. 6. Por conseguinte, é igualmente este, e só este, o objeto das presentes contra-alegações do Réu Município, ora recorrido. 7. Como bem explicado na sentença recorrida, o ordenamento jurídico já tutela o interesse do Autor, que assim não necessita de tutela judicial: é a própria Lei que evita que “o processo fique parado e sem decisão indefinidamente” [receio invocado na conclusão z) do douto recurso], ao prever, precisamente, um caso de deferimento tácito, com as consequências bem estabelecidas no RJUE. 8. Ora, tais consequências e ato de deferimento não foram aproveitadas pelo Autor, por causa que lhe é exclusivamente imputável. 9. O Autor não pode olvidar que a não decisão atempada por parte da entidade administrativa corresponde ao deferimento do PIP, pelo que, ultrapassado o prazo legal para decidir, conseguiu o ato que pede judicialmente: já o tendo na sua esfera jurídica, inexiste qualquer interesse em agir, como bem decidido judicialmente. 10. Percebe-se a sua “questão pessoal”, pois já teve o ato que re-pretende, mas deixou-o caducar, não apresentou o licenciamento que agora diz pretender, pelo que só ao Autor é imputável a sua inércia e supostos prejuízos que alega. 11. Carece, pois, de sentido a acusação do Recorrente, na forma por si formulada e com as consequências pretendidas, de que houve “omissão e protelamento da decisão”, pois tal decisão resultou da Lei, ao atribuir precisamente um valor jurídico ao incumprimento do prazo, com consequências bem definidas designadamente no n.º 3 do artigo 17.º do RJUE. 12. O Autor podia ter concretizado a sua suposta pretensão, apresentando o pedido de licenciamento à Câmara Municipal, “com base” no PIP favorável (tacitamente), mas não o fez. 13. Vem no recurso invocar uma suspensão que inexiste [ver, designadamente, conclusão aa) do douto recurso]: o artigo 121.º, n.º 3 do CPA prevê a suspensão da contagem do prazo de decisão, mas apenas e só durante o prazo de audiência prévia (não inferior a 10 dias, nos termos do artigo 122.º, n.º 1 do CPA), e não indefinidamente, até à decisão administrativa... 14. Uma errónea interpretação que terá, seguramente, obnubilado o raciocínio do Recorrente e a boa interpretação da sentença recorrida. 15. Precisamente porque “o processo não podia ficar parado”, houve deferimento, isto é, houve já o ato requerido judicialmente, sendo que, in casu, quem ficou parado foi o Autor, que deixou caducar tal ato positivo, ao não dar entrada do consequente pedido de licenciamento durante o prazo de 1 ano. 16. Não pode agora vir pedir a prática de um ato que a Lei “lhe deu”, que foi praticado (ainda tacitamente) e já teve na sua esfera jurídica, e que, então, lhe permitia precisamente apresentar o projeto a licenciamento, que diz ser sua pretensão e seu prejuízo. 17. O Autor é ou foi titular do deferimento que pretende, face ao “valor de deferimento tácito, nos termos do artigo 111.º alínea c) do RJUE, conjugado ainda com o artigo 13.º e 130.º, ambos do CPA”, como explicou o Exmo. Senhor Juiz a quo, pelo que é evidente a falta de interesse em agir, exceção dilatória que tem as consequências definidas no n.º 2 do artigo 89.º do CPTA. 18. O contrário seria admitir uma fraude à lei, pois assim se conseguiria ultrapassar facilmente o prazo e a caducidade prevista na lei no caso do PIP (em especial, no artigo 17.º do RJUE)... 19. Em suma, o Autor, aqui Recorrente, independentemente das datas e suspensões que vem invocar, viu o seu PIP “tacitamente deferido, sendo-lhe associados os mesmos efeitos constitutivos que decorrem daquela” (decisão expressa), pelo que não tem, atento o pedido formulado nos presentes autos, qualquer interesse em agir. 20. Como bem decidiu o Exmo. Senhor Juiz a quo: “Seria inócua uma decisão judicial que condenasse o Réu à prática do mesmo ato que já emana da lei”, sendo que “O efeito jurídico que o autor pretende obter (prática de um ato de deferimento do PIP apresentado) já foi produzido ope legis pelo decurso do prazo legal de decisão”, com as consequências legais previstas, pelo que é óbvio que 1) inexiste qualquer interesse em agir; 2) inexiste quaisquer danos ou prejuízos causados pelo Município. 21. Acresce que, entretanto, ocorreu a aprovação do novo PDM ..., cuja proposta camarária de 08.09.2021 foi aprovada pela Assembleia Municipal em 13.09.2021 e posteriormente publicado em DR, de onde resulta para o Autor uma melhor posição urbanística, pelo que, também por este motivo, a falta de interesse em agir é evidente. 22. Em suma, e sem mais delongas, andou bem a sentença recorrida que deve assim ser mantida. * A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta foi notificada nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, emitindo parecer no sentido do não provimento do recurso. Respondido. * Dispensando vistos, cumpre decidir. * Factos, que vêm fixados como provados: 1. No dia 19 de dezembro de 2019, o Autor apresenta junto dos serviços do Réu um pedido de informação prévia, relativo a obras de edificação (doc. n.º 5 e 6 juntos à PI, e por acordo). 2. No dia 17 de março de 2021, o A. solicita informação ao Réu acerca do estado e andamento do processo (doc. n.º 11 e 12, juntos à PI). 3. No dia 9 de junho de 2021, a petição inicial dá entrada neste Tribunal (fls. 5/14 do SITAF). * A apelação: A parcimónia do elenco fixado não compromete julgamento. Todo o contexto fica mais evidenciado recordando o que na decisão recorrida foram questões tratadas. Primeiro, cuidou-se da “Falta de objeto da ação”, onde se equacionou que: «(…) O A. pede que o Réu seja condenado a praticar ato ilegalmente omitido, designadamente o deferimento do PIP. (…) a causa de pedir através da qual o A. fundamenta o pedido formulado na presente ação consiste no invocado facto de o Réu, ter omitido o seu dever legal de decidir face ao PIP que o A. fez ao Réu, no dia 19 de dezembro de 2019 (facto 1), o que segundo alega, o impossibilitou de iniciar o licenciamento das obras de edificação que pretendia e lhe causou danos patrimoniais e não patrimoniais. Note-se que o A. configura a ação como de condenação a prática de ato devido. Esta ação encontra-se regulada nos artigos 66.º a 71.º do CPTA. Resulta claro do art.º 67.º do CPTA, que o objeto da ação é a pretensão do A. à prática de um ato administrativo, isto é, a uma decisão sobre a situação individual e concreta previamente solicitada à Administração. Na base desta pretensão está um dever da Administração, o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados e, nomeadamente, sobre os assuntos que aos interessados digam diretamente respeito, bem como sobre quaisquer petições, representações, reclamações ou queixas formuladas em defesa da Constituição, das leis ou do interesse público, cf. art.º 13.º do CPA. Esta constitui a causa de pedir do interessado nas pretensões de condenação à prática de ato administrativo: a violação do dever imposto pelo art.º 13.º, n.º 1 do CPA. Conforme se percebe pela parte final do art.º 66.º, n.º 1 do CPTA, a omissão do dever de decidir tanto pode ser consequência do mero decurso do prazo previsto para a decisão, sem que o ato seja emitido, como da declaração da Administração da qual consta a recusa em emitir o ato, ou qualquer outro comportamento do qual a recusa possa ser indeferida, como por exemplo a recusa de apreciação da pretensão do particular – art.º 67.º, n.º 1, alínea b) do CPTA. In casu, entende o A. que o R. omitiu o seu dever de decidir, por mero decurso do prazo, pelo que peticiona em Tribunal que o Réu seja condenado a emitir, de forma expressa, o ato omitido. É este para o Autor, o objeto da ação E, a par desta questão, é também formulado um pedido de natureza indemnizatória, que, embora tenha conexão com esse primeiro pedido (a ilicitude é consubstanciada na alegada omissão ilegal do dever de decidir) configura também um objeto processual autónomo. Ou seja, o autor pretende que a entidade demandada seja condenada a praticar um ato que reputa como ilegalmente omitido e que seja também condenada a pagar-lhe uma indemnização pelos alegados danos sofridos em resultado dessa omissão. Repare-se que é relevante não confundir o objeto da ação (pretensão material ou efeito jurídico que se pretende obter) com as possibilidades jurídicas de esse efeito se produzir ou já se ter produzido. Encontra-se assim definido o objeto desta ação; e tal objeto, em abstrato, é possível e viável, pelo que improcede o vício invocado.». Tratou, também, da questão da “Intempestividade da prática do ato processual”, que julgou improcedente, alavancando solução por definição do prazo que o Município teria para decisão, assim: «(…) Importa agora determinar a partir de que data o prazo começou a correr e seguidamente qual o prazo de propositura da presente ação. Estamos perante uma ação de condenação a prática de ato devido – artigos 66.º a 71.º do CPTA, sendo que in casu, é aplicável o prazo previsto no art.º 69.º n.º 1 do CPTA, ou seja, o direito de ação caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do ato ilegalmente omitido. O prazo do Réu, para a emissão do ato ilegalmente omitido, está previsto no art.º 16.º do D.L. n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação (Regime Jurídico de Urbanização e Edificação – RJUE), sendo de 20 dias a contar da receção do PIP – art.º 16.º n.º 1, alínea a), 1.ª parte do RJUE. Aqui chegados, e na presença dos factos dados como provados, temos que o pedido do A. foi apresentado no dia 19 de dezembro de 2019, junto dos serviços municipais do Réu (facto 1). Uma vez que o dia do evento não se conta - art.º 87.º, al. b), do CPA – e que o prazo sendo procedimental conta-se de acordo com as regras previstas no art.º 87.º do CPA, temos então que o dia ad quem, ou seja, o termo final, ocorreria em 24 de janeiro de 2020. Assim o prazo de um ano – art.º 67.º n.º 1 do CPTA - para propor a presente ação iniciou a sua contagem no dia seguinte – dia 25 de janeiro de 2020 – pelo que terminaria no dia 25 de janeiro de 2021, o que tornaria a presente ação extemporânea. O prazo, no que respeita às regras aplicáveis à respetiva contagem, sujeito ao disposto no art.º 279.º do CC, ou seja, não se suspende aos sábados, domingos e feriados mas, se o seu termo final ocorresse em período correspondente a férias judiciais, transferir-se-ia para o primeiro dia útil, nos termos do art.º 58.º, n.º 2, parte final do CPTA. Todavia, em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou a COVID-19, como uma pandemia, o que levou à paralisação generalizada da vida económica e social, bem como da atividade da administração e dos tribunais, pelo que se tornou necessário regular quer a prática de atos processuais, quer as repercussões do tempo no âmbito das relações jurídicas de natureza substantiva e processual. Nesta conformidade, o legislador aprovou em matéria de atos processuais e de prazos substantivos e processuais, e para o que aqui revela, os seguintes diplomas legislativos: D.L. n.º 10-A/2020, de 13 de março; Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março; Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril e Lei n.º 16/2020, de 29 de maio. Assim e por efeito da legislação citada, e nos termos dos artigos 7.º, n.º2 e10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, o último com a interpretação que lhe foi conferida pelo art.º 5.º da Lei n.º4-A/2020, de 6 de abril, no artigo 37.º do D.L n.º 10-A/2020, de 13 de março, e nos artigos 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, o prazo de caducidade esteve suspenso desde o dia 9 de março de 2020 até ao dia 2 de junho de 2020. Posteriormente, e ao abrigo do art.º 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela Lei n.º4-B/2021, de 1 de fevereiro, do artigo 4.º desta última Lei e dos artigos 6.º e 7.º da Lei n.º13-B/2021, de 5 de abril, o prazo de caducidade esteve suspenso desde do dia 22 de janeiro de 2021 até ao dia 5 de abril de 2021. O prazo para a propositura da ação esteve assim suspenso, durante 160 dias, sendo que, atento o disposto nos artigos 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, e 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, os prazos que estiveram suspensos são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão. Assim, considerando que o prazo de caducidade relativo à propositura da presente ação teve início da sua contagem em 25 de janeiro de 2020, e ressalvado o tempo de suspensão de 160 dias, bem como o alargamento do prazo pelo período correspondente à vigência da suspensão, conclui-se que, por força do disposto nos artigos 67.º n.º 1, do CPTA, conjugado com o art.º 279.º do CC, temos que a ação foi intentada em tempo, pois tendo dado entrada no dia 9 de junho de 2021 (facto 3), o último dia do prazo fixou-se no dia 5 de julho de 2021. Improcede assim a exceção invocada. (…)». E, por último, da “Falta de interesse em agir”, que agora motiva o recurso. Sobre o que ajuizou: «(…) O interesse em agir, sendo um pressuposto processual inominado, a sua inexistência constitui uma exceção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento de mérito e impõe a absolvição do réu da instância, visando assim impedir a prossecução de ações inúteis. Invoca o réu (artigos 20.º e 22 da sua contestação) esta exceção, alegando que não existe nenhum litígio entre o A. e o réu que justifique a demanda, pois na ausência de uma conclusão formal do procedimento do PIP pela emissão de uma deliberação final expressa, dentro daqueles prazos, forma-se um ato tácito positivo. Por outro lado, pugnou a A., em sede de réplica, que o seu interesse em agir advém de pretender judicialmente ver reconhecido o direito constituído por deferimento tácito. Cumpre apreciar e decidir. O interesse em agir é um pressuposto processual autónomo e consiste na necessidade ou utilidade da demanda, considerado o sistema jurídico aplicável às pretensões, tal como a ação é como configurada pelo Autor, devendo ser analisado à luz dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça, de modo a que não vede o acesso necessário ou útil nem permita o acesso inútil. A A., peticiona o seguinte: (1) Ser o R. Município ... condenado à prática do acto legalmente devido, no caso, o deferimento do pedido de informação prévia, no âmbito dos processos administrativos nº 59/2020 e 60/2020; (2) Ser o R. condenado no pagamento ao A. de indemnização do valor de €58.499,00, a título de danos patrimoniais vencidos, no caso, pelo valor locativo dos imóveis desde Outubro de 2020 até à presente dada e ainda no valor locativo vincendo até à sua edificação, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efectivo pagamento; A ação de condenação à prática de ato devido depende, em regra, da verificação dos pressupostos previstos no art.º 67.º n.º 1 do CPTA, ou seja, de ter sido dirigido à administração um requerimento que a constitua no dever legal de decidir e, (i) não ter sido proferida decisão no prazo legalmente estabelecido; (ii) ter sido praticado um ato de indeferimento ou de recusa de apreciação da pretensão ou (iii) ter sido praticado um ato administrativo de conteúdo positivo que não satisfaça integralmente aquela pretensão. Para além dos casos enunciados art.º 67.º, n.º 1 do CPTA, a ação pode ser proposta sem que tenha sido apresentado previamente um requerimento à Administração, nos casos em que, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, (i) não tenha sido cumprido o dever de emitir um ato administrativo que resultava diretamente da lei ou (ii) se pretenda obter a substituição de um ato administrativo de conteúdo positivo. No caso dos autos, a ação de condenação à prática de ato devido exigiria que se verifique a omissão de um ato ilegalmente omitido. Vejamos o quadro legal do pedido de informação prévia, previsto nos artigos 14.º a 17.º do RJUE. O mecanismo de informação prévia é distinto do licenciamento de obras e da comunicação prévia, pois não permite obter o alvará de construção ou a admissão por não rejeição da comunicação prévia. O que o PIP permite é vincular a pretensão deferida, por um período de tempo, mas não invalida a submissão de um dos dois processos acima, de acordo com o enquadramento da obra em questão e com o detalhe de informação entregue no PIP. Nos termos do artigo 14.º do RJUE qualquer interessado pode pedir à câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística ou conjunto de operações urbanísticas directamente relacionadas, bem como sobre os respectivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infra-estruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão. E ainda, estipula o art.º 16.º do RJUE, que a câmara municipal delibera sobre o pedido de informação prévia no prazo de 20 dias ou, no caso previsto no n.º 2 do artigo 14.º, no prazo de 30 dias contados a partir: a) Da data da recepção do pedido ou dos elementos solicitados nos termos do n.º 3 do artigo 11.º; ou b) Da data da recepção do último dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município, quando tenha havido lugar a consultas; ou ainda c) Do termo do prazo para a recepção dos pareceres, autorizações ou aprovações, sempre que alguma das entidades consultadas não se pronuncie até essa data.". (Sublinhado nosso). Relativamente aos seus efeitos, o art.º 17.º do RJUE determina que a informação prévia favorável vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento ou apresentação de comunicação prévia da operação urbanística a que respeita e, quando proferida nos termos do n.º 2 do artigo 14.º, tem por efeito a sujeição da operação urbanística em causa, a efectuar nos exactos termos em que foi apreciada, ao regime de comunicação prévia e dispensa a realização de novas consultas externas.". Quanto à competência, pertence à Câmara Municipal, nos termos já enunciados do artigo 16º do RJUE. Ora nesta senda o Acórdão do TCA Sul, proc. n.º 247/09.4BEALM, de 18 de junho, disponível em www.dgsi.pt, diz: i) A informação prévia pode ser, quanto ao seu conteúdo, favorável à pretensão do interessado, desfavorável a tal pretensão e condicionadamente favorável, quando a viabilidade da pretensão se encontre dependente do cumprimento de determinadas exigências legais. ii) A informação prévia é (i) um ato administrativo (ii) que se pronuncia sobre determinada pretensão urbanística (iii) constituindo um ato sui generis, próximo da figura do ato prévio (iv) que confere, em regra, ao interessado, o direito em não ver indeferido o seu pedido de licenciamento com base em fundamentos que já foram objeto de apreciação pela Administração no âmbito deste procedimento, desde que o pedido de licenciamento se conforme com os termos da informação prévia, for apresentado por quem tenha legitimidade e antes de decorrido o prazo de um ano a contra desde a sua emissão. Se a Câmara Municipal, por sua vez, não deliberar, ou seja, se nada disser, estaremos perante uma situação de inércia da Administração e, a este silêncio é atribuído o valor de deferimento tácito, nos termos do art.º 111.º alínea c) do RJUE, conjugado ainda com o art.º 13.º e 130.º, ambos do CPA. Dito de outra forma. Perante o PIP a que respeita o art.º 14.º RJUE, e ultrapassados os prazos estabelecidos no art.º 16.º RJUE, o silêncio da Administração é identificado como sendo de deferimento tácito da pretensão. Ora, como já vimos, o A. efetuou o PIP no dia 19 de dezembro de 2019 (facto 1), sendo que nos termos do art.º 16.º, n.º 1, alínea a), 1.ª parte, do RJUE, o réu tinha 20 dias para emitir uma informação favorável, favorável condicionada ou desfavorável, não tenho emitido qualquer uma, pelo que nos termos no art.º 111.º, alínea c), do RJUE, formou-se ato de deferimento tácito, que satisfez desde aquela data a pretensão que o A. vem deduzir a Tribunal. Não demonstra nem prova o Autor a utilidade da demanda, que visa condenar a Administração na prática de um ato que já existe na ordem jurídica desde 25 de janeiro de 2020. Pretende o A. na forma expressa o que já lhe foi concedido na forma tácita, por mero efeito da lei, pelo que não se vislumbra que tenha qualquer interesse ou utilidade na presente ação. Acompanha-se aqui o vertido no Acórdão do STA, proc. n.º 0162/04, de 3 de novembro, disponível em www.dgsi.pt, que plasma: III - Se tais efeitos resultam da lei, nomeadamente do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (arts. 111º, als. b) e c) e 112º do DL nº555/99, de 16/12, alterado pelo DL nº 177/2001, de 4/06) não pode ser feito uso da acção de reconhecimento prevista no art. 69º da LPTA para que o tribunal reconheça ao autor o direito a uma decisão expressa, porque em lado nenhum se prevê forma de obrigar a Administração a praticá-la. (Sublinhado nosso). Temos que a eventual procedência da presente ação – condenação à prática de ato de deferimento do PIP - colidiria com a existência de facto, de uma decisão administrativa, relativa ao mesmo PIP, ainda que se tenha formado tacitamente, como já vimos. Trata-se de um deferimento tácito é certo, mas a partir do momento em que ele se formou cai o interesse em agir do Autor. Havendo deferimento tácito, estamos perante uma permanência na ordem jurídica de um ato administrativo, com conteúdo, alcance e efeitos, pelo que tal é incompatível com a procedência de ação onde se peticiona a prática desse mesmo ato, destituindo assim o A. de qualquer interesse na demanda. Seria inócua uma decisão judicial que condenasse o Réu à prática do mesmo ato que já emana da lei, ou seja, o autor obteve já, por efeito do mero decurso do tempo e da inércia da Administração em praticar ato expresso, o efeito jurídico que pretende com a presente ação, o que significa que nenhum efeito útil pode retirar com o pedido de condenação da entidade demandada à prática de um ato administrativo devido. Repare-se que na área do direito do Urbanismo, e no campo específico do PIP, houve a preocupação de ultrapassar a inércia da Administração pela atribuição de valor positivo ao seu silêncio, formando-se o deferimento tácito da pretensão urbanística do particular perante a omissão do dever legal de decisão (expressa) no prazo previsto na lei para o efeito, o que significa que o ato a cuja pratica o autor pretende ver a entidade demandada condenada já se encontra firmado no ordenamento jurídico desde a data em que foi ultrapassado o prazo legal da entidade demandada praticar um ato expresso. Como já se referiu, a propósito da primeira exceção invocada, o autor a par do pedido de condenação à prática de ato devido peticiona também a condenação da entidade demandada no pagamento de uma indemnização. Apesar de serem pedidos de natureza distinta, afigura-se evidente que entre eles existe uma conexão umbilical que se reporta ao facto de a alegada omissão ou inércia da entidade demandada consubstanciar a ilicitude do pedido de indemnização Ora, como já se referiu, existe falta de interesse em agir relativamente ao primeiro pedido, porque o efeito jurídico que o autor pretende obter (prática de um ato de deferimento do PIP apresentado) já foi produzido ope legis pelo decurso do prazo legal de decisão, o que significa que manifestamente não existe ilicitude e os eventuais danos invocados pelo autor são decorrentes ou imputáveis não a uma atuação ilícita da entidade demandada, mas antes ao facto de o autor não ter aproveitado os efeitos jurídicos produzidos pela prática do ato tácito de que beneficiou. Assim, a exceção em causa afeta também o segundo pedido, pelo que é de absolver na totalidade a presente instância. Assim, e pelo exposto, julga-se procedente a exceção dilatória inominada de falta de interesse em agir. (…)». A decisão do TAF de Penafiel julgou “verificada a falta de interesse em agir do Autor, absolve-se o Réu da instância.”. Mas, verbera o Autor/recorrente, que “A decisão está errada e padece de um manifesto erro de julgamento da matéria de facto e de direito”. Diga-se de passagem que nada aponta para a nulidade que normativamente convoca, identificada no recurso; desde logo, “o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC” (Ac. do STJ, de 23-03-2017, proc. nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1) [o próprio recorrente assinala até que “ao não serem considerados na fixação da matéria de facto, determinou uma decisão errada”]; por outro lado, como para aqui acaba por acontecer (pelo que vem infra), e ao propósito da questão que agora ocupa, “A obrigação de fixar os factos, para depois aplicar ao acervo colhido as normas jurídicas pertinentes, tem por objeto apenas os factos que revelem interesse para a decisão da causa, revelando-se ato inútil o julgamento de factualidade sem influência na decisão de mérito a proferir” [Ac. do STJ, de 14-03-2019, Revista n.º 5688/13.0TBMTS.P1-A.S1 – “A dupla conforme no actual CPC - Jurisprudência do STJ (Sumários de Acórdãos de 2014 a Dezembro de 2020)]. A falta de interesse processual ou interesse em agir, sendo pressuposto processual não expressamente previsto tem de se inferir de norma própria (assim, Antunes Varela, Miguel Beleza e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª reimpressão, pág. 179 a 182). Ora, conforme dispõe o art.º 268º, n.º 4, da CRP, “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas.”. O CPTA concretiza, mormente prevendo que “A ação administrativa pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado.”. (art.º 61º, nº 1). Também no RJUE se estabelece a “Intimação judicial para a prática de ato legalmente devido”, nas hipóteses previstas no seu art.º 112. O autor enquadra aí enquadra a situação alegada, tendo a acção como a adequada à tutela do seu interesse substancial. O primeiro ponto de discussão do recurso centra atenção na ocorrência, ou não, de um acto de deferimento tácito. O recorrente por aí percorre razão. O que de todo não admira, uma vez que na decisão recorrida se calcorreou por tal caminho. O recorrente não se afasta do essencial do raciocínio estrutural: um dever de decisão, um prazo para tanto, um efeito de deferimento tácito caso ela não verta nesse tempo. Mas, em suma, e a seu ver, não terá ocorrido um deferimento tácito. Todavia, a solução da questão que ocupa não é por aí - (já) tocando notas de mérito - que deve enveredar. Lembrando jurisprudência do STA, «Tem-se decidido neste Supremo Tribunal que o pressuposto da falta de interesse em agir trata-se de questão processual que pode conduzir à absolvição da instância – “…como ensina Manuel de Andrade, (Noções Elementares de Processo Civil, págs. 78/82.) e escrevemos no ac. de 12/5/2010, proc. 01229/09, que relatámos, o interesse em agir substancia-se na necessidade de tutela judicial, surgindo «da necessidade em obter do processo a protecção do interesse substancial, pelo que pressupõe a lesão de tal interesse e a idoneidade da providência requerida para a sua reintegração ou tanto quanto possível integral satisfação». Daí que «este pressuposto não se destina a assegurar a eficácia da sentença; o que está em jogo é antes a sua utilidade; não fora exigido o interesse, e a actividade jurisdicional exercer-se-ia em vão». (Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, II, Coimbra 1982, pag. 253.) Reconduz-se, pois, este interesse em agir, a «uma inter-relação de necessidade e de adequação. De necessidade porque, para a solução do conflito deve ser indispensável a actuação jurisdicional, e adequação porque o caminho escolhido deve ser apto a corrigir a lesão perpetrada ao autor tal como ele a configurou». (Ac. do STJ, de 16/9/08, proc. nº 08A2210.) Na verdade, em termos de caracterização jurídica e de autonomia face aos restantes pressupostos processuais, o interesse em agir tem sido definido como a necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção, sendo sobretudo no domínio da acção declarativa de simples apreciação que a questão da exigibilidade do interesse em agir, como pressuposto processual, tem sido colocada, exigindo os defensores do pressuposto, «que se verifique uma situação de incerteza objectivamente grave, de molde a justificar a intervenção judicial».(Cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil - Conceito e princípios gerais à luz do código revisto, Coimbra Editora, 1996, pág. 27, nota 17.) E o interesse em agir também não se confunde com os restantes pressupostos processuais (tais como a capacidade judiciária ou, sobretudo, a legitimidade), pois o autor pode ser titular da relação material litigada e não ter, contudo, face às circunstâncias concretas que rodeiam a sua situação, necessidade de recorrer à acção (se ninguém contestou ou violou o direito não há interesse em propor acção para o reconhecer ou defender). Porém, apesar de não se configurar aqui uma necessidade estrita e absoluta, não quer dizer que se aceite um qualquer interesse vago e remoto: trata-se, antes, de algo intermédio, de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o que a ordem jurídica lhe reconhece. Constitui «um requisito a meio termo entre os dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção - mas não mais do que isso».(Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. pp. 179 e ss.) Assim, por parte do autor, a necessidade de recorrer à via judicial embora não tenha de ser uma necessidade absoluta, também não bastará para o efeito a necessidade de satisfazer um puro interesse subjectivo (moral, científico ou académico) de obter um pronunciamento judicial. A incerteza deve ser objectiva e grave, não bastando a dúvida subjectiva ou o interesse puramente académico em ver definido o caso pelos tribunais. Deve ser uma incerteza resultante de um facto exterior e com capacidade de trazer um prejuízo sério ao demandante, impedindo-o de tirar do seu direito a plenitude das vantagens que ele comportaria. (Ibidem, págs. 181 e 186/187; cfr., igualmente, Manuel de Andrade, loc. cit., 78/79 e Anselmo de Castro, loc. cit. 251.)“, cfr. acórdão datado de 09/04/2014, recurso n.º 0366/14.» (Ac. do STA, de 07-01-2015, proc. n.º 01477/14). [bold nosso] Não se poder perder de vista: «Se a legitimidade deve ser avaliada face à "relação controvertida tal como é configurada pelo autor" (art.º 26, n.º 3, do CPC), por isso, independentemente da análise concreta das suas razões e da consistência dos seus fundamentos (sem entrar na apreciação do mérito), o juízo a emitir sobre o seu interesse em agir (um particular aspecto da legitimidade) tem que partir do mesmo pressuposto, a versão dos factos dada pelo autor.» (Ac. do STA, de 02-12-2009, proc. n.º 0760/09). No caso, indubitavelmente que os pedidos do Autor têm em pressuposto de causa - no que primeiro radica em base das pretensões - uma situação de inacção, que também tem em fonte de responsabilidade, justificativa de lançar mão da acção de condenação à prática de acto devido. Assim sucede, independentemente do mérito, reservado a passo seguinte. E, portanto, avesso a dar pronúncia - na questão que ocupa - em pontos de argumento que por aí caminham. Pelo que a decisão recorrida não pode manter-se. * Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida. Custas: pelo recorrido. Porto, 11 de Outubro de 2024. Luís Migueis Garcia, por redistribuição Alexandra Alendouro Celestina Castanheira |