Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00728/09.8BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/19/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:NULIDADE;
AMBIGUIDADE;
OBSCURIDADE;
Sumário:I. A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n. º1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica.

II. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.

III. A nulidade ancorada na ambiguidade ou obscuridade da decisão proferida, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respectivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade).*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel pela qual foi julgada totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela "A..., S.A." contra a liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2004, no valor global de € 129.710,95, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A. A Fazenda Pública não se conforma com a Sentença sob recurso, que julgou procedente a presente impugnação, deduzida contra a decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação de IRC e Juros Compensatórios, referentes ao exercício de 2004, no montante global de €129.710,95.
B. No caso em apreço, a liquidação impugnada resulta de diversas correções de natureza aritmética efetuadas pela Inspeção Tributária, que são, designadamente, relativas a custos com eletricidade, comunicações, conservação e reparação, deslocações e estadas, e a acréscimos à MT pela Diferença positiva entre VPT definitivo e VPT do contrato, e por prestações serviços de construção civil a titulares do capital social.
C. A Fazenda Pública considera que a sentença enferma de ambiguidade e obscuridade que a tornam ininteligível, sendo por isso nula nos termos do artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC, designadamente pelo facto de: serem enunciados factos provados divergentes dos que estão em causa nos autos quer quanto ao valor, quer quanto ao ano, quer quanto às correções; serem apreciadas questões como a utilização de métodos indiretos, quando isso não se verifica em relação à generalidade das correções ao IRC de 2004 vertidas no RIT; serem “decididas” questões sem atender à fundamentação das mesmas em sede de Relatório da Inspeção Tributária (RIT), como por exemplo os custos com deslocações, estadas, conservação e reparação, eletricidade e comunicações, entre outras situações anómalas que inquinam toda a sentença, na medida em que não é possível conhecer o iter cognoscitivo e valorativo percorrido na construção do silogismo judiciário.
D. Sem prescindir, e caso assim não se entender, o que só por mera hipótese se concede, sempre se dirá que a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia, e, continuando sem prescindir, caso também assim não se entenda, de erro de julgamento da matéria de facto e de erro de julgamento de direito, como se especificará.
E. Assim, temos que, em 17.02.2011 foi proferida sentença nestes autos que julgou procedente a presente impugnação, com fundamento na violação pela AT do disposto no art.º 87º e 88º da LGT.
F. Inconformados com a decisão o DMMP e a Fazenda Pública interpuseram recurso para o Tribunal Central Administrativo do Norte, aquele com fundamento na ausência de fundamentação e exame crítico da matéria de facto.
G. Em 18.10.2018 foi proferido o douto acórdão que determinou a baixa dos autos à primeira instância porquanto “Padece, deste modo, a sentença recorrida da invocada nulidade, pelo que procedendo as conclusões de recurso do Ministério Público, referentes à questão analisada, impõe-se que a sentença seja anulada com a consequente remessa dos autos ao tribunal de primeira instância, para prolação de nova decisão sem o vício apontado. Destarte, o recurso merece provimento, resultando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos dois recursos”.
H. Vista a matéria de facto dada como provada na 1ª sentença, de 17.02.2011, que se transcreveu nas alegações supra, e vista a matéria de facto dada como provada na 2ª sentença (agora sob recurso), verifica-se que, da primeira para a segunda sentença, no que à matéria de facto diz respeito, houve a tentativa de aperfeiçoamento formal da respetiva “fundamentação”, mas, ainda assim, se alguma “fundamentação” existe, considera a Fazenda Pública que a mesma continua insuficiente e meramente aparente, para o que no caso nos interessa.
I. Recorrendo, agora, da segunda sentença, que é quase uma cópia da primeira, temos que a mesma é obscura e ambígua, o que acarreta a sua ininteligibilidade, pois contém passos cujo sentido é ininteligível, e algumas passagens que se prestam a interpretações diferentes – é “...evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade” por “....se a determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz”.
J. Existe, com efeito, obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido um qualquer destinatário não possa alcançar o respetivo sentido, ressaltando à evidência que não é possível compreender adequadamente os fundamentos da decisão – conf., neste sentido, o Ac do STJ de 28-3-00, in – Sumários –, nº 39, pág. 22.
K. Nos termos do atual artigo 615º nº 1 alínea c) do CPC, constitui causa da nulidade da sentença a ocorrência de “...alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”, sendo, no caso que ora nos ocupa, obscuro o que não é claro, aquilo que não se entende, isto é, a sentença impede a compreensão da decisão judicial por inculcar fundadas dúvidas ou incertezas nos destinatários, que ficarão sem saber ao certo o que efetivamente foi decidido ou se quis decidir e com que fundamentos, o que porá em causa, simultaneamente, a delimitação do concreto caso julgado e respetiva autoridade.
L. Da ambiguidade e obscuridade da factualidade provada: a sentença recorrida considera como provados factos que não estão em causa nestes concretos autos, como é o caso, por exemplo, dos factos provados sob os números 29, 30, 34, 35, 36, 37, 38, 44, 45, 46, 47 e 60, ou porque se referem expressamente aos anos de 2005 e 2006, ou porque dizem respeito a correções de IRC efetuadas em 2004 mas não impugnadas, ou porque dizem respeito a correções de IVA. Note-se que, nestes concretos autos, a impugnante submeteu à apreciação judicial apenas a liquidação adicional de IRC do exercício de 2004, e não as liquidações de IRC dos exercícios de 2005 e de 2006, ou umas quaisquer liquidações de IVA.
M. Dissecada a sentença objeto do presente recurso verificamos que os fundamentos de facto foram tratados e trabalhados no sentido da procedência da pretensão formulada pela impugnante e ora recorrida, mas de forma perfeitamente ilógica e juridicamente impossível (estando perante IRC de 2004 não é possível dar como provados factos ocorridos em 2005 ou 2006), originando, de forma ostensiva, discrepâncias entre as premissas factuais e a conclusão jurídica, que justificam a invocada nulidade, prevista na parte final da al. c) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.
N. Grande parte das correções levadas a cabo pela Inspeção Tributária, no que respeita ao exercício de 2004, e sem prejuízo das considerações que se possam tecer nos de 2005 e de 2006, são exclusivamente de natureza aritmética, e não envolvem qualquer indício de terem sido presumido valores. Pelo que, não há fundamento para que seja analisado o argumento da impugnante, da eventual utilização encapotada de métodos indiretos, relativamente à totalidade das correções efetuadas pelos SIT.
O. Da obscuridade da motivação: a sentença sob dissídio leva ao probatório um total de 65 factos que considera resultarem provados nos autos. Alguns desses factos resultaram provados com recurso aos depoimentos prestados pelas testemunhas, sendo de sublinhar que a sentença (em sede de motivação) afirma que “O depoimento das testemunhas foi muito esclarecedor para o tribunal. As testemunhas prestaram depoimentos muito claros e credíveis, assentes em conhecimento direito da realidade descrita”. Não cremos que assim seja, pois, de harmonia com a sentença, o facto n.º 64 foi confirmado pelo depoimento prestado por AA, responsável pela contabilidade da impugnante há cerca de 15 anos, cf. pág. 10 da sentença. Ora, o RIT afirma que AA é responsável pela contabilidade da impugnante desde 04.04.2008, cf. pág. 4 do RIT, circunstância que, no entendimento da Fazenda Pública, impede o conhecimento direto da realidade descrita e que não permite ao julgador firmar um facto com base nesse “conhecimento” que não é naturalmente DIRETO.
P. Nas páginas 11 e 12, sob a epígrafe “Motivação”, a sentença desenvolve a questão da aplicação de métodos (in)diretos nos valores imputados pelo RIT “à construção de uma casa do administrador da Impugnante” (parágrafo 5 da p. 11 da sentença). Todavia, não identificando a que administrador se refere, torna-se difícil perceber o itinerário lógico percorrido pelo tribunal, pois, no exercício de 2004, a inspeção tributária fez correções ao IRC da impugnante atinentes ao “desenvolvimento de obras na casa do seu administrador BB”, e, no exercício de 2005, a inspeção tributária fez correções atinentes à construção da casa do administrador CC. Trata-se de uma total e completa confusão entre os factos, a motivação e o direito que estão em causa neste concreto processo, compatível com a já aludida obscuridade da sentença.
Q. Na análise do direito, o decisório considera, num primeiro momento, estar em causa, nos autos, a desconsideração de despesas, cfr. parágrafo 3, pág. 13. Essa é, efetivamente a fundamentação de algumas das correções efetuadas à matéria tributável da impugnante, no exercício de 2004, por parte dos SIT.
R. Na página 15, e citando-se o decisório: “As correções em causa, alegadamente efetuadas de modo direto e objetivo, englobam, designadamente:
custos, no montante de €6,532,24, com fornecimento de eletricidade, cujos documentos de suporte indicam como titular do contrato CC, administrador da Impugnante;
custos, no montante de €488,94, com fornecimento de serviços de telecomunicações (TV Cabo), cujos documentos de suporte indicam como titular do contrato CC, administrador da Impugnante;
custos, no total de €3.920,00, com viagens que se consideraram de lazer e, portanto, no interesse particular dos administradores;
falta de contabilização de proveitos, relativos a prestação de serviços que se dizem realizados na casa do administrador BB, no valor atribuído de 344.351,88 euros.”
S. Também por aqui advém a já citada divergência factual em que a sentença incorre e que se encontra estruturalmente à margem de um normal percurso decisório. Se os três primeiros itens são custos/despesas, já o último não o é. Trata-se de uma omissão de proveitos, o que é diametralmente diferente. Tais situações têm tratamento fiscal diverso, mas a sentença “concentra” tudo no mesmo item e “conclui” que custos e proveitos foram tratados pelos SIT da mesma forma (“A AF entende que os montantes supra referidos devem ser acrescidos ao lucro tributável da Impugnante”).
T. Outra incongruência de que padece a sentença está patente no parágrafo 2 da página 16 onde expressa a seguinte dúvida: “Se os rendimentos em espécie em causa, são rendimento tributável para efeitos de IRS, então, por maioria de razão devem ser custo para efeitos de IRC, sob pena de dupla tributação, em IRS e IRC, da mesma parcela de rendimento”. Ora, esta questão resulta de um relatório da inspeção tributária elaborado a propósito de uma ação inspetiva de âmbito geral abarcando mais do que um imposto e ano. Mas é completamente incongruente para a apreciação dos presentes autos. Desde logo, porque, como se poderá verificar no RIT, as correções aventadas em sede de IRS não se refletem apenas no ano aqui impugnado, mas também nos restantes.
U. Sem esquecer que, o 2º parágrafo da página 17 diz: “A liquidação ora em apreço resulta da atribuição de proveitos à Impugnante pelo desenvolvimento de obras na casa do seu administrador BB”, que o 3º parágrafo da página 13 menciona: “O que está em causa nos autos é a desconsideração de despesas”, e que o 3º parágrafo da página 15 consigna que “As correções em causa, alegadamente efetuadas de modo direto e objetivo, englobam, designadamente.” Com o devido respeito, afinal a liquidação impugnada decorre de uma única correção? – “A liquidação ora em apreço resulta da atribuição de proveitos à Impugnante pelo desenvolvimento de obras na casa do seu administrador BB ...”, ou de várias “As correções em causa, alegadamente efetuadas de modo direto e objetivo, englobam, designadamente.”?!
Sem prescindir,
V. Apesar de a sentença sob recurso não indicar quais as questões que importa ao Tribunal apreciar e decidir, de acordo com o art. 123º CPPT, observando, na Fundamentação de Direito da sentença recorrida, que ali se dispõe que “A liquidação ora em apreço resulta da atribuição de proveitos à Impugnante pelo desenvolvimento de obras na casa do seu administrador BB” (cfr 2º parágrafo da p. 17 da sentença), e que “A Impugnante questiona o método utilizado pela AF para introduzir as correcções que se entendeu mostrarem-se devidas.” (cfr 3º parágrafo da p. 17 da sentença), daí assumindo imediatamente que “Cumpre apreciar”, e decidindo que, “Assim, assiste razão à Impugnante, quanto à utilização encapotada de métodos indirectos de avaliação” (cfr 8º parágrafo da p. 23 da sentença), temos que, o Tribunal a quo terá fixado, como única questão que lhe cumpriria solucionar, a relativa à alegada “utilização encapotada de métodos indiretos” na “atribuição de proveitos à Impugnante pelo desenvolvimento de obras na casa do seu administrador BB.”
W. Sabendo que, subjacentes à liquidação impugnada, de IRC de 2004, estão diversas correções, amplamente evidenciadas no RIT e sintetizadas no quadro do ponto 9 das alegações supra, relativas:
Ao apuramento do lucro tributável em sede de IRC, referentes a:
Custos com “Eletricidade”, com “Comunicações”, com “Conservação e reparação”, com “Deslocações e estadas” (acréscimos ao lucro tributável – campo 225 do quadro 07 da Modelo 22 de IRC),
Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis e o valor constante dos contratos (acréscimos ao lucro tributável do campo 257 do quadro 07 da Modelo 22 de IRC),
A acréscimos aos proveitos em sede de IRC, referentes a:
Prestações de Serviços associadas à actividade de prestação de serviços de construção civil
Acréscimos ao montante de imposto a pagar em sede de IRC via Tributação Autónoma.
X. Importava ao Tribunal a quo, ab initio, individualizar todas e cada uma das correções referidas, de acordo com a sua natureza, qualidade e montante, apreciar e pronunciar-se sobre a sua conformidade com a Lei em função das posições, alegações e pedidos das partes, julgando todos os pressupostos fundamentadores da liquidação impugnada.
Y. Só assim podia o Tribunal, no caso, julgar a liquidação de IRC de 2004 total ou parcialmente anulável, por padecer de algum dos vários vícios invocados pela Impugnante, ou válida, ainda que parcialmente, por não padecer de vícios justificativos da sua anulação integral, como defende a AT. Dito de outro modo, importava, ab initio, ter como questões a decidir – e decidir sobre – as várias questões suscitadas pelas partes, relativas a cada uma das correções que compõem a liquidação impugnada, na globalidade das correções plasmadas no RIT para o ano de 2004.
Z. Notando, então, que o Tribunal a quo apenas terá apreciado e decidido a questão da alegada “utilização encapotada de métodos indiretos” na “atribuição de proveitos à Impugnante pelo desenvolvimento de obras na casa do seu administrador BB”, referente a uma única correção relativa a “Prestações de Serviços associadas à actividade de prestação de serviços de construção civil”, não se tendo pronunciado sobre qualquer outra, a sentença recorrida enferma, pois, nestes termos, de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do estatuído nos artigos 608º e 615.º, nº 1, al. d) do CPC e 125º do CPPT.
Sem prescindir,
AA. Quanto à matéria de facto, o juiz tem o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a pretensão do autor e a posição da Fazenda Pública, discriminando a que considera provada da não provada (cfr. art. 154º, 596º, 607º do CPC, e art. 123º do CPPT). Como impõe o art. 205º, da CRP, e resulta dos art. 154º e 607º do CPC, as decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido e qualquer dúvida suscitada no processo serão sempre fundamentadas.
BB. Ora, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento por falta de apreciação e valoração crítica de todos os factos, de acordo com a prova produzida nos autos, isto é, por falta de apreciação e valoração crítica de toda a matéria de facto que interessa para a decisão, dever jurisprudencialmente consagrado – cfr. acórdão de 15.04.2009 do STA, processo n.º 1115/08, segundo o qual “A fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto”. E, “(...) será indispensável (...) que seja efectuada uma apreciação crítica da prova traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo dos outros.”
CC. O erro de julgamento de facto ocorre porque o Tribunal decide mal ou contra os factos apurados. Importa, portanto, e também em face da “Fundamentação de Direito” da sentença recorrida, demonstrar porque a Fazenda Pública entende não padecerem algumas correções vertidas no RIT, bem como a liquidação de IRC de 2004 daí resultante, de vício conformador de ilegalidade, na sua totalidade, incorrendo o Tribunal a quo em erro de julgamento de direito ao declarar totalmente procedente a ação e anulando na íntegra a liquidação impugnada.
DD. A sentença defende assistir razão à Impugnante, quanto à utilização encapotada de métodos indiretos de avaliação, o que não é correto, pois, na liquidação controvertida nos presentes autos, os Serviços da Inspeção Tributária fizeram determinadas correções de natureza meramente aritmética, baseando-se nos elementos da contabilidade e documentação constante da mesma, que a sentença nem sequer aprecia, analisa ou pondera.
EE. Assim, quanto às verbas desconsideradas como custos pela IT que dizem respeito à liquidação de IRC relativa ao exercício de 2004, designadamente, os desconsiderados Custos com “Eletricidade”, com “Comunicações”, com “Conservação e reparação”, com “Deslocações e estadas” (acréscimos ao lucro tributável – campo 225 do quadro 07 da Modelo 22 de IRC), cfr pp. 6 a 9 do RIT, o que aqui está em causa é simplesmente a desconsideração aritmética de despesas perfeitamente quantificadas que, por consistirem em custos não indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, não se incluem nos custos ou perdas previstos no art.º 23.º do CIRC, e, portanto, não sendo fiscalmente dedutíveis aos proveitos na determinação do lucro tributável, deverão ser acrescidos à matéria coletável.
FF. Quanto às correções relativas à Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis e o valor constante dos contratos (acréscimos ao lucro tributável do campo 257 do quadro 07 da Modelo 22 de IRC), no montante de € 67.890,00 (cfr pp. 9 a 12 do RIT), estas nem sequer vêm impugnadas/controvertidas, pelo que a liquidação de IRC de 2004 em crise, na parte a que correspondesse a estas correções, nem podia, sequer, ser anulada, por não controvertida.
GG. Neste cenário, relativamente a estas correções, não restava à AT outra alternativa legal que não as correções produzidas, de natureza meramente aritmética, e resultantes de imposição legal, estando, aqui, até, legalmente vedado o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável. Em suma, a AT estava vinculada à aplicação do critério que deriva da lei, devendo, portanto, produzir as “correcções técnicas” correspondentes.
HH. Do que fica dito, resulta a demonstração factual e legal da justeza e validade das correções meramente aritméticas levadas a cabo pela IT, relativas à desconsideração dos Custos com “Eletricidade”, com “Comunicações”, com “Conservação e reparação”, com “Deslocações e estadas”, conforme pp. 6 a 9 do RIT; e relativas à Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis e o valor constante dos contratos, no montante de € 67.890,00 conforme pp. 9 a 12 do RIT; Pelo que não existe qualquer vício que justifique a anulação destas correções e liquidação de IRC de 2004 na parte correspondente.
II. Assim, com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, com o decidido não se conforma a Fazenda Pública, porquanto considera que a douta sentença incorre em nulidade por ambiguidade e obscuridade que a tornam ininteligível, nulidade por omissão de pronúncia, bem como, padece de erro de julgamento de facto decorrente da falta de apreciação e valoração crítica de todos os factos e de toda a prova produzida e fixada nos autos, e, ainda, incorre em erro de julgamento sobre a matéria de direito, tudo, em violação do disposto nos art. 123º e 125º do CPPT, art. 154º, 596º, 607º, 608º, 660º e 615º, nº 1 al. c) e d) do CPC, art. 205º da CRP, art. 85º, 87º da LGT, e art. 23º do CIRC.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, com as devidas consequências legais.»

1.2. A Recorrida "A..., S.A.", notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações nos termos de fls. 537 a 575 do SITAF, refutando o recurso da Recorrente e pugnando pela improcedência do mesmo.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 602 e ss. do SITAF, no sentido do provimento do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4, todos do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), são as seguintes:
Se a sentença recorrida padece de nulidade por: (i) enfermar de ambiguidades e obscuridades que a tornam ininteligível; (ii) por omissão de pronúncia;
Se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento da matéria de facto, decorrente da falta de apreciação e valoração crítica de todos os factos e de toda a prova produzida e fixada nos autos;
Se a sentença padece de erro de julgamento sobre a matéria de direito por violação do disposto nos artigos, n.ºs 123º e 125º do CPPT, 154º, 596º, 607º, 608º, 660º e 615º, nº 1 al. c) do CPC, 205º da CRP, 85º e 87º da LGT, 3º, e23º, do CIRC

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1.ª instância e respectiva fundamentação:
«1) A Impugnante foi submetida a uma acção inspectiva externa no ano de 2008 na sequência da qual se procedeu a correcções aritméticas em sede de IRC e de IVA nos exercícios de 2004, 2005 e 2006 – cfr. relatório de inspecção tributária (RIT), ínsito no processo administrativo (PA) apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
2) Essa acção inspectiva foi desencadeada a coberto da ordem de serviço n.º 0l200700332 – cfr. RIT.
3) Decorreu entre 23 de Janeiro de 2008 e 4 de Julho de 2008 – cfr. RIT.
4) Tal ocorreu porque a administração tributária (AT) detetou irregularidades na contabilidade da Impugnante.
5) A acção inspectiva foi motivada pela conjugação de dois factores:
– Verificação de que tinham sido relevadas na contabilidade da sociedade Impugnante proveitos relativos a quantias perdidas em seu favor, que tinham resultado do alegado incumprimento de um contrato promessa que tinha sido celebrado com a empresa “M...., Lda"., cuja revogação tinha determinado que as quantias pagas a título de sinal revertessem para a Impugnante;
– Informar o processo de inquérito n.º....9/06.0TDPRT do comportamento fiscal da sociedade Impugnante, da Imobiliária “P..., Lda" da I“..., Lda", do seu sócio CC e dos seus filhos, designadamente BB – cfr. RIT.
6) A acção inspectiva em causa, visou apurar a situação fiscal da sociedade Impugnante, designadamente as relações que tinha mantido com a sociedade “M...., Lda"., com quem celebrou um contrato promessa de compra e venda, que posteriormente foi revogado em 12 de Junho de 2006 – cfr. RIT.
7) A “M...., Lda"., que era a promitente compradora, tinha entregue quantias em dinheiro a título de sinal e como princípio de pagamento, que pelo incumprimento do contrato reverteram para a sociedade Impugnante – cfr. RIT.
8) A inspecção tributária pretendia apurar se aquelas quantias tinham sido contabilizadas como proveitos da sociedade Impugnante – cfr. RIT.
9) A acção externa pretendia ainda informar o processo de inquérito n.º....9/06.0TDPRT da situação fiscal de CC, sócio da Impugnante e de outras empresas.
10) A sociedade Impugnante iniciou a sua atividade em 11 de Maio de 1984 – cfr. RIT.
11) Estava registada pelo Código CAE: 41200 para o exercício da atividade de construção de edifícios – cfr. RIT.
12) A Impugnante estava enquadrada para efeitos de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável – cfr. RIT.
13) Para efeitos de IVA encontrava-se enquadrada no regime normal trimestral com periodicidade mensal desde 1 de Janeiro de 1995 – cfr.RIT.
14) A sociedade Impugnante apresenta a forma jurídica de sociedade anónima e é constituída por cinco sócios – cfr. RIT.
15) O presidente do conselho de administração era o Sr. CC, o detentor da participação maioritária – cfr.RIT.
16) A contabilidade da empresa eslava elaborada através de meios informáticos – cfr. RIT.
17) Era responsável pela contabilidade da Impugnante desde 2005 DD – cfr. RIT.
18) Até 2004 tinha sido responsável pela mesma, EE – cfr.RIT.
19) Os Serviços de inspecção tributária efetuaram em suporte magnético a recolha de elementos contabilísticos e documentos com eles relacionados que estavam registados em suporte informático – cfr. RIT.
20) A investigação que efetuaram permitiu no seu entender averiguar que existiam custos que tinham sido indevidamente deduzidos e proveitos que tinham sido omitidos ao rendimento tributável – cfr. RIT.
21) Assim, procederam a correcções técnicas, aritméticas, em sede de IVA e de IRC – cfr. RIT.
22) Como ponto de partida, a inspecção tributária entendeu, com base no princípio de verdade declaratíva, que a contabilidade da sociedade Impugnante refletia adequadamente e fielmente o cumprimento das normas contabilísticas e fiscais e que o resultado fiscal apurado correspondia à real situação tributária do contribuinte – cfr. RIT.
23) Posteriormente, os SIT constataram que existiam situações que evidenciavam erros materiais da contabilidade que afetavam o resultado contabilístico e fiscal – cfr.RIT.
24) A inspecção tributária considerou que conseguiu, quantificar de forma directa e exacta os elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável – cfr.RIT.
25) Foram analisadas as contas de custos e efetuadas correcções em sede de IRC – cfr.RIT.
26) A sociedade Impugnante contabilizou na conta A1 62212 – electricidade, custos de fornecimento de electricidade, cujo titular do contrato era CC – cfr.RIT.
27) Uma vez, que, se tratava de custos respeitantes a residências particulares, que nada tinham a ver com a sociedade Impugnante, não foram eles aceites como custos ou perdas – cfr. RIT.
28) As importâncias de €6.532,24, €485.59 e €411.10, foram acrescidas ao rendimento tributável dos exercícios de 2004, 2005 e 2006 respetivamente – cfr. RIT.
29) No exercício de 2005 foi contabilizada uma oferta no valor de €13.853,00, respeitante à aquisição de uma barra de ouro sem que fosse identificado o respetivo beneficiário – cfr. RIT.
30) A aquisição foi considerada como despesa confidencial sujeita ao regime de tributação de 50% – cfr.RIT.
31) A Impugnante contabilizou ainda despesas relacionadas com serviços de telecomunicações respeitantes ao CC – cfr. RIT.
32) Essas despesas não foram consideradas dedutíveis, pelo que, o respetivo valor de €488.24, em 2004, €689.73 em 2005 e €684,23 em 2006 foram acrescidos à matéria tributável – cfr. RIT.
33) Da mesma forma, acresceram ao rendimento tributável as quantias de €3.920,00 em 2004, €12.084,73 em 2005 e €5.797,60 em 2006, relativas a despesas de viagens e lazer efetuadas pelos titulares do capital social da sociedade Impugnante uma vez, que tais custos não eram dedutíveis ao rendimento tributável – cfr. RIT.
34) Em relação à alienação de direitos reais sobre imóveis em que os valores de mercado não podem ser inferiores ao valor patrimonial tributário, foi acrescido ao rendimento tributável a quantia de €67.890,00 em 2004, €263.620,00 em 2005 e €37.150.00 em 2006 – cfr. RIT.
35) Em relação à conta C.798 – Outros Proveitos – acresceram ao rendimento tributável: €27.500,00 em 2005 e €12.500,00 em 2006, relativos a quantias entregues à Impugnante como sinal pela “M...., Lda". no âmbito de um contrato promessa de compra e venda que, foi depois revogado pelo que as importâncias que tinham sido entregues reverteram para a sociedade Impugnante, que não as contabilizou como proveitos – cfr. RIT.
36) No exercício de 2006 a Impugnante prestou serviços no valor de €34.297,00 que não contabilizou – cfr. RIT.
37) Essa quantia foi corrigida ao rendimento tributável – cfr. RIT.
38) Foi liquidado IVA sobre esse valor no total de €7.202,37 – cfr. RIT.
39) A inspecção tributária identificou nos ficheiros informáticos da Impugnante uma aplicação denominada Microplus onde a empresa mediante registos extra contabilísticos repartiu custos de produção – cfr. RIT.
40) Esses custos estavam lançados pelo valor total constante do documento de suporte, com IVA incluído quando ele era liquidado – cfr. RIT.
41) No exercício de 2004, a Impugnante contabilizou como custo o valor de €344.351,88 que, a AF entendeu não ser dedutível por respeitar a obras de construção civil efetuadas na casa de BB – cfr. RIT.
42) Esse valor acresceu como proveito ao rendimento tributável do exercício de 2004 – cfr. RIT.
43) Uma vez, que a AF entendeu que se estava perante uma prestação de serviços da Impugnante, que estava sujeita a IVA, foi liquidado o imposto devido no valor de €65.426,86 – cfr. RIT.
44) A sociedade Impugnante suportou ainda em 2005 custos relacionados com a prestação de serviços de construção civil na casa de CC – cfr. RIT.
45) Esses custos no valor de €175.931,40 acresceram ao total de proveitos do exercício de 2005 – cfr. RIT.
46) Foi liquidado o IVA respetivo no valor de €36.945,60 – cfr. RIT.
47) A inspecção tributária fez acrescer assim aos proveitos as quantias de €344.351,88 em 2004 e €175.931,40 em 2005 – cfr. RIT.
48) A inspecção tributária fez ainda acrescer ao rendimento tributável as quantias de €574,45 em 2004, €424,82 em 2005 e €289,82 em 2006, respeitantes a deslocações e estadas relativas a portagens pagas – cfr. RIT.
49) As correcções ao lucro tributável em sede de IRC foram fixadas no valor de €460.087,06 em 2004, €494.164,45 em 2005 e €103.199,93, em 2006 – cfr. RIT.
50) Procedeu-se à liquidação respetiva do IVA no valor de €65.426,86 em 2004, €36.945,60 em 2005 e €7.202,37 em 2006 – cfr. RIT.
51) A sociedade Impugnante foi notificada em 18 de Junho de 2008 para o exercício do direito de audição na sequência da elaboração do relatório da acção de inspecção – cfr. RIT.
52) A sociedade impugnante exerceu por escrito o direito de audição em 30 de Junho de 2008 – cfr. doc. respeitante ao exercício do direito de audição, ínsito no PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
53) Reconheceu e aceitou que os serviços de construção civil efetuados nas casas de BB e CC tinham sido efetivamente realizados – cfr. doc. respeitante ao exercício do direito de audição, ínsito no PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
54) A sociedade Impugnante aceitou assumir contabilisticamente as conclusões do RIT pelo débito daqueles serviços aos referidos administradores, que, assim, teriam de os pagar à sociedade.
55) A sociedade Impugnante apresentou Reclamação Graciosa em 21 de Abril de 2009 – cfr. processo de reclamação graciosa, ínsito no PA apenso aos autos.
56) A Reclamação Graciosa foi indeferida por despacho proferido em 30 de Outubro de 2009 – cfr. processo de reclamação graciosa, ínsito no PA apenso aos autos.
57) A decisão foi notificada à sociedade Impugnante em 29 de Outubro de 2009 – cfr. processo de reclamação graciosa, ínsito no PA apenso aos autos.
58) A presente impugnação judicial foi deduzida em 16 de Novembro de 2009.
59) Os administradores da sociedade Impugnante são remunerados – cfr. depoimento de FF.
60) A barra de ouro, ainda se encontra guardada na empresa, era para ser oferecida a um cliente especial, mas acabou por não ser oferecida – cfr. depoimento de FF.
61) Eram feitas estimativas dos custos das obras, com a expectativa de se vir a fazer a obra – cfr. depoimento de GG.
62) Essas estimativas eram feitas por si – cfr. depoimento de GG.
63) Os registos das estimativas tinham fins pessoais, serviam para saber mais ou menos quanto se ia gastar – cfr. depoimento de GG.
64) O contrato promessa de compra e venda celebrado entre a sociedade Impugnante e a “M...., Lda"., foi depois revogado peio que, as importâncias nele indicadas não foram objeto de registo contabilístico – cfr. depoimento de AA.
65) As obras foram feitas, embora não saiba se o material referido foi ou não utilizado – cfr. depoimento de HH.
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Não existem outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão da causa.
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Motivação
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso e no depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante – FF, GG, AA e pela testemunha da Fazenda Pública – HH, identificados em cada um dos factos.
O depoimento das testemunhas foi muito esclarecedor para o tribunal. As testemunhas, prestaram depoimentos muito claros e credíveis, assentes em conhecimento direto da realidade descrita.
A testemunha FF, à data da audiência contraditória de inquirição de testemunhas, era funcionária administrativa da sociedade "A..., S.A.", à cerca de 23 anos, aí prestando os trabalhos relacionados com as entidades Bancárias, cheques, pagamentos, nomeadamente aos administradores e trabalhadores da empresa, etc.
Afirmou com total convicção, que lhe advêm de conhecimento direto da situação, que os administradores da sociedade Impugnante são remunerados. Facto confirmado pela testemunha, AA, responsável pela contabilidade da Impugnante à cerca de 15 anos à data da audiência contraditória de inquirição de testemunhas, o qual acompanhou a inspecção feita à sociedade Impugnante.
No que se refere, ao facto de os SIT terem detectado no sistema informático da Impugnante registos extra-contabilísticos, a testemunha II foi peremptória no sentido de que esses registos eram meras estimativas com caráter orçamental, para determinar custos previsíveis.
No mesmo sentido foi o depoimento da testemunha GG, funcionária à cerca de 18 anos da Impugnante e, responsável pela parte dos orçamentos e estimativas.
A AF defende que os materiais e mão de obra referidos no registo informático em causa e titulados pelas facturas constantes na contabilidade, dizem respeito à construção de uma casa do administrador da Impugnante.
A testemunha II, explicou ao tribunal, que, a Impugnante não tinha pessoal que chegasse para fazer a obra da casa em causa no RIT, uma vez, que nesse período temporal, a Impugnante tinha obras a decorrer em ..., ..., ... e ....
A testemunha da Fazenda Pública, a Inspectora Tributária, HH, quando confrontada com a questão, recusou a ideia de os registos em causa serem estimativas, baseando a sua posição, no facto de existir uma alegada correspondência entre os documentos referidos no registo e as faturas constantes da contabilidade da Impugnante.
Ou seja, entende a AF que os materiais e mão de obra referidos no registo informático em causa e titulados por faturas constantes da contabilidade, dizem respeito à construção de uma casa do administrador da Impugnante.
No entanto, quando no âmbito da audiência contraditória de inquirição de testemunhas foi confrontada com algumas das faturas em causa (cfr. teor da acta ínsita nos autos), a testemunha não soube explicar a metodologia usada para formular as conclusões vertidas no RIT.
A título de exemplo, quando confrontada com o doc.n.º1, junto com as alegações apresentadas pela Impugnante, nos termos do disposto no artigo 120.º do CPPT, factura que titula a aquisição de 62 resguardos de banheira, a testemunha da Fazenda Pública, Dra. HH, reconheceu não ser crível que tenham sido instalados tais materiais numa só moradia, reconhecendo que foi um erro de análise.
O mesmo se passou quando confrontada com o doc.n.º 2, junto com as alegações apresentadas pela Impugnante, nos termos do disposto no artigo 120.º do CPPT, que refere expressamente o material se destinou ao lote ... da ..., ..., referindo a testemunha da Fazenda Pública, que desconhece se tal material foi ou não colocado na obra referida.
Saliente-se que os documentos anexos ao RIT o foram por amostragem, o que inviabiliza a análise e controlo dos elementos considerados pela AF para a elaboração das correcções em causa.
Sucede, que, alguns documentos foram juntos ao projecto de relatório inspectivo e, faltam no RIT, sem que para tal tenha, ocorrido qualquer explicação. O que nomeadamente sucede que os documentos ínsitos no doc. n.º 3, junto com as alegações apresentadas pela Impugnante, nos termos do disposto no artigo 120.º do CPPT e, dos quais resulta igualmente a menção do local da obra como sendo “...” ou “...”. Menção aposta em muitos dos documentos juntos ao RIT.
Resulta do doc. a fls.11/36 do Anexo 6.1 ao RIT, onde consta uma fatura relativa a materiais diversos, de entre os quais é possível identificar 93 estores térmicos.
Pelo que, não faz sentido o raciocínio vertido no RIT, carecendo de justificação as correcções efetuadas pela AT.
Encontrando-nos perante correcções meramente aritméticas, a AF tinha o ónus de demonstrar a justeza e rigor dessas correcções.
Resulta dos autos que a AF centralizou a sua análise num ficheiro informático, presumiu que todas as faturas constantes do mesmo dizem respeito à construção de uma moradia e, como admitido em audiência contraditória de inquirição de testemunhas, pela Dra. HH, fez tudo isto sem ter o cuidado de, pelo menos, analisar com a devida atenção o teor dos documentos com base nos quais procedeu às correcções.
Não demonstrou a AF, de forma coerente, que a correcção em causa tenha assentado em premissas válidas.»
2.2. Do direito
A Recorrente (Fazenda Pública) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel pela qual foi julgada totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida ("A..., S.A.") contra a decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação de IRC e Juros Compensatórios, referentes ao exercício de 2004, no montante global de €129.710,95 (valor a pagar após estorno da liquidação).
In casu, na sequência de acção inspectiva externa, despoletada pela conjugação de dois factores, (i) decorrente das conclusões da ATA no procedimento inspectivo ao sujeito passivo Domimóvel, e (ii) informação a prestar no âmbito de processo de Inquérito. Da referida acção inspectiva aos anos de 2004, 2005 e 2006, no que aqui releva, a mesma determinou correcções à matéria tributável de IRC no montante de € 460.087,06, no exercício de 2004. A recorrida O sujeito passivo apresentou os presentes autos de Impugnação imputando a liquidação e seu procedimento (i) a Errónea qualificação da matéria tributável; (ii) Utilização encapotada de métodos indiretos de avaliação; (iii) Preterição de formalidades legais; (iv) Erro na quantificação da matéria tributável; (v) Falta de fundamentação legalmente exigida. As correções de natureza aritmética efetuadas pela Inspeção Tributária, que são, designadamente, relativas a custos e sua indispensabilidade, com eletricidade, comunicações, conservação e reparação, deslocações e estadas, e a acréscimos à matéria tributável e a acréscimos à MT pela Diferença positiva entre VPT definitivo e VPT do contrato e por prestações serviços de construção civil a titulares do capital social (construção da casa do acionista BB).
Em termos cronológicos cumpre referir que nos presentes autos de Impugnação em 17.02.2011 foi proferida sentença que julgou procedente a presente impugnação, com fundamento na violação pela AT do disposto no art.º 87º e 88º da LGT, inconformados com a mesma o Digno Magistrado do Ministério Público e a Fazenda Pública interpuseram recurso para este Tribunal Central Administrativo do Norte, sendo que em 18.10.2018 foi proferido acórdão a determinar a baixa dos autos à primeira instância porquanto tendo sido imputada à sentença nulidade por ausência de fundamentação e exame crítico da matéria de facto, considerou que “Padece, deste modo, a sentença recorrida da invocada nulidade, pelo que procedendo as conclusões de recurso do Ministério Público, referentes à questão analisada, impõe-se que a sentença seja anulada com a consequente remessa dos autos ao tribunal de primeira instância, para prolação de nova decisão sem o vício apontado. Destarte, o recurso merece provimento, resultando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos dois recursos”.
É a segunda sentença emitida nos autos, datada de 28.01.2021, que ora a Fazenda Pública recorre.
Como já se referiu, no momento próprio, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente, não podendo este tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4, todos do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), in casu, as questões a conhecer são: da nulidade da sentença recorrida, por: (i) enfermar de ambiguidades e obscuridades que a tornam ininteligível; (ii) por omissão de pronúncia; do erro de julgamento da matéria de facto, decorrente da falta de apreciação e valoração crítica de todos os factos e de toda a prova produzida e fixada nos autos; do erro de julgamento sobre a matéria de direito por violação do disposto nos artigos, n.ºs 123º e 125º do CPPT, 154º, 596º, 607º, 608º, 660º e 615º, nº 1 al. c) do CPC, 205º da CRP, 85º e 87º da LGT, 3º, e23º, do CIRC.
Cumpre apreciar e decidir.
2.2.1. Da nulidade por ambiguidade e obscuridade
A Recorrente inicia o seu dissídio dirigido à sentença imputando-lhe a nulidade prevista no artigo 615º, alínea c) do CPC, por considerar que a mesma enferma de ambiguidade e obscuridade que a tornam ininteligível, na medida em que: foram enunciados factos provados divergentes dos que estão em causa nos autos quer quanto ao valor, quer quanto ao ano, quer quanto às correções; ao serem apreciadas questões como a utilização de métodos indirectos quando tal não se verifica em relação à generalidade das correções ao IRC de 2004; ao serem decididas questões sem atender à fundamentação das mesmas em sede de Relatório de Inspecção Tributária (RIT) como por exemplo os custos com deslocações e estadas, com electricidade e com comunicações, não sendo possível conhecer o iter cognoscitivo e valorativo percorrido na construção do silogismo judiciário.
Concretizando considera que a sentença “(...) é obscura e ambígua, o que acarreta a sua ininteligibilidade, pois contém passos cujo sentido é ininteligível, e algumas passagens que se prestam a interpretações diferentes – é “...evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade” por “....se a determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz” e, desde logo alega da “(...) ambiguidade e obscuridade da factualidade provada: a sentença recorrida considera como provados factos que não estão em causa nestes concretos autos, como é o caso, por exemplo, dos factos provados sob os números 29, 30, 34, 35, 36, 37, 38, 44, 45, 46, 47 e 60, ou porque se referem expressamente aos anos de 2005 e 2006, ou porque dizem respeito a correções de IRC efetuadas em 2004 mas não impugnadas, ou porque dizem respeito a correções de IVA. Note-se que, nestes concretos autos, a impugnante submeteu à apreciação judicial apenas a liquidação adicional de IRC do exercício de 2004, e não as liquidações de IRC dos exercícios de 2005 e de 2006, ou umas quaisquer liquidações de IVA.” sendo que “(...) os fundamentos de facto foram tratados e trabalhados no sentido da procedência da pretensão formulada pela impugnante e ora recorrida, mas de forma perfeitamente ilógica e juridicamente impossível (estando perante IRC de 2004 não é possível dar como provados factos ocorridos em 2005 ou 2006), originando, de forma ostensiva, discrepâncias entre as premissas factuais e a conclusão jurídica” o que leva a que “Nas páginas 11 e 12, sob a epígrafe “Motivação”, a sentença desenvolve a questão da aplicação de métodos (in)diretos nos valores imputados pelo RIT “à construção de uma casa do administrador da Impugnante” (parágrafo 5 da p. 11 da sentença). Todavia, não identificando a que administrador se refere, torna-se difícil perceber o itinerário lógico percorrido pelo tribunal, pois, no exercício de 2004, a inspeção tributária fez correções ao IRC da impugnante atinentes ao “desenvolvimento de obras na casa do seu administrador BB”, e, no exercício de 2005, a inspeção tributária fez correções atinentes à construção da casa do administrador CC.”, mais avoca a incoerência estrutural do decisório que “Se os três primeiros itens são custos/despesas, já o último não o é. Trata-se de uma omissão de proveitos, o que é diametralmente diferente. Tais situações têm tratamento fiscal diverso, mas a sentença “concentra” tudo no mesmo item e “conclui” que custos e proveitos foram tratados pelos SIT da mesma forma” e, bem assim da afirmação, entre outras, de que “(...) A liquidação ora em apreço resulta da atribuição de proveitos à Impugnante pelo desenvolvimento de obras na casa do seu administrador BB ...” [Conclusões C, H a U]
Vejamos.
A nulidade prevista na 1.ª parte da alínea c) do referido preceito legal remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.
Como escrevem Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, in “Dos Recursos”, Quid Júris, pág. 117: “A observação da realidade judiciária mostra que é vulgar a arguição da nulidade da decisão … E a verdade é que por vezes se torna difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, como é aquele que está na origem da decisão”. No mesmo veja-se o acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 30.09.2010, proferido no âmbito do processo n.º 341/08.9TCGMR.G1.S2, quando aí se refere “(...) o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error júris), para que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa”.
Podemos, pois, afirmar, que as nulidades da decisão, são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjetivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito.
Como ensina Remédio Marques, in “Ação Declarativa À Luz Do Código Revisto”, 3.ª Edição, pág. 667, “a ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos”, e “a obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrinas dominantes, traduz os casos de ininteligibilidade da sentença”.
Posição idêntica é manifestada por Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 693, referindo “o pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos)”.
Em síntese, ocorre ambiguidade sempre que certo termo ou frase sejam passíveis de uma pluralidade de sentidos e inexistam meios de, com segurança, determinar o sentido prevalecente. Verifica-se obscuridade, sempre que um termo ou uma frase não têm um sentido que seja percetível, determinável. Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm que se projetar na decisão, tornando-a incompreensível, insuscetível de ser apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes e comprometendo a sua própria execução por força de tais vícios.
Perscrutados os autos, com incidência na sentença sob recurso e o fundamento de procedência nos precisos termos exarados em contraposição com os fundamentos da acção e as correcções subjacentes à liquidação de IRC de 2004 é manifesta a verificação da nulidade da sentença por ambiguidade e obscuridade.
Para atestar da mesma, recuperemos agora o que vem decidido no douto acórdão deste TCA Norte, proferido no processo 729/09.8BEPNF em 12.01.2023 (ainda inédito), relativo às mesmas partes e respeitante ao IRC de 2005, tendo por base a mesma matéria factual assente num discurso fundamentador com correspondência ao aqui sindicável, que por total semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8º n.º 3 do Código Civil), acolhemos parcialmente a argumentação jurídica que discorre do mencionado arresto.
Não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos, passaremos a transcrever a fundamentação do acórdão citado, aderindo a parte do seu discurso fundamentador com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em análise (os quais serão devidamente assinalados e referenciados a negrito entre parêntesis. Ali se explanou:
«(...). Anteriormente à reforma do Código de Processo Civil, a obscuridade, imputada a uma sentença, era considerada, ab inicio, fundamento de esclarecimento de sentença, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 669º.
Actualmente tal nulidade foi autonomizada, constando da alínea c) do nº 1 do artigo 615º, in fine.
A alínea c) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (CPC), ex vi, alínea b) do artigo 2º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) sanciona com a nulidade, quando «ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».
Como se sabe, é «obscuro» o que não é claro, aquilo que não se entende; e é «ambíguo» o que se preste a interpretações diferentes. Em qualquer caso, fica o destinatário da sentença sem saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir.
Mas não é qualquer «obscuridade» ou «ambiguidade» que é sancionada com a nulidade, mas apenas aquela que «torne a decisão ininteligível- in acórdão do STA de 14.09.2017, no processo nº01274/16.
Apreciemos o caso concreto.
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o IRC do exercício de 2005. [2004]
A Recorrente para imputar vício de obscuridade da factualidade provada, desde logo, alega que foram dados como provados os factos constantes dos pontos 36, 37, 38, 41, 42 e 43 do probatório que não respeitam ao exercício de 2005, mas sim a 2004 e 2006. [pontos 29, 30, 34, 35, 36, 37, 38, 44, 45, 46, 47 e 60, que não respeitam a 2004, mas sim a 2005 e 2006]
Relida a factualidade dada como provada, é certo que alguns dos factos fixados não respeitam ao exercício em discussão nos presentes autos. Todavia, não se nos afigura que tal situação torne obscura de modo a tornar ininteligível a fixação da matéria de facto dada como provada. Desde logo, por estarem perfeitamente identificados os anos a que se reportam os factos agora elencados pela Recorrente. Importa não olvidar que o RIT abarcou vários anos -2004, 2005 e 2006 – e que parte das correcções foram umas para os vários anos, imputando-se apenas diferentes montantes a cada um dos anos. Ora, tendo a inquirição de testemunhas abarcado todos esses anos, e apesar de considerarmos não ser o modo mais correcto de fixar factos indispensáveis à decisão da causa, o certo é que se mostra inteligível quais os factos fixados que não se reportam ao exercício de 2005. Sublinhe-se que o não considerarmos obscura a fixação da matéria de facto, sempre diremos que não se mostra recomendável que os factos decorrentes do RIT se fixem como o foram nos presentes autos. O que deve ser levado ao probatório será o teor do relatório de inspecção, pois é neste que reside toda a factualidade que consubstancia a declaração fundamentadora dos actos e liquidação impugnados. Porquanto é essencial conhecer-se a motivação do acto impugnado, de modo a que o tribunal a possa sindicar. Tal fundamentação pode, e deve, integrar o probatório, dado ser à luz dessa fundamentação, vertida no relatório de inspecção tributária, que o tribunal ad quem tem de sindicar se a administração tributária demonstrou os pressupostos que a legitimam a proceder às correcções à matéria tributável aqui em causa. Na verdade, as informações oficiais, em que se integra o relatório de inspecção e respectivos anexos, fazem fé, quando devidamente fundamentadas (artigos 76.º, n.º 1 da LGT e 115.º, n.º 2 do CPPT). No entanto, isto não significa que se os factos ali afirmados forem impugnados na petição inicial, o tribunal esteja dispensado de valorar a respectiva prova (uma coisa é dar como provado que a administração tributária realizou os actos de inspecção descritos no probatório e recolheu as informações aí referidas e outra, distinta, é dar como provado o que aquela concluiu). – neste preciso sentido veja-se o acórdão deste TCA Norte, de 23/05/2019, proferido no âmbito do processo n.º 1949/11.0BEPRT.
Dito isto, entendemos, todavia, que a sentença, na fixação da matéria de facto não incorre em obscuridade que torne a decisão ininteligível, o mesmo poderá não acontecer como veremos adiante quanto à sua motivação e quanto à fundamentação de direito.
A Recorrente imputa, ainda, nulidade à sentença por obscuridade da mesma no segmento da motivação da matéria de facto. Alega, desde logo, que foram dados factos como provados por prova testemunhal mas que o conhecimento da testemunha não era directo da realidade descrita, não sendo possível firmar tal facto. Todavia, sempre se diga que poderíamos estar perante um erro de julgamento, mas nunca perante uma nulidade da sentença por obscuridade ininteligível.
Já quanto à obscuridade da sentença, ainda quanto à motivação da matéria de facto, mas no que tange à factualidade relativa aos proveitos decorrentes da alegada prestação de serviços de construção civil em casa de administrador, entendemos que não se verifica obscuridade, mas sim ambiguidade. E ambiguidade que leva a que a sentença se torne ininteligível.
Expliquemos.
Lida a motivação da matéria de facto, quanto ao ali afirmado, paginas 11 e 12, relativo às facturas constantes da contabilidade que “dizem respeito à construção de uma casa do administrador da impugnante” (sic), não é identificado de que administrador se trata, sendo certo que decorre do probatório que foram prestados serviços pela impugnante na construção de casas de dois administradores, uma vez que levou ao probatório factos não só relativos a 2005, como a outros anos que não estão em causa nos presentes autos. Decisivo se tornava, por isso, identificar qual o administrador sobre o qual se pretendia motivar a fixação dos factos relativos à construção da casa, porquanto, como afirma a Recorrente, decorre da leitura do RIT, e, diremos nós, também da leitura da petição inicial, que no ano de 2005 apenas foi corrigido e impugnado a falta de contabilização de proveitos relativos a prestação de serviços que se dizem realizados na casa de um dos administradores, CC. [o mesmo se diga, sendo que in casu apenas cumpre referir que será 2004 e o administrador em questão BB]
Todavia, relida a fundamentação de direito, e confrontando-a com a motivação da matéria de facto, a sentença identifica o administrador como sendo BB. A folhas 16 e 17 da sentença pode ler-se que A liquidação, ora em apreço resulta da atribuição de proveitos à impugnante pelo desenvolvimento de obras na casa do seu administrador BB”, ou a folhas 19, onde se plasmou “(…)Importa, pois, tendo em conta os referidos métodos, analisar os factos que presidiram à correcção dos proveitos por parte da AF, para aquilatar da justeza do método por si adoptado.
No sistema informático da Impugnante, foram encontrados registos extra contabilísticos em aplicação que se diz auxiliar de gestão, que relevavam vários centros de custo, entre os quais um intitulado de “21/01/000024 - Eng.° BB”.
Tal centro de custo continha a discriminação de várias verbas que se assumiram como custos relacionados com a construção, durante os anos de 2002, 2003 e 2004 de uma vivenda do administrador da sociedade Impugnante BB, sendo que com referência ao exercício de 2004, se considerou que a Impugnante praticou omissão de proveitos no valor de €344.351,88.(…)”.
[...] ».
Quanto a este último ponto, podemos considerar que na fundamentação de direito na sentença sob recurso complementa o afirmado em sede de motivação e, independentemente do eventual erro de julgamento que possa recair sobre o assim decidido, apesar de como sabemos existirem dois administradores o BB e o CC, um referente a 2004 e outro a 2005, ainda assim podemos considerar que nesta parte, ao contrário do arresto citado, não sofre de ambiguidade com reflexo na decisão de modo a nessa especifica parte a tornar ininteligível, sem prejuízo de reconhecermos falta de clareza e ambiguidade de que enferma a motivação.
Mas a Recorrente, não fica por aqui nas suas imputações, mais considera ser padecer de obscuridade e ininteligível na fundamentação de direito a sentença quando se debruça sobre os custos corrigidos pela AT relativamente aos fornecimento de electricidade, de serviços de telecomunicação, viagens e estadas, bem como da falta de contabilização de proveitos, relativos a prestações de serviços em casa de administrador, alega para tal que a sentença apreciou todas estas correcções como se custos se tratassem [Conclusões Q, R, S, T], sendo que ais situações gozam tratamento fiscal diverso.
Ora, quanto à apreciação dos custos elencados pela Recorrente, a sentença plasmou o seguinte (folhas 15): ”(…) correções em causa, alegadamente efetuadas de modo direto e objetivo, englobam, designadamente:
- custos, no montante de €6,532,24, com fornecimento de electricidade, cujos documentos de suporte indicam como titular do contrato CC, administrador da Impugnante;
- custos, no montante de €488,94, com fornecimento de serviços de telecomunicações (TV Cabo), cujos documentos de suporte indicam como titular do contrato CC, administrador da Impugnante;
- custos, no total de €3.920,00, com viagens que se consideraram de lazer e, portanto, no interesse particular dos administradores;
- falta de contabilização de proveitos, relativos a prestação de serviços que se dizem realizados na casa do administrador BB, no valor atribuído de 344.351,88 euros.
A AF entende que os montantes supra referidos devem ser acrescidos ao lucro tributável da Impugnante. (…)”.
Efectivamente, como afirma a Recorrente, custos e proveitos têm tratamento fiscal diverso. Ora, da leitura da sentença decorre que não houve distinção na apreciação. Mais, fica-se mesmo sem saber qual a apreciação efectuada pela sentença, quanto aos custos mencionados, pois para além de verter a posição de cada uma das partes, acaba por apreciar a questão dos custos no âmbito da “utilização encapotada de métodos indirectos de avaliação”, ou seja, conjuntamente com os proveitos decorrentes de prestações de serviços associadas à actividade de prestações de serviços de construção civil em casa do administrador da empresa.
Pasme-se, que a sentença sob recurso apesar de elencar todas aquelas correcções centra todo o seu discurso jurídico (se bem conseguimos alcançar, tarefa árdua) à correcção operada relativa a prestação de serviços que se dizem realizados na casa do administrador BB e longas considerações sobre o “recurso aos métodos indirectos encapotados”, olvidando por completo as restantes correcções sobre as quais não estava imputada tal vicio pela recorrida, aludindo a custos e proveitos e sem qualquer diferenciação, desprovido que um qualquer discurso lógico no julgamento que estabelece, culmina a final com um salto inexplicável “(...) Não tendo procedido assim, violou a AF o disposto nos artigos 87.º e 88.º da LGT. Pelo que, não pode manter-se a liquidação adicional de IRC e respetivos juros, referente ao exercício de 2004 que foi impugnada.” extensível, se assim podemos concluir a todas as correcções operadas, nomeadamente aquelas que se referem a custos, por oposição a omissão de proveitos, julgando tudo como um caldeirão e pelo mesmo crivo.
O tribunal recorrido proferiu um dispositivo obscuro e ambíguo que torna a decisão ininteligível, como bem refere a Recorrente na conclusão U., mas nós diríamos mais, inexequível, pois o seu discurso desprovido de assertividade nos termos que usa, tece todo um raciocínio apenas conducente a enfermar de vicio a correcção determinada “... falta de contabilização de proveitos, relativos a prestação de serviços que se dizem realizados na casa do administrador BB, no valor atribuído de 344.351,88 euros.”, ou seja, temos por certo que a ambiguidade e obscuridade da fundamentação de direito se projecta na decisão, tornando-a incompreensível, insusceptível de ser apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes que a estendem a todas as correcções operadas na base da liquidação impugnada e que suscita a dúvida sobre a sua própria percepção e execução por força de tais vícios.
Destarte, quanto ao seu discurso jurídico conducente ao julgamento decisório padece de nulidade por obscuridade ininteligível, sendo impercetível o raciocínio lógico e o seu iter que conduz à procedência da Impugnação.
De todo o exposto supra, há que concluir que o recurso merece provimento, importando declarar a nulidade da sentença recorrida, ordenar a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª instância, para que seja proferida nova decisão, expurgada de vícios, dando-se por prejudicado a apreciação das restantes questões suscitadas.
2.3. Conclusões
I. A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n. º1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica.
II. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.
III. A nulidade ancorada na ambiguidade ou obscuridade da decisão proferida, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respectivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade).

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, declarar nula a sentença recorrida, e consequentemente ordenar a devolução do processo ao tribunal de 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão onde se supram os apontados vícios.
Custas pela Recorrida.
Porto, 19 de janeiro de 2023

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis