Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01519/23.0BEPRT |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 06/06/2024 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS |
Descritores: | DECISÃO DE MÉRITO SOBRE PROVIDÊNCIA CAUTELAR PROFERIDA POR TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA; RECURSO; RECLAMAÇÃO; PRAZO; TEMPESTIVIDADE; TEMPESTIVIDADE; ARTIGO 27º, N.º2, ALÍNEA H) DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAL ADMINISTRATIVOS; ARTIGO 145º, N 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; PRÁTICA DE ACTO EM FERIADO; ARTIGO 143º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (REDACÇÕES ANTES E DEPOIS DA REFORMA DE 2013). |
Sumário: | 1. Perante do despacho de 04.04.2024 do Supremo Tribunal Administrativo que considerou que o despacho a admitir o recurso de uma decisão de mérito sobre providência cautelar proferida, em primeira instância, pelo relator no Tribunal Central Administrativo Norte, não fazia caso julgado e que mandou remeter os autos a este Tribunal para aqui ser apreciada a questão da “tempestividade/convolação e demais pressupostos, no que respeita ao recurso interposto, designadamente, da viabilidade de analisar o mesmo à luz de uma reclamação para a conferência”, não podia obviamente o relator manter a decisão de admissão do recurso, sem mais. 2. Impunha-se apreciar a possibilidade de convolação do recurso em reclamação e a tempestividade desta. O que é uma questão diversa a impor uma decisão diversa: já não se trata de admitir o recurso como recurso, mantendo integralmente o primeiro despacho porque tal afrontaria claramente o despacho do Supremo Tribunal Administrativo que se impunha cumprir, mas antes de apreciar se o recurso podia ser convolado em reclamação designadamente se tinha sido respeitado o prazo para a reclamação. 3. E não resultando do despacho do Supremo Tribunal Administrativo que esta apreciação tivesse de ser feita, em primeira linha, pela conferência neste Tribunal, pelo contrário, resultando inequivocamente que tal decisão de admitir ou não o recurso cabe ao relator e só da decisão deste cabe reclamação para a conferência – artigo 145º, n 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - regra que vale para todos os despachos, com excepção dos de expediente – artigo 27º, n.º2 do mesmo diploma-, regra na qual se inclui o despacho que não admite a reclamação, porque intempestiva, como é o caso. 4. Também o Recorrente vê no despacho do Supremo Tribunal Administrativo determinações que lá não estão como seja a de este Tribunal se pronunciar sobre os fundamentos da resposta dado pelo ora reclamante ao parecer no Ministério Púbico. O Tribunal não tem de dar resposta a argumentos do recorrente ; tem de se pronunciar sobre questões e as questões que o Supremo Tribunal Administrativo impôs que se conhecesse neste Tribunal foi a da possibilidade de convolação da reclamação em recurso e da tempestividade da reclamação. O que foi feito, acertadamente. 5. Apreciando-se num segundo momento distintas questões de saber se o recurso era tempestivo ou havia qualquer obstáculo processual à sua admissão, em que se traduziu o primeiro despacho. 6. Sucede com alguma frequência que o Tribunal de recurso revogue uma decisão da primeira instância que não conheceu de mérito por entender verificar-se uma excepção e determine o prosseguimento dos autos para conhecimento de mérito. Não existe nesta situação qualquer contradição entre primeiro decidir não conhecer de mérito e depois decidir de mérito. Trata-se apenas de respeitar as decisões dos tribunais superiores nos processos em que são proferidas. 7. Quanto à decisão recorrida – que conheceu de mérito da providência cautelar requerida – não estamos perante uma acção mas sim perante uma providência ou processo cautelar que, pela sua própria natureza, se caracteriza pela instrumentalidade, (dependência da acção principal), provisoriedade (não está em causa a resolução definitiva de um litígio) e sumariedade (summaria cognitio do caso através de um procedimento simplificado e rápido. 8. Tratando-se de procedimento simplificado e estando este Tribunal de recurso a funcionar no caso como primeira instância não se impunha a formação em colectivo, antes se impunha julgar o processo, como julgou, em tribunal singular – artigo 27º, n.º2, alínea h) do Código de Processo nos Tribunal Administrativos. 9. E designe-se esta decisão de sentença, decisão final ou despacho, dela cabe reclamação, pois não faria sentido a inserção e regra única do n.º 2 do artigo 27º sem qualquer distinção das várias decisões contidas no n.º 1 do mesmo preceito, decisões finais, de mérito e sobre excepções, despachos e sentenças. 10. Por outro lado, não faz qualquer sentido dizer que tendo sido interposto em tempo recurso se deve considerar também tempestiva a reclamação. Isso significaria esvaziar de qualquer sentido útil o estabelecimento de um prazo mais curto para as reclamações do que para os recursos. Bastaria apresentar sistematicamente recurso para este ser admitido como reclamação se não fosse o caso de ser recurso, apesar de não ter sido respeitado o prazo, mais curto, da reclamação. 11. Não é desculpável que não se respeite o prazo para a reclamação quando o meio de reacção adequado a uma decisão do tribunal é a reclamação. 12. Não se trata aqui de denegar justiça. Trata-se de, com uma justificação objectiva, estabelecer um prazo para uma reaçcão à decisão do tribunal que, à partida, é mais simples, a reclamação, do que para uma reacção que, à partida, é mais complexa, a do recurso. 13. Estava proibido pelos anteriores Códigos de Processo Civil, sem qualquer consequência processual, diga-se de passagem, praticar actos em dias feriados; no Código de Processo Civil de 2013, tal referência deixou de existir (ver diferentes redacções do artigo 143º), pelo que não há qualquer irregularidade no facto de a decisão final do procedimento cautelar ter a data do dia 01.05.2024.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Reclamação para Conferência |
Decisão: | Indeferir a reclamação para a Conferência. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O Chefe do Estado-Maior da Força Aérea veio reclamar do despacho do Relator, de 01.05.2024, que não admitiu o recurso interposto, em 11.01.2024, pelo ora Reclamante contra a decisão proferida pelo mesmo Relator, em primeiro grau de jurisdição, em 22.12.2023, que julgou totalmente procedente a providência cautelar interposta por «AA» contra o ora Reclamante tendo por objecto a medida de cessação compulsiva do contrato de trabalho do Requerente. Invocou para tanto em síntese que o recurso interposto da decisão deve ser admitido e remetido ao Supremo Tribunal Administrativo. Não foi deduzida qualquer oposição. * Cumpre decidir já que nada a tal obsta. * Factos e acto processuais com relevo: 1. Com a data de 22.12.2023 foi proferida decisão pelo ora Relator a julgar totalmente procedente a providência cautelar interposta por «AA» contra o ora Reclamante, Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, tendo por objecto a medida de cessação compulsiva do contrato de trabalho do Requerente, decisão da qual se extrai o seguinte segmento decisório (ver SITAF: “(…) Por tudo o exposto, DECIDE-SE JULGAR TOTALMENTE PROCEDEDENTE O PRESENTE PROCESSO CAUTELAR, deferindo o que é requerido, a título provisório ou cautelar: a) A suspensão da medida de cessação compulsiva do contrato de trabalho do Requerente até decisão final da ação principal. b) A reintegração imediata do Requerente no seu posto de trabalho na AM1 com a categoria que detinha à data da cessação do contrato de trabalho. c) Pagamento provisório de todas as prestações vencidas desde a data de cessação compulsiva do contrato de trabalho até à data de reintegração. d) A intimação do Estado-Maior da Força Aérea para que se abstenha de praticar qualquer acto que possa agravar ou prejudicar a situação do requerente até decisão final. 2. Desta decisão foi interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, em 11.01.2024, pelo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (ver SITAF). 3. Recurso que foi admitido pelo Relator neste Tribunal, através de despacho de 22.02.2024 (ver SITAF). 4. No Supremo Tribunal Administrativo o Ministério Púbico emitiu parecer, em 11.03.2024, no sentido de se julgar procedente a questão de ordem prévia da irrecorribilidade da decisão recorrida por falta da prévia apresentação de reclamação para a conferência, nos termos do disposto no artigo 27º, nº 2, do CPTA, o que tanto obsta à apreciação do mérito do recurso (ver SITAF). 5. Pela Relatora no Supremo Tribunal de Justiça foi proferido o seguinte despacho, com a data de 04.04.2024: “(…) Atendendo a que o despacho proferido nos autos que admitiu o recurso interposto para este STA não faz caso julgado e face ao disposto no n.º 2 do art.º 27º do CPTA, remetam-se os autos ao tribunal a quo para que aí seja apreciada a questão da tempestividade/convolação e demais pressupostos, no que respeita ao recurso interposto, designadamente, da viabilidade de analisar o mesmo à luz de uma reclamação para a conferência. Antes, porém, notifique as partes do presente despacho. (…)” 6. Devolvido o processo a este Tribunal foi proferido, com a data de 01.05.2024, este despacho. “(…) Como refere o Digno Magistrado do Ministério Público no Supremo Tribunal Administrativo, dos despachos do relator proferidos em primeiro grau de jurisdição em tribunais superiores cabe reclamação para a conferência – nº 2 do artigo 27.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Despachos em que se incluem as decisões sobre pedidos de adopção de providências cautelares, como é o caso – alínea h) do n.º1 do artigo 27.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Não é, por isso, admissível o recurso interposto pelo Estado-Maior da Força Aérea, ao contrário do que anteriormente aqui se decidiu. E também não é possível convolar o recurso em reclamação por esta se apresentar extemporânea. O Estado-Maior da Força Aérea dispunha de 5 dias para reclamar – n.º do artigo 29º e n.º4 do artigo 36º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Notificado em 27.12.2023 da sentença, o Estado-Maior da Força Aérea interpôs recurso interposto em 11.01.2024 – cfr. SITAF –, ou seja, já depois de completamente esgotado o prazo de que dispunha par ao efeito. Termos em que, por inadmissibilidade legal e impossibilidade legal de convolação em reclamação, se não admite o recurso interposto pelo Estado-Maior da Força Aérea em 27.12.2023. (…)” 7. Despacho que mereceu a presente reclamação para a Conferência (ver SITAF)”: (…) A. Foi interposto recurso da decisão do Juiz relator no processo 1519/23.0BEPRT, que considerou totalmente procedente o processo cautelar apresentado pelo A. e o mesmo foi admitido pelo mesmo Juiz relator tendo subido os autos ao Supremo Tribunal Administrativo. Por despacho daquele Juiz relator, de 22.02.2024: “Por legal e tempestivo, admito o recurso jurisdicional interposto pelo Estado-Maior da Força Aérea, o qual é de apelação, com subida imediata e nos próprios autos, mas com efeito meramente devolutivo – artigos 1º, 140º, 142º e 143º, n.º2, alínea b), todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e artigos 644º, n.º1, alínea a), 645º, n.º 1, alínea a), e 647º, n.º1, estes do Código de Processo Civil.” Subidos os autos ao STA, foi notificado o Ministério Público para se pronunciar para os efeitos do disposto nos artigos 146º, nº 1, e 147º, nº 2. Aquele vem dizer que, “não é admissível o imediato recurso jurisdicional de tais pronúncias, antes se impõe a reclamação para a conferência como prévio meio impugnatório, e só depois da decisão da formação é que caberá recurso de apelação. Respondeu o Estado-Maior da Força Aérea aquele parecer do MP, apresentando a mais recente doutrina produzida sobre o assunto, que considera ser de aceitar o recurso, mesmo para lá do prazo para a reclamação, dentro do prazo do recurso. Tudo isto enquadrando a ilegalidade da decisão do Juiz relator e da sentença por ele produzida, aguardando o melhor entendimento por parte do STA. O STA, não conhece o recurso, mas profere o seguinte despacho, a 04.04.2024: “Atendendo a que o despacho proferido nos autos que admitiu o recurso interposto para este STA não faz caso julgado e face ao disposto no nº 2 do artº 27º do CPTA, remetam-se se os autos ao tribunal a quo para que aí seja apreciada a questão da tempestividade/convolação e demais pressupostos, no que respeita ao recurso interposto, designadamente da viabilidade de analisar o mesmo à luz de uma reclamação para a conferência. Remetidos os autos ao tribunal a quo, é apreciado pelo mesmo Juiz que admitiu o recurso, o mesmo que vem depois dizer que afinal não é admissível o recurso que, entretanto, já tinha admitido. E que profere um despacho, em seis breves parágrafos, com datas que não correspondem aos factos e redação pouco clara, concluindo, num dia feriado: “Notificado em 27.12.2023 da sentença, o Estado-Maior da Força Aérea interpôs recurso interposto em 11.01.2024 – cfr. SITAF –, ou seja, já depois de completamente esgotado o prazo de que dispunha para o efeito. Termos em que, por inadmissibilidade legal e impossibilidade legal de convolação em reclamação, se não admite o recurso interposto pelo Estado Maior da Força Aérea em 27.12.2023. Notifique. Aldeia, 01.05.2024” . O Juiz relator, de forma sumária e algo confusa, decidiu a tempestividade/convolação, nos mesmos termos do MP, sem, no entanto, se pronunciar sobre os demais pressupostos que o STA tinha determinado, isto é, sobre os fundamentos da resposta ao parecer do MP por parte do Estado-Maior da Força Aérea, que foram absolutamente ignorados. E ainda, o STA ao mandar descer os autos ao tribunal a quo para apreciação, não terá sido para ser o mesmo magistrado a decidir o que já tinha disposto, mas para a conferência, isto é: analisar o mesmo à luz de uma reclamação para a conferência. No fundo o que o STA está a fazer é, ao não se pronunciar ele próprio, enviar o processo para ser apreciado pela conferência, pois não faria sentido reenviar o processo ao Juiz que já decidiu de determinada forma, e o seu contrário. Assim, e em cumprimento do determinado no despacho do STA, vem requerer-se que o processo seja analisado como reclamação para a conferência, nos termos em que a mesma já foi feita. À cautela e para que não seja considerado que a reclamação não tem conteúdo, reitera-se o que foi já expendido na resposta ao parecer do MP: B. A sentença recorrida foi proferida pelo Exmo. Juiz Desembargador-Relator, em decisão singular, invocando o disposto no artigo 27º, nº 1, alínea h), do CPTA, por entender que o processo cautelar não revelava especial complexidade ou importância da causa a decidir que justificasse a intervenção da conferência. Mas tal disposição legal não poderá ser aplicada ao presente processo, ainda que o Exmo. Juiz Desembargador considerasse a simplicidade ou importância da causa a decidir, que não o era. Nem o coletivo dispensado. I. Desde logo, não se trata de uma questão linear enquadrável no acórdão de uniformização de jurisprudência do STA nº. 6/2017, de 08.06.2017, proferido no processo nº. 1469/16, pois aquele acórdão tem como pressuposto uma ação administrativa especial de valor superior à alçada do tribunal administrativo de círculo. No caso presente estamos perante uma ação interposta em primeiro grau de jurisdição no tribunal de segunda instância, por força de legislação especial. O Regulamento de Disciplina Militar, aprovado pela Lei Orgânica nº 2/2009, de 22 de julho, Lei nº 34/2007, de 13 de agosto, que estabelece o regime especial dos processos relativos a atos administrativos de aplicação de sanções disciplinares previstas no Regulamento de Disciplina Militar, da Lei 79/2009, de 13 de agosto, que regula a forma de intervenção dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público junto dos tribunais administrativos, no âmbito de aplicação da Lei n.º 34/2007, de 13 de Agosto, e ainda, e Lei 101/2003, de 15 de novembro, que aprova o estatuto dos juízes militares e assessores militares do Ministério Público. Assim, a lei especial acima indicada, impõe que estes processos sejam julgados em primeira instância num tribunal superior e por um coletivo de três juízes, sendo um deles militar. Ora à partida, esta preterição de um coletivo de juízes para um juiz singular, inquina desde logo a sentença proferida. Com efeito, o tribunal coletivo não se constituiu nos termos da legislação especial acima indicada, que a tal obrigava, e a causa foi tramitada e decidida por um único juiz, agindo como tal e não como um juiz relator de um tribunal coletivo. Assim, a decisão de mérito proferida em primeira instância é uma sentença e não um despacho, enfermando, em consequência de incompetência funcional. Tal é o entendimento da doutrina perfilhada por Marco Caldeira e Tiago Serrão, - As reclamações para a conferência na jurisprudência administrativa: análise critica, e que concluem que,” a reclamação para a conferência não foi concebida pelo legislador como um obstáculo à interposição de recurso jurisdicional directo de sentenças de mérito proferidas em primeira instância, “mas sim o de evitar que as partes fossem sempre constrangidas a lançar mão deste mecanismo mais pesado do recurso em todos os casos, conferindo-lhes um meio adicional de impugnação de determinadas decisões proferidas pelo relator.” Aqueles autores consideram ainda que, “uma decisão de mérito, proferida por um tribunal de primeira instância, consubstancia uma sentença e não um despacho e o facto de ser emitida por um juiz singular não a faz perder a sua qualidade de sentença (cfr. artigo 152.º, n.º 2 do CPC/2013) à qual corresponde, como meio de impugnação, o recurso.” Parece, pois que o recurso interposto para o STA é a forma correta de reagir. II. Ainda que assim não fosse, a questão da não convolação do recurso de apelação “incorretamente” interposto em reclamação por preterição do prazo, também não colhe. No caso presente, o prazo para a reclamação era de 5 dias, prazo substancialmente menor, - 1/3, do prazo do recurso de apelação. Falando alguns autores numa inadmissível situação de denegação de justiça. Ainda Marco Caldeira e Tiago Serrão consideram que, “nestes processos, o recurso interposto deve ser automaticamente convolado em reclamação – ou seja, o meio processual incorretamente mobilizado deve ser transmutado no mecanismo legalmente adequado -, sendo que, em matéria de tempestividade, deve valer o prazo legalmente previsto para o recurso”. Invocando o princípio pro accionem e o princípio da cooperação processual, aqueles autores entendem que a desculpabilidade do erro é inerente ao instituto da convolação e que a referida desculpabilidade tem que abranger não só o meio usado, mas também a utilização do prazo associado ao meio incorretamente empregue pela parte. Outros autores, como Cecília Anacoreta Correia, pensam de forma idêntica e Ana Fernanda Neves admite a convolação do recurso em reclamação para a conferência a quem suscitou também a ilegalidade da decisão por juiz singular. III. A providencia cautelar foi decidida, de facto e de direito com preterição do tribunal coletivo, com era imposição legal. Estamos, assim, perante uma nulidade processual por incompetência funcional, a conhecer nos termos previstos dos artigos 200º, nº 3, 199º, 196º e 195º, nº 3, do CPC. Esta posição tem sido defendida pela doutrina, nomeadamente por Ana Raquel Coxo, que considera que quando estamos perante a decisão de um tribunal singular incompetente numa matéria em que deveria ter intervindo o tribunal coletivo, estamos perante uma hipótese de incompetência funcional do tribunal singular que consubstancia uma incompetência relativa. No caso presente, só se tem conhecimento da preterição do tribunal coletivo no momento da notificação da decisão final, da sentença, e a parte foi notificada como tal. “Ainda que se pudesse considerar a preterição do tribunal colectivo como uma nulidade atípica, o facto de estarmos perante uma acção cujos requisitos para recorrer de apelação estariam, em princípio, reunidos, inviabiliza a invocação da aludida nulidade, por requerimento a dirigir ao tribunal que proferiu a decisão, no prazo de 10 dias após a notificação da mesma. Isto porque, nos termos do n.º 4 do artigo 668.º do CPC/61, tais nulidades “só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades”. Com efeito, tomando as partes conhecimento da preterição do tribunal colectivo no momento em que são notificadas da decisão proferida em primeira instância, tal nulidade ou excepção dilatória atípica tem que ser arguida em sede de alegações de recurso. Ao n.º 4 do artigo 688.º do CPC/61 sucedeu o n.º 4 do artigo 615.º do CPC/2013, cuja redacção é idêntica”. In. Ana Raquel Coxo, O funcionamento dos tribunais administrativos de círculo e os seus embaraços. IV. Considera, ainda, aquela autora que quando a parte vencida toma conhecimento da dispensa do tribunal coletivo no processo, tem duas vias de impugnação alternativas: reclamar para a conferência ou recorrer para o tribunal superior. Por entender que a reclamação para a conferência é um meio impugnatório alternativo e não prévio ao recurso jurisdicional de decisões de mérito ou absolutórias, proferidas em primeiro grau de jurisdição. O artigo 142º do CPTA prevê que cabe recurso das decisões que em primeiro grau de jurisdição tenham conhecido do mérito da causa. Assim, é nosso entendimento que no caso dos presentes autos, a sentença proferida pelo relator, num processo em que por lei especial, acima indicada, se impõe que estes processos sejam julgados, em primeira instância e num tribunal superior, por um coletivo de três juízes, sendo um deles militar, conhecendo do mérito da causa, tal sentença deverá ser objeto de recurso para o STA e não de reclamação para a conferência. O que se fez. C. Em conclusão, requer-se que, em cumprimento do ordenado pelo STA em 04.04.2024, os pressupostos invocados pelo Estado-Maior da Força Aérea sejam objeto de análise pela conferência. E em consequência, que seja o recurso interposto em 11.01.2024 admitido e remetido ao STA, nos mesmos termos e com as conclusões que já o foi nessa data. (…)” * III - Enquadramento jurídico. Do despacho de 22.02.2024 e do despacho de 01.05.2024, ambos proferidos pelo ora Relator, não resulta uma coisa e o seu contrário, como parece depreender-se da presente reclamação. O Despacho de 22.02.2024 admitiu, é certo, o recurso interposto da decisão proferida pelo Relator, em tribunal singular. Mas perante do despacho de 04.04.2024 do Supremo Tribunal Administrativo que considerou que este despacho não fazia caso julgado e mandou remeter os autos a este Tribunal para aqui ser apreciada a questão da “tempestividade/convolação e demais pressupostos, no que respeita ao recurso interposto, designadamente, da viabilidade de analisar o mesmo à luz de uma reclamação para a conferência”, não podia obviamente o ora Relator manter a decisão de admissão do recurso, sem mais. Impunha-se apreciar a possibilidade de convolação do recurso em reclamação e a tempestividade desta. O que é uma questão diversa a impor uma decisão diversa: já não se trata de admitir o recurso como recurso, mantendo integralmente o primeiro despacho porque tal afrontaria claramente o despacho do Supremo Tribunal Administrativo que se impunha cumprir, mas antes de apreciar se o recurso podia ser convolado em reclamação designadamente se tinha sido respeitado o prazo para a reclamação. E não resulta do despacho do Supremo Tribunal Administrativo que esta apreciação tivesse de ser feita, em primeira linha, pela Conferência neste Tribunal. Pelo contrário, resulta inequivocamente que tal decisão de admitir ou não o recurso cabe ao Relator e só da decisão deste cabe reclamação para a conferência – artigo 145º, n 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - regra que vale para todos os despachos, com excepção dos de expediente – artigo 27º, n.º2 do mesmo diploma-, regra na qual se inclui o despacho que não admite a reclamação, porque intempestiva, como é o caso. Também o Recorrente vê no despacho do Supremo Tribunal Administrativo determinações que lá não estão como seja a de este Tribunal se pronunciar sobre os fundamentos da resposta dado pelo ora Reclamante ao parecer no Ministério Púbico. O Tribunal não tem de dar resposta a argumentos do Recorrente ora Reclamante, tem de se pronunciar sobre questões e as questões que o Supremo Tribunal Administrativo impôs que se conhecesse neste Tribunal foi a da possibilidade de convolação da reclamação em recurso e da tempestividade da reclamação. Nada mais. O que foi feito, acertadamente. Apreciando-se num segundo momento distintas questões de saber se o recurso era tempestivo ou havia qualquer obstáculo processual à sua admissão, em que se traduziu o primeiro despacho. Sucede com alguma frequência que o Tribunal de recurso revogue uma decisão da primeira instância que não conheceu de mérito por entender verificar-se uma excepção e determine o prosseguimento dos autos para conhecimento de mérito. Não existe nesta situação qualquer contradição entre primeiro decidir não conhecer de mérito e depois decidir de mérito. Trata-se apenas de respeitar as decisões dos tribunais superiores nos processos em que são proferidas. Quanto à decisão recorrida e de que cabe agora saber se dela pode ainda haver reclamação para a conferência, a decisão de 22.12.2023, o Reclamante parte de um equívoco essencial para dizer que deveria ter sido proferida em tribunal colectivo. Diz a dado passo: “No caso presente estamos perante uma ação interposta em primeiro grau de jurisdição no tribunal de segunda instância, por força de legislação especial”. Não estamos perante uma acção mas sim perante uma providência ou processo cautelar que, pela sua própria natureza, se caracteriza pela instrumentalidade, (dependência da acção principal), provisoriedade (não está em causa a resolução definitiva de um litígio) e sumariedade (summaria cognitio do caso através de um procedimento simplificado e rápido (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, paginas 228 a 231). Tratando-se de procedimento simplificado e estando este Tribunal de recurso a funcionar no caso como primeira instância não se impunha a formação em colectivo, antes se impunha julgar o processo, como julgou, em tribunal singular – artigo 27º, n.º2, alínea h) do Código de Processo nos Tribunal Administrativos. E designe-se esta decisão de sentença, decisão final ou despacho, dela cabe reclamação, pois não faria sentido a inserção e regra única do n.º 2 do artigo 27º sem qualquer distinção das várias decisões contidas no n.º 1 do mesmo preceito, decisões finais, de mérito e sobre excepções, despachos e sentenças. Por outro lado, não faz qualquer sentido dizer que tendo sido interposto em tempo recurso se deve considerar também tempestiva a reclamação. Isso significaria esvaziar de qualquer sentido útil o estabelecimento de um prazo mais curto para as reclamações do que para os recursos. Bastaria apresentar sistematicamente recurso para este ser admitido como reclamação se não fosse o caso de ser recurso, apesar de não ter sido respeitado o prazo, mais curto, da reclamação. Não é desculpável que não se respeite o prazo para a reclamação quando o meio de reacção adequado a uma decisão do tribunal é a reclamação. Não se trata aqui de denegar justiça. Trata-se de, com uma justificação objectiva, estabelecer um prazo para uma reaçcão à decisão do tribunal que, à partida, é mais simples, a reclamação, do que para uma reacção que, à partida, é mais complexa, a do recurso. Como se impõe por lei uma reclamação e não um recurso - tem de se reconhecer face ao despacho do Supremo Tribunal Administrativo -, a mesma foi apresentada intempestivamente, pelo que não é admissível. Ainda como consideração final cabe dizer o seguinte: O Reclamante refere, a dado passo, que foi proferido o despacho reclamado “com datas que não correspondem aos factos e redação pouco clara, concluindo, num dia feriado”: Não concretiza, no entanto, quais as datas que não correspondem aos factos. Nem podiam dizer porque são exactas as datas. Nem em que parte não é clara a decisão. Quanto a ser praticado o acto em dia feriado se tal estava proibido pelos anteriores Códigos de Processo Civil, sem qualquer consequência processual, diga-se de passagem, no Código de Processo Civil de 2013, tal referência deixou de existir (ver diferentes redacções do artigo 143º). Termos em que se impõe manter o despacho reclamado que “por inadmissibilidade legal e impossibilidade legal de convolação em reclamação” não admitiu o recurso interposto pelo Estado-Maior da Força Aérea em 27.12.2023. * IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em INDEFERIR A PRESENTE RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA pelo que mantêm a decisão reclamada. Custas pelo Reclamante. * Porto, 06.06.2024 Rogério Martins José Santiago, Major-General Fernanda Brandão |