Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02522.9BEPRT |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 05/23/2024 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | CRISTINA DA NOVA |
Descritores: | AAE, PREÇO EFETIVO; ERRO DE JULGAMENTO; INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS DOS ARTS 129.º, N.º6 E ATUAL ART. 139.º, N.º6 DO CIRC. |
Sumário: | 1- A recorrente apresentou requerimento com vista à comprovação do preço efetivo da alienação do imóvel constituído pelas letras “BI”, escritório, no 1.º andar, sala um, por forma a afastar a aplicabilidade do disposto no n. º2, do art. 64.º do CIRC. Para tanto, juntou cópia da escritura pública, cópia dos cheques emitidos pelo comprador a favor do BPI, nota de avaliação, extrato contabilístico da recorrente bem como a autorização pelo BPI para levantamento do sigilo bancário nos termos do n.º6, do art. 139.º do CIRC. 2- A recorrente não forneceu as autorizações de acesso a informação bancária dos administradores da recorrente, naquele período. 3- Tem sido a jurisprudência dos nossos tribunais superiores acerca do anterior art. 129.º, n.º6, e atual art. 139., n.º6 do CIRC, unânime a não desaplicar em concreto esta norma por não se verificar a inconstitucionalidade nas suas várias vestes, nomeadamente as que o recorrente identifica: por violação dos princípios do direito à reserva da intimidade da vida privada, violação dos princípios do Estado de Direito e acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil |
Votação: | Unanimidade |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes na Subsecção Comum do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: * 1. RELATÓRIO O Banco 1..., S.A., vem recorrer da sentença do TAF do Porto que julgou improcedente a ação administrativa especial e absolveu o réu dos pedidos. * Formula a recorrente, nas respetivas alegações as seguintes conclusões, que se reproduzem: « 1.ª A douta sentença recorrida julgou improcedente a ação administrativa especial deduzida pelo ora Recorrente contra o despacho do Chefe do SACR da Direção de Finanças ..., Exmo. Senhor Dr. «AA», datado de 25.05.2011, exarado na Informação n.º ..1/2011 daquele SACR da Direção de Finanças ..., notificado através do Ofício n.º ...08, datado de 25.05.2011, o qual determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo ora Recorrente, em 05.05.2011, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do IRC, com referência à alienação do prédio urbano sito na freguesia e concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ....01-BI; 2.ª Não pode, todavia, proceder o entendimento da sentença recorrida; 3.ª Salvaguardando o devido respeito, considera o Recorrente que a sentença em apreço incorre em nulidade por omissão de pronúncia, erro de julgamento sobre a matéria de direito e erro de julgamento sobre a matéria de facto; 4.ª Em primeiro lugar, a sentença recorrida incorre em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, na redação conferida pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro; 5.ª Efetivamente, na sentença recorrida não são apreciadas as seguintes inconstitucionalidades, tal como invocadas pelo Autor, ora Recorrente: i) violação do princípio do Estado de Direito e do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva, previstos nos artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP; ii) violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real, previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP; iii) violação do princípio da igualdade tributária, previsto nos artigos 104.º, n.º 1 e n.º 2, e no artigo 13.º todos da CRP; 6.ª Em consequência, deverá o Tribunal ad quem conhecer em substituição as questões que o Tribunal a quo não apreciou (cf. artigo 665.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, na redação conferida pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro); 7.ª Verifica-se, em primeiro lugar, violação do princípio do Estado de Direito, uma vez que se verifica, por um lado, um efetivo condicionamento do exercício do direito de reserva da intimidade da vida privada e das legítimas expectativas do sujeito passivo de comprovar que o preço efetivamente praticado na alienação de um determinado imóvel foi inferior ao VPT que serviu de base à liquidação do IMT entretanto liquidado e, por outro lado, o referido n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, faz igualmente precludir, se atendermos ao que determina o n.º 7 da mesma norma, a própria possibilidade de impugnar judicialmente a liquidação de imposto, ou, se a este não houver lugar, as correções ao lucro tributável efetuadas por efeitos da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º; 8.ª Caso o sujeito passivo não recorra ao mecanismo previsto naquele artigo 139.º do Código do IRC, já não poderá impugnar a liquidação de imposto ou as correções ao lucro tributável realizadas pela administração tributária como consequência da aplicação da regra vertida no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC, o que consubstancia uma violação gritante dos direitos e garantias dos contribuintes em gritante violação do princípio do Estado de Direito; 9.ª Pelo que, não pode deixar de concluir-se, em sintonia com a jurisprudência firmada pelo TC no Acórdão n.º 442/2007, que o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC origina que o sujeito passivo renuncie a “ (…) um instrumento fundamental de tutela dos direitos (…) ”, daí resultando uma evidente violação do princípio do Estado de Direito, o que se invoca para os devidos efeitos e se materializa no ato sub judice, que, por isso, deverá ser anulado com fundamento na violação da norma constante do artigo 2.º da CRP; 10.ª Para além disso, a interpretação que do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC faz a administração tributária no caso vertente ofende outro princípio constitucional: o da igualdade contributiva consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP; 11.ª O procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC constitui um procedimento de que o sujeito passivo dispõe para elidir a presunção constante do artigo 64.º do Código do IRC, constituindo condição prévia e necessária para a contestação da legalidade da liquidação de imposto que resultar da aplicação da aludida norma anti-abuso; 12.ª Sucede que, à luz da redação do anterior artigo 129.º, n.º 6, atual 139.º, do Código do IRC, dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, e ora aplicada pela administração tributária, o legislador tributário veio tornar, na prática, inilidível a presunção de rendimento consagrada no artigo 64.º do Código do IRC, na medida em que ao proceder ao aditamento ao artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, da menção “(…) devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização”, veio, na prática, converter o preço efetivo de alienação numa demonstração potencialmente impossível e, nessa medida, suscetível de violar, desde logo, não só o princípio da tributação pelo rendimento real, mas também, o princípio da igualdade contributiva, o que não foi apreciado nos presentes autos; 13.ª A este propósito, traga-se à colação o Acórdão n.º 211/2017 do Tribunal Constitucional que versa sobre a norma prevista no artigo 44.º, n.º 2, do Código do IRS, e cuja interpretação encontra bastantes semelhanças com a situação que ora se sindica, tendo-se decidido em suma que “(…) as mais-valias decorrentes da transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis correspondem ao ganho obtido com essa transmissão em face do valor da aquisição anterior do mesmo bem. Ao determinar o rendimento tributável por referência a um ganho presuntivo, sem que ao contribuinte seja dada a possibilidade de demonstrar a inexistência da capacidade contributiva que se pretende tributar, incorre a norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS - na interpretação desaplicada nos autos - em inconstitucionalidade, por ofensa do princípio da capacidade contributiva acima enunciado”, princípio este que é uma concretização do principio da igualdade, como ora se invoca; 14.ª Também noutras situações já o Tribunal Constitucional havia considerado que seriam inconstitucionais as presunções inilidíveis, nomeadamente no Acórdão n.º 348/97, de 29 de abril de 1997, relativamente ao mútuo oneroso e juros mínimos, afirmando que «(…) o estabelecimento pelo legislador fiscal de uma presunção juris et de jure veda por completo aos contribuintes a possibilidade de contrariarem o facto presumido, sujeitando-os a uma tributação que pode fundar-se numa matéria colectável fixada à revelia do princípio da igualdade tributária. Com efeito, o estabelecimento de presunções com o objectivo de conferir certeza e simplicidade às relações fiscais, de permitir uma pronta e regular percepção dos impostos e de evitar a evasão e a fraude fiscal, como adverte Casalta Nabais (ob. cit, p. 279) “tem de compatibilizar-se com o princípio em análise, o que passa, quer pela ilegitimidade constitucional das presunções absolutas na medida em que impedem o contribuinte de provar a inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela exigência de idoneidade das presunções relativas para apresentarem o pressuposto económico tido em conta”»; 15.ª Neste mesmo sentido, a doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar inconstitucionais as presunções fiscais inilidíveis, como a sub judice, por contrárias ao princípio da tributação do lucro real e da igualdade tributária; 16.ª Numa outra vertente, quando comparada a aplicação desta norma no âmbito da aplicação das pessoas coletivas e no âmbito das pessoas singulares, verifica-se igualmente uma manifesta desigualdade. Efetivamente, por remissão do n.º 6 do artigo 44.º do Código do IRS “A prova referida no número anterior deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações”, pelo que aquando da sua aplicação a pessoas singulares, o n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC apenas “exigirá” (segundo a interpretação do Tribunal a quo e que ora se contesta) a junção dos documentos de autorização de aceso à informação bancária do próprio sujeito passivo visto que obviamente sendo uma pessoa singular não tem “administradores ou gerentes”, mas não lhes é exigido a junção de documentos de autorização de acesso à informação bancária de sujeitos com os quais mantenha relações especiais; 17.ª Assim, i) no caso das pessoas singulares, a ilisão da presunção depende somente da sua vontade, enquanto que, ii) no caso das pessoas coletivas, a ilisão da presunção depende não só da sua própria “vontade”, como também da dos seus administradores ou gerentes, com todos os constrangimentos já apontados supra; 18.ª Esta desigualdade de tratamento em face da ilisão da mesma presunção de rendimento é completamente injustificada, pelo que é evidente a violação do princípio da igualdade tributária. 19.ª Pelo que, em suma, o artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, quando interpretado e aplicado da forma em que o fez a administração tributária no caso vertente, ou seja, no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores ou gerentes constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento prevista no artigo 64.º do Código do IRC, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade contributiva, previsto, entre outros, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais, daí resultando, também com esse fundamento, a ilegalidade do ato em crise, razão pela qual se requer a sua imediata anulação; 20.ª A sentença recorrida incorre, ainda, em erro de julgamento sobre a matéria de direito, devendo, por conseguinte, ser objeto de anulação; 21.ª No que concerne ao primeiro erro de julgamento sobre a matéria de direito, aquele respeita à invocada inconstitucionalidade do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC por violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada, ínsito no artigo 26, n.º 1, da CRP; 22.ª De facto, tal violação consubstancia-se, desde logo, na circunstância de o eventual acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores, como condição do deferimento do requerimento apresentado nos termos do artigo 139.º do Código do IRC, determinar o alargamento do núcleo de pessoas que tomam conhecimento de informações protegidas, relativas ao sujeito passivo – e até de terceiros –, sem que este último tenha à sua disposição qualquer garantia de defesa ou alternativa que não seja a de autorizar o levantamento do sigilo bancário; 23.ª Ora, muito embora se reconheça o direito do Estado a cobrar impostos, assim como o objetivo de combate à fraude e evasão fiscal, tal não pode restringir, sem mais, o direito à intimidade da vida privada, quer do sujeito passivo, quer dos terceiros envolvidos; 24.ª O legislador pretendeu consagrar, naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC um regime especial de derrogação do sigilo bancário que visou exigir ao sujeito passivo a apresentação das autorizações para aceder à sua informação bancária e à dos seus administradores, renunciando voluntariamente ao sigilo bancário e providenciando pela renúncia voluntária ao mesmo sigilo de um terceiro, seu administrador à data da transmissão, não tendo, para esse efeito, acautelado minimamente a possível violação daquele direito à reserva da intimidade da vida privada; 25.ª Todavia, não pode justificar-se um levantamento, de forma leviana, do sigilo bancário, com a existência do sigilo fiscal, pois se assim fosse, então não se justificaria o sigilo bancário perante a administração tributária, o que seria, com o devido respeito, absurdo; não pode o Estado, in casu, a administração tributária, pretender conhecer detalhes sobre a vida pessoal dos seus cidadãos de modo absolutamente discricionário e arbitrário, como o que ora se escrutina; 26.ª Por outras palavras, a atuação da administração tributária deve, assim, ser balizada pelos princípios jurídico-constitucionais que se impõem e que protegem e garantem os direitos dos cidadãos/contribuintes, como seja o princípio da reserva da intimidade da vida privada; 27.ª Neste contexto, não é admissível o que se pretende com o n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC: sem a obtenção e apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário – i.e., sem que o seu direito de reserva da intimidade da vida privada, e o de terceiros, seja violado – o sujeito passivo não pode, na prática, afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC; 28.ª Pelo que, é por demais evidente que o n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, quando determina expressamente que apenas e só com a obtenção e apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário – ou seja, que apenas através da violação do direito do sujeito passivo e de terceiros à reserva da intimidade da vida privada – será possível afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC, incorre aquele em violação do direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais, razão pela qual a referida decisão deve ser anulada, com as demais consequências legais; 29.ª Mas, para além da violação do referido princípio/direito uma outra ocorre em consequência da concretização do comando ínsito naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, qual seja, a violação dos princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva; 30.ª O efeito imediato da consagração do regime legal previsto na referida norma é o de que o sujeito passivo, ainda que absolutamente convicto da razão que lhe assiste, se retraia no que respeita à utilização do expediente legal em causa, sob pena de sacrificar o seu direito à reserva da intimidade da vida privada, o que não é admissível; 31.ª Com efeito, o sujeito passivo depara-se, perante aquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, com uma situação em que ou autoriza a derrogação do seu sigilo bancário e obtém de terceiros as autorizações relativas a essa derrogação ou se vê irremediavelmente privado de afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC e, inclusive, de impugnar judicialmente a própria liquidação de imposto ou, se a este não houver lugar, as correções ao lucro tributável efetuadas por efeitos da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC; 32.ª Pelo que, não pode deixar de concluir-se, em sintonia com a jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 442/2007, que o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC origina que o sujeito passivo renuncie a “(…) um instrumento fundamental de tutela dos direitos (…)”, daí resultando uma evidente violação do princípio do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, a qual se materializa na decisão sub judice, que, por isso, deverá ser anulada com fundamento na violação das normas constantes dos artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4, e 268.º, n.º 4, todos da CRP; 33.ª No que concerne ao segundo erro de julgamento sobre a matéria de direito, aquele respeita à invocada inconstitucionalidade do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 18.º, n.º 2, da CRP; 34.ª Verifica-se, desde logo, uma colisão com o princípio da proporcionalidade, no que se refere às mencionadas vertentes da adequação e da necessidade porquanto, embora se reconheça que o eventual controlo e acesso à informação bancária do sujeito passivo poderá, em face do objetivo mediato de combate à evasão e à fraude fiscal que presidiu à consagração do regime legal previsto no artigo 139.º, justificar aquele acesso, já nada poderá justificar que o mesmo se concretize da forma leviana que resulta da aplicação do n.º 6 daquele preceito; 35.ª Existe, assim, uma manifesta desadequação dos meios em face dos fins a atingir, pois, não é aceitável que o exercício do direito consignado no artigo 139.º tenha como decorrência imediata o acesso à informação bancária do sujeito passivo e, fundamentalmente, de terceiros. Isto porque, a derrogação do sigilo bancário prevista naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC pressupõe que o sujeito passivo voluntariamente renuncie ao carácter sigiloso da sua informação bancária e que providencie por essa renúncia de um terceiro, sob pena de não poder lançar mão do expediente legal que lhe permite afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC; 36.ª Este atropelo desregrado das garantias de confidencialidade das informações bancárias do contribuinte, não sujeito a qualquer controlo de legalidade, afigura-se manifestamente desadequado e desnecessário e, por esse motivo, inteiramente desproporcional; 37.ª E nem sequer se invoque que o acesso à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores é essencial ou imprescindível ou constitui o único meio de prova possível ou adequado para demonstrar qual foi o preço efetivo, pois, com efeito, é a própria administração tributária que vem referir, no Ofício-Circulado n.º 20.136, de 11 de março de 2009, da Direção de Serviços do IRC, que o acesso às informações bancárias do requerente e administradores não constitui “(…) uma prova absoluta de que o preço efetivamente praticado corresponde ao valor constante do contrato”; 38.ª Pelo que, também por esta razão, se constata que o recurso àquele mecanismo se afigura manifestamente desadequado e desnecessário e, por esse motivo, inteiramente desproporcional; 39.ª A violação do princípio da proporcionalidade ocorre ainda, por fim, numa sua outra vertente, mais estrita, devido à circunstância de se exigir ao sujeito passivo que apresente, para efeitos da utilização do expediente previsto no artigo 139.º do Código do IRC, as autorizações de levantamento do sigilo bancário relativo a terceiros, quais sejam, os seus administradores, visto que não está sequer na sua esfera de decisão e de poderes o de autorizar o acesso à informação bancária daqueles administradores; 40.ª Neste contexto, o direito de cobrar impostos e os especiais objetivos de combate à fraude e à evasão fiscal que a consagração de uma norma do tipo da prevista naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC pretendem assegurar não podem, em circunstância alguma, sobrepor-se aos direitos acima referidos, congregados no direito à confidencialidade das suas informações bancárias, pelo menos da forma como essa sobreposição vem consagrada na referida norma, sob pena de manifesta violação do princípio da proporcionalidade, constante do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais, devendo anular-se a sentença recorrida, com as demais consequências legais; 41.ª Por fim, e ainda ao nível da violação dos princípios constitucionais, considera o Recorrente que a interpretação que do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC faz a administração tributária no caso vertente ofende outro princípio: o da tributação das empresas pelo rendimento real vertido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP; 42.ª Efetivamente, a ratio legis daquele artigo 64.º do Código do IRC, enquanto norma anti abuso, é a de corrigir o rendimento declarado pelo sujeito passivo, quando ocorra um eventual afastamento de um padrão de normalidade – dos designados “valores normais de mercado” – mediante o recurso a um rendimento presumido, obtido em função e na sequência do valor patrimonial tributário definitivo determinado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, com referência ao imóvel em causa; 43.ª No entanto, a presunção, quer do rendimento, quer do próprio valor de alienação do imóvel a considerar para efeitos de determinação do rendimento tributável em IRC, apenas poderá ser admissível se consubstanciar uma presunção relativa, ou seja in casu, se for, na prática, possível efetuar a demonstração do valor real e efetivo da transmissão, pelo que, não o sendo, ocorre, no entendimento do Recorrente e salvo melhor opinião, uma manifesta violação do princípio constitucional da tributação pelo rendimento real previsto no artigo 104.º, n.º 3, da CRP; 44.ª Por fim, os deveres que recaem sobre os administradores e/ou gerentes, elencados no CSC, não impõem que estes autorizem a derrogação do sigilo bancário, uma vez que estes até já não poderão ter qualquer relação profissional com a sociedade sujeito passivo do imposto ou poderão nem sequer ter participado na transmissão dos imóveis cujo preço efetivo se pretende provar, atenta a separação de funções dos membros dos conselhos de administração das sociedades; 45.ª Pelo que, em suma, o artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, quando interpretado e aplicado da forma em que o fez a administração tributária no caso vertente, ou seja, no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores ou gerentes constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento prevista no artigo 64.º do Código do IRC, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação pelo rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e do princípio da igualdade contributiva, previsto, entre outros, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP; 46.ª Na eventualidade de o invocado vício de nulidade por omissão de pronúncia não proceder, no que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se equaciona, então sempre terá de ser suscitado e apreciado nos presentes autos o erro de julgamento de direito no que concerne à apreciação da inconstitucionalidade do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC por violação dos princípios do Estado de Direito, do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva, da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade tributária; 47.ª A este respeito, remete-se, para os devidos efeitos legais, para as considerações tecidas supra no âmbito da nulidade por omissão de pronúncia (capítulo 1 das presentes alegações de recurso, páginas 8 a 14) e para o exposto nos artigos 53.º a 61.º e 107.º a 113.º da p.i., os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos, nos termos do qual não pode deixar de concluir-se que: o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC origina que o sujeito passivo renuncie a “ (…) um instrumento fundamental de tutela dos direitos (…) ”, daí resultando uma evidente violação do princípio do Estado de Direito, o que se invoca para os devidos efeitos e se materializa no ato sub judice, que, por isso, deverá ser anulado com fundamento na violação da norma constante do artigo 2.º da CRP; e o artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, quando interpretado e aplicado da forma em que o fez a administração tributária no caso vertente, ou seja, no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores ou gerentes constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento prevista no artigo 64.º do Código do IRC, padece de inconstitucionalidade por violação princípio da igualdade contributiva, previsto, entre outros, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais, daí resultando, também com esse fundamento, a ilegalidade do ato em crise, razão pela qual se requer a sua imediata anulação; 48.ª Caso não se entenda verificadas as enunciadas inconstitucionalidades, o que apenas por cautela e dever de patrocínio se concebe, sem conceder, ainda assim o ato em crise infringiu o disposto no artigo 63.º-B da LGT, pelo que padece, igualmente, por esse motivo, a sentença recorrida de erro de julgamento sobre a matéria de direito; 49.ª Isto porque, estabelecendo a referida norma os limites até aos quais o legislador ordinário entendeu que o regime da derrogação do sigilo bancário por razões de ordem fiscal estaria conforme com os princípios e direitos constitucionais, nomeadamente, restringindo aquele acesso, mesmo quando o sujeito passivo não dê o seu consentimento, às situações em que haja indícios concretos da prática de um crime fiscal ou da falta de veracidade do declarado e exigindo a autorização judicial prévia nos casos de derrogação do sigilo bancário de terceiros, é por demais evidente que a previsão e aplicação daquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, tal como preconizado pela administração tributária na situação sub judice, extravasou, e muito, os princípios e os limites implícitos no artigo 63.º-B, da LGT; 50.ª Com efeito, não constituindo os factos tributários a apreciar no âmbito do procedimento desencadeado ao abrigo do disposto no artigo 139.º do Código do IRC uma situação que exija um especial controlo por parte da administração tributária, nomeadamente mais apertado do que aquele se verifica, por exemplo, com referência a uma situação de apuramento da matéria coletável através de métodos indiretos, a qual se rege pelas regras previstas naquele artigo 63.º-B da LGT, nada justifica, também, que o acesso às informações bancárias do sujeito passivo e dos terceiros se processe, no âmbito daquele artigo 139.º, ao arrepio das regras e dos princípios constantes do artigo 63.º-B da LGT; 51.ª Fica, assim, demonstrada, também por este motivo, a ilegalidade do disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC e, nessa medida, do ato sub judice; 52.ª Sem prejuízo de todo o acima exposto e numa tentativa, que o Recorrente crê que vã, de se interpretar o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC em conformidade com todos os princípios e normas acima invocados, a única exegese possível do preceito só seria a de se aceitar a eventual exigibilidade da autorização para levantamento do sigilo bancário após a verificação, por parte da administração tributária, da existência de fundamentos concretos que justificassem a análise da informação bancária e nunca quando, como no caso vertente, aquele acesso seja concretizado através de uma exigência “cega” e não justificada, consubstanciada na obrigatoriedade de apresentação das autorizações de levantamento de sigilo bancário em qualquer circunstância; 53.ª Com efeito, a Lei sempre exige, caso o sujeito passivo não o faça voluntariamente, um ato decisório do Tribunal ou, atualmente, da administração tributária, que determine a derrogação do sigilo bancário; 54.ª Pelo que a administração tributária, ao exigir a apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário noutros termos que não os expostos faz inquinar de manifesta ilegalidade o ato sub judice, o qual deve, também com esse fundamento, ser imediatamente anulado; 55.ª Sem prejuízo do exposto, e admitindo-se que tais erros de julgamento de direito não seriam procedentes, o que apenas por dever de patrocínio se admite, ainda assim sempre seria de anular a sentença recorrida com fundamento em erro de julgamento decorrente sobre aa matéria de facto; 56.ª Com efeito, padece ainda a sentença recorrida de erro de julgamento decorrente da insuficiência da matéria de facto, uma vez que outros factos deveriam ter sido dados como provados em face da prova documental constante do processo administrativo instrutor e carreada aos autos pelo Recorrente, a qual não foi integralmente valorada pelo Tribunal a quo; 57.ª Deste modo, e para os devidos efeitos, não pode a Recorrente deixar de impugnar os pontos do probatório da sentença recorrida, por manifesta insuficiência, na medida em que, concomitantemente com os factos dados como provados, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos: i) O Autor é uma instituição de crédito que, no âmbito da sua atividade comercial, se dedica ao comércio bancário, nomeadamente à concessão de crédito; ii) No âmbito dessa atividade, perante a incapacidade de um cliente para solver dívidas provenientes do crédito contratado, o Autor adquiriu o prédio urbano sito na freguesia e concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ....01-BI; iii) Por escritura pública, outorgada em 04.03.2011, o Autor alienou o prédio urbano identificado supra pelo valor de € 20.500,00 (cf. cópias da escritura pública de compra e venda e dos documentos comprovativos do recebimento do preço declarado juntas no procedimento de prova do preço efetivo que integra o processo administrativo instrutor); iv) Em 28.04.2011, foi o Autor notificado do Valor Patrimonial Tributário (VPT) do prédio urbano identificado supra, determinado nos termos do artigo 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), fixado em € 35.970,00 (cf. doc. n.º 1 da p.i.); v) Uma vez que o imóvel em causa foi efetivamente alienado por valor inferior ao VPT fixado, o Autor apresentou, em 05.05.2011, requerimento com vista à comprovação do preço efetivo da respetiva transmissão, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do IRC, por forma a afastar a aplicabilidade do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do mesmo diploma legal (cf. requerimento de prova do preço efetivo que integra o processo administrativo instrutor); vi) Para esse efeito, o Autor juntou ao mencionado requerimento a cópia da escritura pública de compra e venda, cópia dos cheques através dos quais se comprova o valor total do preço recebido, bem como a declaração de autorização de acesso à sua informação bancária (cf. respetivas cópias juntas ao requerimento apresentado nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do IRC e que integram o processo administrativo instrutor); 58.ª De igual modo, e para todos os efeitos legais, designadamente para efeitos do disposto no artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º, do CPTA, dá-se como impugnada a matéria de facto não provada na parte em que se consideraram implicitamente não provados os factos acima indicados; 59.ª Pelo que, em suma, deverão ser relevados como factos provados todos os supra evidenciados e, em conformidade com o exposto, ser proferida uma nova decisão que julgue a impugnação judicial deduzida pela Recorrente integralmente procedente; 60.ª Sem prescindir, e considerando-se que do processo não constam todos os elementos probatórios que permitem a reapreciação da matéria de facto, bem como que a sentença é omissa em sede de probatório quanto aos factos essenciais (provados ou não provados) para a decisão da causa, impõe-se ao Tribunal ad quem, por força do disposto no artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º, do CPTA, que ordene a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para fixação de um novo probatório, razão pela qual se requer a esse Ilustre Tribunal que anule a sentença e ordene a baixa dos autos ao Tribunal a quo; 61.ª Sem prejuízo, nos presentes autos, uma vez julgados os factos referidos supra, como o Recorrente considera que não poderá deixar de se entender, fica evidenciada a verificação de todos os demais pressupostos de facto e de direito justificativos do pedido de prova de preço efetivo apresentado pelo Autor, ora Recorrente, nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do IRC, pelo que ao decidir pela manutenção de tal decisão na ordem jurídica, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento sobre a matéria de facto; 62.ª De facto, o Recorrente juntou aos presentes autos a cópia da referida escritura pública de compra e venda e cópia dos cheques referentes ao pagamento e recebimento do preço e a declaração de autorização de acesso à sua informação bancária [cf. facto vi) referido no ponto 3.1. supra, e artigo 6.º da p.i.], os quais demonstram inequivocamente, que, por um lado, aquele foi o preço pelo qual o Recorrente transmitiu o imóvel em questão e que, por outro lado, o mesmo foi praticado por um montante inferior ao respetivo valor patrimonial tributário apurado pela administração tributária; 63.ª O entendimento expendido na sentença recorrida de que o Tribunal a quo não pode condenar a administração tributária ao deferimento do requerimento de prova do preço efetivo também não poderá vingar, na medida em que, dispondo este de todos os elementos para se pronunciar sobre o aludido deferimento, e existindo uma única solução que, em face da invocada violação dos referidos princípios constitucionais, se mostra possível, deveria o mesmo ter condenado a Recorrida à prática do ato devido, isto é, à emissão de decisão de deferimento do requerimento de prova do preço efetivo apresentado nos termos do artigo 139.º do Código do IRC; 64.ª Em face de todo o exposto, deve, pois, inequivocamente, o requerimento de prova de preço efetivo em questão ser deferido para efeitos da validação dos montantes declarados pelo Recorrente, com referência à transmissão dos imóveis em causa, na declaração modelo 22 referente ao exercício de 2011, devendo, ainda, a sentença recorrida ser anulada, julgando-se a presente ação administrativa especial procedente; 65.ª Por último, padece a sentença recorrida de erro de julgamento sobre a matéria de direito quanto ao pedido de condenação à prática de ato administrativo devido, em substituição do ato praticado, porque, à luz da factualidade que deveria ter sido dada como provada na decisão recorrida e que se encontra assente entre as partes, assim como das normas e princípios aplicáveis, a condenação à prática do ato devido no caso sub judice deveria consistir na imposição da emissão de um ato de deferimento do pedido de prova do preço efetivo na venda do imóvel; 66.ª Em concretização do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º da CRP, nos termos do qual cada direito e interesse legalmente protegido dos cidadãos deve encontrar na jurisdição administrativa-tributária uma tutela adequada, e dando cumprimento ao disposto no artigo 268.º, n.º 4, da mesma Lei Fundamental, os tribunais administrativos e fiscais encontram-se hoje habilitados a proceder à condenação à prática dos atos administrativos legalmente devidos, pois, numa grande maioria dos casos submetidos ao crivo daqueles tribunais, o efeito meramente anulatório deixaria o administrado/contribuinte em situação idêntica à que se encontrava antes do recurso aos tribunais, o que comprometeria o cumprimento daqueles princípios de ordem constitucional; 67.ª A consagração destes poderes de condenação do tribunal encontra-se prevista nos artigos 66.º e seguintes do CPTA, merecendo especial destaque o disposto nos artigos 66.º, n.º 1 e n.º 2, e 71.º, n.º 1, do CPTA; 68.ª Atendendo aos pressupostos de facto e de direito dados como assentes na decisão recorrida, é possível concluir que o ato legalmente devido no caso em apreço é o ato de deferimento do pedido de prova do preço efetivo, pelo que em face dos elementos probatórios constantes dos presentes autos e sendo anulado o ato decisório contestado, deveria o Tribunal ter condenado a administração tributária à emissão de um ato de deferimento do pedido de prova do preço efetivo, em substituição, do ato impugnado; 69.ª A esta conclusão não obsta nem o princípio da separação de poderes entre a administração tributária e os tribunais, nem a certeza de que o Tribunal está obrigado a respeitar a esfera própria de exercício dos poderes discricionários da administração tributária, pois, a existência destes princípios não compromete a aplicação do Direito que o Tribunal está obrigado a fazer, nem, por conseguinte, afasta a segurança de que, fora das áreas próprias de discricionariedade da administração tributária, há atos de conteúdo inequivocamente vinculado ou cujo conteúdo, em face da situação concreta, só pode ser de determinado tipo, o que implica que, nesses casos, o alcance da condenação do Tribunal deva necessariamente passar pela determinação desse conteúdo; 70.ª Sendo certo que o Tribunal não está autorizado a imiscuir-se no espaço próprio da administração tributária, em obediência ao princípio da separação e da interdependência dos poderes, conforme resulta do disposto no artigo 3.º do CPTA, não deixa de ser verdade que o Tribunal está obrigado a determinar todas as vinculações a observar pela administração tributária na emissão do ato devido, na senda do que dispõe o artigo 2.º do CPTA; 71.ª No caso sub judice, não existiria discricionariedade atribuída à administração tributária na conformação do conteúdo do ato, pois aquela decisão não envolveria qualquer poder discricionário, e, nessa medida não se justificaria que o Tribunal não se pronunciasse sobre o pedido de condenação à prática do ato devido, como efetuado pelo Recorrente; 72.ª De facto, o objeto do procedimento instaurado ao abrigo do artigo 139.º do Código do IRC é, tão só, a demonstração objetiva, pelo contribuinte, do preço efetivamente praticado na transmissão de direitos reais sobre imóveis, concretamente, a comprovação de que o preço efetivamente praticado é inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT). Prova essa para a qual, como é evidente, só relevam os elementos que o contribuinte disponibilizar no âmbito do procedimento; 73.ª Compete apenas à autoridade tributária, no âmbito do procedimento instaurado ao abrigo do artigo 139.º do Código do IRC, verificar de forma objetiva, qual o preço efetivamente praticado pelo contribuinte, de acordo com os elementos apresentados em sede do procedimento, e se é inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de IMT, não se envolvendo o exercício de um poder discricionário, ou qualquer valoração própria do exercício da atividade administrativa, porquanto a solução legalmente possível, em face dos elementos que o contribuinte apresentar à administração tributária, é apenas uma; 74.ª Não existe uma multiplicidade de soluções legalmente possíveis no âmbito do procedimento desencadeado, que impeçam o Tribunal de se pronunciar sobre a pretensão do contribuinte, ou que envolvam valorações próprias do exercício da atividade da administração tributária: ou se verifica que o preço efetivamente pago foi inferior ao valor patrimonial ou não; 75.ª Deste modo, encontrando-se juntos aos autos os elementos de prova apresentados pelo contribuinte naquele procedimento, não existiria qualquer obstáculo a que o Tribunal pudesse conhecer do referido pedido; 76.ª Assim, resulta evidente o erro em que incorreu a decisão recorrida, nesta parte, ao ter considerado que não pode o Tribunal apreciar e decidir de tal pedido de condenação à prática de ato devido em substituição do ato praticado, pelo que se impõe a sua revogação. Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, a anulação do ato em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!» * A recorrida, ATA, notificada do presente recurso, apresentou as seguintes contra-alegações que se reproduzem: «1ª) A sentença, a fls…, ao ter julgado totalmente improcedente a acção administrativa especial e ao ter absolvido o R. e ora recorrido dos pedidos formulados pelo Autor, fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que, deve ser mantida. Quanto à alegada nulidade por omissão de pronúncia: 2ª) Inexiste qualquer omissão de pronúncia, dado que a sentença recorrida se pronunciou sobre todos os pedidos deduzidos e todas as causas de pedir invocadas pelo então A. 3ª) Deste modo, dúvidas não restam de que a sentença recorrida analisou a questão de uma eventual inconstitucionalidade do nº 6 do art. 139º do CIRC, decidindo, a final e invocando até jurisprudência do TC, pela não inconstitucionalidade de tal normativo, sendo certo que é com base em toda a argumentação que consta dos Acórdãos invocados que a sentença recorrida conclui quanto à violação de todos os princípios constitucionais invocados. 4ª) Tenha-se, aliás em conta que a fundamentação que sustenta, designadamente, os Acórdãos do TC é transversal e aplica-se a todos os princípios constitucionais invocados pelo ora recorrente, designadamente, também, o do Estado de Direito e da igualdade tributária, previstos nos artigos 2.º, 104.º, n.º 1 e n.º 2 e no artigo 13.º, todos da CRP. Da invocada inconstitucionalidade por violação do princípio do Estado de Direito e do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva - artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP 5ª) O legislador confere no art. 139º do CIRC, a possibilidade de o contribuinte poder ilidir uma presunção legal, facto que o recorrente não contesta, uma vez que lhe é permitido contrapor, face ao que se encontra previamente estabelecido na lei, uma outra forma de determinação do lucro tributável. E, no caso, os pressupostos de que depende tal procedimento, destinado a contrapor um outro valor, um outro preço de transmissão do imóvel, destinam-se a esclarecer a verdade dos factos. 6ª) Pelo que, está-se perante um procedimento destinado a apurar a realidade dos factos e atenta a natureza do mesmo (o preço da transacção) que se pretende provar, só os documentos bancários constituem o meio adequado e a prova real e fidedigna da veracidade do preço pelo qual o imóvel foi vendido. 7ª) Donde, o estabelecimento de tal meio de prova, num procedimento destinado a ilidir uma presunção legal e inserido na busca da verdade material, da justiça fiscal e do princípio da capacidade contributiva, não constitui qualquer restrição ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva. 8ª) Neste mesmo sentido se deliberou no Ac. do TCA Sul, de 1/10/14 Proc. 060690/12, ao concluir que a autorização mencionada não constitui violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, porquanto ao contribuinte assistem os seguintes direitos impugnatórios junto dos tribunais tributários: i) a acção de impugnação da decisão de fixação do preço efectivo com base no vpt do prédio em causa, nos termos do artigo 58.º-A/2 actual artigo 64.º, do CIRC (artigo 95.º/2/h), da LGT); ii) a impugnação judicial da decisão de fixação da matéria colectável em IRC, ao abrigo do artigo 58.º-A/2, do CIRC (artigo 129.º/7, do CIRC); iii) a impugnação judicial da liquidação de IRC que resultar da aplicação do disposto no artigo 58.º-A/2, do CIRC (artigo 129.º/7, do CIRC); iv) a impugnação judicial do acto de fixação do vpt do prédio alienado (artigo 77.º do CIMI). 9ª) Donde, com também se deliberou no mesmo Acórdão, a obrigatoriedade do mecanismo colegial paritário de fixação do preço efectivo da alienação, prevista no artigo 129.º, n.ºs 3, 5 e 6 do CIRC constitui uma forma concertada e antecipada de garantir a tutela judicial efectiva dos interesses do contribuinte, sem pôr em causa o direito à apreciação jurisdicional. Da eventual inconstitucionalidade do nº 6 do art. 139º do CIRC por violação do princípio da tributação pelo lucro real e da igualdade tributária: 10ª) Ora sobre tal alegada inconstitucionalidade decidiu-se no Ac. do TCA Sul de 21.05.13, Proc. nº 06309/13, o seguinte: “Mais aduz o recorrente que o preceito em causa viola o direito à tributação pelo rendimento real constitucionalmente consagrado. O princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real, encontra consagração no artº.104, nº.2, da C.R.P. O mecanismo em apreço, pelo contrário, consubstancia um instrumento de que o contribuinte pode lançar mão no sentido de assegurar a tributação pelo lucro real, assim correspondendo ao princípio previsto na Lei Fundamental e, manifestamente, não violando tal preceito constitucional (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 19/2/2013, proc.6091/12). Rematando, a norma do artº.129, nº.6, do C.I.R.C., não ofende o princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real consagrado no artº.104, nº.2, da C.R.P”. 11ª) Na verdade, o legislador confere no art. 139º do CIRC, a possibilidade de o contribuinte poder ilidir uma presunção legal, uma vez que lhe é permitido contrapor, face ao que se encontra previamente estabelecido na lei, uma outra forma de determinação do lucro tributável. E, no caso, os pressupostos de que depende tal procedimento, destinado a contrapor um outro valor, um outro preço de transmissão do imóvel, destinam-se a esclarecer a verdade dos factos. 12ª) Donde, contrariamente ao que invoca o recorrente não existe aqui uma impossibilidade prática de ilidir a presunção, mas sim, o estabelecimento de uma medida adequada e proporcional ao fim que visa tal procedimento: apurar a verdade material dos factos. 13ª) Conforme se refere no Ac. do TC nº 517/2015, a necessidade de garantir um sistema fiscal eficaz, quanto à efectiva tributação do rendimento real das empresas, e justo, na medida em que assegure uma distribuição equitativa do peso dos impostos, demanda o acesso a informações bancárias, assegurando, deste modo, a igualdade tributária. Do direito à reserva da intimidade da vida privada e da violação do princípio da proporcionalidade: 14ª) Ora, quanto ao direito à reserva da intimidade da vida privada, o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 145/14, Proc. nº 521/2013 já deliberou pela não inconstitucionalidade do nº 6 do então art. 129º do CIRC, invocando-se aqui os argumentos para tanto invocados por aquele Alto Tribunal. 15ª) Por outro lado, também não ocorre qualquer violação do princípio da proporcionalidade. 16ª) Estando directamente consagrada na lei a possibilidade de acesso, que é feita na prossecução das atribuições da AT, de verificação da real capacidade contributiva do sujeito passivo, da igualdade e da justiça fiscal e, tendo em conta os interesses em confronto, da AT e dos contribuintes, há também que concluir que o acesso ao segredo bancário, aos documentos bancários dos administradores do então A., consagrado na lei, é adequado, proporcional e não excessivo, o que salvaguarda, ainda, o conteúdo constitucional do direito à reserva da intimidade da sua vida privada. 17ª) Para concretizar a justiça fiscal e a igualdade contributiva constitucionalmente exigida, o acesso à informação bancária do recorrente e à dos seus administradores ou gerentes é um instrumento único e uma diligência manifestamente indispensável ao apuramento dessa mesma real situação tributária. 18ª) Não se vislumbrando, por outro lado, que outros meios alternativos existam que possam colmatar a falta de acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores ou gerentes, uma vez que é indispensável conferir as contas de todos para saber, com total rigor e isenção, se houve desvio para qualquer uma das contas e, designadamente, para a dos administradores, de montantes que devem ser reportados à venda dos imóveis. Da eventual necessidade de aplicação do art.63º-B da LGT: 19ª) O art. 63º-B da LGT e as garantias dos contribuintes aí consagradas, face à quebra do segredo bancário, não são aplicáveis ao presente caso, por se estar perante situações distintas. 20ª) Na verdade, enquanto no art. 63º-B da LGT, por o procedimento ser desencadeado pela AT deve a mesma dar a conhecer ao contribuinte e fundamentar e comprovar os motivos pelos quais pretende aceder à informação bancária e daí a necessidade legal de limitação, designadamente através do dever de fundamentação, do acto administrativo praticado pela AT, tendo em vista controlar a verificação dos pressupostos de acesso à informação bancária, no art. 139º do CIRC, por o procedimento ser da iniciativa do contribuinte e já se encontrar delimitado o motivo e o pressuposto que justifica o acesso à informação, não há a necessidade de controlar a verificação do mesmo, até porque não há, por parte da AT, a prática de qualquer acto administrativo, desconhecido do contribuinte, que pretenda aceder a informação bancária. 21ª) Como se refere, e bem, na sentença recorrida, relativamente ao art. 63º -B da LGT : “ Assim, neste regime, o mecanismo é desencadeado pela AT, sem que para tal haja consentimento do titular dos elementos protegidos, podendo resultar nas mais diversas actuações por parte da AT. Nessa senda, o legislador sentiu necessidade de face a esse poder, munir o visado de garantias, seja o dever de comprovar as razões fundamentadoras da actuação da AT, seja o dever de fundamentação que impende sobre aquela.” 22ª) Não há, pois, qualquer obrigatoriedade legal de serem usadas, no procedimento previsto no art. 139º do CIRC, as garantias estabelecidas no art. 63º-B da LGT, caso contrário, o legislador tê-lo-ia expressamente previsto. 23ª) E nem se justifica que, no caso, essas garantias sejam subsidiariamente aplicadas, dado que estamos perante um mero procedimento de produção de prova da própria iniciativa e responsabilidade do contribuinte, com o motivo e pressuposto de acesso à informação já previamente delimitado e conhecido pelo próprio contribuinte. 24ª) Aliás, só se explica tal argumentação porquanto o recorrente sabe perfeitamente que, no caso, se a AT tivesse acionado o procedimento do artigo 63º-B da LGT, isso sim, teria redundando na prática de uma flagrante ilegalidade. 25ª) É que, em caso de incumprimento do requisito do nº 6 do artigo 139º do CIRC, a estatuição é a aplicação do artigo 64º do CIRC, para efeitos de determinação do lucro tributável. 26ª) Não se verificaram quaisquer «dúvidas» da AT sobre a situação bancária do recorrente ou dos seus administradores, mesmo que estas existissem seriam irrelevantes para o caso, face à sanção expressamente prevista na lei. 27ª) A recusa na apresentação das declarações de acesso à informação bancária não constitui qualquer ilegalidade, nem existem quaisquer consequências para os administradores, para além do não afastamento das regras do artigo 64º do CIRC no apuramento do lucro tributável. 28ª) Finalmente, como o refere, e bem, a sentença recorrida: “ Por outro lado, também não vislumbra o Tribunal em que medida o estabelecido no artigo 63.º-B da LGT constitui parâmetro da legalidade de qualquer norma que discipline o acesso a informações bancárias em matéria tributária, uma vez que a par desse preceito legal a própria LGT prevê pelo menos mais dois normativos (artigo 63.º-A e artigo 63.º - C), onde, não obstante os seus distintos contornos, se encontra previsto o acesso da AT a elementos bancários.” Quanto ao pedido cumulado: deferimento da pretensão do recorrente 29ª) O deferimento da pretensão formulada pelo então A. relativamente à prova do preço efectivamente praticado na transmissão de imóvel, envolve produção de prova e juízos de valor técnicos inseridos numa grande margem de liberdade de apreciação da AT. 30ª) Não há qualquer erro no julgamento da matéria de facto não tendo o recorrente, quanto a este ponto, cumprido o ónus que sobre si impendia nos termos do art.640º nº 1 do CPC. 31ª) Foi incluída na matéria de facto dada como provada toda a factualidade relevante para a decisão tomada e que importava à decisão da causa sendo que, contrariamente ao que o recorrente invoca, não está provado quer documentalmente quer por acordo que: a venda do imóvel se tenha devido à incapacidade de um cliente para solver dívidas, sendo que esse sempre seria um facto irrelevante para a decisão da causa, e também não está provado quer documentalmente quer por acordo, que o imóvel em causa foi efetivamente alienado por valor inferior ao VPT fixado, uma vez que esse é o pomo da discórdia e o facto que o próprio recorrente pretendia provar com recurso ao procedimento de prova previsto no art. 139º do CIRC. 32ª) Depois, como se decidiu, e bem, na sentença recorrida, “o deferimento da pretensão do autor apenas poderia ocorrer no caso de se verificar o preenchimento de todos os requisitos legais de que depende a possibilidade de considerar um preço de venda efectivo inferior ao valor patrimonial tributário. Ora, como se concluiu, um dos requisitos necessários à apreciação desse pedido é, precisamente, a autorização de acesso a informações bancárias, o que o autor recusou. E não pode obter-se por via do tribunal a condenação da Administração na prática de um acto que teria subjacente a violação do regime legal. Aliás, e como se disse, a Administração não se pronunciou sequer sobre o mérito da pretensão da Autora (v. g., nunca chegou a dizer qual o preço da transmissão que considerava aplicável), pelo que sempre a decisão do tribunal seria sempre originária quanto à matéria em questão, o que, em nosso entender, configuraria a invasão ilegítima das competências da Administração, situação inadmissível à luz do princípio da separação de poderes. (o realce e sublinhado são da nossa competência). 33ª) Finalmente, contrariamente ao que o recorrente alega, os documentos apresentados no seu requerimento e com vista à prova do preço efectivo da transmissão, não acompanhados dos necessários elementos de informação bancária, são manifestamente insuficientes, até porque são eles que atestam a divergência entre o preço de venda e o VPT, para provar que o preço que consta da escritura pública de compra e venda é o que tem correspondência com os montantes que foram efectivamente recebidos pelo ora recorrente, não tendo sido pago mais qualquer montante aos administradores do mesmo. Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo A. e, em consequência, deve ser mantida a sentença, a fls…, na parte em que absolveu a R. e ora recorrida dos pedidos formulados pelo mesmo A., com todas as legais consequências.» * O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer, por se tratar de ação administrativa especial. * Sem vistos das Exmas. Juízes adjuntas, por assim ter sido acordado, foi o processo à Conferência para julgamento. * 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO: QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações: -Nulidade da sentença por omissão de pronúncia- Porque não se pronunciou sobre as inconstitucionalidades suscitadas, como a violação do Princípio do Estado de Direito; Acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva; violação do princípio da tributação pelo rendimento real e do princípio da igualdade tributária, e, por isso, ter o tribunal ad quem conhecer em substituição. -Erro de julgamento de facto e de direito, porquanto a sentença não trouxe ao julgamento de facto todos os factos que estribam o procedimento de prova do preço efetivo e ao indeferimento do pedido. A interpretação feita pela sentença do art. 139.º, n. º6, do CIRC é inconstitucional, por violação dos princípios do direito à reserva da intimidade da vida privada, violação dos princípios do Estado de Direito e acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, porquanto apenas lhe resta, sem qualquer alternativa, obter autorização ao acesso às contas dos administradores, caso não o faça, inelutavelmente fica cerceada a possibilidade de afastar a presunção do n.º2 do art. 64.º do CIRC. Por fim, haver uma clara violação do princípio da proporcionalidade, desde logo nas vertentes da adequação e da necessidade, porque vai muito para além do objetivo mediato de combate à evasão e à fraude fiscal que presidiu ao art. 139.º, n. º6 do CIRC, pois pressupõe que o s.p. renuncie voluntariamente ao caráter sigiloso da sua informação bancária e que providencie junto de terceiros essa renúncia, sem que a AT tenha de justificar as razões de acesso à informação bancária, mostrando-se ilegal à luz do art. 18.º da CRP, que apresentação de tais autorizações sejam indispensáveis à própria apreciação do procedimento de demonstração do preço efetivo. * 3. FUNDAMENTOS DE FACTO Em sede de probatório, a 1.ª Instância fixou os seguintes factos: Face à utilização, menos adequada, de dar por reproduzidos documentos, respeitantes à formulação do pedido do sujeito passivo e às diligências empreendidas em vista da decisão da autoridade tributária, aditar-se-ão em cada alínea, respetiva, os necessários factos, a que fazem alusão os documentos dados por reproduzidos, corrigindo-se oficiosamente a materialização do julgamento de facto. «Factos Provados: 1.Por escritura pública datada de 04 de Março de 2011, o autor, alienou, o prédio urbano sito na freguesia e concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ....01-BI, pela AP 3/19940707, inscrita a favor do banco alienante [Banco 1...] pela inscrição Ap. 1/19980722 com o VPT de 22.558,38€ constituído por uma fração urbana designada pela letra “BI”, escritório, 1.º andar, sala um, na rua ..., ..., a «BB», pelo preço de vinte mil e quinhentos euros [20.500,00€], sem intervenção de mediador imobiliário – cfr. fls. 7 a 10 do PA; 2.No dia 6 de Outubro de 2011, o autor apresentou, junto da Direcção de Finanças ..., requerimento para prova do preço efectivo, nos termos do art. 139º do CIRC, no qual apresentou cópia da escritura de compra e venda, extrato contabilístico do Banco 1..., autorização para acesso à informação bancária do Banco 1..., S.A. e cópia de dois cheques emitidos a favor do Banco 1... sacado da conta n.º...30 da Banco 2... de ..., cujo titular é «CC» (fls. 1 e ss, do P.A.). 3.Por ofício datado de 11.5.2011, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, foi o autor notificado para, em 15 dias, juntar ao pedido, referido em 2., os documentos de autorização de acesso à informação bancária respeitante aos administradores, sob pena de o pedido ser liminarmente rejeitado (fls. 14 do PA). 4.O pedido referido em 2. foi indeferido, por despacho do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão, datado de 25 de Maio de 2011, com o seguinte teor: “(…) Com base nos fundamentos na mesma expressos, indefiro o pedido por falta de requisitos legais. (…)” – cfr. fls. 18 a 20 do PA. 5.O despacho referido em 4., sustentou-se na informação nº ..1/2011, cujo teor transcrevemos parcialmente: “(…) 2. Dado que o pedido não reunia todos os requisitos legais impostos pela lei designadamente a falta dos documentos de autorização dos administradores para a administração fiscal aceder à informação bancária, foi o requerente notificado, em 2011.05.12 por carta registada com A/R para suprir a respectiva falta. 3. Em resposta à notificação o requerente vem referir em resumo, que não pode dar cumprimento a tal determinação por não ter em seu poder tais documentos e tal não lhe ser exigível. Entende a requerente que, visando a apresentação de documentos de autorização de levantamento do sigilo bancário de determinadas pessoas singulares, tal solicitação deveria ser efectuada a cada um dos referidos administradores. Mais entende, que a apresentação das declarações de autorização de levantamento do sigilo bancário dos seus administradores é inconstitucional. 4. Com efeito, estabelece o nº 6 do art. 139º do Código do IRC o seguinte: “Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização”. 5. Como decorre da própria lei, para abertura do procedimento devem os interessados anexar ao requerimento de pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, os documentos de autorização para a administração fiscal aceder não apenas às suas próprias contas bancárias, como às contas dos seus administradores e gerentes. 6. Assim, a faculdade que a administração fiscal tem de aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes do período em que ocorreu a transmissão e do exercício anterior é uma condição do procedimento e estes requisitos devem ser preenchidos cumulativamente. Pelo que a renúncia ao segredo bancário não é uma faculdade a exercer discricionariamente pela Administração Fiscal apenas quando se suscitem dúvidas sobre a existência de condições anormais do mercado que determinam a fixação de um preço inferior ao valor patrimonial do imóvel transmitido. 7. Contrariamente ao alegado, a Administração não tinha que notificar os administradores que deveriam renunciar expressamente ao sigilo bancário, por um lado, porque as respectivas declarações de autorização de acesso à informação bancária deveriam fazer parte do pedido, como anexos ao requerimento e por outro, porque a própria lei identifica os administradores ou gerentes abrangidos pela norma: “os que exerceram tais funções no período de tributação em que ocorreu a transmissão e no período de tributação anterior”. 8. Por último, a apreciação da inconstitucionalidade das leis não está acometida aos órgãos da Administração Fiscal, pelo que essa apreciação deverá ser suscitada junto dos órgãos próprios. 9. Face ao exposto, somos de parecer que o pedido deverá ser indeferido por falta de requisitos legais.” Factos não Provados: Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir. Motivação: A convicção do tribunal baseou-se nos documentos constantes dos autos e do processo administrativo, como se indicou ao longo dos factos provados.» * 4. APRECIAÇÃO JURÍDICA DO RECURSO 4.1.A recorrente encabeça o recurso com vícios formais da sentença, que a verificarem-se conduzem à nulidade por omissão de pronúncia. Nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 [art.125.º, n. º1 do CPPT] do Código de Processo Civil “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Estabelece este preceito legal um dever de pronúncia do juiz, sendo que a consequência jurídica cominada pela lei processual tributária pela “falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar” é a nulidade da sentença cfr. artigo 125.º, n.º 1 do CPPT e artigo 615º, n.º1, al. d) do CPC Ocorrerá nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifique uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que esteja obrigado a pronunciar-se. Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12). Na verdade, O tribunal a quo, em momento próprio pronunciou-se sobre a inexistência de omissão de pronúncia de forma que não podemos deixar de anuir, porquanto discreteou do seguinte modo: «O recorrente alega que a sentença não se pronunciou sobre a alegada violação dos princípios do Estado de Direito e da igualdade. Vejamos: Determina a alínea d) do n.º 1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. E refere a primeira parte do n.º 2, do artigo 608º, do mesmo diploma, que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Assim, só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer, ou seja, quando a sentença não aprecie questões suscitadas, e não argumentos apresentados no âmbito de cada questão, face ao disposto nos artigos 697º e 608º do Código de Processo Civil. Compulsando a petição inicial, constata-se que, nos arts. 54º a 60º daquele articulado, o autor imputa às normas do art. 139º nº 6 e 7 do CIRC, a “violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva” (art. 54º da p.i.), por entender que tais dispositivos fazem precludir “a própria possibilidade de impugnar judicialmente a liquidação de imposto ou se a este não houver lugar, as correcções ao lucro tributável efectuadas por efeitos da aplicação do disposto no nº 2 do art. 64º” (art. 58º da p.i.). E conclui que “o disposto no nº 6 do art. 139º do CIRC origina que o sujeito passivo renuncie a (…) um instrumento fundamental de tutela dos direitos (…), daí resultando uma evidente violação do princípio do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva” (art. 60º da p.i.). Analisando a argumentação exposta, é manifesto que, nas palavras do recorrente, a invocada violação do princípio do Estado de Direito, descrito no art. 2º da CRP O art. 2º da CRP refere: “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.” , se reconduz à violação do princípio do acesso ao Direito, previsto no art. 20º da CRP, não se vislumbrando qualquer fundamento que, sozinho, possa configurar a invocação da violação do art. 2º da CRP. Ora, escreveu-se na sentença, pág. 16 a 18: “No que concerne ao princípio do acesso ao direito: “Quanto à violação do direito de acesso ao Direito, reitera-se o decidido nos ditos acórdãos do T.C., que já se pronunciaram, quanto a tal, nos seguintes termos: “(…) interessa ponderar (…) se o regime de derrogação do sigilo bancário previsto no n.º 6 do artigo 129º satisfaz as exigências garantísticas do procedimento e do processo administrativo (tomando como assente que o direito ao processo equitativo consagrado no artigo 20º, n.º 4, da Constituição se deve considerar extensivo ao próprio procedimento). Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente sublinhado, o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório (acórdão n.º 86/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11º, pág. 741). Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a cada uma das partes de “deduzir as suas razões (de facto e de direito)”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e outras” (entre muitos outros, o acórdão n.º 1193/96).” Acresce apenas referir que se a administração tem de efectuar um controle eficaz quanto à pretendida prova do preço, tal se destina ainda a assegurar, em caso de recusa do peticionado, o direito a fundamentação por parte do contribuinte - artigos 77.º n.º5 da L.G.T. e 268.º n.º 3 da C.R.P.-, e assim facultar o direito de acesso aos tribunais, nos termos previstos no art. 20.º n.º 1 da C.R.P..” Quanto ao direito à tutela jurisdicional efectiva: “No que respeita à violação do direito à tutela judicial efectiva, e ainda de acordo com o que consta no referido acórdão n.º 517/2015, do T.C., por referência ao anteriormente decidido no n.º 145/2014, salienta-se agora o seguinte: “No tocante à referência à violação do artigo 266.º da Constituição, igualmente não assiste razão à recorrente, porquanto, como se refere no citado acórdão, este preceito condensa vários princípios que consubstanciam “as medidas materiais da juridicidade administrativa que, como tal respeitam à própria atividade jurídica ou material da Administração.” Assim, os princípios enunciados pelo autor foram devidamente aflorados na sentença. Do mesmo modo, no art. 89º da p.i., refere o recorrente: “Por fim, e ainda ao nível da violação dos princípios constitucionais, considera o Autor que a interpretação que do artigo 139.º, n.º 6 do Código do IRC faz a administração tributária no caso vertente ofende outros dois princípios, quais sejam, o da tributação das empresas pelo rendimento real vertido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e o da igualdade contributiva consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP.” E, da leitura dos artigos seguintes, decorre que o autor invoca a violação do princípio da igualdade na vertente da capacidade contributiva, por entender que a interpretação dada à norma do art. 139º nº 6 do CIRC não permite a tributação pelo rendimento real. Mais uma vez, da sentença resulta – pág. 9 a 12: “Seguindo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que viemos de citar, decidiu, igualmente, o STA, no acórdão de 20-04-2020, proc. nº 01639/10.1BELRA 030/18, em cujo sumário se lê: “O n.º 6 do art. 129.º do C.I.R.C., na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, no que respeita à obrigação de serem juntas, pelo sujeito passivo de IRC, para prova do preço efectivo ou real na transmissão de imóveis, declarações de administradores, concedendo autorização para aceder às respectivas informações bancárias, não padece de inconstitucionalidade material por violação do princípio da tributação pelo lucro real (artigos 104.º, n.º 1, da C.R.P., 3.º, n.º 1, a), e 17.º, n.º1, do C.I.R.C.), do princípio da proporcionalidade (art. 18.º n.º 2 da C.R.P.), do direito à reserva da intimidade da vida privada (art. 26.º n.º1 da C.R.P.) nem do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º, n.ºs 1 e 4 e 104.º, n.º1, da C.R.P.).” Por concordarmos com o seu teor, seguiremos de perto o decidido no referido acórdão do STA, proferido no processo nº proc. nº 01639/10.1BELRA 030/18. Quanto à violação do princípio da tributação sobre o rendimento real, refere-se no citado acórdão do STA: “Ao princípio da tributação pelo lucro real se refere o artigo 104.º n.º1 da C.R.P., com expressão nos artigos 3.º, n.º 1, a), e 17.º, n.º1, do C.I.R.C.. Tal princípio, sendo de contextualizar com o dever de pagar impostos corresponde a um dever fundamental dos cidadãos, plasmado no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, traduz-se no poder-dever de criar impostos e determinar a forma da sua coleta, com vista a uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, conforme o Tribunal Constitucional refere no acórdão n.º 517/2015, acessível em www.tribunalconstitucional.pt. De acordo com o que neste acórdão se refere: “10. No âmbito da tributação das pessoas coletivas, a Constituição optou claramente pela tributação dos lucros reais, ou seja, os lucros efetivamente auferidos pelas empresas, conforme resulta do n.º 2 do artigo 104.º, em detrimento de um outro modelo possível, assente na tributação dos lucros normais, que, partindo de uma pressuposição dos lucros auferíveis em determinadas condições normais, poderia corresponder a um cálculo por excesso ou por defeito dos lucros realmente obtidos em cada ano (Gomes Canotilho, J. J. e Moreira, Vital, op. cit., p. 1100). Tal opção, porém, é assumida, pela Constituição, de uma forma tendencial, o que impressivamente resulta da utilização do advérbio fundamentalmente. Compreende-se esta consagração mitigada do princípio da tributação pelo rendimento real, uma vez que a prevalência absoluta deste princípio exigiria um sistema também absolutamente fiável de informação sobre os resultados das empresas. Pelo que, em alguns sectores, “acabam por ser tributados não os lucros efetivamente auferidos mas sim os presumivelmente realizados” (cfr. idem, ibidem, p. 1100). Ainda assim, a prevalência do princípio da tributação das empresas segundo o seu lucro real acarreta um aumento da intensidade da cooperação exigida ao contribuinte, que se traduz numa acrescida exigência dos seus deveres declarativos. Esta exigência poderá, porém, determinar a restrição ou condicionamento de direitos, imposta pela necessidade de fiscalizar o cumprimento de tais deveres.” Ou seja, a previsão legal constante do referido art. 104.º, n.º 2, da C.R.P., comporta que, em alguns sectores possam ser presumidos lucros e, que, resultando tributação por excesso ou por defeito, sejam previstos deveres declarativos acrescidos para fiscalização por parte da administração. Tal o que ocorre no caso de transmissão de imóveis, em que de acordo com o art. 129.º (actual 139.º) do C.I.R.C., os preços efectivamente praticados podem ser demonstrados pelo contribuinte, em detrimento dos valores patrimoniais tributários, apurados de acordo com o previsto no artigo 58.º-A (actual 64.º) do C.I.R.C. e assim deixem de ser presumidos lucros. Ao se prever no n.º 6 do dito 129.º, o dever de anexação, para acesso a contas bancárias, de declarações por parte de administradores e gerentes, não só se insere em tais deveres, como ainda no dever geral “de lealdade, no interesse da sociedade”, previsto no art. 64.º do C.S.C., na redacção dada pelo art. 4.º do Dec.-Lei n.º 76-A/2006, de 29/3, por parte de administradores e gerentes. Aliás, segundo as invocadas normas do IRC em que alegadamente o dito princípio obteve expressão, no caso das pessoas colectivas e das outras entidades nas mesmas mencionadas, resulta que o lucro se apura pela soma de variações patrimoniais positivas e negativas, determinadas com base em contabilidade, eventualmente corrigidas, o que só vem confirmar que o constante da contabilidade não é absoluto. Assim sendo, não resulta a violação do dito princípio da tributação pelo rendimento real.” É, pois, patente, que a sentença se pronunciou sobre todas as inconstitucionalidades mencionadas pelo recorrente, pelo não há lugar a qualquer omissão de pronúncia. Afigura-se-nos, pois, que a sentença recorrida não padece de qualquer nulidade, encontrando-se fundamentada de facto e de direito, com correcta interpretação e aplicação dos factos e do direito, pelo que a mantenho.» Na verdade, a recorrente põe o enfoque na omissão de pronúncia quanto aos princípios constitucionais do Estado de Direito; Acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva; violação da tributação pelo rendimento real e da igualdade tributária. Ora, como ressalta da pronúncia expressa da Senhora Juiz a quo, em confronto com a respetiva sentença, apenas, o inconformismo que se instalou na recorrente é suscetível de delinear uma omissão de pronúncia de tais princípios constitucionais que, além do mais têm vindo a ser analisados de forma constante e regular quer pelo Tribunal Constitucional quer pelos tribunais superiores da jurisdição tributária, e que a sentença fez menção expressa. Assim, neste segmento o recurso tem de necessariamente improceder. 4.2. A recorrente entende ainda haver erro de julgamento de facto porquanto a sentença não trouxe ao julgamento de facto todos os factos que estribam o procedimento de prova do preço efetivo e o indeferimento do pedido. Contudo, embora, como se disse tenha havido uma deficiente materialização dos factos, certo é que, ainda assim não se pode dizer que há erro de julgamento de facto no sentido de que os factos a que faz alusão a recorrente não foram valorados pela sentença. Do contexto da própria sentença resulta claro que todos aqueles factos foram valorados em sede de aplicação do direito pelo que carece de fundamento este segmento do recurso. 4.3. Erro de julgamento de direito, na interpretação feita pela sentença do art. 139.º, n. º6, do CIRC é inconstitucional, por violação dos princípios do direito à reserva da intimidade da vida privada, violação dos princípios do Estado de Direito e acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, porquanto apenas lhe resta, sem qualquer alternativa, obter autorização ao acesso às contas dos administradores, caso não o faça inelutavelmente fica cerceada a possibilidade de afastar a presunção do n.º2 do art. 64.º do CIRC. Por fim, haver uma clara violação do princípio da proporcionalidade, desde logo nas vertentes da adequação e da necessidade, porque vai muito para além do objetivo mediato de combate à evasão e à fraude fiscal que presidiu ao art. 139.º, n. º6 do CIRC, pois pressupõe que o s.p. renuncie voluntariamente ao caráter sigiloso da sua informação bancária e que providencie junto de terceiros essa renúncia, sem que a AT tenha de justificar as razões de acesso à informação bancária, mostrando-se ilegal à luz do art. 18.º da CRP que apresentação de tais autorizações sejam indispensáveis à própria apreciação do procedimento de demonstração do preço efetivo. Com efeito, a recorrente não se conforma com a sentença recorrida que julgou improcedente a ação administrativa especial contra o despacho de 25-05-2011 de indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão do imóvel acima identificado, apresentado nos termos do art. 139.º, do CIRC. A recorrente apresentou requerimento com vista à comprovação do preço efetivo da alienação do imóvel constituído pelas letras “BI”, escritório, no 1.º andar, sala um, por forma a afastar a aplicabilidade do disposto no n. º2, do art. 64.º do CIRC. Para tanto, juntou cópia da escritura pública, cópia dos cheques emitidos pelo comprador a favor do Banco 1..., nota de avaliação, extrato contabilístico da recorrente bem como a autorização pelo Banco 1... para levantamento do sigilo bancário nos termos do n.º6, do art. 139.º do CIRC. Posteriormente, a recorrente foi notificada pela AT para apresentar autorizações de levantamento dos sigilos bancários dos administradores, sob pena de o pedido ser liminarmente rejeitado e ser arquivado o procedimento por falta de requisitos legais. Não tendo a recorrente acedido a tal pedido com entendimento de que não tinha na sua disponibilidade tais documentos e não lhe ser exigível a sua obtenção, caberia à AT dirigir tal pedido aos próprios administradores, por fim, não assentir na interpretação de que as autorizações de acesso à informação bancária dos administradores é uma condição sine qua non do conhecimento do pedido, constituindo uma manifesta violação de vários princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico-constitucional, designadamente do direito à reserva da intimidade da vida privada e do princípio da proporcionalidade, pelo que entende que tal exigência é categoricamente inconstitucional. A AT, em resposta, expressou o seguinte: «estabelece o nº 6 do art. 139º do Código do IRC o seguinte: “Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização”. Como decorre da própria lei, para abertura do procedimento devem os interessados anexar ao requerimento de pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, os documentos de autorização para a administração fiscal aceder não apenas às suas próprias contas bancárias, como às contas dos seus administradores e gerentes. Assim, a faculdade que a administração fiscal tem de aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes do período em que ocorreu a transmissão e do exercício anterior é uma condição do procedimento e estes requisitos devem ser preenchidos cumulativamente. Pelo que a renúncia ao segredo bancário não é uma faculdade a exercer discricionariamente pela Administração Fiscal apenas quando se suscitem dúvidas sobre a existência de condições anormais do mercado que determinam a fixação de um preço inferior ao valor patrimonial do imóvel transmitido. Contrariamente ao alegado, a Administração não tinha que notificar os administradores que deveriam renunciar expressamente ao sigilo bancário, por um lado, porque as respectivas declarações de autorização de acesso à informação bancária deveriam fazer parte do pedido, como anexos ao requerimento e por outro, porque a própria lei identifica os administradores ou gerentes abrangidos pela norma: “os que exerceram tais funções no período de tributação em que ocorreu a transmissão e no período de tributação anterior”.» A sentença, corroborou o entendimento da administração afastando, do mesmo modo, a violação dos princípios constitucionais a que faz alusão na ação. Aqui chegados, a questão essencial e derradeira prende-se com o facto de a recorrente não ter fornecido as autorizações de acesso a informação bancária dos administradores da recorrente, naquele período. Surpreende à recorrente o facto de numa situação tal como está caracterizada no julgamento de facto e nos documentos que levou ao procedimento, o tribunal se atenha a uma interpretação da norma que vai muito para além do que é o objetivo mediato de combate à evasão e à fraude fiscal que presidiu ao art. 139.º, n.º6, do CIRC, ou seja, a interpretação da norma viola o princípio da proporcionalidade, nas vertentes da adequação e da necessidade, pois pressupõe que o sujeito passivo renuncie voluntariamente ao caráter sigiloso da sua informação bancária e que providencie junto de terceiros essa renúncia, sem que a AT tenha de justificar essa necessidade, mostrando-se, desde logo, inconstitucional à luz do art. 18.º da CRP. Como expendido no Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 176/2023, datado de 30.03.2023, o procedimento tributário instaurado ao abrigo do artigo 129.º, nº6 do CIRC tem natureza cooperativa e comutativa, enquanto o consignado no artigo 63.º B da LGT assume natureza contenciosa, expendendo o mesmo que “[a] jurisprudência tributária vem compreendendo o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, nesta nova redação [hoje transposta, expressis verbis, para o artigo 139.º, n.º 6, do diploma], como não produzindo um efeito derrogatório, direto ou próprio, da confidencialidade bancária Neste sentido, os acórdãos do TCA Norte de 25 de fevereiro de 2021 no Proc. 735/12.5BEPRT e de 11 de março de 2021 no Proc. 1408/12.4BEPRT. De facto, tem sido a jurisprudência dos nossos tribunais superiores acerca do anterior art. 129.º, n.º6, e atual art. 139., n.º6 do CIRC, unânime a não desaplicar em concreto esta norma por não se verificar a inconstitucionalidade nas suas várias vestes, nomeadamente as que o recorrente identifica: por violação dos princípios do direito à reserva da intimidade da vida privada, violação dos princípios do Estado de Direito e acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva. Assim, visando uma interpretação e aplicação uniformes do direito [artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil], aderimos ao Acórdão deste tribunal já identificado de 25-02-2021 As conclusões feitas no acórdão que se cita devem ser vistas como as conclusões deste recurso, assim, 10.ª a 19.ª, tributação pelo rendimento real e igualdade tributaria; 21.ª a 28.º reserva da vida privada; 25.ª a 35.ª e 65.ª a 73.ª., o qual chama a colação o Acórdão do STA de 20-04-2020, e não havendo razões para dele discordar passaremos a citá-lo «(…)“O n.º 6 do art. 129.º do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, no que respeita à obrigação de serem juntas, pelo sujeito passivo de IRC, para prova do preço efectivo ou real na transmissão de imóveis, declarações de administradores, concedendo autorização para aceder às respectivas informações bancárias, não padece de inconstitucionalidade material por violação do princípio da tributação pelo lucro real (art. 104º, nº 1, da CRP, 3º, nº 1, al. a), e 17º, nº 1, do CIRC); do princípio da proporcionalidade (art. 18º, nº 1 da CRP), do direito à reserva da intimidade da vida privada (art. 26º, nº 1 da CRP) nem do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artigos 20º, nº 1 e 4 e 104º, nº 1 da CRP) ”. Assim, refere aquele douto Aresto que: «(…) Ao princípio da tributação pelo lucro real se refere o artigo 104.º n.º1 da C.R.P., com expressão nos artigos 3.º, n.º 1, a), e 17.º, n.º1, do C.I.R.C.. Tal princípio, sendo de contextualizar com o dever de pagar impostos corresponde a um dever fundamental dos cidadãos, plasmado no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, traduz-se no poder-dever de criar impostos e determinar a forma da sua coleta, com vista a uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, conforme o Tribunal Constitucional refere no acórdão n.º 517/2015, acessível em www.tribunalconstitucional.pt. De acordo com o que neste acórdão se refere:“10. No âmbito da tributação das pessoas coletivas, a Constituição optou claramente pela tributação dos lucros reais, ou seja, os lucros efetivamente auferidos pelas empresas, conforme resulta do n.º 2 do artigo 104.º, em detrimento de um outro modelo possível, assente na tributação dos lucros normais, que, partindo de uma pressuposição dos lucros auferíveis em determinadas condições normais, poderia corresponder a um cálculo por excesso ou por defeito dos lucros realmente obtidos em cada ano (Gomes Canotilho, J. J. e Moreira, Vital, op. cit., p. 1100). Tal opção, porém, é assumida, pela Constituição, de uma forma tendencial, o que impressivamente resulta da utilização do advérbio fundamentalmente. Compreende-se esta consagração mitigada do princípio da tributação pelo rendimento real, uma vez que a prevalência absoluta deste princípio exigiria um sistema também absolutamente fiável de informação sobre os resultados das empresas. Pelo que, em alguns sectores, “acabam por ser tributados não os lucros efectivamente auferidos mas sim os presumivelmente realizados” (cfr. idem, ibidem, p. 1100). Ainda assim, a prevalência do princípio da tributação das empresas segundo o seu lucro real acarreta um aumento da intensidade da cooperação exigida ao contribuinte, que se traduz numa acrescida exigência dos seus deveres declarativos. Esta exigência poderá, porém, determinar a restrição ou condicionamento de direitos, imposta pela necessidade de fiscalizar o cumprimento de tais deveres.” Ou seja, a previsão legal constante do referido art. 104.º, n.º 2, da C.R.P., comporta que, em alguns sectores possam ser presumidos lucros e, que, resultando tributação por excesso ou por defeito, sejam previstos deveres declarativos acrescidos para fiscalização por parte da administração. Tal o que ocorre no caso de transmissão de imóveis, em que de acordo com o art. 129.º (actual 139.º) do C.I.R.C., os preços efectivamente praticados podem ser demonstrados pelo contribuinte, em detrimento dos valores patrimoniais tributários, apurados de acordo com o previsto no artigo 58.º-A (actual 64.º) do C.I.R.C. e assim deixem de ser presumidos lucros. Ao se prever no n.º 6 do dito 129.º, o dever de anexação, para acesso a contas bancárias, de declarações por parte de administradores e gerentes, não só se insere em tais deveres, como ainda no dever geral “de lealdade, no interesse da sociedade”, previsto no art. 64.º do C.S.C., na redacção dada pelo art. 4.º do Dec.-Lei n.º 76-A/2006, de 29/3, por parte de administradores e gerentes. Aliás, segundo as invocadas normas do IRC em que alegadamente o dito princípio obteve expressão, no caso das pessoas colectivas e das outras entidades nas mesmas mencionadas, resulta que o lucro se apura pela soma de variações patrimoniais positivas e negativas, determinadas com base em contabilidade, eventualmente corrigidas, o que só vem confirmar que o constante da contabilidade não é absoluto. Assim sendo, não resulta a violação do dito princípio da tributação pelo rendimento real. O previsto no art. 129.º n.º 6 do C.I.R.C. obedece ao princípio da proporcionalidade, a que se refere o art. 18.º, n.º 2 da C.R.P., e nas suas várias vertentes, de adequação, necessidade e, especificamente, da justa medida. Tal o que resulta dos fins em vista, de proporcionar ainda desse modo um controle por parte da A.T. da elisão de presunção de rendimento do imóvel transmitido, mediante a prova do preço real, bem como é necessário, a se alcançar a verdade fiscal, pois aquele controle não pode ficar dependente apenas da prova oferecida. Nesse mesmo sentido se pronunciou o referido acórdão do T.C. n.º 517/2015, reiterando o já decidido anteriormente pelo acórdão n.º 145/2014, citado na sentença recorrida, bem como no referido parecer da magistrada do Ministério Público, e que se encontra também acessível em www.tribunalconstitucional.pt. A esse propósito, foi aí ainda apreciado o seguinte, a que se adere: “(…) a situação versada no acórdão nº 442/2007 Invocado pela recorrente não é inteiramente coincidente com a do presente processo. Ali discutia-se, na situação de reclamação graciosa ou de impugnação judicial de atos tributários, a possibilidade de a Administração Fiscal aceder diretamente e, por isso, sem o consentimento prévio do interessado e sem necessidade de autorização judicial, a informação coberta pelo sigilo bancário, desde que esse acesso se mostre justificado perante os factos alegados pelo reclamante ou impugnante e desde que a informação bancária esteja relacionada com a situação tributária objeto da reclamação ou impugnação. No caso vertente, ainda que esteja em causa um procedimento tributário que é também da iniciativa do sujeito passivo – e que constitui uma faculdade garantística dos contribuintes -, ele destina-se especificamente a efetuar a prova relevante para a fixação da matéria tributável relativamente à liquidação do imposto, e não implica o acesso direto à informação bancária, antes pressupondo um consentimento expresso do interessado mediante a concessão de autorização, a qual deve ser junta ao requerimento.” Assim sendo, a justa medida não é também afetada. III.2.3. Quanto à inconstitucionalidade por violação do direito à reserva da intimidade da vida privada se referem os ditos acórdãos 145/2014 e 517/2015, essa inconstitucionalidade não ocorre, numa análise decorrente do bem protegido pelo sigilo bancário, a que também se adere: “Como se considerou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/2007 (…) na linha de anterior jurisprudência, o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de proteção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República. (…) Para além disso, reconhece-se que o segredo bancário se localiza no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, ocupando uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores com ele conflituantes. Por isso se afirma que “[o] segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional de reserva da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal” (acórdão n.º 42/2007) e é mais suscetível a “restrições (…) impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (acórdão n.º 278/95). Por outro lado – como ainda se anotou no acórdão n.º 442/2007 - quando a quebra do sigilo bancário promana da Administração Fiscal, não pode esquecer-se que ela não implica a abertura desses dados ao conhecimento geral, visto que os conhecimentos obtidos pelo exercício da função tributária estão sujeitos ao dever de confidencialidade (artigo 64.º da Lei Geral Tributária) e a sua violação está tipificada de forma mais gravosa, face ao crime de violação do sigilo profissional (cfr. o artigo 91.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias e o artigo 195.º do Código Penal, por um lado, e artigo 383.º deste Código e os n.ºs 2 e 3 daquele artigo 91.º, por outro). Nessa medida, o levantamento do sigilo bancário mantém a reserva quanto aos dados que dele são objeto, através da sua cobertura pelo sigilo fiscal, que deixa salvaguardado – ainda que com o alargamento do círculo de pessoas que tomam conhecimento dos dados protegidos – “o conteúdo essencial tanto do direito à privacidade da vida privada e familiar dos contribuintes como da dinâmica da atividade bancária” (CASALTA NABAIS, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1997, pág. 619). Constata-se, pois, que, não só o sigilo bancário cobre uma zona de segredo francamente suscetível de limitações, como a sua quebra por iniciativa da Administração Tributária representa uma lesão diminuta do bem protegido. Em contrapartida, em ordem à necessidade de obtenção de receitas para suporte das despesas públicas e à realização dos fins inerentes ao sistema fiscal - incluindo a tributação segundo a capacidade contributiva e a distribuição equitativa da carga fiscal -, a Administração Fiscal está sujeita a um rigoroso princípio do inquisitório, pelo qual deve, no âmbito do procedimento tributário, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. Princípio esse que é completado por um dever de colaboração recíproco entre os órgãos da administração e os contribuintes (artigos 58º e 59º da LGT). O que torna por si justificável que ao dever de averiguação oficiosa da Administração se não possa opor, em termos absolutos, o direito à privacidade relativa a elementos de informação bancária.” No que respeita à violação do direito à tutela judicial efectiva, e ainda de acordo com o que consta no referido acórdão n.º 517/2015, do T.C., por referência ao anteriormente decidido no n.º 145/2014, salienta-se agora o seguinte: “No tocante à referência à violação do artigo 266.º da Constituição, igualmente não assiste razão à recorrente, porquanto, como se refere no citado acórdão, este preceito condensa vários princípios que consubstanciam “as medidas materiais da juridicidade administrativa que, como tal respeitam à própria atividade jurídica ou material da Administração.” (…)» Ao princípio da igualdade tributária ou contributiva, que a Recorrente também considera violado, já se foi fazendo referência a propósito da análise de outros princípios orientadores do ordenamento jurídico tributário, como o princípio da tributação pelo lucro real. Todavia, está intimamente ligado ao princípio da capacidade contributiva. Recordamos que o princípio da capacidade contributiva é expressão do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto. E, neste sentido, constitui corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça fiscal (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 197/2016 e 211/2017). «O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação. Consiste este critério em que a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (na formulação clássica portuguesa, de Teixeira Ribeiro, “A justiça na tributação” in “Boletim de Ciências Económicas”, vol. XXX, Coimbra 1987, n.º 6, autor que também se lhe refere como “capacidade para pagar”) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). De forma recorrente, a jurisprudência do Tribunal Constitucional Acórdão n.º 142/2004 de 10 de Março, processo 453/2003; Acórdão 711/2006 de 29 de Dezembro 2006, processo 1067/06; Acórdão 306/2010 de 14 de Julho 2010, processo 107/10. tem vindo a abordar este princípio estruturante e a aplicá-lo no ordenamento jurídico tributário. Destacamos o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 451/2010, de 24/11/2010: “(…) No mesmo sentido – e mais recentemente –, o Acórdão nº 84/03 (in D.R., II Série, nº 124, de 29-5-2003, pp. 8338ss) articulou o princípio da capacidade contributiva com a possibilidade de o contribuinte dispor de meios para ilidir os resultados de determinadas formas de tributação: (…) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (cfr. Casalta Nabais “O dever fundamental de pagar impostos”, págs. 445 e segs., onde, no entanto, se defende que, embora o princípio não careça – para ter suporte constitucional – de preceito específico e directo, não é de todo inútil ou indiferente a sua consagração expressa). (…) De todo o modo, deve reconhecer-se não ser fácil retirar consequências jurídicas muito líquidas e seguras do princípio da capacidade contributiva, traduzidas num juízo de inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal. [...] certos métodos de tributação, pela sua mesma estrutura, podem, afinal, acabar por conduzir à imposição de situações ou realidades em que falece, de todo, a capacidade contributiva, ou (e com maior probabilidade) em que a medida do imposto exigido não tem efectiva correspondência com essa capacidade, indo além (e, porventura, bastante além) dela; é o que ainda Casalta Nabais (“O dever fundamental...”, págs. 497/498 e 501/502) considera, quando se refere a “soluções tradicionais do direito dos impostos” com suporte no “interesse fiscal”, em particular as “presunções”, considerando esta técnica legislativa “movida por legítimas preocupações de simplificação de praticabilidade das leis fiscais”, mas que “tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa, quer pela ilegitimidade das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova da inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto económico do imposto” e, mais adiante, aludindo ao “rendimento normal”, quando sustenta que ele “apenas poderá ser contestado nos casos em que a tributação conduza a situações de intolerável iniquidade” Mas, se nos ativermos ao que aquele autor escreve na obra citada [...], não pode deixar de se concluir que a solução em causa se compatibiliza com o princípio da capacidade contributiva. É que, a admitir-se que na hipótese em apreço se está perante uma “presunção”, ela admite prova em contrário e, a considerar-se que se trata de uma tributação pelo “rendimento normal”, não pode dizer-se que ela necessariamente conduza a “situações de intolerável iniquidade”. Por outro lado, perante a norma que estatui que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o rendimento real” – essa, sim, expressamente consagrada no artigo 104.º, n.º 2, da CRP –, o Tribunal Constitucional tem entendido que “não só não é constitucionalmente imperioso que o rendimento tributável consista sempre e apenas no rendimento real, tal como aparentemente resulta da contabilidade empresarial, mas também tal rendimento não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, antes sendo um conceito normativamente modelado” (Acórdãos n.ºs 85/2010 e 162/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).(...)” É entendimento do Tribunal Constitucional e da jurisprudência do STA que os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos. Estes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, numa ponderação global dos interesses em presença, devendo dar-se prevalência à protecção do interesse público no combate à fuga e evasão fiscal, subjacente às exigências de natureza formal. O mecanismo em apreço consubstancia um instrumento de que o contribuinte pode lançar mão no sentido de assegurar a tributação pelo lucro real. Pelo exposto, apresentando-se a exigência de apresentação de documentos de autorização de acesso à informação bancária dos administradores ou gerentes igual para todos os contribuintes que pretendam arredar a previsão constante do artigo 64.º, n.º 2 do CIRC e dar início ao procedimento previsto no artigo 139.º do mesmo Código, não vislumbramos que esta norma deva ser afastada por violação do princípio da igualdade. Perante estes dados, resulta claro que a exigência a que alude a Recorrente não coloca em causa a Lei Fundamental nos termos propostos, pois que está em causa um mecanismo que visa beneficiar a própria Requerente, em que o elemento em apreço surge no âmbito do princípio da cooperação que incide sobre o mesmo, sendo algo natural neste processo enquanto meio de controlo da pretensão formulada, não se afigurando desproporcionada para o efeito em apreço, estando devidamente balizada nos termos apontados no aresto do STA acima descrito e noutros, como o Acórdão do STA-2ª.Secção, de 05/09/2012, recurso n.º 0837/12; ou o Acórdão do TCA Sul-2ª. Secção, de 19/02/2013, processo n.º 6091/12; ou o Acórdão do TCA Norte, de 11/02/2021, proferido no âmbito do processo n.º 216/09.4BEPRT. Logo, as conclusões 7.ª a 33.ª das alegações de recurso deverão improceder [16.ª a 23.ª Princípio da reserva da intimidade da vida privada; 7.ª a 9.ª, 32.ª e 33.ª Princípio do Estado de Direito e de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva; 24.ª a 31.ª Princípio da proporcionalidade; 10.ª a 13.ª, 32.º e 33.ª Princípio da tributação das empresas pelo rendimento real e princípio da igualdade tributária]. Na medida em que não se consideraram verificadas as enunciadas inconstitucionalidades, haverá que apreciar as conclusões 34.ª a 37.ª, dado a Recorrente defender que o acto em crise infringiu o disposto no artigo 63.º - B da LGT, pelo que padece, igualmente, a sentença recorrida de erro de julgamento sobre a matéria de direito. O artigo 63.º-B da LGT refere-se às situações em que é a própria Autoridade Tributária, independentemente de autorização do tribunal ou do interessado, que decide aceder à totalidade dos documentos cobertos pelo sigilo bancário. Assim sendo, mais uma vez, acompanhamos e confirmamos o que é referido na sentença recorrida: “(…) no procedimento previsto no artigo 139.º do C.I.R.C. não existe uma derrogação de sigilo bancário da iniciativa da A.T. mas sim da iniciativa do contribuinte. O âmbito de aplicação daquele procedimento não se confunde com o do artigo 63.º-B da L.G.T., pois estamos perante um acto voluntário do contribuinte, ou seja, não é A.T. que acede à informação bancária sem autorização do contribuinte. De facto, nos termos do artigo 139.º do C.I.R.C., a derrogação do sigilo bancário carece sempre de autorização do requerente e dos seus administradores ou gerentes, pelo que, em caso de recusa ou de não apresentação dos documentos de autorização, a A.T. não pode aceder directamente, ao contrário do que prevê o artigo 63.º-B da L.G.T. (…)” Diversamente, o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, previsto no Capitulo VIII do Código do IRC, referente às garantias dos contribuintes, não pressupõe qualquer derrogação de sigilo bancário por iniciativa da Autoridade Tributária, mas sim do contribuinte e tem em vista o seu interesse – de obviar à aplicação do disposto no artigo 64.º, n.º 2 do mesmo diploma legal que impõe a realização de correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis quando inferior ao VPT - e não o da AT. A derrogação do sigilo aqui prevista não é o fim visado pela norma, mas apenas um meio adequado e necessário à obtenção do fim visado (de tributação pelo lucro real e afastamento de uma norma anti abuso). Destarte, tratando-se de preceitos distintos cujo âmbito é diverso e que não se confundem, não se vê em que medida é que a exigência das declarações de autorização para a AT aceder aos documentos bancários dos administradores encerra em si qualquer ilegalidade e/ou violação de qualquer princípio ou limite imposto pelo legislador, motivo pelo qual improcede o vício alegado. Nas conclusões 38.ª a 41.ª, a Recorrente alega que, a admitir-se a exigibilidade das autorizações de derrogação de sigilo bancário, a mesma apenas se poderia aceitar, no máximo, no caso de a AT efectivamente considerar, em concreto, imprescindível e justificado o acesso às informações bancárias e nunca quando o acesso seja concretizado através de uma exigência cega e não justificada, consubstanciada na obrigatoriedade de apresentação das autorizações de levantamento do sigilo bancário em qualquer circunstância. Também neste aspecto, consideramos que a sentença recorrida julgou correctamente, pelo que confirmamos esse julgamento: “(…) Do n.º 6 do artigo 139.º do C.I.R.C. decorre a obrigatoriedade de junção ao pedido dos documentos de autorização de acesso à informação bancária, mas, ao contrário da tese da Autora, já não decorre o acesso não justificado e cego a essa informação por parte da A.T.. Por outras palavras, diremos que a exigibilidade das autorizações não é sinónimo de um acesso cego e injustificado à informação. De facto, no referido normativo é utilizada a expressão “pode aceder”, o que significa que o legislador não impõe que a A.T. aceda; ou seja, caso a A.T. entenda que os elementos apresentados pelo sujeito passivo são suficientes para demonstrar o preço efetivamente praticado, deve abster-se de aceder à informação bancária mas em caso de dúvidas sobre a correspondência entre o preço declarado e o preço efectivamente praticado, a A.T. tem não só o poder como o dever/ónus de aceder à informação bancária com vista a dissipar tais dúvidas. Nestes termos, ao contrário do entendimento da Autora, esta tinha sempre de apresentar os documentos de autorização, e depois a A.T., perante os elementos apresentados, decidiria se seria ou não necessário aceder à informação bancária. (…)” Alertamos que, mesmo nos casos em que lhe é permitido o acesso a toda a documentação bancária, a actuação da Administração Tributária deverá limitar-se ao que for necessário para obtenção dos fins em vista, como impõe o princípio da proporcionalidade, que deve nortear a sua actuação (cfr., neste sentido, Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 4ª edição, pag. 569). Ora, como bem se nota na sentença recorrida, esta autorização de acesso às contas bancárias só poderá valer para o procedimento em causa e não para qualquer outro, uma vez que o fim daquele procedimento é claramente determinado, sendo as acções adoptadas adequadas e proporcionais aos objectivos a atingir. Assim, a autorização que seja concedida na qualidade de administrador da referida empresa, para os efeitos do artigo 139.º, n.º 6 do CIRC, não permite concluir que este consentimento permitirá à AT a utilização de elementos protegidos pelo sigilo bancário para outros fins que não os constantes do referido normativo – cfr., neste sentido, o Acórdão do STA, de 05/09/2012, proferido no âmbito do processo n.º 0837/12. Tendo improcedido todas as conclusões do recurso referentes ao alegado erro de julgamento da matéria de direito, fica prejudicado o conhecimento do erro de julgamento de facto, dado que de nada serve estarem reunidos todos os demais pressupostos, se falta o requisito legal, imprescindível, para dar início ao procedimento previsto no artigo 139.º, n.º 3 do CIRC – a autorização de levantamento do sigilo bancário referente aos administradores da Recorrente (cfr. o seu n.º 6). Nesta conformidade, não deveria o requerimento de prova de preço efectivo em questão ser deferido para efeitos da validação dos montantes declarados pela Recorrente, como de facto não foi, uma vez que não estão reunidos todos os requisitos previstos no artigo 139.º do CIRC; improcedendo, por isso, também as conclusões 42.ª a 44.ª.» Assim, o recurso improcede na sua totalidade, na verdade, tal como referiu a sentença, a condenação da administração à prática do ato devido, pressuporia que estariam verificados os requisitos da prova do preço efetivo da transmissão, cuja competência, nesta fase, está deferida por lei à administração tributária, podendo apenas o tribunal, caso o ato de rejeição do procedimento estivesse ferido de ilegalidade julgá-lo ilegal e, por isso, condenar a entidade competente a apreciar o pedido. Da apreciação em concreto pela AT sobre a prova do preço efetivo, poderia, o s.p. impugnar a liquidação, como resulta do art. 139.º, n. º7, do CIRC. * 5. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência as Juízas da Subsecção Comum do Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso, e, em consequência manter a decisão recorrida. Custas a cargo da Recorrente. Notifique-se. Porto, 23 de maio, de 2024 Cristina da Nova Paula Moura Teixeira Irene Neves (em substituição) |