Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00374/20.7BEMDL |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 05/23/2024 |
Tribunal: | TAF de Mirandela |
Relator: | VITOR SALAZAR UNAS |
Descritores: | OPOSIÇÃO; PRESCRIÇÃO; ADSE; |
Sumário: | I – Não existindo para as dívidas provenientes do reembolso de cuidados de saúde prestados a beneficiários da ADSE um regime especial de prescrição aplica-se o previsto no Código Civil, nos artigos 300.º a 327.º. II – Tendo a citação ocorrido, a 22.09.2020, depois de decorrido o prazo de 20 anos a contar do último ato interrompido, não teve a citação a virtualidade de interromper um prazo que já se encontrava extinto pelo seu decurso.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO: O MUNICIPIO ..., pessoa coletiva n.º ...47, com sede no ..., ... ..., interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou totalmente improcedente a oposição, por si apresentada, à execução fiscal que corre termos no Serviço de Finanças ... sob o n.º ...........960, para cobrança de dívidas ao Instituto de Proteção e Assistência na Doença, I. P., (ADSE, I.P), no valor de € 40.457,62. O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: « 1ª Resulta dos autos que a presente execução abrange alegada dívida de 40.084,60 €, referente a notas de reembolso emitidas de 04/01/1978 a 09/09/1982, conforme expressamente se refere no ponto 7. do ofício GDS-.....82, anexo à certidão de dívida que serve de título executivo. 2ª Relativamente a tais alegadas dívidas, o Município ..., em 05/12/2012, através do ofício nº ...00 que remeteu à ADSE, logo invocou a respetiva prescrição e consequente inexigibilidade daquela concreta dívida vencida entre 1978 e 1992, por naquela data já ter decorrido, relativamente a cada uma das respetivas notas de reembolso, o prazo ordinário da prescrição, de 20 (vinte) anos. 3ª Ainda que se admita que, em 1995, tenha sido celebrado um acordo de pagamento daquela dívida, vencida entre 1978 e 1992, e que essa circunstância inutilizou todo o tempo da prescrição até essa data decorrido, então é mister concluir que, em 1995, se reiniciou a contagem do prazo de prescrição. 4ª É certo e seguro que, desde o ano de 1995, não ocorreu qualquer ato ou facto suscetível de interromper ou suspender aquele prazo da prescrição ordinária, que se completou, seguramente, vinte anos depois, algures no ano de 2015. 5ª Ao assim não considerar, ou seja, ao considerar não prescritas, em 2022, dívidas vencidas entre 1978 e 1992, relativamente às quais não houve qualquer ato interruptivo seguramente desde 1995, razão que motivou o Município a invocar, expressamente e por várias vezes, já desde 2012, a verificação da prescrição extintiva ordinária de 20 (vinte) anos, a sentença recorrida incorreu em erro de apreciação ou de julgamento. NESTES TERMOS, nos melhores de direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de Vª Exª, deve o presente recurso ser admitido e, a final, considerado procedente, devendo, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, considerando verificada a suscitada exceção de prescrição das dívidas vencidas entre 1978 e 1992 e, consequentemente, considerar totalmente procedente a Oposição, por ser de inteira JUSTIÇA.» * O Recorrido, Instituto de Proteção e Assistência na Doença, I.P. (ADSE, IP) apresentou contra alegações, as quais concluiu nos seguintes termos: «(…). 1. Veio o Recorrente interpor recurso da Douta Sentença, do TAF de Mirandela que julgou a oposição parcialmente procedente, convicto que não houve qualquer ato interruptivo da prescrição desde 1995, razão por que entende que deve ser considerada a procedente a exceção da prescrição. 2. No entanto, carece de fundamento legal o presente recurso, requerendo-se, desde já, a V. Exas. se dignem negar provimento ao mesmo. 3. Não há dúvidas – e novamente se reitera que a Douta Sentença fez uma correta interpretação dos factos e do direito - ao longo dos anos o recorrente foi reconhecendo o valor da dívida à ADSE e aceitando vários acordos de regularização de mesma através do pagamento de prestações, que também foi efetuando. 4. Assim como tendo efetuado vários pagamentos ao longo dos anos e não tendo relacionado esses pagamentos com qualquer fatura ou Nota de Reembolso, tais pagamentos foram imputados à divida mais antiga e ainda não paga, nos termos do art.º 784º do CC, interrompendo, desta forma, o prazo da prescrição a decorrer. 5. Por isso resulta claro para o recorrido que – entendimento sufragado pelo Tribunal a quo - estamos perante o reconhecimento da existência da dívida, dotado de força interruptiva da prescrição. 6. A nosso ver, deve ser mantida a Douta Sentença ora em recurso que entendeu – e muito bem - “a prescrição é sucessivamente interrompida pelo reconhecimento do direito efetuado pelo Município perante a ADSE que inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente – art.º 325 n.º 1 do CC. Por outro lado, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo – art.º 327º, n.1 do CC.”, julgando a oposição improcedente. Nestes termos e nos melhores de direito que V.EXAS. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser rejeitado e, deverá ser mantido na integra a Sentença Recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!» * O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo pelo não provimento do recurso. * Com dispensa dos vistos legais [cfr. artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre apreciar e decidir o presente recurso. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR. Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, cujo objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações - cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, todos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) –, e que se centra em saber, em suma, se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de ao concluir pela não verificação da prescrição da dívida tributária. * III – FUNDAMENTAÇÃO: III.1 – DE FACTO: Na sentença recorrida foi fixada a seguinte materialidade: «Factos provados: 1. Em 22/9/2020 o Município foi citado para pagar a divida exequenda, de acordo com a certidão de dívida ...96, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque: [Imagem no original] - art. 1 da PI, aceite na resposta da ADSE; e fls. 5 do suporte físico do processo; 2. De acordo com o oficio que acompanha a certidão de divida (oficio GDS-.....82, de 14/7/2020) “7.Encontram-se ainda por pagar as notas de reembolso emitidas de 4/01/1978 a 9/09/1992, no montante de €40.084,60 (…); e “ 8. Acresce ainda referir que, apesar da divida de 1978 a 1992 ainda não ter sido paga, a mesma não se encontra prescrita atento o acordo celebrado em 1995 entre ambas as partes, assim como o reconhecimento da mesma em 2012, por parte dessa entidade” – Fls. 6/v do suporte físico do processo); 3. Por oficio ...58, de 8/2/1995, a ADSE notifica o Município ... de que tem uma divida para com aquela entidade que, em 31/12/1994, atingia um valor de 72.797.046$00, cuja amortização tinha de ser efectivada no prazo máximo de 24 meses – Fls. 193 do suporte físico do processo – Fls. 192 a 194 do suporte físico do processo; 4. Em 16/2/1995 o Município reconhece aquela divida à ADSE e aceita que seja celebrado um acordo de regularização da mesma – Fls. 194 e 196 do suporte físico do processo; 5. Por oficio de 10/3/1995 a ADSE informa o Município de que, por despacho de 2/3/1995, foi autorizado o pagamento da divida em 24 prestações mensais de 3.033.200$00/cada mês, que “poderá não ser sempre igual, dado que as guias (…) poderão ser pagas pela totalidade e não parcialmente” – Fls. 195 do suporte físico do processo; 6. Por oficio datado de 23/10/1995 o Município requer à ADSE a prorrogação do prazo de pagamento na importância de 3.120 contos – Fls. 196 do suporte físico do processo. 7. Em 13/7/2012 (Fls. 31); em 10/12/2019 e 27/12/2019 (Fls. 33); em 26/3/2014 (Fls. 37); 26/5/2014 (Fls. 38); 3/10/2014 (Fls. 41); 26/1/2011 (Fls. 42); 1/3/2011 ( Fls. 43); 27/9/2011 (Fls. 44); 19/3/2013 ( Fls. 45); 21/2/2013 ( Fls. 46), 23/4/2013 ( Fls. 47), o Município reconhece a divida à ADSE que nos autos se discute – Se, como como se constata das folhas enunciadas, o Município envia ofícios onde expressamente faz referência aos cheques emitidos à ADSE para pagar facturas que dizem respeito à divida, então temos de concluir que o Município reconhece, pelo mesmos nessas datas, a divida exequenda – As fls. mencionadas dizem respeito ao suporte físico do processo.» * Ora, considerando a oficiosidade dos conhecimentos tanto da prescrição como dos factos constantes do processo de execução fiscal [cfr. arts. 175.º do CPPT e 412.º do CPC, respetivamente], vejamos, antes de mais, se existem motivos para proceder oficiosamente à alteração da matéria de facto, em obediência ao comando ínsito no art. 662.º do CPC. Da alteração oficiosa da matéria de facto Analisando o elenco da factualidade provada, concretamente os seus pontos 4. [Em 16/2/1995 o Município reconhece aquela divida à ADSE e aceita que seja celebrado um acordo de regularização da mesma] e 7. [Em 13/7/2012 (Fls. 31); em 10/12/2019 e 27/12/2019 (Fls. 33); em 26/3/2014 (Fls. 37); 26/5/2014 (Fls. 38); 3/10/2014 (Fls. 41); 26/1/2011 (Fls. 42); 1/3/2011 ( Fls. 43); 27/9/2011 (Fls. 44); 19/3/2013 ( Fls. 45); 21/2/2013 ( Fls. 46), 23/4/2013 ( Fls. 47), o Município reconhece a divida à ADSE que nos autos se discute], concluímos que a mesma não se pode manter, pois, o tribunal a quo não podia formular os indicados factos nos termos em que o fez, pois, estes integram matéria conclusiva insuscetível de consubstanciar a matéria de facto. Na verdade, se é possível uma pessoa comum ter a perceção do que é reconhecer uma dívida, o que permite que sempre que tais questões não se insiram no núcleo do objeto do processo sejam essas compreensões das pessoas comuns relevadas em termos factuais, todavia, se o objeto principal do processo passa por determinar se alguém reconhece ou não a dívida para efeitos de interrupção da prescrição, tal procedimento será juridicamente inadmissível pois traduzir-se-á em resolver diretamente em sede factual questões jurídicas que, havendo dissenso entre as partes sobre as mesmas (como é manifestamente o caso), envolvem necessariamente operações de qualificação jurídica de matéria de facto. Nesta conformidade, considerando-se uma deficiência da decisão da matéria de facto, oficiosamente cognoscível e suprível em segunda instância, tem-se por não escrita a factualidade constante no ponto 7 e a referência “O Município reconhece aquela dívida” constante no ponto 4. Verificando-se que para apreciação da prescrição será necessário corrigir e aditar oficiosamente factos, mantendo a factualidade constante nos pontos 1. e 2., por uma questão de melhor clareza, iremos proceder à reprodução de toda a matéria de facto nos termos que se seguem: 1. Em 22/9/2020 o Município foi citado para pagar a divida exequenda, de acordo com a certidão de dívida ...96, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque: [Imagem no original] - art. 1 da PI, aceite na resposta da ADSE; e fls. 5 do suporte físico do processo; 2. De acordo com o oficio que acompanha a certidão de divida (oficio GDS-.....82, de 14/7/2020) “7.Encontram-se ainda por pagar as notas de reembolso emitidas de 4/01/1978 a 9/09/1992, no montante de €40.084,60 (…); e “ 8. Acresce ainda referir que, apesar da divida de 1978 a 1992 ainda não ter sido paga, a mesma não se encontra prescrita atento o acordo celebrado em 1995 entre ambas as partes, assim como o reconhecimento da mesma em 2012, por parte dessa entidade” – Fls. 6/v do suporte físico do processo); 3. A ADSE, por carta datada de 08.02.1995, notificou o executado nos seguintes moldes: «(…). Reembolsos de cuidados de saúde – Regularização da dívida 3. A dívida dessa Autarquia atingia em 31 de Dezembro de 1994 o seguinte valor: 72 797 046$00. 4. (…), solicita-se que essa Autarquia nos comunique no prazo de máximo de 30 dias se deseja ou não celebrar acordo de regularização da dívida.» [cfr. fls. 192 e 193 do suporte físico dos autos]; 4. O executado enviou carta à ADSE, com data de 16.02.1995, com o seguinte teor: «Relativamente ao ofício de V. Exª No...58, de 8 do corrente, tenho a honra de informar que esta Câmara Municipal, deseja celebrar acordo de regularização da dívida de 72 797 046$00, conforme foi comunicado através dos ofícios ...71, de 29 de Agosto de 1994 e 4858, de 30 de Setembro do mesmo ano.» [cfr. fls. 194 do suporte físico dos autos]; 5. Sobre o pedido referido no ponto precedente recaiu despacho concordante, proferido a 02.03.1995 nos seguintes termos: «De acordo. Comunique-se. A prestação mensal de amortização da dívida será de 3.033.200$.» [cfr. fls. 194 do suporte físico dos autos]; 6. Por ofício datado de 10.03.1995, foi o executado notificado do despacho referido no ponto antecedente, nos seguintes termos: «(…), informo que por despacho do Senhor Director-Geral de 2 do corrente mês, foi autorizado que o pagamento da dívida existente seja efectuado em 24 prestações (…)». [cfr. fls. 195 do suporte físico dos autos]; 7. O executado enviou carta, datada de 23.10.1995, nos seguintes termos: «Devido a dificuldades orçamentais que serão resolvidas logo que possível, venho por este meio solicitar a V. Exa. A prorrogação do prazo de pagamento da importância de 3.120 contos, conforme estabelecido entre a Câmara Municipal e essa entidade em 16.02.95.» [cfr. fls. 196 do suporte físico dos autos]; 8. O executado enviou carta, com data de 13.07.2012, enviada à ADSE, com a referência Of n.º 5533 e «ASSUNTO: Regularização de dívidas à ADSE», onde, para além do mais, reflete o seguinte: «O que torna toda esta situação incompreensível é o facto de estando evidenciado que este Município apresenta um saldo a seu favor de 279.089,99€ sejam reclamadas dívidas que em nosso entender, surgem na sequência da descoordenação existente entre o Ministério da Saúde e o Ministério das Finanças e da Administração Pública. (…). No entanto e de acordo com a informação contabilística existente à data todas as notas de reembolso emitidas pela ADSE e rececionadas nesta autarquia foram liquidadas tendo sido efetuado o último pagamento em 27.09.211, no valor de 22.679,59€. Assim e face ao anteriormente exposto serve a presente missiva para comunicar a V. Exa,. que não aceitamos que seja efetuada qualquer nova retenção por conta de supostas dívidas existentes enquanto não nos for esclarecido de facto e de direito a legitimidade de tal ação, dado este Município deter um saldo credor de 279.089,99€.» [cfr. págs. 198 e 199 do suporte físico dos autos]; 9. O executado enviou carta, datada de 13.12.2019, à exequente, para além do mais, com o seguinte teor: «ASSUNTO: “Regularização de dívidas” (…). Relativamente às alegadas referentes às “Notas de reembolso” e “Notas de reembolso de quotização, emitidas até ao ano de 1992 (inclusive), o Município invocou a respetiva prescrição e consequente inexigibilidade no ofício nº ...00, de 2012.12.05 (…).» [fls. 27 e 28 do suporte físico dos autos]. 10. A 18.08.2020, foi prestada informação pela Diretora de Serviços da ADSE, IP, com o seguinte teor: «(…). 2. Na sequência da receção do nosso ofício GDS-......84, de 14/10/2019, veio a entidade através do ofício n.º ...21, de 13/12/2019, invocar a prescrição de dívidas referentes às notas de reembolso emitidas até ao ano de 1992. (…). 3. Foi o Município ... informado através do nosso ofício GDS-.....20, de 29/05/2020, que o acordo celebrado não fez extinguir qualquer dívida anterior, mas sim que ambas as partes reconhecem a existência de uma dívida e se comprometem a pagar e a receber nos termos acordados, determinando assim a interrupção de qualquer prazo de prescrição que se encontrasse a decorrer à data, iniciando-se um novo prazo de prescrição (Anexo V). Sendo certo que o novo prazo de prescrição da dívida ocorreria, consequentemente em 2015, atenta a celebração do acordo em 1995; O Município por ofício de 2012, veio expressamente reconhecer essa dívida ao alegar o seu pagamento “…de acordo com a informação contabilística existente à data todas as notas de reembolso emitidas pela ADSE e rececionadas nesta autarquia foram liquidadas…” (vide Anexo V), pelo que a sua extinção só poderá ter ocorrido por pagamento e não por prescrição. 4. Através do ofício, de 18/06.2020, veio a entidade remeter comprovativos de pagamentos efetuados para efeitos de reconciliação bancária (Anexo VII). 5. Feita a reconciliação bancária (vide Anexo VIII), face aos documentos enviados pela entidade e os existentes no processo da referida entidade, foi a mesma informada que à data se encontrava por regularizar o montante de 40.832,85 €, sendo que 40.084,60 € dizem respeito a notas de reembolso do período de 1978 a 1992; período este que fazia parte do acordo de pagamentos que a entidade não cumpriu. Assim, e face ao teor do ofício por nós rececionado, em 10/08/2020 através do qual a entidade reitera a invocação da prescrição e extinção da dívida de 1978 a 1992 (vide Anexo IX), submete-se à consideração superior o envio do valor em dívida para cobrança coerciva (40.084,60 €).»; 11. A informação elencada no ponto antecedente mereceu despacho da Presidente do Conselho Diretivo nos seguintes termos “Concordo. Remeta-se o valor em dívida para cobrança coerciva” [cfr. fls. 83 e 84]. * IV – DE DIREITO: Estabilizada a matéria de facto, avançamos agora no conhecimento do recurso para apreciação do apontado erro de julgamento à sentença recorrida por ter concluído pela não verificação da prescrição da quantia exequenda e, nessa conformidade, pela improcedência da oposição. Na sentença recorrida explanou-se a seguinte fundamentação: «Prescrição da divida. Tal como se retira da certidão de divida e dos documentos que suportam os factos provados, a divida exequenda emerge do reembolso de cuidados de saúde prestados a beneficiários da ADSE, em estabelecimentos do SNS e em prestadores privados do regime convencionado. Estas despesas são pagas directamente pela ADSE àqueles prestadores de cuidados de saúde, sendo as quantias objecto de reembolso pela autarquia (à ADSE), de acordo com os art.ºs 5.º e 19.º, n.º 4 al. b) do DL 118/83, de 25/2. Contudo, no processo de oposição à execução não se discute, nem se pode discutir, a legalidade da divida cuja impugnação tem um processo próprio que é, precisamente, a impugnação judicial ou a acção administrativa em matéria tributária. Não existindo lei especial que regulamente a matéria da prescrição da divida exequenda tem de se aplicar o prazo geral de prescrição de 20 anos, previsto no art.º 309.º do CC – e que ainda não ocorreu porque o Município sempre reconheceu a divida em causa, pelo menos em 16/2/1995, 26/1/2011, 1/3/2011, 27/9/2011, 13/7/2012, 19/3/2013, 21/2/2013 e 23/4/2013, 26/3/2014, 26/5/2014, 3/10/2014 e 10/12/2019 e 27/12/2019. Assim, a prescrição é sucessivamente interrompida pelo reconhecimento do direito efectuado pelo Município perante a ADSE, que inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente –art.º 325.º, n.º 1 CC. Por outro lado, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo – art.º 327.º, n.º1 do CC.» Sendo esta a fundamentação extratada da sentença recorrida, não a podemos validar por a mesma não estar em conformidade com os factos apurados nos autos. Se não, vejamos. No presente caso, estão em causa dívidas provenientes do reembolso de cuidados de saúde prestados a beneficiários da ADSE em estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde e em prestadores privados do regime convencionado. Ora, nos termos do disposto nos art.s 5.º e 19.º, n.º 4, al. b) do DL n.º 118/83, de 25/02, estas despesas são pagas diretamente pela ADSE àqueles prestadores de cuidados de saúde, sendo as quantias objeto de reembolso pela autarquia, no caso, o Município ..., à ADSE. Não estando especialmente regulado o regime da prescrição da dívida exequenda teremos de nos socorrer do regime geral prescrito no Código Civil, conforme gizado nos artigos 300.º a 327.º. Nos termos do disposto no art. 309.º do Código Civil, o prazo ordinário da prescrição é de 20 anos. O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo de prescrição, nos termos do n.º 1, do artigo 306.º do Código Civil. Quanto à interrupção da prescrição, estabelece o art. 323.º, n.º 1, do mesmo diploma legal que a prescrição interrompe-se, para além do mais, pela citação. Sendo certo que a prescrição se interrompe, ainda, pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido [art. 325.º, n.º 1, ibidem]. Sobre os efeitos da interrupção, prescreve o art. 326.º, n.º 1 que a interrupção, inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a parti do ato interruptivo. E a nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva [n.º 2]. As causas suspensivas encontram-se reguladas nos artigos 318.º a 322.º. Enunciado o quadro normativo pertinente para a apreciação da prescrição da dívida exequenda, importa, agora, convocar a factualidade assente, para a partir daí se retirarem as dívidas consequências legais. Ora, como exterioriza o elenco dos factos assentes, a dívida exequenda diz respeito ao intervalo de tempo compreendido entre 04.01.1978 a 09.09.1992 [pontos 1 e 2 dos factos provados]. Para uma melhor compreensão da análise da prescrição, iniciaremos pela dívida mais recente, pois, caso a mesma se mostre prescrita, necessariamente e por maioria de razão, as demais, por serem mais antigas, também o estarão, sujeitas às mesmas vicissitudes factuais e jurídicas. A dívida de 09.09.1992 prescreveria a 10.09.2012, caso inexistissem quaisquer causas de suspensão ou interrupção. E, no caso, não se verificando qualquer causa de suspensão, constata-se, no entanto, existirem duas causas de interrupção. Concretizando. A ADSE notificou o Município ... da existência da dívida exequenda, por ofício de 8.02.1995, e este, a 16.02.1995, manifesta a vontade de celebrar um acordo de regularização da dívida, que foi aceite a 02.03.1995, requerendo a 23.10.1995 a prorrogação do prazo de pagamento [pontos 3. a 7. da matéria assente]. Destarte, a manifestação de vontade exteriorizada, quer no pedido de acordo quer no pedido de prorrogação do prazo de pagamento das prestações, é uma clara consequência do reconhecimento da dívida, pois, atentas as regras da experiência comum, só quem reconhece que está em dívida é que manifesta a vontade de proceder ao pagamento e solicitar a prorrogação do prazo para o efeito. Ora, este reconhecimento tem o valor jurídico que lhe é concedido pelo art. 325.º do Código Civil. Por este motivo o prazo de prescrição em curso interrompeu-se, inutilizando todo o tempo decorrido anteriormente [art.s 325.º, n.º 1 e 326.º, n.º 1, já citados]. Assim, a 24.10.1995, inicia-se novo prazo de prescrição de 20 anos, o qual atingiu o seu termo a 24.10.2015, por não se verificar, entretanto, qualquer causa de interrupção. Donde, a 22.09.2020, data em que ocorreu a citação do executado [facto com suscetibilidade de interromper o prazo de prescrição – art. 323.º, n.º 1 do Código Civil], já se mostrava largamente ultrapassado o prazo de prescrição. É certo que a ADSE alega que, do requerimento apresentado pelo executado a 13.07.2012 [ponto 8 da matéria de facto], se extrai o reconhecimento da dívida, porém, não é assim. Pois, o executado alega que, no seu entendimento, não tem qualquer dívida para com a ADSE e que tem um saldo a seu favor, concluindo «não aceitamos que seja efetuada qualquer nova retenção por conta de supostas dívidas existentes enquanto não nos for esclarecido de facto e de direito a legitimidade de tal ação, dado este Município deter um saldo credor de 279.089,99€.» Ora, os pagamentos efetuados pelo executado relativos a outros períodos temporais não estão em causa nos autos, apenas, os que não foram pagos referentes ao período compreendido entre 04.01.1978 e 09.09.1992, como é aceite pela exequente na informação e no despacho que a sancionou, proferidos a 18 e 19.08.2020, respetivamente [pontos 10 e 11 da matéria de facto]. E, quanto às dívidas dos anos de 1978 a 1992, nada é referido em concreto. Para além disso, se dúvidas houvesse, na carta datada de 13.12.2019 [ponto 9, da matéria de facto], o executado expressamente invoca a prescrição quanto a estas dívidas. Daí que não se possa extrair e nem conclur que tenha havido qualquer reconhecimento das dívidas em cobrança coerciva [com exceção do reconhecimento manifestado aquando do acordo de pagamento e prorrogação do prazo, conforme acima analisado]. Em conclusão, a dívida mais recente encontra-se prescrita. E, consequentemente, sendo transponível para as dívidas exequendas mais antigas toda a análise fático-jurídica levada a cabo supra, inelutavelmente, se conclui que, também, relativamente a estas ocorreu a sua prescrição. Nesta conformidade, a sentença recorrida que julgou não verificada a prescrição da quantia exequenda respeitantes a dívidas de períodos compreendidos entre os anos de 1978 e 1992, não se pode manter na ordem jurídica, por padecer de erro de julgamento. * Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder total provimento ao recurso e, nessa conformidade, revogar a sentença recorrida, julgar a oposição procedente e extinta a execução fiscal por prescrição da quantia exequenda. * Nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC., formula-se o seguinte SUMÁRIO: I – Não existindo para as dívidas provenientes do reembolso de cuidados de saúde prestados a beneficiários da ADSE um regime especial de prescrição aplica-se o previsto no Código Civil, nos artigos 300.º a 327.º. II – Tendo a citação ocorrido, a 22.09.2020, depois de decorrido o prazo de 20 anos a contar do último ato interrompido, não teve a citação a virtualidade de interromper um prazo que já se encontrava extinto pelo seu decurso. * V – DECISÃO: Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder total provimento ao recurso, e, nessa conformidade, revogar a sentença recorrida, julgar a oposição procedente e extinta a execução fiscal por prescrição da quantia exequend Custas pela ADSE em ambas as instâncias. Porto, 23 de maio de 2024 Vítor Salazar Unas Ana Patrocínio Cristina Travassos Bento |