Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01025/17.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/12/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES
Descritores:POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA;
DISCRICIONARIEDADE;
TRANSFERÊNCIA DE AGENTE; PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE;
Sumário:
1 – Estando em apreço uma transferência de um agente de polícia, recai sobre o Réu o ónus da prova dos factos constitutivos do direito a proceder a essa mudança.

2 – Sendo pressuposto que a entidade administrativa tem a seu favor a presunção de que o poder discricionário que lhe é conferido, e nos termos e pressupostos em que o exerce, visa alcançar um concreto fim que tem amparo na lei, a sua actuação deve ser prosseguida em obediência ao direito e à lei, sempre dentro dos limites dos poderes que lhe são conferidos e para satisfação dos fins legalmente dispostos.

3 – Não estando subjacente às decisões dos autores dos actos impugnados nenhuma factualidade que por si tenha sido determinante da decisão da transferência do Autor ora Recorrido tendo em conta critérios racionais de gestão do serviço policial na vertente dos recursos humanos, nem de salvaguarda do interesse público, do equilíbrio do serviço público, nem com a garantia da observância de critérios de legalidade, eficácia e operacionalidade dos serviços, a transferência do Autor ao abrigo de um concreto normativo e a pretexto da sua execução ao abrigo do poder de gestão dos activos policiais, consubstancia a final, a sua subversão por não conforme com o fim visado pela lei.

4 - Tendo subjacente o alargado princípio da juridicidade, que entre outros compreende o princípio da legalidade, da justiça e da imparcialidade da actuação da Administração, para que a sua actuação possa ser tida e valorada sem reparos, tem de ser prosseguida no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos daqueles com quem se relaciona [Cfr. artigo 266.º, n.º 1 da CRP].*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - RELATÓRIO

MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [devidamente identificado nos autos], Réu na acção que contra si foi intentada por «AA» [também devidamente identificado nos autos], inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual julgou procedente o pedido formulado a final da Petição inicial, atinente à impugnação do acto datado de 15 de janeiro de 2015, proferido pelo Comandante da PSP do Porto, bem como dos despachos proferidos pelo Director Nacional-Adjunto da PSP e da Ministra da Administração Interna, datados, respectivamente, de 29 de julho de 2015 e de 02 de janeiro de 2017, que negaram provimento aos recursos hierárquicos por si intentados, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
Conclusões:
A) A Douta Sentença Recorrida, salvo o devido respeito, padece de erro na interpretação e aplicação do direito, quando considerou que a transferência do Autor, ora recorrido, se configurou como uma autêntica sanção;
B) Efetivamente, por despacho de 15.01.2015, o Comandante do Comando Metropolitano do Porto da Polícia de Segurança Pública, determinou a colocação do ora A. na Divisão Policial de ... - de fls. 379 do processo administrativo;
C) O referido despacho deu concordância à proposta do Comandante da 6.a Esquadra de Investigação Criminal, a que o Autor, ora recorrido, estava afeto, datada, por lapso de escrita, de 15.01.2014, quando se pretendia indicar 15.01.2015 - de fls. 378 e 379 do processo administrativo;
D) Da proposta do Comandante da 6.a Esquadra constam as razões pelas quais é solicitada a transferência do Autor, ora recorrido;
E) O A., ora recorrido, passou a exercer funções na Divisão Policial de ... em 16.02.2015, nos termos da ordem de serviço n.º ...5 de 05.02.2015 - de fls. 395 a 401 do processo administrativo;
F) Em 18.02.2015, apresentou requerimento pedindo que lhe fossem dados a conhecer os elementos referidos no n.º 1 do artigo 68.º do CPA, então em vigor, porquanto desconhecia a motivação do despacho atrás referido - de fls. 402 do processo administrativo;
G) Não obtendo resposta, intentou ação de intimação para prestação de informações junto do Tribunal Administrativo do Porto - de fls. 406 e 407 do processo administrativo;
H) Foi dada resposta pelo ofício do Comando Metropolitano do Porto de 27.03.2015 - de fls. 385 do processo administrativo - no qual foram sumariadas as razões da transferência enunciadas no artigo 9.º do presente recurso;
I) Por não concordar com a decisão, o ora A interpôs recurso hierárquico para o Diretor Nacional da PSP - de fls. 424 a 429 - tendo sido negado provimento por despacho do senhor Diretor Nacional Adjunto de 29.07.2015, com os fundamentos da Informação/Proposta ...66/DARH/2015 de
28.07.2013, a saber, estar em causa ato administrativo que se insere na área de competência e responsabilidade funcional do Comandante do Gomando Metropolitano, de fazer a gestão permanente dos recursos humanos e que "(...) teve em conta critérios de gestão do serviço policial e de salvaguarda do interesse público. " de fls. 414 a 417 do processo administrativo;
J) Inconformado com esta decisão, interpôs recurso hierárquico para a Senhora Ministra da Administração Interna em 29.09.2015;
K) [Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]Por despacho de 07.01.2017 da Senhora Ministra da Administração interna, foi negado provimento ao recurso hierárquico, por não procederem os argumentos do então recorrente, uma vez que a gestão e o emprego dos meios policiais sob o comando do Comandante Metropolitano do Porto da PSP têm natureza discricionária, de acordo com as necessidades do serviço, cabendo o ato de transferência do Autor, ora recorrido, da 6.a Esquadra de Investigação Criminal para a Divisão Policial de ... na previsão do artigo 36.º da Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto. qua aprovou a orgânica da Polícia de Segurança Pública, estando devidamente fundamentado e não tendo qualquer repercussão da carreira, categoria ou retribuição base do ora recorrido - de fls. 496 a 503 do processo administrativo;
L) Na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos e, nesse contexto, a Polícia de Segurança Pública utiliza como meio universal de difusão de informação e orientações técnicas e profissionais, prestação de esclarecimentos, tanto para a concessão de direitos, como para a constituição de deveres, entre outros, o instrumento interno denominado "Ordem de Serviço", cuja leitura é obrigatória para todo o pessoal da corporação; M) O ora recorrido intentou, ação para prestação de informações, como atrás se referiu, por entender que devia tomar conhecimento da fundamentação da decisão, tendo sido consignada a data de 27 de março 2015 como o momento em que o Autor teve conhecimento das razões de facto e de direito da decisão que, obviamente, não poderiam constar de uma Ordem de Serviço considerando-se satisfeito na sua pretensão e preenchidos os normativos do CPA nessa matéria;
N) Não se conformando com o teor do despacho, veio o ora recorrido invocar, na ação, que o mesmo se baseou em pressupostos erróneos sem, contudo, especificar os alegados pressupostos ou concretizar o erro, limitando-se a transcrever os motivos alegados pelo Réu considerando-os falsos, sem, contudo, os refutar com a factualidade;
O) Nessa linha, alega que as razões da transferência nada têm a ver com o interesse público ou conveniência de serviço, mas com questões de desempenho profissional e sancionatório por não corrigir o alegado comportamento - artigo 13.º da p.i.;
P) Ora, como o ora recorrido bem sabia e não podia ignorar, pelas avaliações de serviço que precederam a referida ordem de serviço, não estaria a cumprir os objetivos que lhe foram propostos, conforme se depreende do acervo documental que integra o processo administrativo;
Q) A transferência a que alude o artigo 28.º n.º 1 da Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro (RDPSP) que o ora recorrido trouxe à colação, tem origem num procedimento disciplinar, o que não se aplica in casu, pois que nem todas as transferências têm origem em procedimento disciplinar e nem por isso deixam de ser legítimas ou legais;
R) Sucede que a competência do Comandante Metropolitano do Porto engloba o exercício da gestão e emprego dos meios humanos que lhe estão distribuídos, podendo colocar e transferir o pessoal sob seu comando, de acordo com as necessidades do serviço, dentro da sua área de
responsabilidade, conforme previsto na alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 36 0 da Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto, que aprovou a orgânica da Polícia de Segurança Pública e no anexo III da Portaria n.º 434/2008, de 18 de junho, alterada pela Portaria n.º 2/2009, de 2 de janeiro e pela Portaria n.º 1 195/2009, de 8 de outubro;


S) Como o ora recorrido bem sabe e não podia ignorar, existe um dever de disponibilidade permanente Não se tratando aqui do Dever de Disponibilidade, constante do Regulamento Disciplinar, como foi para o serviço, plasmado à data do despacho sub judice no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 299/2009, de 14 de outubro, revogado, posteriormente, pelo Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro e que prevê, de modo semelhante, no n.º 1 do artigo 12.º com prejuízo da vida pessoal, para todos os profissionais da PSP com funções policiais;
T) Acresce que deveria conhecer a NEP n.º OPSEG/DEPOP/04/02, de 22 de março de 2000 - junta de fls. 505 a 517 do processo administrativo - que refere no ponto 4. al. a) e no Anexo II, o perfil dos elementos que passem a integrar as Brigadas de Investigação Criminal;
U) Ora, conforme refere a Informação/Proposta de 15.01.2015, "(...) o serviço de investigação crimina/ reveste-se de especiais caraterísticas que só por si exigem disponibilidade permanente para o serviço (...) uma boa iniciativa e eficácia no serviço prestado.”
V) Considerando as avaliações de serviço anteriores, o ora A. não preenchia estes requisitos o que, por questões de eficiência e salvaguarda do interesse público, eram razões mais do que suficientes para que fosse afeto a outras funções, dentro do mesmo comando Metropolitano, mais adequadas ao seu perfil profissional;
W) Consta ainda da referida NEP que é da responsabilidade dos Comandantes das BAC (Brigadas de Investigação Criminal) e das BIC (Brigadas de Investigação Criminal) a verificação permanente dessas características entre o seu pessoal, o que legitimou a proposta de transferência subscrita pelo Comandante da 6.a Esquadra de Investigação Criminal e que mereceu a concordância do Senhor Comandante Metropolitano do Porto;



X) A fundamentação para a transferência, entretanto comunicada ao ora recorrido, tem escudo na factualidade descrita pelo ora recorrente, pelo que não colhe o argumento da falta de fundamentação na decisão do Comandante Metropolitano do Porto e muito menos o vício invocado de nulidade;
Y) Temos de concluir que a gestão dos meios policiais da sua área de responsabilidade integra a competência do Comandante Metropolitano, tem natureza discricionária e teve em conta critérios de gestão do serviço policial e de salvaguarda do interesse público, prosseguindo critérios de legalidade, eficácia e operacionalidade;
Z) Nestes termos, o ato administrativo em crise, mantido nos dois sucessivos recursos hierárquicos, não se encontra inquinado de nenhum dos vícios alegados pelo ora recorrido, não se verificando, igualmente, de acordo com o que ficou expendido, nenhum dos vícios apontados na Douta Sentença; AA) Resulta assim demonstrado que a Douta Sentença padece de erro de facto e de direito. ao considerar que se está perante "a aplicação de uma autêntica sanção sem que se tenha verificado a prática de qualquer infracção disciplinar porquanto, como antes se viu, não se verificou a violação do dever de disponibilidade por parte do Autor.”
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DOS VENERANDOS DESEMBARGADORES, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM
CONSEQUÊNCIA, DEVERÁ SER REVOGADA A, ALIÁS, DOUTA SENTENÇA, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2022, ORA RECORRIDA, QUE PADECE DE ERRO DE DIREITO.
[…]”
**

O Recorrido apresentou Contra Alegações, no âmbito das quais apresentas as respectivas conclusões, que ora se reproduzem:

“[…]
II – Conclusões:
A. O Recorrente o invoca nas suas alegações em crise que a douta sentença do tribunal a quo, “padece de erro de facto e de direito”;
B. Porém, não enuncia como deveria quanto à matéria de direito quais as normas jurídicas violadas, as normas que fundamentam essa alegada violação ou sequer as normas que no seu entendimento deviam ter sido aplicadas,
C. bem como da mesma forma quanto à matéria de facto não enuncia os factos que considera que foram incorretamente dados como provados e, assim mal julgados; D. Não cumprindo, dessa forma, os requisitos legalmente exigidos para a apresentação das suas alegações;
E. Devendo, assim, ser o recurso ser rejeitado, nos termos do artigo 640.º, n.º 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 1.º, CPTA, por outro lado sempre deverá relevar:
F. O Recorrente na fundamentação do seu recuso não coloca em causa a matéria de facto dada como provada, nem sequer a reapreciação da prova gravada e não indica quais os concretos meios de prova que impunham decisão contrária à proferida na douta Sentença;
G. Assim sendo, concorda totalmente com a douta apreciação que a Meritíssima Juíza faz de toda a prova produzida, bem como de toda a prova produzida, quer documental, quer testemunhal;
H. Limitando-se o Recorrente a atacar a douta decisão recorrida com frases meramente conclusivas (algumas delas falsas ou distorcidas da realidade) e com uma interpretação errada das normas jurídicas aplicadas ao caso concreto, carreando os mesmos argumentos suscitados na sua contestação, o que é de todo inaceitável e mesmo inadmissível;
I. Assim, aderimos na integra à valoração da matéria de facto dada como provada e como não provada, pois foram ponderados todos os elementos probatórios em juízo;
J. A sentença em crise respeita as regras do Direito Adjetivo e Substantivo; K. Não merecendo qualquer alteração ou reparo no que diz respeito a matéria de facto ou de direito;
L. Em suma, é manifesto pelo conjunto exposto, a douta sentença proferida a quo, não merece qualquer censura, pelo que, deve ser devidamente confirmada integralmente.

Por tudo o que vem dito, sem necessidade de mais amplas considerações, deverá o presente recurso ser rejeitado pela sua inadmissibilidade legal ou caso assim não se entenda, deverá ser julgado improcedente, por não provado e, consequentemente, confirmar a decisão proferida pelo Tribunal a quo com todos os efeitos legais, fazendo-se assim justiça.
[…]”

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.


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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO
No âmbito da factualidade considerada pelo Tribunal recorrido em sede da Sentença proferida, dela consta o que por facilidade, para aqui se extrai como segue:

“[…]
IV – Fundamentação de facto:
Com pertinência para o conhecimento da lide, resulta provada a seguinte factualidade:
A) O Autor é Agente Principal da PSP, com a matrícula nº ...25;
B) No início de 2015, encontrava-se a exercer funções na 6ª Esquadra de Investigação Criminal (doravante abreviadamente EIC) do Comando
Metropolitano do Porto;
C) A 15/01/2015, o Comandante da 6ª EIC, Subcomissário «BB», emitiu uma informação sob o assunto de transferência de elemento policial, da qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) 1. A presente informação/proposta visa expor uma proposta de transferência do Agente Principal n/M 2913/...25 «AA», actualmente do efectivo da 6ª EIC por troca com um elemento policial da Esquadra de ...; 2. A relação funcional entre o subscritor da presente informação e o Agente Principal «AA» iniciou-se em Outubro de 2010 tendo numa primeira fase durado até ao mês de Julho de 2012, altura em que o informante foi transferido para 8ª Esquadra de Investigação Criminal, e desde logo foi notório que o desempenho geral do referido Agente era mediano e claramente um pouco abaixo da média dos colegas de esquadra; 3. Estando na altura colocado na Brigada das Pessoas a realizar maioritariamente ofícios/cartas precatórias, o mesmo apresentava um baixo número de cartas/ofícios realizados quer em 2010 como em 2011; 4. Por esse e outros factores teve uma das piores avaliações de serviço da esquadra no ano de 2011 tendo uma nota quantitativa de 8,33 que corresponde ao bom, tendo-lhe sido comunicado nessa altura que revelava alguma inconstância na determinação e desempenho da missão que lhe estava confiada; 5. Já na avaliação de serviço extraordinária de 2012 (01JAN2012 a 08JUL2012) e como forma de motivação foi o Agente «AA» avaliado de forma a subir a sua auto-estima, e ao mesmo tempo depositado assim um voto de confiança com vista a melhora seu desempenho profissional; 6. Posteriormente o signatário é colocado novamente a comandar a 6ª Esquadra de Investigação criminal (MAR2014) e desde então até à presente data é notório que o desempenho do referido Agente em nada se alterou, mantendo um baixo nível de desempenho profissional, demonstrando também pouca iniciativa e determinação no serviço que desempenha;7. Refira-se que actualmente o Agente Principal «AA» está adstrito à BIC Pessoas, desenvolvendo maioritariamente investigações de processos-crime de violência doméstica onde existe um nível de risco baixo para as vítimas, sendo o seu desempenho mediano; 8. De igual relevo importa referir que o serviço de investigação criminal reveste-se de especiais características que por si só exigem uma disponibilidade permanente para o serviço, conhecimentos profissionais alicerçados não só na prática policial como também no estudo e acompanhamento da legislação e doutrina do direito em geral, uma boa iniciativa e eficácia no serviço prestado, um desempenho profissional que por si só seja apontado como um bom exemplo a seguir pelos restantes elementos policiais; 9. Ora de forma clara e peremptória podemos afirmar que o Agente Principal «AA» não assume tais predicados nem tão pouco se preocupou em melhorar o seu desempenho profissional, mesmo após lhe ter sido dada oportunidade para tal; 10. De igual forma, e após auscultar o Adjunto desta EIC e o Chefe Coordenador da Brigada BIC Pessoas, ambos foram unânimes em comunicar que neste momento o Agente Principal «AA» não reúne as condições necessárias ao desempenho de funções na 6ª Esquadra de Investigação Criminal; Por todo o exposto, venho por este meio, solicitar a transferência do Agente Principal n/M 2913/...25 «AA» para a Divisão Policial de ..., e a transferência do Agente n/... «CC» do efectivo da Esquadra e Divisão Policial de ... para a 6ª EIC. (…)”;
D) Na mesma data, o Comandante Metropolitano do Porto apôs despacho de concordância na informação transcrita supra;
E) A 03/02/2015, o Chefe do Núcleo de Recursos Humanos do Comando Metropolitano do Porto da PSP emitiu uma informação sob o assunto da colocação do Autor, na qual se pode ler, designadamente, o seguinte: “(…) Tendo em consideração a necessidade de reforçar a Divisão Policial de ... com mais recursos humanos, proponho a V.Exª., que o Agente acima referido, seja colocado nesta Divisão, com efeitos reportados ao dia 16/02/2015, deixando de pertencer ao efectivo da ..., com efeitos reportados ao dia 15/02/2015.”;
F) A 04/02/2015, o Intendente apôs despacho de concordância sobre a
informação transcrita supra;
G) A 05/02/2015, a transferência do Autor foi publicada na Ordem de Serviço sob o nº ...25;
H) A 16/02/2015, o Autor dirigiu ao Sr. Comandante Metropolitano do Porto da PSP um requerimento, solicitando o seguinte: “(…) 1. O requerente tomou conhecimento, através da Ordem de Serviço n.º ...25, de 5 de Fevereiro de 2015, da determinação de V. Exa, com o seguinte conteúdo: «Que o Agente Pr. N...25, «AA», da ..., seja colocado na Divisão Policial de ..., com efeitos a partir de
16FEV2015.» (Cf. a identificada Ordem de Serviço, "II — Orgânica; 3. Agentes Policiais: d) Colocação.). 2. Desconhece o requerente qual a motivação subjacente á referida determinação. Isto é, 3. Desconhece quais as razões de facto e de direito que levaram V. Exa. a proferir tal determinação. 4. Sendo que, com o devido respeito, tal determinação, na medida em que modifica a sua actual situação funcional (desde 2008 a exercer funções na ..., aí colocado por convite), carece de ser fundamentada. Assim, pelas razões expostas, vem requerer a V. Exa. se digne dar a conhecer ao requerente, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 66.º e 68.º do CPA, os elementos referidos no n.º 1 do referido artigo 68.º do CPA. (…)”;
I) A 27/03/2015, em sede de intimação para a prestação de informações, que correu termos neste Tribunal sob o nº 820/15...., o Sr. Comandante Metropolitano da PSP do Porto comunicou ao Ilustre Mandatário do Autor o seguinte: “(…) 1. A colocação interna do ora requerente, em nosso entendimento, não consubstancia a prática de acto administrativo, nos termos referidos no requerimento em análise, mas sim um acto de mera gestão interna dos serviços. Mesmo que assim não seja entendido, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, 2. sempre se dirá que, este Comando estava dispensado de proceder à notificação do interessado nos termos do preceituado no Artigo 67.º do Código de Procedimento Administrativo, porquanto, em momento anterior ao da publicação da referida colocação em ordem de serviço, o mesmo teve perfeito conhecimento de que iria ser colocado noutra subunidade, bem como dos motivos que lhe estavam subjacentes. Na verdade, 3. muito antes de se ter decidido a sua colocação, foi dada oportunidade ao ora interessado para corrigir o seu comportamento profissional. 4. Assim, foi o mesmo advertido, no âmbito das suas avaliações de serviço dos anos 2010/2011, de que apresentava pouco interesse, alguma inconstância na determinação e desempenho da missão que lhe estava confiada. 5. Na tentativa de elevar a sua auto-estima e melhorar o seu desempenho profissional, foi-lhe subida a pontuação na avaliação de serviço do ano 2012. 6. Porém, nos tempos que se seguiram, não foram registadas quaisquer melhorias, 7. Pelo contrário, piorou o seu comportamento, especialmente a partir de meados do mês de Março de 2014, registou um baixo nível de desempenho profissional, pouca iniciativa e determinação no serviço que desempenhava. 8. Após ter sido auscultado o seu coordenador directo (Chefe «DD» e o adjunto da 6.ª Esquadra de Investigação criminal, ambos foram unânimes em afirmar que o ora interessado deixara de reunir as condições necessárias para continuar a desempenhar as funções que lhe estavam acometidas, quer por falta de produtividade, quer por falta de disponibilidade para o serviço. 9. Em face de tais circunstâncias, em 15 de Janeiro de 2015, foi apresentada proposta pelo seu Comandante de Esquadra, Subcomissário «BB», para que o mesmo fosse colocado noutra subunidade, cfr. Cópia que se junta. 10. Na mesma data (15.01.2015) por meu despacho foi ordenada a colocação do interessado na Divisão de ..., por se encontrar mais carecida de recurso humanos. 11. Em 30 de Janeiro, o ora interessado tomou conhecimento de que a sua colocação na Divisão Policial de ... havia sido ordenada e que apenas faltava publicar tal facto em ordem de serviço, vide e-mail enviado ao Chefe do Núcleo de Recursos Humanos pelo Subcomissário «BB». 12. Tanto assim foi, que o mesmo terá mostrado algum desagrado ao seu Comandante de esquadra. 13. Em 5 de Fevereiro de 2015, foi publicada a colocação em ordem de serviço do Comando Metropolitano do Porto. (…)”;
J) A 14/04/2015, o Autor dirigiu uma designada “reclamação” ao Comandante da Divisão de Investigação Criminal do Comando Metropolitano da PSP do Porto relativamente à avaliação atribuída ao período de Março a Dezembro de 2014, que aqui se dá por integralmente reproduzida, requerendo a intervenção da Comissão Paritária;
K) A Comissão Paritária deliberou propor a atribuição ao Autor da nota quantitativa de 8, correspondente a “Bom”, para o ano de 2014, proposta esta que, a 11/12/2016 foi homologada;
L) O Autor deduziu um designado “recurso hierárquico” do despacho que determinou a sua transferência, dirigido ao Director Nacional da PSP, o qual se dá aqui como integralmente reproduzido;
M) A 28/07/2015, o Departamento de Recursos Humanos da PSP elaborou um parecer quanto ao recurso hierárquico apresentado pelo Autor, do qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) À luz do artigo 36.º, n.º 1, alíneas b) e d) da Lei n.º 53/2007, de 31 de Agosto, o acto do Exmo. Comandante que determinou a movimentação e define a situação jurídica deste elemento policial constitui um acto interno de organização de serviços, um mero acto de administração e emprego dos meios humanos que a nível do comando lhe está distribuído, garantindo com a tomada de decisão a regularidade, a continuidade e eficácia do serviço policial; 4) Embora a conduta decisória sobre a matéria seja a expressão da vontade da administração, a solução preconizada foi de manter o equilíbrio do serviço público, procurando, assim ajustar critérios que normalmente regem as colocações internas; 5) No caso dos autos, a razão que subsiste e que é clara na argumentação expressa informação/proposta do Exmo. Comandante da Esquadra e do parecer do Exmo. Comandante de Divisão que consubstancia o despacho recorrido, e reafirmado agora na posição da entidade recorrida, assenta em razões que se identificam com a defesa do interesse público e conveniência de serviço; 6) E isto porque pelos fundamentos expostos, tratando-se de um serviço público operacional específico, como é o caso do serviço de Investigação Criminal, que exige uma disponibilidade permanente para o serviço e é norteado pela exigência de conhecimentos profissionais alicerçados na prática policial, no estudo e acompanhamento de normas jurídicas e na boa iniciativa e eficácia do serviço prestado, o Comando entende que esta realidade não se coaduna com a vontade manifestada do recorrente; 7) Na base do julgado, está a consideração essencial de que o recorrente desde 2010 que apresentava pouco interesse, alguma inconstância na determinação e desempenho da missão que lhe estava confiada. Ainda que tenha melhorado o seu desempenho em 2012 e isto a avaliar pela menção quantitativa que obteve de MUITO BOM, na opinião daquele comando o recorrente piorou o seu comportamento, especialmente a partir de meados de Março de 2014, registando um baixo nível de desempenho profissional, pouca iniciativa e determinação no serviço que desempenhava, falta de produtividade e disponibilidade para o serviço; 8) Como fundamento de oposição à colocação, o recorrente invoca que na classificação de serviço de 2011, obteve a classificação de MUITO BOM, argumentação que não procede, pois, conforme consta na ficha de avaliação desse ano, o recorrente obteve a menção qualitativa de BOM, a que corresponde a classificação quantitativa de 8,333 valores (doc.5); 9) Relativamente aos anos de 2012 e 2013, confirma-se o alegado de que o recorrente obteve a menção qualitativa de MUITO BOM; 10) O recorrente ataca o despacho recorrido, argumentando que só em 27 de Março de 2015, é que teve conhecimento das razões de facto e de direito da sua colocação. Ora, como se afirma na informação do comando veiculada por mail (doc.6), pelo menos em duas conversas presenciais entre o Comandante da EIC, o Chefe Coordenador da Brigada das Pessoas e o recorrente, foi-lhe comunicada a intenção da sua saída da EIC e os motivos principalmente determinantes que o comando considerava suficientemente relevantes; 11) Os fundamentos que sustentam o despacho recorrido foram ainda comunicados à Direcção Nacional através do ofício n.º ...15, de 23.03.2015 (doc.7) e ao ilustre mandatário do recorrente através do ofício n.º ...15, de 27.03.2015 (doc.8), no âmbito do pedido do recorrente (doc.9) e do pedido de intimação judicial para prestação de informação (doc.10); 12) Relativamente ao alegado nos pontos 6 e 8 da petição de recurso, relativamente ao desempenho profissional e o mapa de rotação mensal, falta de produtividade e disponibilidade para o serviço, remetemos a nossa posição para os fundamentos constantes nos pontos 18.2.3, 18.2.4 e ponto 21 da informação da entidade recorrida. Conclusões: 1) O acto administrativo definidor da situação jurídica deste trabalhador insere-se na área de competência e responsabilidade funcional do comandante do comando de fazer a gestão permanente dos recursos humanos afectos à sua disposição; 2) Teve em conta critérios de gestão do serviço policial e de salvaguarda do interesse público e afere-se pela legalidade, eficácia e operacionalidade exigida; 3) Sendo, por isso, certo que a conduta decisória foi a expressão de uma vontade livre e esclarecida do comandante, que avaliando e ponderando do ponto de vista factual e jurídico os interesses em presença e as necessidades do seu comando, pugnou pela solução que no seu quadro se lhe apresentou conveniente e legal. Por tudo o exposto, não assistindo razão ao recorrente, afigura-se-nos dever concluir-se pelo indeferimento do pedido, mantendo-se o despacho recorrido datado de 15.01.2015, (…)”;
N) A 29/07/2015, o Director-Nacional Adjunto da PSP apôs despacho de concordância sobre o parecer identificado supra, negando provimento ao recurso hierárquico;
O) A 12/08/2015, a decisão identificada em N) foi comunicada ao Autor;
P) O Autor dirigiu novo recurso hierárquico, desta feita dirigido à Senhora Ministra da Administração Interna, sobre a mudança do local de trabalho;
Q) A 03/01/2017, o Gabinete da Ministra da Administração Interna exarou parecer quanto ao recurso apresentado pelo Autor, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, constando, designadamente, o seguinte: “(…) 9. Na verdade, e analisados os factos, verificamos: a) A gestão e o emprego dos meios policiais sob o comando do Comandante do COMETPOR têm natureza discricionária, de acordo com as necessidades de serviço, dentro da sua área de responsabilidade; b) O Comandante do COMETPOR, ao proceder à transferência do ora Recorrente da 6.ª Esquadra de Investigação Criminal para a Divisão Policial de ..., actuou no uso das suas competências próprias, previstas no artigo 36.º da Lei n.º 53/2007, de 31 de Agosto, que aprovou a orgânica da Polícia de Segurança Pública, e dentro dos limites legalmente estabelecidos; c) A transferência encontra-se devidamente fundamentada, nomeadamente por critérios de gestão dos serviços policiais do COMETPOR e por necessidades de interesse público; d) A referida transferência não tem qualquer repercussão na carreira, categoria ou retribuição base do Recorrente. 10. Verificamos, assim, que o acto do Comandante do COMETPOR é totalmente legítimo, válido e eficaz, não tendo ofendido qualquer direito ou interesse do Recorrente que careça de protecção, não havendo, assim, fundamentos que levem a revogar ou alterar o teor do seu acto ou o despacho do Senhor Director Nacional-Adjunto da PSP, para a Unidade Orgânica de Recursos Humanos, que negou provimento ao recurso hierárquico, pelo que poderá a Senhora Ministra da Administração Interna, concordando, negar provimento ao recurso. (…)”;
R) A 07/01/2017, a Senhora Ministra da Administração Interna apôs despacho de concordância sobre a informação descrita supra, negando provimento ao recurso hierárquico interposto;
S) Ao Autor foram atribuídas as seguintes classificações de serviço: “Muito Bom” no ano de 2011; “Muito Bom” no ano de 2012; “Muito Bom” no ano de 2013 e “Bom” no ano de 2014;
T) Na 6ª EIC, na área de violência doméstica, o Autor manteve sempre um nível de desempenho profissional muito bom, correspondente a uma boa iniciativa e excelente determinação no serviço;
U) O Autor esteve de férias de 18 a 30 de Dezembro de 2014;
V) A 19/12/2014, a mãe do Autor adoeceu, sendo que esta reside sozinha na cidade ... e o Autor o seu único filho;
W) Em virtude da situação de doença, o Autor solicitou a assistência à família até 04/01/2014;
X) O Autor foi escalado para trabalhar a 31/12/2014;
Y) A 31/12/2014, o Autor contactou a ... para informar que não poderia estar presente, por se encontrar de assistência à família, justificando a ausência do serviço;
Z) O facto de o Autor ter requerido assistência à família foi objecto de conversas entre o Subcomissário «BB» e o Chefe «DD», tendo aquele acusado o Autor de “actuar com ronha” para se furtar ao serviço e que tal facto traria consequências, por forma a servir de exemplo aos colegas;
AA) Com a transferência da EIC para o SAG, o Autor deixa de auferir o subsídio de investigação criminal, no valor de € 150,00 por mês, e o subsídio de turno, no valor médio mensal de € 80,00 por mês;
BB) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 27/04/2017.
*
Factos não provados:
Com pertinência para a apreciação da presente lide, são dados como não provados os seguintes factos:
1) A transferência do Autor da 6ª EIC para o SAG da Divisão Policial de ... ficou a dever-se meramente a razões de conveniência de serviço.
*
Motivação da decisão sobre a matéria de facto:
Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.
A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes e na inquirição das testemunhas arroladas pelo Autor. Conforme acta da sessão de julgamento junta aos autos a fls. 903 e seguintes, foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo Autor, Subcomissário «EE», Chefe «DD», Agente Principal «FF» e «GG».
Foi a audiência de julgamento gravada através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso, e ao qual se lançou mão para efeitos do disposto no artigo 421º do Código de Processo Civil (doravante, CPC), aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.
As testemunhas arroladas pelo Autor apresentaram-se em audiência de forma clara e sem hesitações, tendo conhecimento directo e pessoal da factualidade em discussão na presente lide, não tendo revelado parcialidade na apresentação da sua versão dos factos, sendo, por isso, possível extrair-se com toda a segurança parte da factualidade adquirida nos autos, e que abaixo se infere.
Concretizando, a factualidade vertida no ponto A) resultou provada por acordo das partes, ao passo que aquela descrita nos pontos B) a D) foi dada como provada atento o teor de fls. 1 e seguintes do PA. A matéria de facto dada como assente nos pontos E) e F) adveio do constante de fls. 3 e seguintes do PA, ao passo que aquela dada como assente nos pontos G) a J) adveio do constante de, respectivamente, fls. 11, fls. 24, fls. 30 e fls. 38 e seguintes do PA.
Por outro lado, os factos descritos nos pontos K) a O) resultaram provados de acordo com o constante de fls. 70 e seguintes do PA. Já a factualidade vertida no ponto P) foi dada como provadas atento o teor de fs. 105 e seguintes do PA, ao passo que aquela vertida nos pontos Q) e R) resultou provada após análise ao constante de fls. 112 e seguintes do referido processo.
Prosseguindo, a matéria de facto dada como assente no ponto S) atendeu ao constante no PA bem como dos depoimentos das testemunhas arroladas, concretamente, daqueles prestados pelo Subcomissário «EE» e pelo Chefe «DD».
Efectivamente, a testemunha «EE» revelou conhecimento directo da factualidade em discussão uma vez que, durante os anos de 2013 e 2014, desempenhou funções como Comandante da 6ª EIC, sendo assim superior hierárquico do Autor. O seu depoimento revelou-se calmo, sereno e muito sério, sem revelar qualquer parcialidade, assim logrando formar a convicção deste Tribunal quanto à veracidade dos factos por si relatados. Expôs que, ao longo do tempo em que exerceu a sua chefia, decidiu criar uma brigada especial para os crimes de violência doméstica, tendo destacado para a compor, entre outros, o aqui Autor. Recorda-se de ter bom feedback quanto ao desempenho profissional deste, mais tendo afirmado que o avaliou, pelo menos, em 2 anos, com a nota de “Muito Bom”. Também a testemunha «DD» revelou conhecimento directo e imediato da factualidade a que foi questionado, por exercer funções na 6ª EIC como chefe directo do Autor, até à saída deste. Prestou o seu depoimento de forma clara, isenta e sem hesitações, coadjuvando o Tribunal na formação da sua convicção. Relatou que foi chefe do Autor ao longo de cerca de 10 anos, sendo aquele um trabalhador muito dedicado, sempre pronto para o trabalho. Sublinhou que não apresentou qualquer retrocesso no trabalho no ano de 2014, algo que sempre seria do seu conhecimento por trabalhar directamente com o Autor.
Continuando, os factos dados como provados no ponto T) assentaram nos depoimentos das testemunhas «EE» e «DD», ambos tendo descrito com pormenor a dedicação do Autor ao seu trabalho. Frisou, aliás, a testemunha «EE» que, aquando da criação da brigada especial para os crimes de violência doméstica, escolheu especificamente o Autor para dela fazer parte por reunir as qualidades exigidas para tal tipo de infracções, considerando a exigência técnica e pessoal.
A convicção do Tribunal foi ainda corroborada pela testemunha Agente Principal «FF». Esta testemunha revelou conhecimento directo de toda a factualidade em discussão por ser colega directo do Autor na brigada especial para os crimes de violência doméstica, trabalhando um ao lado do outro e acompanhando directa e diariamente o serviço desempenhado pelo Autor. O seu depoimento revelou-se sério, claro, desinteressado e sem hesitações, motivo pelo qual o Tribunal o relevou na formação da sua convicção. No que aos factos ora em análise diz respeito, especificou esta testemunha, sem hesitações, que o Autor era bom profissional e muito dedicado, com excelentes resultados qualitativos e quantitativos. Reforçou que ambos foram avaliados com a nota de “Muito Bom” nos anos de 2012 e 2013, tendo a testemunha considerado extremamente injusta a nota atribuída ao Autor no ano de 2014, atento o desempenho revelado. Afirmou a testemunha, sem pejo, que considerou que a avaliação realizada ao Autor tinha por explicação o facto de este se ter ausentado para prestar a assistência à família no final do ano de 2014, porquanto ouviu o Chefe «HH» acusar o Autor de estar a faltar por “ronha”, isto é, de forma deliberada.
Também a factualidade dada como provada no ponto U) assentou nos relatos feitos pela testemunha «FF», o qual asseverou que o Autor se ausentou, para gozo de férias, a meio de Dezembro de 2014. Já os factos dados como assentes nos pontos V) a Y) tiveram por base os depoimentos prestados pelas testemunhas «FF» e «GG».
Esta última testemunha revelou conhecimento directo dos factos aos quais foi questionada por ser companheira do Autor, vivendo com este em união de facto desde 2008. Não obstante revelar algum interesse no desfecho da lide, falou com clareza e de forma imparcial em tudo o que respeita à vida privada do Autor, motivo pelo qual atendeu este Tribunal ao seu depoimento para a formação da sua convicção. Especificamente, explicou ao Tribunal que a mãe do Autor ficou doente enquanto este gozava as suas férias, em Dezembro de 2014. Mais expôs que, por ser filho único e pelo facto de a sua mãe viver em ..., requereu assistência familiar até à data de 04/01/2015, sem que, todavia, tenha pretendido suspender o seu gozo de férias por esse motivo. Por fim, afirmou que estava o Autor escalado para trabalho no dia 31/12/2014, não tendo comparecido por motivos de assistência à família, factos estes corroborados pela testemunha «FF» ao longo do seu depoimento.
Por fim, os factos descritos no ponto Z) foram dados como provados atentos os depoimentos prestados pelas testemunhas «DD» e «FF», não tendo o Tribunal, no que a esta matéria respeita, dado relevo ao depoimento prestado por «GG» por se revelar este de parcial, interessado e demonstrando a testemunha um mero conhecimento indirecto da factualidade em discussão.
Foi a testemunha «FF» clara ao afirmar que foi o Chefe «HH», em conversas de corredor, por vezes dirigido ao Subcomissário «BB», que acusou o Autor de faltar ao serviço, a 31/12/2014, por “ronha”, o que acarretaria consequências, e que tentaria dar o exemplo aos demais colegas. Sublinhou a testemunha que o Autor não se ausentou do serviço por “ronha”, ou seja, para tentar esquivar-se ao trabalho de forma deliberada, mas apenas para dar assistência à sua mãe que se encontrava doente e sozinha na cidade ....
Também a testemunha «DD» afirmou lembrar-se que o Autor faltou em finais de 2014 para dar assistência à mãe doente, mais tendo dito que não percebeu o porquê da transferência do Autor, já que ele era um bom profissional e muito dedicado.
Finalmente, os factos dados como provados no ponto AA) advieram do teor dos documentos juntos com a petição inicial sob os números 3 e 4, ao passo que aquele dado como provado no ponto BB) resultou do constante de fls. 1 e seguintes dos presentes autos.
*
O Tribunal não logrou consignar a restante matéria alegada pelo Autor ou pelo Réu como provada, por considerar que se trata de conclusões e matéria de Direito, cuja análise caberá noutra sede.
*
Já quanto à matéria de facto dada como não provada, não logrou o Tribunal formar convicção quantos aos mesmos, levando em consideração a prova documental junta aos autos, bem como, ao depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento
[…]”

**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que em sede da Sentença por si proferida e por via da qual apreciou o mérito da pretensão do Autor a final da Petição inicial [no sentido da nulidade/anulação do despacho datado de 15 de janeiro de 2015, da autoria do Comandante da PSP do Porto, atinente à sua transferência, bem como dos despachos proferidos pelo Director Nacional-Adjunto da PSP e da Ministra da Administração Interna, datados, respectivamente, de 29 de julho de 2015 e de 02 de janeiro de 2017, que negaram provimento aos recursos hierárquicos por si intentados], julgou a acção procedente, tendo em consequência declarado nulos os actos sob impugnação, com fundamento em que a transferência em causa configura uma autêntica sanção disciplinar, por não ter sido imputada ao Autor ora Recorrido qualquer infracção disciplinar [tendo o Tribunal a quo vindo mesmo a aventar a possibilidade de a actuação dos serviços do Réu ser subsumível em sede de desvio de poder], e por outro lado, por violação do direito de audiência prévia.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Neste patamar.

Sendo certo que sob a conclusão A) das suas Alegações de recurso, o Recorrente sustenta que a Sentença recorrida padece de erro na interpretação e aplicação do direito convocado pelo Tribunal a quo, a final dessas mesmas Alegações, sob a conclusão AA), todavia, vem o mesmo a sustentar que resulta demonstrado no julgamento prosseguido pelo Tribunal a quo, que o mesmo incorreu em erro em matéria de facto e de direito.

Porém é com facilidade que se divisa que nas suas Alegações de recurso [v.g, nas respectivas conclusões] o Recorrente não imputa ao julgamento prosseguido pelo Tribunal recorrido qualquer erro que seja passível de ser enquadrado no regime do erro de julgamento da matéria de facto, e desde logo, pela imediata evidência de que o Recorrente não dá cumprimento algum ao disposto no artigo 640.º do CPC.

Ou seja, o Recorrente não especifica quais os concretos pontos do probatório fixado pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida que considera incorretamente julgados, nem quais os concretos meios probatórios que estejam constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, designadamente na Audiência final, e que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da que pretende impugnar, assim como, a final, não discorre de forma alguma sobre qual deve ser, no seu entender a decisão a proferir sobre as sustentadas questões de facto que sejam/fossem controvertidas.

E assim não tendo o Recorrente cumprido com o ónus que sobre si impendia na decorrência do disposto no artigo 640.º do CPC, julgamos que em face do que na globalidade veio vertido nas conclusões das Alegações de recurso por si apresentadas, que nos deparamos então apenas com a sustentação da ocorrência de erro em matéria de interpretação e aplicação do direito, e neste conspecto, julgamos assim que o Recorrente se conformou com o julgamento da matéria de facto [provada e não provada] conforme assim patenteado no probatório.

Efectivamente, conforme assim deflui do despacho saneador proferido em 20 de setembro de 2018, e da acta da Audiência final realizada em 21 de novembro de 2022, tendo sido fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, em sede das questões que lhe cumpria decidir, estavam então em apreço as invalidades imputadas pelo Autor ora Recorrido aos actos impugnados, tendo para o efeito o Tribunal a quo vindo a fixar a matéria de facto que julgou por relevante, com cujo julgamento se conformou o Recorrente, porquanto a sua pretensão recursiva, como já referimos supra, não versa sobre qualquer erro de julgamento em matéria de facto.

Com referência aos elementos de prova que a suportam, veio o Tribunal a quo a enunciar as razões que conduziram à apreciação do mérito da causa, tendo estribado juridicamente a sua posição no sentido de que a pretensão do Autor tinha de proceder, tendo por isso julgado procedente a acção, declarando nulos os actos impugnados e condenado o Réu nas custas processuais a que deu causa.

Conforme assim foi apreciado e decidido pelo Tribunal a quo [no que era atinente às questões a decidir e que ora relevam para apreciação neste recurso], o pedido a que se reporta a Petição inicial foi julgado procedente, e para alcance desse desiderato, julgou conforme para aqui se extrai parte da essencialidade da fundamentação por si aportada, como segue:

Início da transcrição
“[…]
- Da alegada nulidade das decisões impugnadas, pela ausência de infracção disciplinar e de precedência do competente procedimento disciplinar:
Vem o Autor pugnar pela nulidade das decisões impugnadas, arguindo que assume a ordem de transferência uma natureza verdadeiramente punitiva, sem que se tenha verificado a prática de qualquer infracção disciplinar, ou sem que tenha sido o acto precedido do competente procedimento disciplinar. Invoca que a alegada conveniência de serviço assenta em pressupostos errados, porquanto apenas se verificou uma troca de efectivos da PSP entre 6ª EIC e o SG da Divisão Policial de ..., que não qualquer aumento de recursos humanos que justifique a transferência. Argui ser falso tudo quanto invocado no que respeita ao seu desempenho de serviço, tampouco se vislumbrando qual a modalidade de mobilidade aplicável ao Autor, considerando o previsto no artigo 97º do Estatuto Profissional da PSP. Por fim, sublinha que a transferência se consubstanciou numa autêntica “retaliação”, pelo facto de não se ter apresentado ao serviço no dia 31/12/2014, contra as indicações que tinha recebido, não obstante a sua ausência estar plenamente justificada pelo facto de prestar assistência à família.
Na sua contestação, veio o Réu defender-se por impugnação, alegando que não estava o Autor a cumprir os objectivos que lhe foram propostos, conforme resulta das avaliações de serviço. Sublinha que nem todas as transferências têm origem em procedimento disciplinar, não deixando de ser legítimas, sendo tal competência do Comandante Metropolitano do Porto de natureza discricionária. Alega que, conforme o Autor estava obrigado a saber, existe um dever de disponibilidade permanente para o serviço, ainda que com prejuízo da vida pessoal, assim concluindo pela legalidade dos actos impugnados.
Cumpre apreciar e decidir.
Especificava o artigo 7º, nº 1, do Estatuto do Pessoal da PSP, aprovado pelo decretoLei nº 299/2009, de 14 de Outubro, em vigor à data dos factos, um dever de disponibilidade permanente para o serviço, de entre os deveres que incumbem sobre os membros deste corpo policial, ainda que com sacrifício dos interesses pessoais. Tal sacrifício plasma-se, designadamente, na marcação do período de gozo de férias, no horário de serviço, na colocação, entre outros. Todavia, outros direitos há que estão legalmente protegidos e que não estão sujeitos a tal “sacrifício” em prol do dever de disponibilidade. Efectivamente, o artigo 28º de tal estatuto remetia o regime de férias, faltas e licenças para aquele aplicável aos trabalhadores no exercício de funções públicas.
Ora, à data dos factos já se encontrava em vigor a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, lei esta que prevê, no seu artigo 134º, que são justificadas as faltas motivadas por assistência inadiável e imprescindível a membro do agregado familiar.
Por outro lado, ainda com pertinência para a situação sob litígio, estipulava o artigo 66º do Estatuto do Pessoal da PSP que são instrumentos específicos de mobilidade interna entre serviços da PSP os seguintes:
a) A colocação por oferecimento;
b) A colocação por nomeação em categoria superior;
c) A colocação por convite;
d) A colocação por conveniência de serviço;
e) A colocação a título excepcional.
Finalmente, não obstante vir a matéria atinente às infracções e ao procedimento disciplinar tratada nos artigos 35º e seguintes do Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei nº 7/90, de 20 de Fevereiro, na redacção em vigor à data, é também certo que o artigo 28º de tal normativo previa, como sanção acessória, a transferência de serviço. Na verdade, especificava tal disposição o seguinte:
“1 - Nos casos em que à infracção corresponda uma das penas previstas nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 25.º pode, acessoriamente, ser determinada a transferência do infractor, se, atenta a natureza ou gravidade do ilícito, não se puder manter no meio em que se encontra com o prestígio correspondente à função ou se mostrar incompatibilizado com esse meio.
2 - A transferência consiste no afastamento do agente ou funcionário, mediante a sua colocação, pelo prazo mínimo de um ano, sem prejuízo de terceiro, em outro serviço do mesmo comando ou em comando distrital diferente.”
Retomando o caso concreto, resultou provado que, contrariamente ao descrito nos actos impugnados, pouco havia a apontar ao desempenho profissional do Autor, antes se tendo apurado que o mesmo foi escolhido pela chefia anterior para integrar a Brigada especial de violência doméstica da 6ª EIC precisamente pela sua boa prestação. Mais resultou provado que a avaliação daquele foi sempre de “Bom” ou “Muito Bom”, tendo sempre revelado boa iniciativa e excelente determinação no trabalho (factos B), K), S) e T) da matéria de facto dada como assente). Como se afirmou supra, em sede de motivação da decisão sobre a matéria de facto, os depoimentos prestados pelas testemunhas «EE» e «FF» foram particularmente reveladores nesse sentido.
Por outro lado, foi ainda dado como provado que, não obstante estar o Autor destacado para o serviço no dia 31/12/2014, viu-se o mesmo obrigado a faltar para prestar assistência imprescindível e inadiável à sua mãe, sendo filho único, falta esta, como se viu, plenamente justificada por lei (factos V), W), X) e Y) do probatório coligido).
Resulta também da matéria de facto dada como assente, concretamente, dos pontos C) e seguintes e Z), que o facto de ter o Autor faltado ao serviço na data indicada foi objecto de conversas de corredor na 6ª EIC, tendo o Subcomissário «BB», o chefe de esquadra à data, acusado o Autor de ter faltado propositadamente para se furtar ao serviço para o qual se encontrava escalado, e que tal facto lhe traria consequências, que serviriam de exemplo aos colegas.
Ora, acto contínuo foi o Autor objecto de uma transferência, com claro prejuízo para sua vida profissional, porquanto deixa de auferir dois suplementos remuneratórios. Por outro lado, atentando aos argumentos usados para justificar a “necessidade de serviço”, desde logo se denota que são os mesmos erróneos (no que respeita ao desempenho profissional do Autor), antes se configurando como uma autêntica sanção acessória, à luz do previsto no artigo 28º do RDPSP, considerando o superior hierárquico que não tem o Autor condições para se manter no exercício das funções que lhe haviam sido atribuídas, no âmbito da investigação profissional.
Dúvidas não subsistem a este Tribunal, à luz dos factos apurados, que a referida transferência se configurou como uma autêntica sanção ao Autor, uma retaliação, quando se limitou esta a lançar mão de uma prerrogativa legal, mas que desagradou à sua chefia. Note-se, mais uma vez, que o dever de disponibilidade, não obstante poder acarretar prejuízo para os interesses pessoais, não é de molde a afastar verdadeiros direitos legalmente previstos, e de matriz constitucional (designadamente, os artigos 59º e 67º da Constituição da República Portuguesa). Ora, conforme bem alegado pelo Autor, não foi a aplicação de tal sanção precedida do competente procedimento disciplinar, de acordo com o preceituado nos artigos 60º e seguintes do RDPSP. Mais: verificou-se a aplicação de uma autêntica sanção sem que se tenha verificado a prática de qualquer infracção disciplinar porquanto, como antes se viu, não se verificou a violação do dever de disponibilidade por parte do Autor. Tais omissões acarretam a nulidade da sanção aplicada, de acordo com o preceituado no artigo 86º do RDPSP, o que desde já se declara.
Aliás, atreve-se este Tribunal a afirmar que se verificaria ainda o vício de desvio de poder, vício este também gerador da nulidade dos actos impugnados.
Nestes termos, assiste razão ao Autor quanto à alegada nulidade dos actos impugnados. Continuando,
*
- Da alegada violação do direito de audição prévia:
Veio ainda o Autor arguir a violação do artigo 121º do CPA, porquanto não lhe foi dada possibilidade de pronúncia sobre a intenção de transferência, assim pugnando pela nulidade das decisões impugnadas.
Em sede de contestação, não se pronunciou o Réu especificamente sobre o arguido vício.
[…]
No caso presente, e como decorre do probatório coligido, em momento algum foi o Autor notificado da intenção da PSP de o transferir de um serviço para o outro, bem como das respectivas razões justificativas, para que sobre as mesmas pudesse pronunciar-se. O mesmo se afirme quanto às decisões adoptadas nos recursos hierárquicos interpostos pelo Autor: não foi este notificado, em momento anterior ao da decisão final, sobre a intenção de os indeferir.
Dúvidas não existem, assim, de que incorrem os actos impugnados no vício de preterição de audição prévia do interessado, vício esse gerador da respectiva anulabilidade, à luz do previsto no artigo 163º do CPA, o que desde já se declara.
[…]”
Fim da transcrição

Como assim julgamos, este julgamento do Tribunal a quo mostra-se devidamente estruturado em termos decisórios e está devidamente fundamentado, sendo para manter, e de ser assim confirmada a Sentença recorrida.

Vejamos pois, por que termos e pressupostos.

Como extraído supra, e em face ao que resulta do probatório, é desde logo evidente e convincente o julgamento em que o Tribunal a quo fez assentar a sua apreciação e decisão, quando refere que o Réu ora Recorrente, na relação jurídica administrativa que teve para com o Autor e que levou à efectivação da sua transferência, veio a aplicar-lhe, a final, uma verdadeira sanção acessória, com contornos similares ao que seria devido a final de um processo disciplinar, mas sem que este procedimento lhe tivesse [ao Autor] sido instaurado, para além de que, sempre o Autor ora Recorrido não foi chamado pelo Réu a participar na formação da decisão que veio a ser tomada, e que motivou a sua transferência, tendo assim sido completamente omitida a fase da audiência prévia. O Autor ora Recorrido foi confrontado com uma decisão da autoria do Comandante da PSP do Porto, que no fundo determinava a sua colocação noutro serviço, assente em termos e pressupostos que, no seu entender [do Réu, e na óptica dos vários intervenientes] eram determinantes da sua transferência [do Autor] só que claramente prosseguidos em violação da lei.

Lidas as Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, delas resulta que a questão nuclear nelas patenteada se ancora na competência do Comandante Metropolitano da PSP do Porto na gestão e emprego dos meios humanos que lhe estão distribuídos, podendo colocar e transferir o pessoal sob seu comando, de acordo com as necessidades do serviço, dentro da sua área de responsabilidade, em conformidade com o disposto nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 36.º da Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto, que aprovou a orgânica da Polícia de Segurança Pública e no anexo III da Portaria n.º 434/2008, de 18 de junho, alterada pela Portaria n.º 2/2009, de 2 de janeiro e pela Portaria n.º 1195/2009, de 08 de outubro, para além de estar assacado ao Autor ora Recorrido um dever de disponibilidade permanente para o serviço, e que por o serviço de investigação criminal se revestir de especiais caraterísticas que só por si exigem disponibilidade permanente para o serviço, e considerando as avaliações de serviço anteriores, no sentido de que o Autor não preenchia os necessários requisitos, e que por questões de eficiência e salvaguarda do interesse público, essas eram razões mais do que suficientes para que o mesmo fosse afecto a outras funções, dentro do mesmo comando Metropolitano, mais adequadas ao seu perfil profissional [Cfr. em especial, as conclusões R), S), T), U), V), W) e Y)].

Estes fundamentos de recurso, são a final os mesmos fundamentos que o Réu ora Recorrente já havia invocado no âmbito da Contestação por si apresentada.

Efectivamente, com excepção do enunciado nas conclusões A), Z) – parte final, e AA), que de resto são elas de teor meramente conclusivo, o vertido nas demais conclusões mais não é que a tradução quase expressis verbis da impugnação deduzida na Contestação, sem que, concretamente, seja impugnado de forma substanciada, o julgamento tirado pelo Tribunal a quo.

Com efeito, o recurso jurisdicional em análise assenta na repetição junto deste Tribunal de recurso, do entendimento prosseguido pelo Recorrente de que sendo a gestão dos meios policiais, da área de responsabilidade que integra a competência do Comandante Metropolitano, que essa gestão tem natureza discricionária, e que no caso dos autos a decidida transferência teve em conta critérios de gestão do serviço policial e de salvaguarda do interesse público, prosseguindo critérios de legalidade, eficácia e operacionalidade.

Porém, não é o que assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo, e que o Recorrente, sem inovar na sua argumentação, prossegue na reedição/repetição desses seus argumentos agora nesta instância de recurso, sendo de realçar que o Tribunal recorrido julgou em termos que não merecem qualquer censura jurídica, tendo apreciado concreta e individualizadamente cada uma das invalidades apontadas pelo Autor aos actos impugnados.

Em conformidade com o que sustenta o Recorrente sob a conclusão K) das suas Alegações de recurso, sendo certo em face do disposto no artigo 36.º n.º 1, alíneas b) e d) da Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto, que aprova a orgânica da Polícia de Segurança Pública, é da competência dos comandantes regionais, metropolitanos e distritais de polícia, na sua área de responsabilidade, “Exercer o comando do respectivo comando territorial, através da gestão e emprego dos meios humanos, materiais e financeiros que lhe estão atribuídos, e bem assim, “Colocar e transferir o pessoal de acordo com as necessidades do serviço, de todo o modo, sempre o exercício dessa competência, em termos discricionários, tem de pautar-se por critérios que sejam passíveis de ser sindicados jurisdicionalmente.

É certo que, como assim referem Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, in Direito Administrativo Geral, Introdução e Princípios Fundamentais, Edições Dom Quixote, Tomo I, página 180 “A discricionariedade consiste numa liberdade conferida por lei à administração para que esta escolha entre várias alternativas de actuação juridicamente admissíveis. Tal liberdade pode dizer respeito à escolha entre agir ou não agir (discricionariedade de acção) à escolha entre duas ou mais actuações prédefinidas na lei (discricionariedade de escolha). […]”.

A actuação da Administração ao abrigo de poderes discricionários tem subjacente a previsão do legislador, fundada na necessária precedência de lei que assim o concretize, pois que, sendo certo que em sede da vida em sociedade os cidadãos podem prosseguir na realização de tudo o que a lei não proibir, já quanto à Administração, no domínio da sua actuação, a mesma só pode levar a cabo o que for permitido por lei, o que pressupõe a prévia precedência de lei nesse sentido.

A discricionariedade da administração consiste, a final, no exercício da sua actuação dentro de um espaço definido pelo legislador e que lhe foi conferido para decidir pela solução a dar a uma concreta situação. Como assim refere Pedro Costa Gonçalves, in Manual de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, 2019, página 207, a discricionariedade da actuação administrativa integra o “… poder conferido pela lei à Administração de criação de efeitos jurídicos substantivos próprios do Direito Administrativo no âmbito das formas de ação administrativa (ato administrativo, contrato administrativo e regulamento administrativo) […]”.

Porém, discricionariedade não se pode confundir com arbitrariedade, isto é, quando tendo subjacente a previsão legal da competência para a prática de decisões envolvendo a gestão de recursos humanos numa força policial, na prolação de uma decisão, os fundamentos e razões invocadas sejam contrárias à realidade dos factos, e por demais violadora dos direitos do visado, e mais ainda, que como assim aventou a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, num seu julgamento que qualificou de atrevido, mas que julgamos ser de todo em todo correcto, por adequado à situação em presença, coloca os autores dos actos em apreço num especial nicho de actuação, em desvio de poder.

Efectivamente, dá-se o vício de desvio de poder quando a entidade administrativa, no exercício de poderes discricionários, vem a final a utilizar a sua competência para finalidade diversa daquela para que lhe foi outorgada, ou seja, para a prossecução de fim diverso daquele para que a lei lhe conferiu essa competência ou por motivos determinantes que não estejam em consonância com o fim visado pela lei [neste sentido, Cfr. Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, página 498, e Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, páginas 197 a 199].

Vejamos.

É pressuposto que a entidade administrativa tem a seu favor a presunção de que o poder discricionário que lhe é conferido, e nos termos e pressupostos em que o exerce, visa alcançar um concreto fim que tem amparo na lei, porquanto a sua actuação deve ser prosseguida em obediência ao direito e à lei, sempre dentro dos limites dos poderes que lhe são conferidos e para satisfação dos fins legalmente dispostos.

Mas como assim resulta do probatório, subjacente às decisões dos autores dos actos impugnados não está nenhuma factualidade que por si tenha sido determinante da decisão da transferência do Autor ora Recorrido tendo em conta critérios racionais de gestão do serviço policial na vertente dos recursos humanos, nem de salvaguarda do interesse público, do equilíbrio do serviço público, nem com a garantia da observância de critérios de legalidade, eficácia e operacionalidade dos serviços, como assim patenteado nas sucessivas decisões tomadas [Cfr. alíneas A), I), M) e Q) do probatório].

A desconformidade com o fim visado pela lei, constitutiva do desvio de poder, resulta do probatório, tendo ficado cabalmente demonstrado que o fim prosseguido, foi levado a cabo de forma ilícita, para ser alcançada finalidade diversa, a saber, a transferência de serviço do Autor, da 6.ª EIC do Porto para a Divisão Policial de ..., a pretexto de ser necessário reforçar o efectivo policial naquela outra área geográfica, quando tal não ficou minimamente demonstrado que assim fosse e antes pelo contrário, que a concretizada transferência visou a final constituir uma sanção à pessoa do Autor com fundamento na sua invocada falta de capacidade no e para o serviço, quando como assim resultou provado, o desempenho do Autor mostrou-se totalmente consentâneo com o serviço onde vinha exercendo funções e há vários anos [Cfr. alíneas S) e T) do probatório], e mais ainda, apurou o Tribunal a quo no julgamento da matéria de facto [não impugnada], que a argumentação do Réu em torno de que a transferência do Autor se deveu a razões de conveniência de serviço, foi julgado “não provado”.

O fim legal prosseguido pelos autores dos actos impugnados, isto é, a transferência do Autor ao abrigo de um concreto normativo e a pretexto da sua execução ao abrigo do poder de gestão dos activos policiais, como visado pela lei na concessão de poder nessa matéria, não condiz, a final, com a realidade de facto apurada, antes consubstanciando a sua subversão por não conforme com o fim visado pela lei.

Tendo subjacente o alargado princípio da juridicidade, que entre outros compreende o princípio da legalidade, da justiça e da imparcialidade da actuação da Administração, para que a sua actuação possa ser tida e valorada sem reparos, tem de ser prosseguida no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos daqueles com quem se relaciona [Cfr. artigo 266.º, n.º 1 da CRP].

De resto, e como assim já expendemos supra, não tendo o Recorrente posto em causa a matéria de facto constante do probatório [que em parte assim resultou provada/não provada, na decorrência do Audiência final efectuada nos autos], outra não podia/poder ser a solução jurídica a aportar pelo Tribunal a quo, e confirmada por este Tribunal de recurso, por ser flagrante a divergência entre os termos e os pressupostos legais convocados pelos autores dos actos impugnados para efeitos da prolação das suas decisões, e a concreta situação de facto, isto é, a realidade laboral/funcional do Autor, em torno da execução da sua actividade no âmbito do serviço onde estava colocado.

Confirmando a apreciação e decisão empreendidas pelo Tribunal a quo, em termos que temos por redundantes e inútil aqui tornar a reproduzir, julgamos assim que a Sentença recorrida não merece a apontada censura que lhe dirige o Recorrente, pois não logrou demonstrar a virtualidade do seu entendimento, de acordo com o qual os actos impugnados, foram levados a cabo em conformidade com a lei, e assim, a final, que não se verificava a ocorrência de qualquer erro de julgamento de direito imputável à Sentença proferida.

Termos em que, face ao que deixamos expendido supra, tem assim, forçosa e necessariamente, de improceder a pretensão recursiva do Recorrente, sendo por isso de confirmar, na integra, o julgamento prosseguido pelo Tribunal recorrido.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Polícia de Segurança Pública; Discricionariedade; Transferência de agente; Princípio da juridicidade.

1 – Estando em apreço uma transferência de um agente de polícia, recai sobre o Réu o ónus da prova dos factos constitutivos do direito a proceder a essa mudança.

2 – Sendo pressuposto que a entidade administrativa tem a seu favor a presunção de que o poder discricionário que lhe é conferido, e nos termos e pressupostos em que o exerce, visa alcançar um concreto fim que tem amparo na lei, a sua actuação deve ser prosseguida em obediência ao direito e à lei, sempre dentro dos limites dos poderes que lhe são conferidos e para satisfação dos fins legalmente dispostos.

3 – Não estando subjacente às decisões dos autores dos actos impugnados nenhuma factualidade que por si tenha sido determinante da decisão da transferência do Autor ora Recorrido tendo em conta critérios racionais de gestão do serviço policial na vertente dos recursos humanos, nem de salvaguarda do interesse público, do equilíbrio do serviço público, nem com a garantia da observância de critérios de legalidade, eficácia e operacionalidade dos serviços, a transferência do Autor ao abrigo de um concreto normativo e a pretexto da sua execução ao abrigo do poder de gestão dos activos policiais, consubstancia a final, a sua subversão por não conforme com o fim visado pela lei.

4 - Tendo subjacente o alargado princípio da juridicidade, que entre outros compreende o princípio da legalidade, da justiça e da imparcialidade da actuação da Administração, para que a sua actuação possa ser tida e valorada sem reparos, tem de ser prosseguida no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos daqueles com quem se relaciona [Cfr. artigo 266.º, n.º 1 da CRP].

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente Ministério da Administração Interna, confirmando a Sentença recorrida.

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Custas a cargo do Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Notifique.
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Porto, 12 de julho de 2024.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Isabel Costa
Rogério Martins