Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01012/21.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/11/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES/MAGISTRADA DO MINISTÉRIO PÚBLICO;
JUBILAÇÃO;
CONTRIBUIÇÕES;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:

RELATÓRIO
«AA» instaurou Acção Administrativa contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, ambas melhor identificadas nos autos, com vista (i) à impugnação do despacho da Direcção da Caixa Geral de Aposentações, de 28/12/2020, na parte que fixou a sua pensão de jubilação no montante de €5.007,70 (ii) à condenação da Entidade Demandada a praticar o acto devido de fixação da pensão de jubilação, em €5.626,63, e do subsídio de compensação, em €875,00, bem como (iii) a pagar-lhe as diferenças entre o montante da pensão mensal e do subsídio de compensação efectivamente pagos e o que lhe deveria ter sido pago, desde a data da sua jubilação, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos.
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada a acção improcedente e absolvida a Ré dos pedidos.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
1.
Nos processos impugnatórios o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o acto impugnado,
2.
assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas (nº 2 do art.º 95º do CPTA),
3.
pelo que todos os vícios do acto administrativo impugnado são de conhecimento oficioso do juiz.
4.
A sentença recorrida devia ter oficiosamente constatado a existência, no acto impugnado, do vício da sua falta de fundamentação
5.
e decretado a anulação do despacho impugnado.
6.
A douta sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, pois o impugnado despacho da CGA padece do vício de violação de Lei, 7- Pois as normas dos nos 4 e 6 do art.° 190.º e do n.° 3 do art.° 130.°, da Lei 68/2019, de 27 de agosto, são inconstitucionais por violação, quer do princípio da protecção da confiança, quer do princípio da igualdade, consagrados nos art.ºs 2º e 13.° da Constituição da República Portuguesa.
8.
O princípio da protecção da confiança emana do princípio do Estado de Direito, consagrado no art.° 2.º da CRP.
9.
Sendo o princípio da igualdade um princípio estruturante do Estado de direito democrático, previsto no art.°13.° da Constituição da República Portuguesa.
10.
O qual, enquanto princípio vinculativo da lei, se traduz numa ideia geral de proibição do arbítrio,
11.
as normas dos nos 4 e 6 do art.º 190º e do no 3 do art.º 130º, da Lei 68/2019, de 27 de agosto, foram introduzidas na revisão do Estatuto do Ministério Público constante da Proposta de Lei no 147/XIII
12.
As quais, sem qualquer justificação razoável, pretendem impor, a alguns magistrados jubilados. a obrigação de dedução, na sua pensão de reforma, de quota para a CGA, 13-Contrariando, até, o propósito expresso, manifestado na exposição de motivos dessa Proposta de Lei, de excluir do horizonte dessa revisão as questões do estatuto profissional dos magistrados do Ministério Público, mantendo o Estatuto inalterado, no domínio dos direitos, prerrogativas, férias, licenças, jubilação e aposentação",
13.
sendo a manifestação concreta de uma justificação razoável ainda mais premente porque idêntico propósito legislativo de introduzir a obrigação de dedução da quota para a CGA na pensão dos magistrados jubilados não tinha colhido acolhimento na versão final da Lei 9/2011- , nem na Lei de Orçamento de Estado do ano 2012, onde a sua introdução também foi tentada, sem êxito.
14.
E a jurisprudência dos nossos Tribunais, designadamente do STA (v.g. Ac. do STA de 28/01/2016 (Proc. n.º 0840/15), de modo uniforme fundamentou a razão da não aplicação às pensões de jubilação dos magistrados judiciais e do Ministério Público, da dedução da quotização para a CGA.
15.
Revestindo, por isso tal alteração, uma natureza arbitrária e até sub-reptícia.
16.
A "Exposição de Motivos" da Proposta de Lei n.° 147/XIII do Governo e trabalhos preparatórios, que culminaram na Lei n.° 68/2019, de 27/08, ao dizerem manter inalterado o Estatuto, no que tange a jubilação, criaram expectativas de estabilidade do regime jurídico em causa, face ao do EMP anterior;
17.
Expectativas essas, legítimas, porque fundadas no quadro axiológico jurídico-constitucional até então vigente, 19-A que acresce a anunciada, e em muitos casos já concretizada, política de "reversão e reposição de direitos suprimidos" durante a fase aguda da crise económica que atingiu o país,
18.
sendo legítimo intuir que os magistrados do MP nessa perspectiva e expectativa tenham orientado a sua vida.
19.
as normas dos nos 4 e 6 do art.° 190.°e do n.° 3 do art.° 130.º, da Lei 68/2019, de 27 de agosto, introduzidas na revisão do Estatuto do Ministério Público constante da Proposta de Lei no 147/XIII, são ainda inconstitucionais, por força da aplicação da norma transitória prevista no art.º 285o, no 4, ao estabelecer um tratamento desigual relativamente ao montante da pensão de jubilação e ao montante do subsídio de compensação entre, por um lado, os magistrados jubilados até 31 de dezembro de 2019 (e os que já reuniam, nessa data, os requisitos da jubilação) e, por outro, os magistrados que, reunindo as condições de jubilação a partir de 1 de janeiro de 2020, se jubilaram ou venham futuramente a jubilar.
20.
O que conduz até a que a pensão dos magistrados jubilados a partir de 1 de janeiro de 2020 seja até inferior à pensão dos magistrados de categoria imediatamente inferior, que à data de 31 de dezembro de 2019 reuniam os requisitos para a jubilação, quer se tenham jubilado até essa data, quer posteriormente.
21.
O mesmo ocorrendo, diga-se, com os magistrados judiciais, em que, por aplicação de idêntica norma do respetivo Estatuto (art.º 64o- A, no 1 da Lei 21/85 de 30 de julho, na redação introduzida pela Lei 67/2019, de 27 de agosto), a Juízes Conselheiros foi fixada pensão de jubilação inferior à fixada para Juízes Desembargadores - a título de exemplo, doc. 12, 13 e 14.
22.
Situação absurda, injusta e injustificável.
23.
Violando o princípio da igualdade consagrado no art.° 13.º da Constituição da República Portuguesa
24.
as mesmas razões invocadas para a inexistência de "justificação razoável" na violação do princípio da protecção da confiança, são aqui também invocáveis.
25.
Também, aqui, não foi invocada sequer qualquer "justificação razoável", a qual seria difícil de imaginar atento o referido princípio da igualdade e o carácter equitativo que as contribuições para a CGA devem revestir.
26.
não é manifestamente razoável e ainda menos "equitativo" impor a um grupo de magistrados jubilados o desconto de 11% para a CGA e isentar do mesmo "esforço equitativo", um outro grupo de magistrados jubilados.
27.
impunha-se, também, que a sentença recorrida se pronunciasse sobre a invocada inconstitucionalidade, também no domínio da caracterização da quota para a CGA como verdadeiro imposto, por recurso, se necessário, a competência por conexão, tendo em vista a "melhor realização da justiça", através da celeridade e economia processuais.
28.
assim deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
29.
declarar-se inaplicáveis as normas dos nos 4 e 6 do art.º 190º e do no 3 do art.º 130º, da Lei 68/2019 de 27 de agosto, por as mesmas estarem feridas de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade e proteção da confiança consagrados nos art.ºs 13º e 2º da CRP, na parte em que à pensão e ao subsídio de compensação dos magistrados jubilados manda deduzir a quota para a CGA ou para a Segurança Social.
30.
anular-se o acto impugnado - despacho da Direção da Caixa Geral de Aposentações, I.P., de 30 de novembro de 2020 - na parte em que fixa em € 5.462,94 o valor da pensão de jubilação do Autor e o do subsídio de compensação em 778,75 €, por padecer do vício de violação de lei, por inconstitucionalidade das normas em que se fundamenta;
31.
condenar-se a C.G.A. a emitir ato pelo qual fixe em € 6.138,14 o valor da pensão de jubilação a atribuir ao Autor a partir da data da sua jubilação.
32.
condenar-se a C.G.A. a pagar à recorrente, 100% do valor fixado para o subsídio de compensação, presentemente, 875,00.
33.
condenar-se a Ré a pagar à autora e recorrente as diferenças entre o montante da pensão mensal e do subsídio de compensação efetivamente pagos e o que lhe deveria ter sido pago, desde a data da sua jubilação.
34.
condenar-se a recorrida a pagar à recorrente juros de mora, vencidos e vincendos, atinentes às diferenças entre o montante mensal da pensão e do subsídio de compensação efetivamente pago ao Autor e aquele que deveria ter sido pago, desde o vencimento respetivo de cada uma das pensões e do subsídio de compensação, até efetivo e integral pagamento.

Assim se decidindo, far-se-á a esperada Justiça.
A Ré juntou contra-alegações, concluindo:

1.ª A Sentença recorrida não merece censura, encontrando-se bem fundamentada, quer de facto quer de direito, conjugando as razões que permitem claramente apreender a decisão proferida.

2.ª Muito surpreende que a Recorrente venha agora invocar – pela primeira vez, diga-se – que o ato impugnado padece do vício de falta de fundamentação, até porque não resulta da P.I. apresentada nestes autos qualquer desconhecimento da Recorrente sobre os critérios legais seguidos no cálculo da sua pensão – muito pelo contrário – o que resulta claramente da P.I. é que a mesma sabe exatamente quais são esses critérios, simplesmente não se conforma com a sua aplicação (veja-se a argumentação vertida nos art.ºs 12.º e 13.º e no art.º 25.º da P.I.).

3.ª Resulta também claro do pedido formulado nesta ação que aquilo que a Recorrente veio peticionar nestes autos nada tem que ver com qualquer vício relativo à fundamentação do ato administrativo praticado, já que o que a mesma pretende alcançar é, antes, a desaplicação, ao seu caso particular, das regras previstas nos n.ºs 4 e 6 do art.º 190.º e do n.º 3 do art.º 130.º da Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, que aprovou o Estatuto do Ministério Público.

4.ª Pelo que perante a clareza do conteúdo da Petição Inicial apresentada nestes autos e da argumentação nele vertida, não se logra compreender por que motivo concluiu a Recorrente pela existência de vício de falta fundamentação.

5.ª Quanto à questão de fundo, decorre de B) dos Factos Assentes que a Recorrente apenas reuniu os requisitos necessários à aposentação/jubilação em 2020-12-27. Ora, o Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 7 de agosto, já estava em vigor desde 2020-01-01 (cfr. art.º 11.º da P.I.).

6.ª Portanto, a Recorrente não coloca em causa o facto de apenas ter reunido os requisitos para a jubilação já na vigência da Lei n.º 68/2019, simplesmente não se conforma com aquilo que apelida de “...um tratamento desigual – e francamente discriminatório - entre os magistrados jubilados até 31 de dezembro de 2019, bem como os que nessa data já reuniam os requisitos da jubilação, e todos aqueles que, reunindo os requisitos a partir de 1 de janeiro de 2020, se jubilaram ( e os que futuramente se venham a jubilar).” (cfr. art.º 25.º da P.I.)

7.ª Ora, tendo em conta a data de nascimento da Recorrente e o seu tempo de carreira, é inequívoco que na data de entrada em vigor da Lei n.º 68/2019 (2020-01-01) a mesma não perfazia os requisitos legalmente exigidos para a jubilação, tendo apenas reunido condições já na vigência da Lei n.º 68/2019, cujos art.ºs 130.º, n.º 3 e 190.º, n.º 4, já continham a redação normativa que a A. reputa de inconstitucional.

8.ª De resto, dificilmente se poderá entender como intolerável, arbitrária ou opressiva uma norma que determina que a pensão do magistrado jubilado será de montante igual ao salário líquido que lhe competia no ativo. Dito de outro modo, dificilmente alguém se poderá considerar prejudicado por continuar a auferir, na inatividade, o mesmo montante em dinheiro que auferia enquanto trabalhava.

9.ª Por outro lado, a conceção defendida pela Recorrente equivaleria, na prática, à paralisação dos poderes legislativos que, assim, se veriam impossibilitados de proceder a qualquer tipo de reforma dos regimes de segurança social.

10.ª Ora, seguindo o mesmo raciocínio explanado nestes autos pela Recorrente, todas essas sucessivas alterações legislativas – de conteúdo bem mais profundo que a alteração legislativa em causa nestes autos – seriam inconstitucionais e violariam, também elas, os princípios da igualdade e proteção da confiança, consagrados nos art.ºs 13.º e 2.º da CRP.

11.ª Como vem sendo entendimento da jurisprudência do Tribunal Constitucional, as sucessivas alterações aos regimes jurídicos de aposentação, ainda que desfavoráveis aos respetivos interessados, não violam o princípio da segurança jurídica, salvo quando manifestamente desrazoáveis, desproporcionadas e inesperadas, o que não é manifestamente o caso. (vejam-se, a este propósito, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 862/2013, de 2013-12-19, n.º 615/07, de 2007-12-19, ou o Acórdão n.º 303/09, de 2009-06-21, todos publicamente disponíveis na base de dados do Tribunal Constitucional).

Termos em que considera este Instituto Público que bem andou a decisão recorrida, a qual deverá ser mantida, devendo ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

A) A Autora é magistrada do Ministério Público, jubilada como Procuradora da República na Comarca do Porto – [admitido por acordo];
B) O Conselho Superior do Ministério Público através da Secção Permanente deliberou concluir que a autora “reunirá os requisitos necessários à aposentação/jubilação no dia 27 de Dezembro de 2020” - [cfr. Doc.1 junto à PI];
C) Em 28/12/2020, pelo ofício, ref.ª ...0, a Ré endereçou à Autora uma missiva com o seguinte conteúdo:
“(...)
Assunto: Pensão definitiva de aposentação
Informo V. Exa. de que, nos termos do art.º 97.º do Estatuto da Aposentação - Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro - foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 2020-12-28 da Direção da CGA (proferido por delegação de poderes publicada no Diário da República II Série, n.º 244 de 2019-12-19), tendo sido considerada a situação do interessado existente em 2020-12-28 nos termos do art.º 43.º do Estatuto da Aposentação. O valor da pensão para o ano de 2020 é de € 5 007,70 com base nos seguintes elementos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(1) Na remuneração considerada foi aplicada a percentagem de 89,00 %.
O pagamento da pensão constitui encargo desse serviço até ao último dia do mês em que for publicada no Diário da República, passando a ser da responsabilidade desta Caixa a partir do dia 1 do mês seguinte ao da publicação.
OBSERVAÇÕES
A pensão foi calculada com base na remuneração de magistrado da mesma categoria e escalão no ativo, nos termos do nº 2 do artigo 3º da Lei nº 2/90, de 20 de Janeiro.
Acresce à pensão o valor do subsídio de compensação fixado para o ano de 2020.
(...)” – [cfr. fls. 50/51 do PA, junto aos autos a fls. 48/108 do SITAF];
D) A Autora aufere, a título de subsídio de compensação, o valor de €778,75 – [admitido por acordo];
E) No Diário da República, 2.ª série, de 8 de janeiro de 2021, n.º 5, Parte C, foi publicado o Aviso n.º 524/2021, da Caixa Geral de Aposentações, I.P., do qual consta, nomeadamente, o seguinte:
“Sumário: Lista de aposentados e reformados a partir de 1 de fevereiro de 2021.
Em cumprimento no disposto no artigo 100.º do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro (Estatuto da Aposentação), torna-se pública a lista dos aposentados e reformados a seguir identificados que, a partir do próximo mês de fevereiro, ou desde as datas que se indicam, passam a ser abonados da respetiva pensão pela Caixa Geral de Aposentações:
(...)
JUSTIÇA
(...)
(...) «AA»
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA € 5 007,70
(...)” – [cfr. Doc. n.º 5.2, junto com a petição inicial];
F) No Diário da República, 2.ª série, de 14 de janeiro de 2021, n.º 9, Parte C, foi publicado o Despacho (extrato) n.º 627/2021, do Conselho Superior do Ministério Público do qual consta, nomeadamente, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
G) A presente acção deu entrada neste TAF em 15/04/2021 – [cfr. fls. 1 do SITAF].

DE DIREITO
É pelas conclusões do recurso que se delimita o conhecimento do mesmo.
Assim,
É objecto de recurso a sentença que julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos.
Cremos que decidiu com acerto.
Decorre dos autos que a Recorrente impugnou o despacho da Direcção da Caixa Geral de Aposentações, de 30.11.2020, na parte que fixou a sua pensão de jubilação no montante de €5.462,94 e o subsídio de compensação em €778,75, imputando-lhe o vício de violação de lei, por inconstitucionalidade das normas legais em que se fundamenta, porquanto o montante da pensão de jubilação baseia-se no disposto no n.° 4 do artigo 190.° da Lei n.° 68/2019, de 27 de agosto (Estatuto do Ministério Público) e o montante do subsídio de compensação baseia-se no disposto no n.° 3 do artigo 130.° da mesma Lei, os quais reputa de inconstitucionais por violação dos princípios da igualdade e da protecção da confiança, previstos nos artigos 13.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa.
Na óptica da Apelante o despacho da Direcção da Caixa Geral de Aposentações, para além dos apontados vícios, enferma, também, de manifesta falta de fundamentação, vício que determina a anulação do despacho que impugnou.
Vejamos,
A Recorrente imputa implicitamente à sentença a nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que alude que o Tribunal tinha de conhecer oficiosamente do vício de falta de fundamentação do acto impugnado.
Compulsada a sentença recorrida, é manifesto que não padece a mesma da nulidade que lhe é assacada, in casu, a omissão de pronúncia.
De facto, a nulidade da sentença invocada em sede de recurso não se verifica, desde logo, por a nulidade da sentença com base na omissão de pronúncia só acontecer quando o Tribunal deixa de conhecer questões invocadas pelos Autores/Réus e não quando, pronunciando-se sobre essas questões, no entanto, não refere todos os argumentos ou factos adiantados em sede de articulados ou no decurso dos autos, de forma exaustiva.
No caso concreto, todas as questões enunciadas pelas partes foram apreciadas, sem embargo de o Tribunal não ter mencionado na sentença recorrida todos os argumentos ou factos mencionados pelas partes ou por elas trazidos aos autos, sendo certo que, a Autora jamais suscitou o vício de falta de fundamentação e que tal vício não é de conhecimento oficioso.
Na verdade, quanto à omissão de pronúncia, seja quanto às questões suscitadas, seja quanto à apreciação de alguma pretensão, a este respeito é pacífica a jurisprudência de que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e, bem assim, as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões”.
Ademais, a Recorrente vem só agora invocar que o ato impugnado padece do vício de falta de fundamentação, vício esse que de todo inexiste.
Com efeito, não resulta da P.I. apresentada nestes autos qualquer desconhecimento da Recorrente sobre os critérios legais seguidos no cálculo da sua pensão - muito pelo contrário - o que resulta claramente da P.I. é que a mesma sabe exatamente quais são esses critérios, simplesmente não se conforma com eles:
-Com o facto de a sua pensão de jubilação ter sido fixada com base na aplicação da norma constante do n.º 4 do art.º 190º da Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto - Estatuto do Ministério Público - que reputa de inconstitucional por violação dos princípios a igualdade e da proteção da confiança, consagrados nos arts. 13º e 2º da Constituição da República Portuguesa;
-Com aquilo que, na decorrência da aplicação da Lei n.° 68/2019, apelida de “...um tratamento desigual - e francamente discriminatório - entre os magistrados jubilados até 31 de dezembro de 2019, bem como os que nessa data já reuniam os requisitos da jubilação, e todos aqueles que, reunindo os requisitos a partir de 1 de janeiro de 2020, se jubilaram (e os que futuramente se venham a jubilar).”.
Aliás, como resulta absolutamente claro do pedido formulado na ação, o que a Recorrente veio peticionar nestes autos nada tem que ver com qualquer vício relativo à fundamentação do ato administrativo praticado, pugnando, antes, pela desaplicação, ao seu caso particular, das regras previstas nos n.ºs 4 e 6 do art.º 190.º e do n.º 3 do art.º 130.º da Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, que aprovou o Estatuto do Ministério Público. Pelo que perante a clareza do conteúdo da Petição Inicial apresentada nestes autos e da argumentação nela vertida, não se logra compreender por que motivo e com que fundamento concluiu (agora / só agora) a Recorrente pela existência de vício de falta fundamentação.
Acresce que, como é jurisprudência uniforme, os recursos, nos termos do artigo 627º do CPC (ex vi artº 140º/3 do CPTA), são meios de impugnações judiciais e não meios de julgamento de questões novas. Ou seja, é função do recurso no nosso sistema jurídico, a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Como decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2009, proferido no âmbito do processo nº 09P0308:
“I-É regra geral do regime dos recursos que estes não podem ter como objecto a decisão de questões novas, que não tenham sido especificamente tratadas na decisão de que se recorre, mas apenas a reapreciação, em outro grau, de questões decididas pela instância inferior. A reapreciação constitui um julgamento parcelar sobre a validade dos fundamentos da decisão recorrida, como remédio contra erros de julgamento, e não um julgamento sobre matéria nova que não tenha sido objecto da decisão de que se recorre.
II-O objecto e o conteúdo material da decisão recorrida constituem, por isso, o círculo que define também, como limite maior, o objecto de recurso e, consequentemente, os limites e o âmbito da intervenção e do julgamento (os poderes de cognição) do tribunal de recurso.
III-No recurso não podem, pois, ser suscitadas questões novas que não tenham sido submetidas e constituído objecto específico da decisão do tribunal a quo; pela mesma razão, também o tribunal ad quem não pode assumir competência para se pronunciar ex novo sobre matéria que não tenha sido objecto da decisão recorrida.”
É que os recursos são instrumentais ao reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não servem para proferir decisões sobre matéria nova, isto é, que não tenha sido submetida à apreciação do tribunal de que se recorre.
Em face do exposto, desatende-se esta argumentação.
E o que dizer do juízo de (i)legalidade do ato administrativo?
Como decorre do ponto B) dos Factos Assentes, a Recorrente apenas reuniu os requisitos necessários à aposentação/jubilação no dia 27 de dezembro de 2020;
-O Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 7 de agosto, já estava em vigor desde 2020-01-01 (o que a própria Recorrente reconhece no art.º 11.º da P.I.);
Portanto, a Recorrente não coloca em causa o facto de apenas ter reunido os requisitos para a jubilação já na vigência da Lei n.º 68/2019, de 7 de agosto. Simplesmente não se conforma com aquilo que apelida de “...um tratamento desigual - e francamente discriminatório - entre os magistrados jubilados até 31 de dezembro de 2019, bem como os que nessa data já reuniam os requisitos da jubilação, e todos aqueles que, reunindo os requisitos a partir de 1 de janeiro de 2020, se jubilaram (e os que futuramente se venham a jubilar).”.
Carece de razão.
Com efeito, tendo em conta:
-a data de nascimento da Recorrente e
-o seu tempo de carreira,
é inequívoco que na data de entrada em vigor da Lei n.º 68/2019, de 7 de agosto (2020-01-01) a mesma não perfazia nem o requisito de idade nem o tempo de serviço legalmente exigidos para a jubilação.
Por outras palavras, a Recorrente apenas reuniu os pressupostos para a jubilação já na vigência da Lei n.º 68/2019, de 7 de agosto, cujo art.º 130.º, n.º 3, estabelecia que:
“O subsídio referido no número anterior [subsídio de compensação] é, para os efeitos previstos no presente Estatuto e na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, integrado na remuneração referida no artigo 129.º, sendo pago 14 vezes por ano e sujeito apenas à dedução da correspondente quota para a Caixa Geral de Aposentações ou da quotização para a segurança social.” e
cujo art.º 190.º, n.º 4, já estatuía que:
“A pensão é calculada em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respetivo, não podendo a pensão do magistrado jubilado ser superior nem inferior à remuneração do magistrado do Ministério Público no ativo de categoria e índice remuneratório idênticos, deduzida da quota para a Caixa Geral de Aposentações ou da quotização para a segurança social.”
Como é sabido, o legislador, através da aprovação do novo Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto), definiu novas regras relativas às condições de jubilação de magistrados, prevendo que o cálculo da pensão de jubilação e do subsídio de compensação implica a dedução da quota para a CGA ou da quotização para a segurança social.
Tais regras afastam-se, assim, das anteriormente definidas no antigo Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 47/86, de 15 de outubro), no qual não estava prevista a referida dedução.
Mais se previu, no novo Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto), que o novo regime da jubilação não se aplica aos magistrados que, em 2020-01-01, já tinham adquirido a condição de jubilados ou já reuniam os requisitos necessários à aquisição dessa condição.
Ora, dificilmente se poderá entender como intolerável, arbitrária ou opressiva uma norma que determina que a pensão do magistrado jubilado será de montante igual ao salário líquido que lhe competia no ativo. Dito de outro modo, dificilmente alguém se poderá considerar prejudicado por continuar a auferir, na inatividade, o mesmo montante em dinheiro que auferia enquanto trabalhava.
Por outro lado, e como bem observa a Recorrida, a conceção defendida pela Recorrente equivaleria, na prática, à paralisação dos poderes legislativos que, assim, se veriam impossibilitados de proceder a qualquer tipo de reforma dos regimes de segurança social.
E, como sabemos, no passado recente o legislador adotou reformas estruturais do sistema especialmente vocacionadas para a sustentabilidade dos sistemas de pensões. Por exemplo o Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, e legislação complementar, foi já objeto de inúmeras intervenções legislativas como:
-a alteração do método de cálculo das pensões;
-a introdução do fator de sustentabilidade;
-a adaptação das condições de atribuição da pensão à evolução da longevidade.
Seguindo o mesmo raciocínio explanado nestes autos pela Recorrente, todas essas sucessivas alterações legislativas - de conteúdo bem mais profundo que a alteração legislativa em causa nestes autos - seriam inconstitucionais e violariam, também elas, os princípios da igualdade e proteção da confiança, consagrados nos artigos 13.º e 2.º da CRP.
No entanto, como se escreveu no Acórdão n.º 862/2013, de 2013-12-19 “A Constituição não fixa, com caráter de regra suscetível de aplicação direta e imediata, o sistema de pensões e demais prestações do sistema de segurança social, assim como os critérios da sua concessão e valor pecuniário.
Caberá assim ao legislador ordinário, em função das disponibilidades financeiras e das margens de avaliação e opções políticas decorrentes do princípio democrático, modelar especificamente esses elementos de conteúdo das pensões. É-lhe deixada uma grande margem de manobra no que toca "às modalidades e técnicas de proteção a instituir" (Luísa Andias Gonçalves, "Reflexões em torno da Reforma das Prestações Sociais", in AA.VV. org. Fernando Ribeiro Mendes; Nazaré Costa Cabral, Por Onde vai o Estado Social em Portugal?, no prelo).” (Acórdão disponível na base de dados do Tribunal Constitucional em https:// https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130862.html).
Segundo se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 615/07, de 2007-12-19: “...impõe-se confrontar a jurisprudência deste Tribunal, em sede de apreciação da constitucionalidade de mutações do regime jurídico de aposentação de funcionários e agentes da administração pública, com as particularidades próprias do caso ora em apreço. Com efeito, este tribunal tem vindo a afirmar - jurisprudência que ora se reitera e acompanha, que as sucessivas alterações àquele regime jurídico de aposentação, ainda que desfavoráveis aos respetivos interessados, não violam o princípio da segurança jurídica, salvo quando manifestamente desrazoáveis, desproporcionadas e inesperadas...” - (Acórdão disponível na base de dados do Tribunal Constitucional em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19990580.html).
Por outro lado, como consta no Acórdão n.º 303/09, de 2009-06-21: “Na verdade, como se sublinhou no citado Acórdão n.º 99/2004, quando estão em causa as diferenças de regime decorrentes da normal sucessão de leis, há que reconhecer ao legislador uma apreciável margem de liberdade no estabelecimento do marco temporal relevante para aplicação do novo e do velho regime. Aliás, numa outra decisão (Acórdão n.º 467/2003), este Tribunal, referindo-se igualmente a uma situação de comparação de regimes de aposentação de um ponto de vista dinâmico da sucessão no tempo, vistos - tal como aqui sucede - na perspectiva do princípio da igualdade, considerou não funcionar este princípio, enquanto exigência do texto constitucional, “em termos diacrónicos”.
Retomando o discurso do Acórdão n.º 99/2004, há que reconhecer que, também no caso ora em análise, “a determinação da fronteira entre os dois regimes ocorreu, na interpretação da decisão recorrida, por referência a um critério geral, previamente definido no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil (e como tal perfeitamente previsível), segundo o qual a lei só dispõe para o futuro, quando lhe não seja atribuída eficácia retroactiva pelo legislador”, prosseguindo: “Não se verificando neste domínio normativo qualquer exigência constitucional de retroactividade da lei nova, a opção pela disposição só para o futuro - que confirma o entendimento intuitivo de «que em todo o preceito jurídico está implícito um ‘de ora avante’, um ‘daqui para o futuro’» (J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, pág. 225) - apresenta-se como uma solução racional e, de qualquer forma, situada dentro da margem de liberdade concedida ao legislador.” - (Acórdão disponível na base de dados do Tribunal Constitucional em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090303.html).
Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao não dar provimento à pretensão deduzida pela Recorrente e julgar improcedente a ação.
Em suma,
Como é sabido, na definição aristotélica de igualdade, discernir casos similares e diferentes é crucial: só os casos iguais devem ser tratados de forma igual, devendo os casos diferentes ser tratados de forma desigual na proporção da sua diferença.
Como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., o princípio da igualdade "exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes", o que se traduz, afinal, numa proibição do arbítrio. No mesmo sentido se afirma no Acórdão do STA de 26/09/2007, rec. 1187/06, “o princípio da igualdade traduz-se numa proibição do arbítrio, impondo, na consideração das suas dimensões igualizante e diferenciante, um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes".
Este sentido vinculante do princípio da igualdade tem sido exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, em inúmeros arestos, de que se destaca o Acórdão 186/90 - proc. n.°533/88, de 06/06/90, do qual se destaca o seguinte trecho:
"O princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e do sistema constitucional global..., que vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada, 1.° vol., cit., p. 151, e Jorge Miranda, «Princípio da Igualdade», in Polis/Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. III, Lisboa, São Paulo, Verbo, 1985, págs. 404/405.
Este facto resulta da consagração pela nossa Constituição do princípio da igualdade perante a lei como um direito fundamental do cidadão e da atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional-artigo 18.°, n.°1, da Constituição.
Princípio de conteúdo pluridimensional, postula várias exigências, entre as quais a de obrigar a um tratamento igual das situações de facto iguais e a um tratamento desigual das situações de facto desiguais, proibindo, inversamente, o tratamento desigual das situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais. Numa fórmula curta, a obrigação da igualdade de tratamento exige que «aquilo que é igual seja tratado igualmente, de acordo com o critério da sua igualdade, e aquilo que é desigual seja tratado desigualmente, segundo o critério da sua desigualdade».
(...)
O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio.
(...)
E, no mesmo sentido, cfr. o Acórdão nº 39/88 (Diário da República, l Série, de 3 de março de 1988): «O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificarão razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes.
Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n° 2 do artigo 13°.
Esclareça-se que a «teoria da proibição do arbítrio» não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou da discricionariedade legislativa. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade.”- na mesma linha, o Acórdão do STA nº 073/08 de 13/11/2008. Ou seja, este sentido vinculativo do princípio da igualdade, exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante.

Voltando ao caso concreto, como referido na sentença, a criação de diferentes camadas de beneficiários cuja absorção dos impactos da alteração legislativa em diferentes níveis tem subjacente, como se disse, a repartição equitativa de sacrifícios entre todos, tendo como bandeira a subsistência da CGA e a garantia da sua solvabilidade futura, esta opção legislativa balanceia o critério de repartição de sacrifícios (princípio de solidariedade).
Em segundo lugar, o princípio da igualdade não pode ser entendido como um obstáculo ao estabelecimento pelo legislador de disciplinas jurídicas diferentes e à normal sucessão legislativa em matéria de direitos sociais, sob pena de nunca se poder alterar um regime jurídico que afecte a situação jurídica abrangida pela legislação anterior e, bem assim, sob pena de se aniquilar a liberdade de conformação dos poderes político-legislativos.
À luz do exposto, claudica a invocada violação do princípio da igualdade.
E o que dizer da violação do princípio da confiança?
A esta luz, os princípios da boa fé e da confiança respeitam à necessidade de se ponderarem os valores fundamentais de direito, pertinentes no caso concreto, em função designadamente da confiança suscitada na contraparte por determinada actuação e do objectivo a alcançar - cfr. Diogo Freitas do Amaral - Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2009, págs. 133 a 138; Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos - Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª ed., Dom Quixote, 2008, págs. 220 a 225.
Conforme é jurisprudência dos tribunais superiores, para que exista violação dos princípios da boa fé e da confiança é necessário que tenham sido criadas expectativas no particular minimamente sólidas, censurando-se os comportamentos que sejam desleais e incorrectos, bem como as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas - cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 160/00, de 22/03/2000, n.º 109/02, de 05/03/2002, n.º 128/02, de 14/03/2002 e do STA de 11/09/2008, Proc. 0112/07 e de 13/11/2008, Proc. 073/08.
Ainda na definição que nos é dada pelo Prof. Freitas do Amaral, a justiça é “o conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que lhe é devido em função da dignidade da pessoa humana” (ob. cit. págs. 130 e 131).
Acresce que “o princípio fundamental consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP é o princípio da justiça, sendo que os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa fé são subprincípios que se integram no princípio da justiça” (autor e obra cit., pág. 134).
Assim, o (antigo) artigo 6.º-A, do CPA, veio acolher expressamente o princípio da boa fé, no direito administrativo, dispondo que «No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regas da boa fé» (v. n.º 1).
Por outro lado, o respeito pela boa fé realiza-se através da ponderação dos “(...) valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial: a) da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; b) do objectivo a alcançar com a actuação empreendida” (v. o seu n.º 2).
Ora, uma das mais importantes concretizações da boa fé, a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º-A, é o princípio da protecção da confiança, que se traduz numa regra ético-jurídica fundamental, já que impõe que sejam asseguradas as “legítimas expectativas” criadas aos cidadãos, baseadas na conduta de outrem.
Destarte se protegem os particulares, relativamente aos comportamentos administrativos que objectivamente inculquem uma crença na sua efectivação.
Todavia, a tutela da boa fé não é absoluta, porquanto só poderá ocorrer mediante a verificação de certos pressupostos, a saber: a) existência de uma situação de confiança, traduzida na boa fé subjectiva da pessoa lesada; b) existência de elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível; c) desenvolvimento efectivo de actividades jurídicas assentes nessa crença, d) existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado (vide autor e obra citadas, págs. 149 e 150).
Com efeito, “(...) a confiança criada, a boa fé, não é factor isolado de valorização duma conduta jurídico-administrativamente relevante” (cfr. Mário Esteves Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, em Código do Procedimento Administrativo, comentado, 2.ª edição, pág. 116).
Mais referem “(...) é ousada essa cláusula geral, porque refere o dever de boa fé a todas as “formas e fases” da actividade administrativa, quando, por exemplo, nalgumas dessas formas (...) não sobra praticamente campo de valorização jurídica do princípio da boa fé para além da garantida pela intervenção dos princípios da (legalidade e da igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e justiça. (...) “(Autores e ob. cit., pág. 112).
De resto, ainda nas palavras dos citados Autores, “(...) Subjectivamente, a boa fé é essencialmente um estado de espírito, uma convicção pessoal sobre a licitude da respectiva conduta, sobre estar a actuar-se em conformidade com o direito” (ob. cit., pág. 108).
O que pressupõe e implica, no seguimento do entendimento perfilhado pelos mesmos Professores, que o princípio da boa fé perde forçosamente a sua força normativa, se e quando a Administração Publica se vê confrontada com a obrigação vinculada e estrita de obedecer à Lei e ao Direito.
No caso posto, estando assegurados tais princípios, entende-se que a nova normação jurídica não tocou desproporcionada e desnecessariamente dimensões importantes do direito à pensão de jubilação/subsídio de compensação e, nessa medida, entende-se que não ocorre violação do princípio da protecção da confiança.
Dito de outro modo, alteração legislativa levada a cabo, através dos n.ºs 4 e 6 do artigo 190.º e do n.º 3 do artigo 130.º da Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, (i) não frusta legítimas expectivas fundadas na actuação do legislador, (ii) assenta em motivos justificados e (iii) não implica uma ablação desproporcionada do direito à pensão de jubilação/subsídio de compensação e, como tal, não viola o princípio da protecção da confiança, naufragando, assim, a inconstitucionalidade invocada.
Ademais e reiterando-se, dificilmente se poderá entender como intolerável, arbitrária ou opressiva uma norma que determina que a pensão do magistrado jubilado será de montante igual ao salário líquido que lhe competia no ativo. Dito de outro jeito, dificilmente alguém se poderá considerar prejudicado por continuar a auferir, na inatividade, o mesmo montante em dinheiro que auferia enquanto trabalhava.
Temos assim que a sentença recorrida interpretou convenientemente as disposições legais/constitucionais aplicáveis, pelo que será mantida na íntegra.
Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 11/10/2024

Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães
Isabel Jovita