Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00356/09.0BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/17/2022
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Carlos Fernandes
Descritores:IVA; NULIDADE DA SENTENÇA; SUJEITO PASSIVO MISTO;
MÉTODO DA AFETAÇÃO REAL;
MÉTODO DA PERCENTAGEM (PRO RATA)
Sumário:I – De acordo com o disposto no artigo 125.º, n.º 1 do CPPT e artigo 615.º do CPC apenas a total ausência de fundamentação de facto e de direito determina a nulidade da sentença com este motivo.
II – Para efeitos do exercício do direito à dedução do IVA suportado relativamente a bens de utilização mista, os sujeitos passivos podem recorrer ao método da afetação real ou ao método da percentagem de dedução ou do pro rata. Em conformidade com este último, têm direito à dedução de IVA que suportaram nos seus inputs na percentagem correspondente ao peso relativo ou fração que as operações sujeitas a IVA têm no conjunto das operações isentas e não isentas que praticam [este método visa encontrar a percentagem da dedução admissível através de uma fração (divisão) em que no numerador figura o montante anual (sem imposto) das transmissões de bens e serviços que dão lugar a dedução e, no denominador, o montante anual de todas as operações efetuadas (também sem imposto), incluindo as isentas ou “fora do campo” do imposto].
III – Tendo a Administração Tributária determinado que o sujeito passivo deveria ser enquadrado no método de afetação real, não podia o mesmo, sem mais fundamentos, ser enquadrado no método pro rata.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:Associação A
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015]
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:I – A Representação da Fazenda Pública - RFP (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, pela qual se julgou procedente a impugnação intentada por pela Associação A (Recorrida), melhor identificada nos autos, deduzida contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento da reclamação graciosa relativa às liquidações adicionais de IVA dos períodos de 2003 a 2006, assim como contra as correspetivas liquidações de juros compensatórios.

No presente recurso, a Recorrente (RFP) formula as seguintes conclusões:
«A-) Da fundamentação de facto da douta sentença recorrida resulta, por um lado, da omissão do legal dever de discriminação dos factos considerados como provados, traduzível, na mera remissão e transcrição, para o relatório de inspecção, de teor meramente abstracto e teórico, e mesmo redutor, já que apela à sua reprodução e transcrição literal,
B-) E, por outro lado, do ilegal modo de querer concretizar a fundamentação de facto, sabendo-se que os documentos, no caso o relatório da inspecção, não são factos, mas, antes, meios de prova dos factos, a remissão para um documento significa da prova da sua existência mas já não da prova da existência dos factos nele-documento-contidos
C-) A douta sentença recorrida inobservou o dever legal de especificar o conteúdo do documento remissivo (relatório), não discriminando quais os factos provados por documentos e, assim, violou o disposto no nº2 do art.659º do CPC, conjugado com o nº 2 do art.123º do CPPT, de que resulta a nulidade da sentença recorrida prevista na al. b) do nº 1 do art. 668º do C.P.C. conjugado com nº1 do art.125º do CPPT, devendo por isso ser declarada nula.
D-) A fundamentação da sentença omite, em absoluto, a discriminação/especificação dos factos não provados com relevância para a decisão da causa, o que viola o previsto no nº 2 do art. 123º do CPPT, o que é equiparável à falta de indicação da matéria de facto provada, para efeitos de nulidade prevista no art.125º nº 1 do CPPT
E-) Ao contrário do considerado na douta sentença recorrida, (que parte de um pressuposto de facto, que se revela equivoco e não correspondente com a realidade tributária apurada e constante dos autos, qual seja, a de que o recorrido optou pela aplicação do método de afectação real, e que a AT altera esse método pela aplicação do método pro rata), a AT baseia-se na factualidade constante do Relatório de Inspecção, que, em termos expressos, no Cap.II, item C, a págs. 6 e 7, e a fls.28 do Relatório, toda ela constitutiva da especificação, e da motivação, formal e material, de facto e de direito, e do percurso cognoscitivo e valorativo, conducente à conclusão de que o método de afectação real não foi o escolhido, como sobretudo, não foi aplicado, tendo sido diagnosticado que, verdadeiramente, em causa, não está a utilização, pelo recorrido, do método de afectação real, mas da inexistência de qualquer critério de dedução do IVA nos termos do art. 23º CIVA
F-) A fundamentação de facto e de direito da douta sentença recorrida omite, não a equacionando no seu juízo decisório, dos factos e elementos, em concreto e de modo preciso, constantes do relatório referentes à impossibilidade e à inexistência da utilização do método de afectação real pelo recorrido mas antes, da aplicação, indevida, do art. 20º do CIVA, deduzindo a totalidade do IVA,
G-) A fundamentação de facto e de direito da douta sentença recorrida faz liminar tábua rasa das alegações contidas na Contestação na qual, e com fundamento exclusivo no relatório de inspecção, a FP procurou demonstrar, a especificação, a motivação, e o percurso cognoscitivo e valorativo conducente ao juízo legitimador da impossibilidade e da inexistência da utilização do método de afectação real pelo recorrido mas antes, da aplicação, indevida, do art. 20º do CIVA, deduzindo a totalidade do IVA,
H-) Donde, a douta sentença recorrida fez errónea interpretação dos factos constantes do relatório e, concomitante e indissociavelmente, errónea Valoração da factualidade dada Provada.
I-) E, por consequência, incorreu em manifesto erro de julgamento da matéria de facto e de direito, face à total desconsideração, na fundamentação de facto e de direito da douta sentença em crise, da factualidade suporte, e da motivação jurídica, da impossibilidade e da inexistência da utilização do método de afectação real pelo recorrido mas antes, da aplicação, indevida, do art.20º do CIVA, deduzindo a totalidade do IVA»
Termina, a Recorrente, pedindo que:
- seja concedido provimento ao Recurso, e, em consequência, Ser revogada a Douta Sentença, proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo", que julgou a Impugnação procedente;
- que se declare a nulidade da Sentença, prevista na al. b) do nº 1 do art. 668º do C.P.C. conjugado com nº1 do art. 125º do CPPT
- que sejam julgadas válidas as liquidações adicionais de IVA dos exercícios de 2003 a 2006 e as liquidações dos respetivos juros compensatórios.
A Recorrida apresentou contra-alegações, nestas concluindo que:
A):
- Da nulidade da sentença por omissão de dever legal de discriminação dos factos considerados como provados-
Nas suas conclusões de recurso alega a recorrente que a sentença prolatada no processo à margem identificado padece do vicio de nulidade por violação do dever legal de discriminação dos factos dados como provados e que a remissão e transcrição para o relatório da inspecção, sem «especificar o conteúdo do documento remissivo (relatório) não discriminando quais os factos provados por documento, constitui violação do disposto no n.º 2 do art.º 659.º do CPC conjugado com o disposto no n.º 2 do art.º 123.º do CPPT.
Mas não tem razão a recorrente. Vejamos:
O Relatório da Inspecção Tributária (RIT) é constituído por 30 fls. e 10 anexos, estruturado em 11 (XI) títulos, subtítulos e números ou pontos.
O Titulo II – Objectivos, Âmbito e Extensão da acção Inspectiva, é composto por diversos subtítulos, nomeadamente o subtítulo C – Outras situações – Caracterização da associação, actividades desenvolvidas e enquadramento fiscal, do qual fazem parte; a) o ponto 3) Enquadramento para efeitos de IVA onde se descrevem as actividades exercidas e o regime aplicado para efeitos de dedução do IVA pela recorrida e ora alegante (cfr. fls. 5 e sgs); b) o ponto 4) onde se descrevem os factos que caracterizam a recorrida como um sujeito passivo misto; c) o ponto 5) dedicado ao método utilizado na Dedução do IVA suportado, e d) o ponto 7 relativo à analise das Receitas/Proveitos.
A decisão prolatada considerou com interesse e relevância para a decisão a proferir os factos constantes dos pontos 3, 4, 5 e 7 do RIT que transcreveu apenas na parte que considerou relevante e deles extraindo a matéria de facto significante para a decisão, não se limitando a «uma mera remissão para um documento», no caso o RIT, antes especificando os factos, que dele concretamente constam, que deu como provados.
Na decisão sobre a matéria de facto são dados como provados os factos cuja verificação está sujeita à livre apreciação do julgador, que decide segundo a sua prudente convicção (art. 655º nº 1), com base na análise crítica das provas apresentadas, mostrando e explicando através desta as razões que objectivamente o determinam a ter (ou não) por provado determinado facto.
Na fixação da matéria de facto foram indicados de forma concreta os factos provados por documento (o RIT) não se tendo a douta sentença bastado a “dar como reproduzido” aquele documento.
Porque a sentença especificou o conteúdo do documento remissivo (RIT) seleccionando as partes que contem os factos relevantes para a decisão da causa que deu como provados, não violou o disposto no n.º 2 do art.º 123.º do CPPT conjugado com o disposto no n.º 2 do art.º 659.º do CPC não padecendo do alegado vicio de nulidade.
B):
- Da nulidade da sentença por omissão de dever legal de especificação dos factos considerados como não provados-
A sentença conclui após a discriminação dos factos dados como provados que «com interesse e relevância para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado ou não provado».
Ao concluir que «com interesse e relevância para a decisão a proferir» nada mais se provou ou não se provou a sentença delimitou o perímetro dos factos que considerou provados concluído que com interesse e relevância para a decisão não resultaram factos não provados.
Com «interesse e relevância para a decisão a proferir» a sentença considerou não haver factos não provados – só haveria lugar a especificação se houvesse factos não provados, não os havendo, não pode ser exigida a sua especificação.
Assim, também e salvo melhor opinião, não padece a sentença do vicio de nulidade por falta de especificação de factos que «com interesse e relevância para a decisão a proferir» não se mostram provados. Só o que se considera existir é que pode ser especificado.
C):
- Do erro de Julgamento da matéria de facto e de direito -
Alega a recorrente que a sentença recorrida faz errada interpretação dos factos constantes do Capitulo C, a pag. 6 e 7 e a fls. 28 do RIT e na sua fundamentação «faz liminar tábua rasa das alegações contidas na Contestação...» incorrendo em «manifesto erro de julgamento da matéria de facto e de direito, face à total desconsideração, na fundamentação de facto e de direito da douta sentença em crise, da factualidade suporte, e da motivação jurídica, da impossibilidade e da inexistência da utilização do método de afectação real pelo recorrido..»
Estabelecidos os factos que o Tribunal a quo considerou como provados, – as questões que o juiz tem de resolver não se confundem com os argumentos e razões que as partes invoquem na defesa das suas posições – o juiz deve, nos termos do art.º. 659º nº 2, indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes aos factos provados, começando por determinar a previsão legal que se lhes ajusta (subsunção).
Encontrada a norma aplicável ao caso concreto, procede à sua interpretação, fixando o seu sentido e extensão, seguindo-se a individuação, que se traduz na aplicação da norma, estabelecendo-se o efeito jurídico que, segundo a norma, se deve atribuir à situação litigiosa.
Diferentemente do que sucede com os factos, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – art. 664º, que de acordo com o princípio – iura novit curia – o juiz é livre na escolha do direito que considera aplicável, sem quaisquer limitações impostas pelas partes, em qualquer dos momentos previstos no preceito.
Quer na indagação, isto é, na escolha da norma jurídica que tem por adequada, quer na interpretação, ou seja, na determinação do seu conteúdo e alcance, quer na aplicação, declarando os efeitos e consequências que entende legítimas – mesmo que, em qualquer dos casos, duvida da posição assumida por uma ou por ambas as partes.
Ao contrario do alegado pela recorrente o Tribunal a quo não fez errado julgamento da matéria de facto e de direito.
Senão vejamos:
É verdade que a recorrida na declaração de início de actividade que apresentou me 01.01.1996 não preencheu o Quadro 11 mas é também verdade que sendo como era uma declaração apresentada no Serviço de Finanças estava sujeita a uma actividade de validação por parte dos serviços que inclusive procediam ao enquadramento do Sujeito Passivo (Quadro 10).
Mas também é verdade que uma coisa é a informação que consta do cadastro fiscal (que resulta da declaração de inscrição no registo) outra a realidade concreta suportada pela contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal e pelas declarações periódicas apresentadas desde aquela data (01.01.1996) pela recorrida. Realidade que a IT analisou tendo concluído, a partir dos documentos, registos contabilísticos, declarações apresentadas e concreta actividade exercida que «(...) se trata de um sujeito passivo misto que poderá deduzir o IVA suportado nas suas aquisições de bens e serviços destinadas à realização das suas actividades, não excluídas do direito à dedução, nos termos do art.º 23.º do CIVA, segundo o método da percentagem de dedução (Pro Rata) ou segundo o método da efectuação real (cfr, ponto 4 a fls. 6 do RIT).
Concluindo no ponto 5.1 (cfr. fls 7 do RIT) que «relativamente ao IVA deduzido em despesas correntes, mencionadas no campo 24. Do quadro 6 da respectiva declaração periódica, o sujeito passivo,...., utiliza o MÉTODO DE AFECTAÇÃO REAL,..».
Conclusão que é corroborada a fls. 19 do RIT onde se refere que «(...) para efeitos de IVA trata-se de um sujeito passivo misto que poderá deduzir o IVA suportado nas suas aquisições de bens e serviços destinados à realização das suas actividades não excluídas do direito á dedução (artigo 21.º do CIVA) de acordo com o método de afectação real nos termos do n.º 2 do artigo 23º do CIVA.
E, também no n.º 2 a fls. 19 do RIT conclui a IT que «para que o sujeito passivo .... esteja registado no cadastro do IVA, nos termos referidos anteriormente vamos elaborar o correspondente Boletim de Alteração Oficiosa (BAO) por forma a que, a Associação...., dado tratar-se de um sujeito passivo misto, fique registado pelo exercício simultâneo de operações sujeitas e não isentas, ...., operações sujeitas e isentas, .... E operações foram do campo de aplicação do IVA,...., desde 1/ 01/ 2003 procedendo à dedução do IVA nos termos do n.º 2 do art.º 23.º do CIVA, o método de afectação real»
Resulta inequívoco que a recorrida deduziu no período de 2003 a 2006 o IVA suportado, por aplicação do método de afectação real e, não estando cadastrada nesse regime passou legitimamente a estar, por força da elaboração do BAO, pela própria IT, com efeitos retroactivos a 01.01.2003.
Termina a Recorrida pedindo que seja negado provimento ao presente recurso
*
Os autos foram com vista ao digno magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, tendo este emitido parecer no sentido da procedência do presente recurso (cf. fls. 282 e segs. dos autos – paginação do SITAF).
*
Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
-/-

II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:
1. A Impugnante é uma pessoa coletiva de utilidade pública sem fins lucrativos, que tem como objeto a defesa dos legítimos interesses e direitos de todos os comerciantes, industriais e prestadores de serviços associados, seu prestígio e dignificação, contribuir para o harmónico desenvolvimento do comércio que representa e promover um espírito de solidariedade e apoio recíproco entre os associados, com vista à orientação de um clima de progresso do país e uma justa paz social;
2. Constituem receitas da Impugnante o produto de joias e quotas pagas pelos associados, os juros e outros rendimentos dos bens que possuir, outras receitas eventuais regulamentares, quaisquer outros benefícios, donativos ou contribuições permitidos por lei;
3. Em sede de I.R.C., a Impugnante encontra-se isenta – cfr. fls. 5 do relatório de inspeção tributária;
4. Em sede de I.V.A., a Impugnante é um sujeito passivo misto – cfr. fls. 6 do relatório de inspeção tributária;
5. Pela ordem de serviço n.º OI...0161, de 26.04.2007, foi a Impugnante alvo de inspeção tributária, apenas em sede de I.V.A., tendo sido analisado o período de 01.01.2003 a 31.12.2006 – cfr. fls. 3 relatório de inspeção tributária;
6. Do relatório de inspeção tributária resulta, com relevo para o que aqui se discute, o seguinte – cfr. fls. 3 a 30 do processo de inspeção tributária apenso:
“[...]
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
[…]
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
[...]
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
[...]”
7. Sobre aquele relatório foi aposto o seguinte despacho – cfr. fls. 1 do relatório de inspeção tributária:
1 – Concordo com o relatório e parecer do chefe de equipa
2 – Notifique-se o S.P.
3 – Remeta-se auto de notícia ao SF competente
8. Nesta sequência, foram emitidas liquidações de I.V.A. quanto aos anos de 2003 a 2006 – cfr. fls. 26 a 54 do processo de reclamação graciosa apenso;
9. A Impugnante deduziu reclamação graciosa quanto às liquidações de I.V.A. em 27.03.2008 – cfr. fls. 4 a 25 do processo de reclamação graciosa apenso;
10. Notificada do projeto de decisão da reclamação graciosa, a Impugnante exerceu direito de audição – cfr. fls. 95 a 175 do processo de reclamação graciosa apenso;
11. Por despacho datado de 21.08.2008 foi indeferida totalmente a reclamação graciosa – cfr. fls. 176 e 177 do processo de reclamação graciosa apenso;
12. Notificada da decisão da reclamação graciosa, a Impugnante apresentou recurso hierárquico – cfr. fls. 2 a 35 do processo de recurso hierárquico apenso;
13. Por despacho datado de 19.06.2009, foi indeferido o recurso hierárquico referido no ponto antecedente – cfr. fls. não numeradas do processo de recurso hierárquico apenso;
14. A Petição inicial que motiva os presentes autos foi remetida a este Tribunal, via site SITAF, em 30.09.2009 – cfr. fls. 2 dos autos em suporte físico.
*
Igualmente se consignou na sentença recorrida que:
«Com interesse e relevância para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado ou não provado.»
*
No que diz respeito à motivação factual, considerou-se na sentença apelada que:
«Os factos dados como assentes supra tiveram por base os documentos juntos aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e/ou não resultaram controvertidos.»
*
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT, adita-se à matéria de facto o seguinte:
6A – Do relatório referido no ponto 6 consta igualmente que:
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
- cfr. fls. 3 a 30 do processo de inspeção tributária apenso.
-/-
III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, no que tange às nulidades apontadas à sentença recorrida, assim como quanto ao alegado erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e consequente erro na subsunção dos factos ao direito.
-/-
IV – Da apreciação do presente recurso
Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, na qual se concedeu provimento à impugnação deduzida pela ora Recorrida contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de IVA dos períodos de 2003 a 2006, assim como contra as correspetivas liquidações de juros compensatórios.
As liquidações supra referidas têm por génese uma inspeção levada a cabo pelos serviços inspetivos da AT na qual se concluiu, em síntese, que a Recorrida assumia as caraterísticas de um sujeito passivo misto, sendo que na ótica dos serviços inspetivos da AT a contribuinte teria deduzido indevidamente a totalidade do IVA em bens e serviços que só admitiriam uma dedução parcial. Por isso, nessa sequência, os serviços lançaram mão do método de percentagem «pro rata» em detrimento do método de afetação real.
IV.1 – Das nulidades invocadas em sede de recurso.
A Apelante começa por invocar que a sentença recorrida enferma de uma nulidade no que concerne à discriminação dos factos considerados como provados, mais concretamente na parte em que se limita a reproduzir o teor do relatório inspetivo. Igualmente, refere a Apelante, que a ausência da definição concreta dos factos não provados faz a sentença também enfermar de nulidade.
Quanto à apontada nulidade, seguimos a orientação já há muito prolatada pelo colendo STA. Com efeito e a mero titulo de exemplo, citamos e seguimos o entendimento no sentido de que: “[…] Trata-se de nulidade da sentença prevista também no nº do art. 125º do CPPT e na al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC: é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Importa, porém, distinguir a falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada, sendo que o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação e tal nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos: isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão. (Cfr., entre outros, o ac. do STA, de 10/5/73, BMJ 228, 259 e o ac. do STJ, de 8/4/75, BMJ 246, 131.) A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. (Cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.)[…]” (extrato do acórdão do STA de 06.02.2019, proferido no processo/recurso n.ºs 0249/09.0BEVIS 01161/16, disponível em www.dgsi.pt).
Na presente situação, na decisão jurisdicional ora em apreço, estipularam-se, globalmente, os factos tidos como provados, fazendo-se a necessária remissão para os correspetivos meios de prova.
Porém, a ora Apelante considera que no que diz respeito à transcrição do relatório de inspeção tributária, a sua inclusão traduz-se numa mera remissão para um meio probatório e não se pode daí concluir a verificação dos factos nele contidos.
Ora, se atentarmos no teor do facto referido no n.º 6 da matéria de facto assente, a verdade é que o mesmo se traduz num dado factual: o próprio teor do relatório inspetivo. Por isso, daquele facto, o que se retira é a posição assumida pelos serviços inspetivos da AT no âmbito do procedimento de inspeção. Assim, entendemos, tal como no acórdão deste TCA de 25-03-2021, proferido no processo n.º 00599/08.3BEPRT, que: “[…] o facto de a sentença transcrever o relatório na parte respeitante às correções tem o sentido de realçar o que esteve na base da liquidação e, assim, balizar o julgamento da legalidade das correções e consequente liquidação do imposto.
Podendo, em tese, ser discutível a técnica usada na sentença certo é que não permite, de modo, algum afetar a validade da sentença e da sua compreensão no seu raciocínio jurídico-factual.
Aliás, temos vindo a entender, nestas circunstâncias de reprodução do relatório, que extensa matéria de facto proveniente da reprodução integral dos relatórios, há que dizer que, não sendo a técnica jurídica mais aconselhável [facilitada pelos meios técnicos informáticos de reprodução, desvirtuando o julgamento da matéria de facto, principal objetivo do processo] não tem a virtualidade de invalidar só por si a sentença de molde a considerar incompreensível ou ininteligível, atribuindo-se-lhe o vício da nulidade. Acórdão proferido em 12-11-2015 no processo 413/08.0PRT […]” (disponível em www.dgsi.pt).
Mais difícil fica de compreender a nulidade invocada, quando a Apelante não indica em que medida é que a suposta nulidade não lhe permitiu alcançar o sentido do julgado em apreciação na presente instância, ou que facto, ou factos, sustentador(es) da sua posição ficara(m) eventualmente por demonstrar e que tivessem por suporte o apontado relatório inspetivo emanado pelos seus serviços.
Deste modo, pelas razões supra apontadas, não se verifica a alegada nulidade ora invocada pela Recorrente.
A Apelante invoca ainda que a sentença padece de nulidade uma vez que não foram descritos os factos não provados. Porém, na sentença apelada na parte referente ao julgamento de facto, consignou-se que “…com interesse e relevância para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado ou não provado”. Este ditame, embora de conteúdo algo genérico, não deixa de encerrar em si mesmo uma posição sobre os factos não provados: é que, com interesse para a decisão proferida, inexistiam factos não provados a considerar.
Por outro lado, a Recorrente também não nos elucida, nem este Tribunal antevê face à alegação das partes, que algum facto essencial e relevante oportunamente alegado pelas partes, necessário para a decisão deste pleito, tivesse sido olvidado aquando do julgamento factual feito em primeira instância.
Por isso, entendemos que também não se verifica esta segunda nulidade aqui invocada pela Apelante.
IV.2 – Dos erros de julgamento atribuídos à sentença recorrida.
A questão fulcral que a Recorrente coloca nesta instância está relacionado com um erro de julgamento de direito, uma vez que na perspetiva daquela a fundamentação dos atos recorridos assenta na inexistência de qualquer critério de dedução do IVA nos termos do art. 23º CIVA, assim como na aplicação indevida do art. 20º do CIVA por parte da Recorrida, uma vez que esta terá procedido à dedução da totalidade do IVA em operações em que tal não seria normativamente possível.
A título introdutório da presente questão, citamos aqui o vertido no acórdão do STA de 28.10.2015, proferido no recurso n.º 01497/12 (in www.dgsi.pt). Assim, neste aresto relatou-se que:
“[…]
Afigura-se-nos que, para a boa compreensão das diversas questões suscitadas, se impõe, previamente, deixar algumas notas em torno da matéria respeitante à dedução do IVA por parte dos sujeitos passivos que, como a ora Recorrente, praticam operações que conferem direito a essa dedução em conjunto com outras que não concedem esse direito.
Esses contribuintes (sujeitos passivos mistos ou parciais) apenas podem exercer o direito à dedução do imposto suportado nas aquisições que se destinem às operações que conferem direito à dedução. «O sujeito passivo que realiza operações isentas e operações tributadas não deve suportar o IVA conexo com as operações tributadas, nem deduzir o IVA conexo com as operações isentas» (SALDANHA SANCHES e TABORDA DA GAMA, Pro Rata Revisitado: Actividade Económica, Actividade Acessória e Dedução do IVA na jurisprudência do TJCE, Ciência e Técnica Fiscal, Janeiro-Junho de 2006, n.º 417, págs. 101 a 130, maxime fls. 102.). Por isso, torna-se necessário, face ao conjunto de todas as operações, determinar o montante do IVA que é dedutível e o que não é dedutível.
A redacção do art. 23.º do CIVA em vigor até 31 de Dezembro de 2007 (A Lei do Orçamento do Estado para 2008 (Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Janeiro), veio dar nova redacção ao art. 23.º do CIVA.) suscitou algumas dificuldades interpretativas: numa leitura mais chegada ao seu teor literal, criou-se uma convicção em vastos sectores de que o sujeito passivo que pratique conjuntamente operações que conferem direito à dedução do imposto e operações que não conferem esse direito, para calcular o montante do direito à dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços tem de utilizar um dos seguintes métodos: o método da afectação real ou o método da percentagem (pro rata); isto incluindo e não distinguindo os bens e serviços que sejam exclusivamente utilizados em operações que conferem direito à dedução e os bens e serviços exclusivamente utilizados em operações que não conferem tal direito; de igual modo, entendia-se que o método a utilizar preferencialmente era o método da percentagem (pro rata).
[…]
Mas não é essa a melhor interpretação daquele preceito, nem a que está em consonância com a chamada Sexta Directiva (Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme), ulteriormente substituída pela vulgarmente denominada Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado).
Na verdade, a Directiva IVA prevê o método da afectação real e o método da percentagem como formas de resolver o problema da dedução do IVA, mas apenas no que respeita a bens ou serviços que sejam utilizados indistinta ou simultaneamente em actividades que conferem e outras que não concedem direito à dedução do imposto.
Assim, em matéria de dedução do imposto, relativamente aos bens e serviços que o sujeito passivo utiliza para as operações com direito a dedução, pode deduzir integralmente o IVA suportado e, relativamente aos bens e serviços que afecta a operações sem direito a dedução, não pode deduzir IVA algum. Ou seja, em matéria de dedução do imposto, o procedimento a seguir impõe uma primeira fase, dita da imputação directa (direct attribution of the input tax), onde estamos exclusivamente no domínio dos arts. 19.º, 20.º e 21.º do CIVA, e que «deve ser levada tão longe quanto tecnicamente for possível (é esta a forma mais conseguida para se obter resultados rigorosos e neutros, sem “distorções fiscais”)». Só numa fase ulterior, relativamente aos inputs utilizados indistintamente em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem tal direito, será de convocar a regra do art. 23.º do CIVA, entrando-se, então, numa segunda fase do processo, que se pode denominar como «repartição do imposto residual» (apportionment of residual input tax), em que se inicia a aplicação da norma contida no artigo 23.º do CIVA (Sobre a questão, detalhadamente,
- JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO e MARIA ODETE OLIVEIRA, Desfazendo mal-entendidos em matéria de direito à dedução de imposto sobre o valor acrescentado: as recentes alterações do artigo 23.º do Código do IVA, Revista de Finanças Públicas e de Direito Fiscal, Ano 1, Número 1, págs. 35 a 71;
- RUI MANUEL PEREIRA DA COSTA BASTOS, O Direito à Dedução do IVA, O Caso Particular dos Inputs de Utilização Mista, Cadernos IDEFF, n.º 15, págs. 149 a 154;
- LUÍS MIGUEL MIRANDA DA ROCHA, O direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos parciais e dos devedores de imposto parciais, TOC n.º 114, págs. 29 a 39.).
[…]
Assim, em causa está apenas a dedução do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços que sejam afectados conjuntamente às actividades exercidas, isentas e tributadas, os bens e serviços conjuntos ou mistos, também denominados inputs promíscuos, na terminologia da doutrina fiscal italiana (Cfr. JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO e MARIA ODETE OLIVEIRA, Desfazendo …, págs. 35 a 71.).
Para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto suportado relativamente a esses bens de utilização mista, estes sujeitos passivos podem recorrer ao método da afectação real (Genericamente, este método consiste em discriminar na contabilidade os bens e serviços utilizados nas operações sujeitas a imposto, sendo o direito à dedução circunscrito a esses inputs. Trata-se de um critério que permite mensurar a efectiva utilização dos inputs da actividade na produção dos bens ou serviços transaccionados pelo sujeito passivo.) ou ao método da percentagem de dedução ou do pro rata. Em conformidade com este último, têm direito à dedução de IVA que suportaram nos seus inputs na percentagem correspondente ao peso relativo ou fracção que as operações sujeitas a IVA têm no conjunto das operações isentas e não isentas que praticam (Este método visa encontrar a percentagem da dedução admissível através de uma fracção (divisão) em que no numerador figura o montante anual (sem imposto) das transmissões de bens e serviços que dão lugar a dedução e, no denominador, o montante anual de todas as operações efectuadas (também sem imposto), incluindo as isentas ou “fora do campo” do imposto. A medida (percentagem) da dedução do IVA suportado a montante é apurada com base na relação entre os volumes de negócios que permitem a dedução do imposto suportado e pelas actividades que não permitem essa dedução.).
Como afirma JOSÉ MARIA PIRES, em resumo, «o n.º 5 do art. 17.º da Sexta Directiva não é «chamado» nas situações em que se acha a ligação directa e imediata – caso em que se deduz ou não deduz integralmente o imposto, em função do seu destino – já o será para regular o exercício do direito à dedução quando os serviços e bens adquiridos são utilizados indistintamente em operações económicas com direito à dedução e em operações económicas sem direito à dedução. E, na mesma linha, quando essa utilização de bens e serviços ocorre em actividades económicas e actividades não económicas, na acepção da Sexta Directiva, então são convocadas as normas de direito interno que os Estados-Membros adoptaram no respeito pela finalidade e a economia da Directiva», ou seja, no caso português, o art. 23.º do CIVA (Comentário ao acórdão “A…………, S.A.” de 6 de Setembro de 2012, proferido no processo C-496/11: Ainda a dedutibilidade do IVA nas sociedades holding, Anuário Português de Direito Internacional 2012-2014-01, págs. 241 a 251, onde se salienta que o acórdão sob comentário é clarificador no que se refere à ordem de convocação das normas que enformam o regime do direito à dedução do IVA.).
[…]”
Na sentença recorrida considerou-se que:
“[…] Na base da tributação em sede de I.V.A., princípio incontornável é o da neutralidade. Este princípio tem-se por verificado, relativamente ao consumo, quando o consumidor não vê as suas opções afetadas pela aplicação do imposto, e relativamente à produção, quando o produtor não introduz alterações no método produtivo.
Norteada por este princípio, a legislação em torno dos sujeitos passivos mistos (definidos como aqueles que praticam atividades com direito à dedução e sem direito à dedução de I.V.A.), prevê dois métodos para que se possam ultrapassar as dificuldades de tributação que, neste âmbito, surgem. É que, se por um lado, há bens afetos inequivocamente às atividades isentas e bens afetos às não isentas, isto é, às atividades que não conferem dedução e às que conferem, há também os chamados bens promíscuos, que podem estar afetos quer a uma quer a outra atividade, não sendo fácil discernir em que proporção é que se dá tal afetação.
Os métodos resultantes da lei – artigo 23º, n.º 2, als. a) e b) do C.I.V.A. – são, assim, o método pro rata e o da afetação real. O primeiro é calculado com base no volume de negócios, nos outputs de cada atividade; o segundo assenta na efetiva afetação do bem à atividade. O primeiro é um método aproximado, indireto, assente na presunção de que a utilização de determinado bem por determinada atividade corresponde ao peso que a mesma tem no volume de negócios total; o segundo é o que melhor garante a neutralidade, nos termos em que se deixou exposto, por permitir, com base em critérios objetivos, determinar a efetiva afetação real em função da efetiva utilização.
No caso sub judice, segundo resulta quer da invocação da Impugnante, quer da factualidade assente, mormente do teor do relatório de inspeção tributária, a Impugnante fez a sua opção pelo método da afetação real, utilizando-o nas operações de cálculo do I.V.A.. Sucede que, devido à inspeção que foi encetada, concluiu a Administração Tributária que haveria situações de dedução integral de I.V.A., quando apenas seria permitida – face à qualificação das operações – uma dedução parcial. Nesta sequência, a Administração Tributária, conforme melhor resulta do relatório transcrito, por entender que havia irregularidades na dedução, corrige-as, utilizando, contudo, o método da percentagem e não o método que a Impugnante vinha utilizando.
É exatamente contra esta circunstância que a Impugnante se insurge, pois não compreende o motivo do afastamento do critério que adotara e pelo qual sempre pautara a dedução do I.V.A..
Ora, nesta sede, pode atentar-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo 0169/11, em 25.05.2011, que, em situação semelhante à dos presentes autos, decidiu assim:
“[...]
III - Se o contribuinte apresentou declaração de alterações optando pelo método de dedução da afectação real e a Administração Tributária nada disse, não pode depois, em fiscalização dos três exercícios seguintes, aplicar-lhe o método pro-rata com fundamento em que tem sido entendimento da AT que tal método não é adequado às SGPS - caso da recorrente -, podendo, quando muito e de acordo com o nº 2 do citado artº 23º fazer cessar para o futuro a aplicação daquele método.”.
Embora na situação em apreço não resulte que tenha havido declaração do contribuinte com opção pelo método da afetação real, a verdade é que do próprio relatório de inspeção tributária resulta que esse foi o escolhido pela Impugnante. Sendo que, como efetivamente invoca a Impugnante, não se compreende o salto lógico que é dado em sede de inspeção. Por um lado, reconhece-se como método escolhido e aplicado o método da afetação real, por outro, em virtude de haver deduções integrais, quando apenas deveriam ser parciais – segundo sustenta a inspeção – corrige-se tal situação seguindo-se um método diferente do utilizado. Ou seja, uma coisa é ter havido irregularidades na aplicação do método da afetação real, situação diversa é haver irregularidades na dedução e, com o intuito de as corrigir, afastar, de imediato, o método da afetação real e aplicar o pro rata. É que nada indica que o método usado não estivesse a ser adequadamente aplicado, resulta é que terá havido erradas deduções que careciam de ser corrigidas.
Ora, se estava a ser aplicado o método da afetação real, que, como se disse, é até o que melhor garante o princípio da neutralidade, e era o escolhido pela Impugnante, nada mais restava à Inspeção que não fosse efetuar as correções com base nesse método. E, não, optar por um método diverso e que se caracteriza pela aproximação.
Verifica-se, assim, que houve uma inadequada e indevida aplicação de um método que não fora o escolhido pela Impugnante, o que inquina as liquidações, devendo as mesmas ser anuladas.
Deste modo, procede este fundamento, e com ele a presente ação, ficando prejudicada a apreciação dos demais fundamentos invocados, nos termos do artigo 608º do C.P.C..
[…].”
Efetivamente, tal como decidido na sentença recorrida, da leitura do relatório de inspeção que contém a fundamentação dos atos recorridos, podemos concluir que a Recorrida veio a ser considerada e inscrita como sujeito passivo misto para efeitos de IVA, considerando-se que exercia atividades sujeitas e não isentas (prestações de serviços a terceiros), operações sujeitas e isentas (quotas e formação profissional) e operações fora do campo de aplicação do IVA (subvenções não tributadas), tendo-se considerado como o método adotado o da afetação real – n.º 2 do art.º 23.º do CIVA (vide pontos ns.º 6 e 6A da matéria de facto).
Ora, a Recorrente invoca que do constante do relatório final de inspeção, mais concretamente no Cap. II, item C, a págs. 6 e 7, e a fls. 28, o método de afetação real não só não terá sido o escolhido, como sobretudo, não foi aplicado, tendo sido diagnosticado que não estaria em causa a utilização pelo recorrido do método de afetação real, mas antes a inexistência de qualquer critério de dedução do IVA nos termos dos arts.º 20.º e 23º do CIVA.
Assim, (re)lido citado relatório inspetivo não vemos que nele se faça qualquer aplicação concreta na matéria que aqui nos interessa ao disposto no artigo 20.º do CIVA, pelo que não vemos que neste ponto a sentença recorrida tenha feito qualquer interpretação menos visada do citado documento. Já no que concerne à referência feita ao disposto no artigo 23.º, nos segmentos indicados pela Recorrente do mencionado relatório, o que podemos constatar é que a indicação normativa referida serve unicamente para dar conta, genericamente, que a Recorrida, enquanto sujeito passivo misto, pode optar pelo método de afetação real ou pelo método de percentagem de dedução («pro rata»). Só depois, concluem os serviços da AT, a Recorrida acabou por não ter elegido nenhum destes dois critérios e tendo deduzido todo o IVA relativamente a «inputs» promíscuos.
No entanto, a apontada situação não afasta a circunstância de terem sido os próprios serviços da AT que superando a falta de esclarecimento por parte da contribuinte quanto ao método de dedução adotado (afetação real ou percentagem), acabaram por considerar e inscrever a Recorrida como um sujeito passivo misto enquadrado no regime de afetação real. Ora, se assim foi, não se alcança por que razão, no cômputo do IVA aqui reclamado pelos serviços da AT, estes divergentemente tenham lançado mão do método da percentagem («pro rata») e não do método que oficiosamente determinaram como sendo o devido para a contribuinte.
Assim sendo e sem que se tenham concretamente demonstrado outras fundadas razões que permitissem a alteração de tal método de apuramento, o método a ter sido aplicado teria que ser o escolhido, tal como se induz do decidido na sentença recorrida. Denote-se, ainda, que o método da percentagem e tal como sumariado no acórdão do STA supra citado: “III- … , o método do pro rata só poderá ser adoptado na impossibilidade do uso de um método mais objectivo (que reflicta melhor a intensidade do uso dos bens de produção comuns aos dois ramos de actividade) e desde que não conduza a distorções de tributação.”
Deste modo, entendemos que a sentença recorrida não enferma dos erros de julgamento que lhe são assacados no presente recurso, o que determinará a improcedência deste.
-/-
Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte sumário:
I – De acordo com o disposto no artigo 125.º, n.º 1 do CPPT e artigo 615.º do CPC apenas a total ausência de fundamentação de facto e de direito determina a nulidade da sentença com este motivo.
II – Para efeitos do exercício do direito à dedução do IVA suportado relativamente a bens de utilização mista, os sujeitos passivos podem recorrer ao método da afetação real ou ao método da percentagem de dedução ou do pro rata. Em conformidade com este último, têm direito à dedução de IVA que suportaram nos seus inputs na percentagem correspondente ao peso relativo ou fração que as operações sujeitas a IVA têm no conjunto das operações isentas e não isentas que praticam [este método visa encontrar a percentagem da dedução admissível através de uma fração (divisão) em que no numerador figura o montante anual (sem imposto) das transmissões de bens e serviços que dão lugar a dedução e, no denominador, o montante anual de todas as operações efetuadas (também sem imposto), incluindo as isentas ou “fora do campo” do imposto].
III – Tendo a Administração Tributária determinado que o sujeito passivo deveria ser enquadrado no método de afetação real, não podia o mesmo, sem mais fundamentos, ser enquadrado no método pro rata.
-/-
V – Dispositivo
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso apresentado pela Recorrente, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente (por vencida).

Porto, 17 de novembro de 2022
Carlos A. M. de Castro Fernandes
Tiago A. Lopes de Miranda
Cristina da Nova