Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00826/20.9BEPRT |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 07/05/2024 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | ANA PAULA ADÃO MARTINS |
Descritores: | NULIDADE DECISÓRIA; INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES; CONSULTA DE PROCESSOS OU PASSAGEM DE CERTIDÕES; INCUMPRIMENTO DA INTIMAÇÃO; PEDIDO DE ESCUSA DE PATRONO OFICIOSO; |
Sumário: | I - A omissão de pronúncia é um vício formal das decisões judiciais resultante da falta de conhecimento pelo tribunal de “questões que devesse apreciar”. II - Atento o teor do requerimento no qual é suscitado o incumprimento da intimação, impunha-se ao Tribunal a quo, face à tramitação seguida, a solicitação de todos os documentos/folhas aí indicados. III - Só na posse de tais elementos e depois de os analisar, estaria o Tribunal a quo capaz de formar um juízo sobre a possibilidade de restrição de acesso a tais documentos pelo ora Recorrente, por existirem “dados pessoais que tenham que ser protegidos”. IV- Não assiste ao Autor o direito de aceder a pedido de escusa apresentado por patrono oficioso na parte em que contém dados pessoais deste, concernentes à reserva da intimidade da vida privada.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Conceder parcial provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO «AA», melhor identificado nos autos, requereu contra a Ordem dos Advogados, com os demais sinais nos autos, intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, com o seguinte pedido: “A) Ser a Requerida intimada para no prazo de 10 dias, facultar ao Requerente a consulta da integralidade dos processos administrativos N.P. 79550/2016; N.P. 156503/2017; N.P. 156510/2017; N.P. 156530/2017; N.P. 90435/2019; N.P. 90438/2019; N.P. 90357/2019; N.P. 90358/2019; N.P. 90359/2019; N.P. 128944/2019; N.P. 168710/2019 e N.P. 221501/2019 e passagem, dentro de igual prazo de 10 dias, de cópias/certidão dos documentos que vierem a ser selecionados para esse fim; B) Seja o Tribunal a apreciar e decidir, se invocada pela Requerida, a existência ou não nos supre referidos processos de dados de natureza pessoal dos Senhores Advogados que merecem reserva, e que devam ser omitidos ao Requerente; C) Ser a Requerida condenada, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento da quantia de € 100 por cada dia de incumprimento da decisão que vier a ser proferida nos presente autos.” * Por sentença, de 21.05.2020, a intimação foi julgada procedente, e, em consequência, foi a Ordem dos Advogados intimada a, no prazo de 10 (dez) dias, facultar ao Requerente a consulta da integralidade dos processos administrativos N.P. 79550/2016, N.P. 156503/2017, N.P. 156510/2017, N.P. 156530/2017, N.P. 90435/2019, N.P. 90438/2019, N.P. 90357/2019, N.P. 90358/2019, N.P. 90359/2019, N.P. 128944/2019, N.P. 168710/2019 e N.P. 221501/2019 e a emitir certidões da totalidade dos seus documentos. * A 10.03.2024, o Autor solicita a aplicação de sanção pecuniária compulsória aos órgãos da Requerida Ordem dos Advogados, nos termos do artigo 108.º, n.º 2 e 169.º do CPTA, alegando existir incumprimento da presente intimação sem justificação aceitável. * Por decisão de 23.04.2024, foi indeferido o pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória aos órgãos da Requerida. * Inconformado, o Autor vem interpor recurso da decisão de 23.04.2024, concluindo assim as suas alegações: A. Vem o presente recurso interposto do Despacho proferido a 23.04.2024 que considerou integralmente cumprido o Acórdão prolatado nos Autos e indeferiu o pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória. B. Conforme se irá expor e demonstrar, entende o Recorrente que a decisão recorrida, salvo o devido respeito, incorreu em erro, assentando em pressupostos inverídicos e inexatos, violando o princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no art. 2.º do CPTA. C. A decisão prolatada nestes autos determinou que “nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a presente intimação procedente, e, em consequência, intima-se a Ordem dos Advogados a, no prazo de 10 (dez) dias, facultar ao Requerente a consulta da integralidade dos processos administrativos N.P. 79550/2016, N.P. 156503/2017, N.P. 156510/2017, N.P. 156530/2017, N.P. 90435/2019, N.P. 90438/2019, N.P. 90357/2019, N.P. 90358/2019, N.P. 90359/2019, N.P. 128944/2019, N.P. 168710/2019 e N.P. 221501/2019 e a emitir certidões da totalidade dos seus documentos, nos termos supra elencados.” D. Contudo, o despacho recorrido determina a improcedência do requerido referindo que “Compulsado o teor do envelope confidencial dirigido ao Tribunal, constata-se que o referido artigo 6.º do pedido de escusa da Dra. «BB» contém efetivamente elementos da reserva da sua intimidade e dados pessoais nos termos do artigo 4.º do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia, sendo que a própria sentença proferida nos presentes autos admite que “o direito à obtenção do processo pelo interessado, possa ser restringido caso existam dados pessoais que tenham que ser protegidos, impondo-se, nesse caso, à Entidade Requerida proceder à necessária expurgação”. E. Ora, em primeiro lugar, o referido artigo 4.º do Regulamento Geral de Proteção de Dados apenas indica as definições, não aplicando, por si só, nenhum critério que permita sustentar a posição do Tribunal Recorrido. F. Em segundo lugar, de acordo com a decisão dos presentes autos, estavam em causa diversos processos e o requerimento que motivou este despacho, datado de 10.03.2024, referia não só um documento mas sim 7 (sete) folhas de dois processos distintos, a saber, folhas 32, 33, 34 e 35 do Processo n.º 79550/2016 e as folhas 277,278 e 279, no âmbito do Processo n.º 90358/2019. G. Aparentemente a Ré, aqui recorrida, apenas terá junto um documento, tendo o Tribunal incorrido no vício de omissão de pronúncia quanto aos demais, à luz do preceituado no artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil, vício que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos. H. Ademais, dada a inexistente contextualização, permite-se o aqui recorrente, a propósito da aplicação do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27.04.2016, sublinhar que nos presentes autos estamos perante o acesso a documentos administrativos. E, nesta medida, a Lei da Proteção de Dados Pessoais que aplica aquele diploma comunitário ao nosso ordenamento jurídico, Lei n.º 58/2019, de 08 de Agosto, dispõe, no seu artigo 26.º relativo ao acesso a documentos administrativos, que “O acesso a documentos administrativos que contenham dados pessoais rege-se pelo disposto na Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto.” I. Por sua vez, a Lei 26/2016, de 22 de Agosto, a chamada LADA, quando se refere ao acesso a documentos nominativos, nos seus artigos 6.º e 7.º diz que pode ser transmitida a informação relativa a dados de saúde ou a dados da vida privada, na medida do estritamente necessário à realização do interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido que fundamenta o acesso – neste caso o direito à informação administrativa procedimental. J. Estas decisões estão sempre dependentes de um julgamento de proporcionalidade e compatibilidade entre os direitos fundamentais em causa: o direito à informação administrativa procedimental do Autor – art. 268.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa- e o direito à reserva da vida privada (onde se inclui a n.º1, da Constituição da República Portuguesa. informação. proteção dos dados so) – do(s) mandatário(s) que pediu/pediram escusa - art. 26.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa. K. Ora, esta ponderação, sempre norteada pelos princípios do artigo 18.º da Lei Fundamental, terá de ser feita por um órgão jurisdicional e nunca por uma outra entidade, ainda para mais se a mesma for parte interessada em não fornecer a informação. L. Desta forma, deverá ser a recorrida notificada para juntar os documentos dos processos em questão, na sua integralidade, e que seja o próprio tribunal, ou um perito por este designado, a analisar se os dados em questão se subsumem à categoria de informação da vida privada, e especificamente a quais. E, em caso afirmativo, quer pelo seu entendimento, ou no seguimento da análise da opinião de perito, que faça este juízo de proporcionalidade para entender se essa informação não poderá ser disponibilizada, em ordem a dar cumprimento à sentença proferida e ao direito à informação administrativa procedimental do aqui Autor, à luz dos preceitos invocados. Termos em que, dando provimento ao recurso, deve o Despacho recorrido ser revogado e, em consequência: - Impor que a Ré junte ao processo folhas 32, 33, 34 e 35 do para o Tribunal, ou perito por este nomeado; previamente requeridos. Processo n.º 79550/2016 e as folhas 277,278 e 279, no âmbito do Processo n.º 90358/2019, sem ocultar nenhuma informação, para o Tribunal, ou perito por este nomeado; - Determinar a consulta integral do processo e; - Aplicar a sanção pecuniária compulsória nos termos previamente requeridos. * Não houve lugar a contra-alegações. * O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 146º. nº 2 do CPTA, não emitiu parecer. * Sem vistos, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência. * II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, que delimitam o seu objecto, nos termos dos arts 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, a questão decidenda consiste em saber se a decisão recorrida: - padece de nulidade, por omissão de pronúncia; e - errou ao julgar cumprida a sentença proferida nos autos. * III – FUNDAMENTAÇÃO Com interesse para a decisão, consignam-se as seguintes ocorrências processuais: 1- A Requerida não deduziu defesa nem constituiu mandatário nos presentes autos. 2- Por requerimento de 10.03.2024, o ora Recorrente veio aos autos dar conta de que considera não estar cumprida integralmente a sentença proferida a 21.05.2020, alegando que: “(…) para a sua surpresa, foi-lhe recusada a consulta integral dos processos N.P. ...16, e N.P. 90358/2019. 4.º Como justificativa, terá recebido, via correio eletrónico, o despacho exarado de 25 de setembro de 2020 pelo Exmo. Senhor Dr. «CC», Vogal do Conselho Regional todos os devidos e legais efeitos. do ... da Ordem dos Advogados, identificado sob o ofício n.º 1179/2..., - cfr. Documento n.º 1 que aqui se junta (…). 5.º Na sequência do despacho supra identificado, foi expurgado do processo o requerimento de escusa apresentado pela Advogada nomeada, o que conduz ao incumprimento formal e material da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. 6.º Após ser informado da recusa a consulta integral do processo, o aqui requerente remeteu emails à Requerida, invocando o não cumprimento da Intimação - cfr. Documento n.º 2 (…)” 2- Notificada para se pronunciar sobre o aludido requerimento, ao abrigo do art. 3º, nº 3 do CPC, veio a Requerida expor e requerer o seguinte: “1. Compulsado o processo administrativo que tem 360 páginas verifica-se que foi disponibilizado ao beneficiário a consulta integral do processo. 2. A única exceção à consulta do processo diz respeito ao artigo 6.º do pedido de escusa da Ex.ma Senhora Dra. «BB», a fls. 278 do PA. 3.E tal artigo foi truncado, em cumprimento da sentença proferida no âmbito do presente processo que determina expressamente que: “Assim, ou os motivos do pedido de escusa, incluem dados pessoais que possam ofender a reserva da intimidade do próprio advogado e que nesse caso têm direito a protecção, ou o Autor (…)”. 4.Ora, no caso em apreço, a cláusula 6º contém elementos da reserva da sua intimidade da própria Advogada e contém dados pessoais, nos termos do artigo 4.º do RGPD. 5.Envia-se a V. Exa. em envelope fechado, com a menção de confidencial para que V.Exa. possa verificar o alegado, requerendo, desde já, que tal documento não seja incorporado nos autos. (…)” * Sobre o requerimento do Autor recaiu a decisão aqui em crise, que apresenta o seguinte teor: “(…) Foi a entidade requerida notificada para se pronunciar sobre tal requerimento, bem como para informar os autos da identificação individual do titular do órgão responsável para efeitos de eventual aplicação de sanção pecuniária compulsória, tendo a mesma fornecido os referidos dados e informado que a única exceção à consulta do processo respeita ao artigo 6.º do pedido de escusa da Dra. «BB», a fls. 278 do PA, tendo tal artigo sido truncado em cumprimento da sentença proferida no presente processo por elementos da reserva da sua intimidade e dados pessoais nos termos do artigo 4.º do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia. Foi ainda enviado envelope confidencial para que o Tribunal pudesse verificar o alegado. Compulsado o teor do envelope confidencial dirigido ao Tribunal, constata-se que o referido artigo 6.º do pedido de escusa da Dra. «BB» contém efetivamente elementos da reserva da sua intimidade e dados pessoais nos termos do artigo 4.º do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia, sendo que a própria sentença proferida nos presentes autos admite que “o direito à obtenção do processo pelo interessado, possa ser restringido caso existam dados pessoais que tenham que ser protegidos, impondo-se, nesse caso, à Entidade Requerida proceder à necessária expurgação”. Face ao exposto, e tendo em conta que a expurgação efetuada pela Requerida se mostra legítima, indefere-se o pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória aos órgãos da Requerida.” O Autor não se conforma com o decidido e imputa nulidade decisória e erro de julgamento. Da nulidade decisória: Alega o Recorrente que, de acordo com a sentença proferida nos presentes autos, estavam em causa diversos processos e o requerimento que motivou este despacho, datado de 10.03.2024, referia não só um documento mas sim 7 folhas de dois processos distintos, a saber, as folhas 32, 33, 34 e 35 do Processo n.º 79550/2016 e as folhas 277, 278 e 279, do Processo n.º 90358/2019; aparentemente a Ré apenas terá junto um documento, tendo o Tribunal incorrido no vício de omissão de pronúncia, à luz do preceituado no artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a alegada nulidade nos seguintes termos: “(…) O Tribunal entende que tal nulidade não se verifica, pois considera inexistir-se omissão de pronúncia porquanto segundo o ofício enviado pelo Réu a única exceção à consulta do processo é a identificada no despacho, não tendo por isso o Tribunal que pronunciar-se sobre outros documentos. (…)”. A omissão de pronúncia é um vício formal das decisões judiciais resultante da falta de conhecimento pelo tribunal de “questões que devesse apreciar”. É jurisprudência reiterada e pacífica que a omissão de pronúncia ocorre quando o juiz deixe de se pronunciar sobre «questões» que devesse apreciar por terem sido invocadas pelas partes ou serem de conhecimento oficioso. E, como é por demais sabido, face à insistência pacífica da jurisprudência, não se deverão confundir «questões» com «razões» - a título de exemplo, Ac. do STA de 10.09.2020 (proc. nº ...5), disponível para consulta em www.dgsi.pt. Nos presentes autos, o Autor dirigiu requerimento ao Tribunal a quo, no qual dá conta de que, em seu entender, a sentença não foi integralmente cumprida pela Entidade Requerida, devendo ser determinada a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias. Do teor da decisão recorrida emerge que o Tribunal a quo aceitou a informação prestada pelo Réu no sentido de a “única exceção à consulta do processo diz respeito ao artigo 6.º do pedido de escusa da Ex.ma Senhora Dra. «BB», a fls. 278 do PA”, e foi com base nesse pressuposto que decidiu como decidiu. Tanto basta para que, independentemente do seu acerto, se conclua que o Juiz a quo conheceu da questão que devia conhecer. O que vem alegado pelo Recorrente consubstanciará eventual erro de julgamento. Donde, inexiste a apontada omissão de pronúncia. Termos em que improcede a arguida nulidade decisória. * Do erro de julgamento: Resulta do já explanado que o ora Recorrente invocou o incumprimento da sentença proferida nos autos, sob a alegação de a Entidade Requerida ter recusado o acesso às folhas 32, 33, 34 e 35 do Processo n.º 79550/2016 e as folhas 277, 278 e 279 do Processo n.º 90358/2019. Dos documentos que acompanham o aludido requerimento, extrai-se o seguinte: - No processo n.º 79550/2016, por ofício nº 1179/2..., datado de 25.09.2020, a Ordem dos Advogados informou o ora Recorrente de que seria “facultada ao Beneficiário a consulta integral do processo de nomeação, expurgando-se do mesmo o requerimento de escusa (e documento médico anexo) apresentado pela Dra. «DD».” - A consulta teve lugar no dia 25.09.2020. - No dia seguinte, o Autor remete email à Ordem dos Advogados invocando, entre o mais, a recusa da “consulta das folhas 32 a 35, violação clara e frontal da sentença de intimação”. - No processo n.º 90358/2019, por ofício nº 923/2..., datado de 20.07.2020, a Ordem dos Advogados informou o ora Recorrente de que lhe seria concedida “a consulta integral do presente processo de nomeação.” - A consulta teve lugar no dia 25.09.2020. - No dia seguinte, o Autor remete email à Ordem participa à Ordem dos Advogados, invocando, entre o mais, a recusa da “consulta integral das folhas 277 a 279 tendo sido apagado/eliminado o art 6º desse requerimento, em violação clara e frontal da sentença de intimação …”. Assim, tendo o Autor alegado o incumprimento da sentença relativamente ao processo n.º 79550/2016 (referente à Dra. «DD» e concretamente às folhas 32 a 35) e ao processo n.º 90358/2019 (referente à Dra. «EE» e concretamente às folhas 277 a 279), o Tribunal a quo julgou legítima a expurgação efetuada pela Requerida, no processo n.º 90358/2019, concretamente o “artigo 6.º do pedido de escusa da Ex.ma Senhora Dra. «BB», a fls. 278 do PA.” Está ínsita na decisão em crise a aceitação da informação prestada pela Ré no sentido de ser esta a “única exceção à consulta do processo”. De resto, no despacho de 22.05.2024, no qual o juiz a quo se pronuncia sobre a alegada nulidade decisória, é dito que “segundo o ofício enviado pelo Réu a única exceção à consulta do processo é a identificada no despacho, não tendo por isso o Tribunal que pronunciar-se sobre outros documentos.” Não podemos, nesta parte, acompanhar o entendimento do Tribunal a quo. Atento o teor do requerimento que motivou a decisão em crise, não podia o Tribunal a quo limitar-se à informação prestada pela Requerida, tanto mais que esta não teve qualquer intervenção nos autos, com excepção precisamente da aludida informação, a qual surge na sequência de despacho proferido para o efeito e após insistência no solicitado. Impunha-se, face à tramitação seguida, a solicitação de todos os documentos/folhas indicados pelo Autor. A entender-se que a informação prestada pela Requerida é no sentido de que, do conjunto dos documentos indicados pelo Autor, apenas lhe foi negado o acesso a fls. 278, não haveria sequer qualquer óbice a que a Requerida juntasse aos autos os demais documentos/folhas. Todavia, não é nesse sentido que aponta o teor do ofício nº 1179/2..., de 25.09.2020, relativo ao processo n.º 79550/2016 e à Dra. «DD», pelo qual o Requerente é informado de que o processo será expurgado “do requerimento de escusa (e documento médico anexo)”. Neste contexto, deveria a Requerida ter incluído no envelope confidencial que fez chegar aos autos também aqueles documentos. E, não o fazendo, deveria o Tribunal a quo, face à tramitação seguida, proceder à sua solicitação. Só na posse de tais elementos e depois de os analisar, estaria o Tribunal a quo capaz de formar um juízo sobre a possibilidade de restrição de acesso a tais documentos pelo ora Recorrente, por existirem “dados pessoais que tenham que ser protegidos”. Em suma, teria o Tribunal a quo que pronunciar-se sobre todos os documentos e não apenas sobre o documento que a Requerida entendeu juntar (fls. 278 do processo 90358/2019). No que tange ao julgamento do Tribunal a quo que recaiu sobre o documento disponibilizado (fls. 278 do processo 90358/2019), o mesmo não merece qualquer reparo. Vejamos. Após enquadrar o objecto da acção no direito de acesso à informação procedimental, decidiu-se, na sentença cujo cumprimento se discute, o seguinte: “(…) não se pode perder de vista que o direito fundamental à informação deve ser ponderado com o também direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada (cf. artigo 26.º, n.º 1, da CRP), ponderação que deverá ser concretizada à luz do princípio da proporcionalidade (cf. artigo 18.º, n.º 2, da CRP). Dando concretização a estes comandos constitucionais, o Código do Procedimento Administrativo estabelece, no seu artigo 83.º n.º 2, que o direito à informação não prejudica a necessidade de protecção dos dados pessoais de terceiros. Assim, ou os motivos do pedido de escusa, incluem dados pessoais que possam ofender a reserva da intimidade do próprio advogado e que nesse caso têm direito a protecção, ou o Autor, enquanto beneficiário do apoio judiciário, tem direito a aceder aos documentos que incluem esses mesmos motivos.” Compulsado o teor do envelope confidencial dirigido ao Tribunal, é evidente que o artigo 6.º do pedido de escusa da Dra. «BB» inclui dados pessoais concernentes à reserva da sua intimidade. Assim sendo, em respeito pelo decidido a 21.05.2020, não assiste ao Autor o direito a aceder a este documento. Nestes termos, deve manter-se a decisão recorrida na parte em que julgou legítima a expurgação efectuada pela Requerida quanto ao artigo 6.º do pedido de escusa da Dra. «BB», a fls. 278 do processo 90358/2019, e revogar-se o demais (o juízo ínsito de que não foi negado o acesso aos demais documentos, não havendo que recair uma análise sobre estes), baixando os autos ao TAF do Porto para que, nos termos enunciados, o Tribunal a quo tome conhecimento dos documentos em causa (folhas 32, 33, 34 e 35 do processo n.º 79550/2016 e folhas 277 e 279 do processo n.º 90358/2019) e, relativamente àqueles que a Requerida entender remeter por via confidencial, verificar se tais documentos contêm ou não dados pessoais carecidos de protecção, apreciando se a sentença foi ou não cumprida. * IV - DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência: a) Manter a decisão recorrida no que concerne ao documento de fls. 278 do processo 90358/2019; b) Revogar a decisão recorrida na parte restante; c) Ordenar a baixa dos autos ao TAF do Porto para que, nos termos enunciados, o Tribunal a quo verifique se os documentos restantes (folhas 32, 33, 34 e 35 do processo n.º 79550/2016 e folhas 277 e 279 do processo n.º 90358/2019) contêm dados pessoais carecidos de protecção, apreciando se a sentença foi ou não cumprida. * Custas, em partes iguais, a cargo do Recorrente e da Recorrida, sem prejuízo do apoio judiciário concedido àquele. * Registe e notifique. *** Porto, 05 de Julho de 2024 Ana Paula Martins Luís Migueis Garcia (em substituição) Celestina Caeiro Castanheira |