Texto Integral: | Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores
Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 5 do artigo 85º do CPTA, vem o Ministério Público emitir o seguinte parecer sobre o mérito do recurso jurisdicional:
1 – D ….. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A, veio interpor a presente acção administrativa especial contra o despacho de 05 de Janeiro de 2007 de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), que lhe indeferiu o pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais apurados pela sociedade M ….. , S. A – Sucursal em Portugal, sociedade de direito Espanhol (adiante apenas referida por “Sucursal”), realizado no quadro de uma operação de reestruturação do grupo D ….. em Portugal.
Alega, em síntese:
a) Que se terá formado um acto tácito de deferimento do pedido de autorização para a dedução de prejuízos fiscais, pelo que;
b) O acto expresso viola os princípios da igualdade, da boa fé e da imparcialidade;
c) Existem razões económicas válidas para a operação de reestruturação;
d) A decisão enferma ainda de erro grosseiro quanto aos pressupostos de direito;
e) Com vista a uma correcta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso, sugere a apreciação prejudicial do TJCE.
Vejamos:
a) – Do acto tácito de deferimento
As entidades intervenientes – residentes e não residentes – no referido processo de reestruturação integram o grupo D ….. , o qual é dominado pela sociedade de direito Alemão, D ….. , AG.
Através de requerimento datado de 12 de Agosto de 2004, a A. solicitou a Sua Excelência o Ministro das Finanças a transmissão dos prejuízos fiscais da “Sucursal” para a sua esfera.
À data da apresentação deste requerimento, a “Sucursal” apresentava um reporte de prejuízos fiscais no valor de € 8 214 089,44.
Tal pedido foi efectuado ao abrigo do disposto no artigo 69º do CIRC que, subordinado à epígrafe, "transmissibilidade dos prejuízos fiscais", dispunha:
1 - Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim do período referido no nº l do artigo 47°, contado do exercício a que os mesmos se reportam, desde que seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças, mediante requerimento dos interessados entregue na Direcção-Geral dos Impostos até ao fim do mês seguinte ao do registo da fusão na conservatória do registo comercial.
2 -A concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais corno a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos corno económicos.
(…)
7 - O requerimento referido no nº l, quando acompanhado dos elementos previstos no nº 2, considera-se tacitamente deferido se a decisão não for proferida no prazo de seis meses (redacção da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro - Orçamento do Estado para o ano de 2003) a contar da sua apresentação, sem prejuízo das disposições legais antiabuso eventualmente aplicáveis.
8 - Para efeitos do cômputo do prazo referido no número anterior, considera-se que o mesmo se suspende sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao requerente.
Acresce que, em 31 de Outubro de 2002 foi publicado o DL nº 229/02, de 31/10, que acrescentou ao Estatuto dos Benefícios Fiscais o artigo 11º-A, que, sob a epígrafe "Impedimento de reconhecimento do direito a benefícios fiscais" passou a dispor o seguinte:
"1 - Os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento não poderão ser concedidos quando o sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social.
2 – (…).
É inquestionável que a requerida transmissibilidade dos prejuízos fiscais é um benefício fiscal já que se trata de uma medida de carácter excepcional instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (cfr. artigo 2º, nos 1 e 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
Ora, tratando-se de um benefício fiscal, nos elementos previstos no nº 2 do artigo 69.º do CIRC integra-se o ónus constante do nº 1 do artigo 11.º-A do EBF.
Ou seja, o contribuinte tinha que demonstrar que lhe poderia ser concedido o benefício fiscal, apresentando todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada: quer os constantes da Circular n.º 6/2002, de 2 de Abril, da Direcção-Geral de Serviços do IRC, que enumera os elementos que devem acompanhar os pedidos de transmissibilidade de prejuízos, quer o deste artigo 11.º-A, n.º 1, do EBE, que não consta daquela circular por ter entrado em vigor cerca de meio ano após aquela.
A formação do acto tácito está, assim, dependente do preenchimento dos requisitos de deferimento da pretensão, já que se estes não estiverem reunidos, não pode haver formação de acto tácito.
E o prazo só começa a contar a partir do momento em que estão preenchidos tais requisitos.
Ora, no caso dos autos, só em 27/07/2006 os serviços tomaram conhecimento dos últimos elementos necessários para a apreciação e autorização do pedido.
É pois evidente que só a partir desta data é que poderia começar a correr o prazo para a formação do acto tácito de deferimento.
Assim, o prazo de deferimento tácito ocorria apenas em 27/01/2007.
Sendo o acto impugnado de 05/01/2007, não chegou a formar-se acto tácito de deferimento do pedido de autorização para a dedução de prejuízos fiscais.
b) - Do acto expresso do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais
Como já se disse, nos termos do nº 2 do artigo 69º do CIRC, "a concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais corno a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos".
Ou seja, o Ministro das Finanças só autorizará a transmissibilidade dos prejuízos fiscais da sociedade fundida, se entender que a fusão é realizada por razões económicas válidas e inserida numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva.
E, de acordo com a jurisprudência, estamos aqui perante conceitos indeterminados cujo preenchimento cabe à Administração.
Conforme se refere Ac. do STA, de 12/07/2006, Proc. 01003/05, “Sabendo nós que estamos perante conceitos indeterminados, como acima referimos, importa agora avançar no sentido de saber se, no caso, estamos perante um acto sindicável.
Escreve Freitas do Amaral que "o que importa é saber se a interpretação de conceitos indeterminados é uma actividade vinculada ou discricionária e, por conseguinte, sindicável, ou não, pelos tribunais" Curso de Direito Administrativo, Vol.II, pág. 107.
Ora, saber se houve "razões económicas válidas" ou se a fusão "se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração, que poderá originar soluções diferentes, consoante o interesse que a Administração privilegie: uma fusão pode fundar-se numa razão económica válida para um interesse público de vitalidade da economia nacional, mas tal pode já não ocorrer em face dum interesse público de vitalidade de uma economia sectorial.
Citando Freitas do Amaral: "Porque não se lhe pede um trabalho de subsunção, uma tarefa declarativa de coincidência com um esquema dado, mas se exige uma tensão criadora do direito no caso concreto, deve naturalmente entender-se que esta actividade que, por desejo do legislador, sofre um influxo autónomo da vontade do agente administrativo, deve escapar ao controlo do juiz, embora este tenha o dever de verificar se a solução encontrada obedeceu às exigências externas postas pela ordem jurídica".
“Assim sendo, e porque o acto de indeferimento do SEAF se fundamentou na inexistência dos requisitos exigidos pela lei para a concessão da autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados pelas sociedades fundidas, este seu juízo não pode ser fiscalizado pelos tribunais. A menos que ocorresse erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal. O que não se antolha (…).
No sentido ora exposto, pode ver-se o acórdão deste STA de 5 de Julho de 2006 (rec. nº 142/06)”.
Para os referidos efeitos, “erro grosseiro ou manifesto é um erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de reflectir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular mesmo em áreas de actuação não vinculadas” (cfr. Acórdão de 11/05/2005, rec. 330/05).
No caso dos autos, tal espécie de erro não aconteceu.
Entende ainda a recorrente que, com vista a uma correcta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso, se deveria proceder ao reenvio a título prejudicial ao TJCE.
Salvo o devido respeito, entendemos que, no caso dos autos esta pronúncia não é indispensável à decisão.
Como se diz no Ac. deste TCA Sul, de 22/05/2007, Processo 01685/07, “O reenvio prejudicial é um instrumento de cooperação que visa garantir que nos processos onde se suscitem questões de Direito Comunitário a uniformidade da interpretação das normas comunitárias e da apreciação da sua validade seja garantida, em última análise, pelo Tribunal de Justiça (TJ).
De harmonia com MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES (cuja posição sufragamos), Direito Comunitário, Sumários Desenvolvidos, 2.a Edição, Almedina, 2002, p. 307 "tanto a aferição da necessidade de uma decisão interpretativa ou de apreciação de validade (de uma decisão prejudicial, pois) como da pertinência das questões ou finalmente, do quadro factual que está na base da questão concreta incumbe, em primeira mão (não se ousa dizer exclusivamente) ao órgão jurisdicional nacional" (Vide a jurisprudência do TJ aí citada, processos C-121/92, C-220/95 e C-295/95), devendo o tribunal nacional justificar a necessidade objectiva de uma pronúncia do TJ para a resolução do litígio concreto.
E, a nosso ver, não se impõe o reenvio.
O Acórdão do TJ, de 2 de Junho de 1994, processo C-30/93 (AC-Atel Electronics) – citado no mencionado Acórdão deste TCA Sul - refere seu ponto 18 que "compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais aos quais é submetido o litígio e que devem assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a proferir, apreciar, à luz das particularidades de cada processo, quer a necessidade de uma decisão prejudicial para ficar em condições de proferir o seu julgamento quer a pertinência das questões que colocam ao Tribunal de Justiça (v., designadamente, os acórdãos de 5 de Outubro de 1988, Alsatel, 247/86, Colect., p. 5987, n. 8, e de 27 de Outubro de 1993, Enderby, C-127/92, Colect., p. 1-5535, n. 10).". Excepção feita aos casos em que o órgão jurisdicional nacional decida em última instância e, mesmo assim, inaplicável se a norma a interpretar resultar clara (Conforme Acórdão do STA, de 8 de Junho de 2005, processo n.º 0492/05), venha na sequência de outra questão idêntica já suscitada e resolvida pela via prejudicial, ou seja irrelevante para a questão decidenda”.
Concluímos, assim, que, no caso dos autos não se impõe o reenvio prejudicial.
2 - Em face do exposto, emito parecer no sentido da improcedência da presente acção administrativa especial. |