Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:12/16/2010
Processo:07005/10
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Mendes Cabral
Descritores:INFARMED.
AIM.
PATENTE DE PROCESSO DE PRODUÇÃO.
"PERICULUM IN MORA".
Data do Acordão:01/13/2011
Texto Integral:Notificado nos autos supra indicados para esse efeito, o Ministério Público apresenta o seguinte parecer sobre o mérito do recurso:

Os presentes recursos jurisdicionais vêm interpostos por INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, e por “Teva Pharma – Produtos Farmacêuticos, Lda”, da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa de 29.09.2010 que, deferindo a providência cautelar solicitada por “Shionogi Seiyaku Kabushiki Kaisha”, determinou a suspensão de eficácia dos actos de autorização de introdução no mercado concedidos pelo INFARMED à “Teva Pharma – Produtos Farmacêuticos, Lda” no tocante aos medicamentos genéricos Rosuvastatina Teva, comprimidos, nas dosagens de 5, 10, 20 e 40 mg.

*

Se no tocante à competência material dos tribunais administrativos para conhecer da presente providência cautelar, e à questão da legitimidade activa da “Shionogi Seiyaku Kabushiki Kaisha”, a decisão recorrida (pelas razões ali pertinentemente aduzidas) se mostra imerecedora de reparos, o mesmo não se poderá dizer no tocante ao deferimento da requerida providência de suspensão de eficácia.

No presente processo cautelar mostra-se em causa a preservação de um determinado “status quo” (perante a proximidade de um alegado dano irreversível), visando acautelar o efeito útil da acção principal – estando assim configurada uma providência cautelar conservatória. Como refere o Prof. Freitas do Amaral in “Cadernos de Justiça Administrativa” n.º 43, pag. 6, “as providência conservatórias são aquelas que se destinam a reter, na posse ou na titularidade do particular, um direito a um bem de que ele já disponha, mas que está ameaçado de perder”. E nesta providência cautelar conservatória, desde logo se constata não ocorrer a exigência do artigo 120 n.º 1 alínea a) do CPTA: um “fumus boni juris” certo e irrefutável, por não se antolhar manifesta, indiscutível, a procedência da acção principal.
Na verdade, como elucidativamente decorre da prova reunida nos autos, os actos em crise não evidenciam as invalidades que lhes são assacadas. Designadamente por não recair sobre o INFARMED o ónus de verificar, no âmbito de um processo de concessão de AIM, se um medicamento viola ou não uma patente de processo de produção/fabrico (v. designadamente o teor dos artigos 4, 15 e 25 n.º 1 alíneas c), d), e),f) e g), do Decreto-lei n.º 176/2006 de 30 de Agosto – novo Estatuto do Medicamento, e ainda das Directivas 2001/83/CE e 2004/27/CE, e Regulamento CE n.º 726/2004). Com efeito, e em matéria de AIM, incumbe apenas ao INFARMED diligenciar pela apreciação das condições concretas de eficácia, segurança e qualidade do medicamento em causa, tendo sempre em vista a protecção da saúde pública.
Por conseguinte, sendo inaplicável no caso o n.º 1 alínea a) do artigo 120 do CPTA, os critérios da concessão (ou não) da providência requerida teriam de procurar-se no n.º 1 alínea b) do mesmo normativo.
Aqui, “a introdução do critério do ”fumus boni juris” é, neste domínio, mais suave, intervindo apenas na sua formulação negativa: se não existirem elementos que tornem evidente a improcedência ou a inviabilidade da pretensão material, não será por esse lado que a providência será recusada” (v. Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos” – Coimbra, 2003, pag. 261). Não obstante, o CPTA consagra a “juricidade material como padrão da decisão cautelar”, significando isto que “em caso de manifesta falta de fundamento da pretensão principal (...) será sempre recusada qualquer providência, ainda que meramente conservatória” (Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa” – Coimbra, 2003, pag. 299).
Na situação em análise, e atentando na factualidade disponível no processo, igualmente se afigura não ser clara ou insofismável a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal, nem há circunstâncias impeditivas do conhecimento de mérito.
Não obstante, impendia sobre a requerente o ónus de, em termos de causalidade adequada e de forma especificada e concreta, invocar e provar a existência de justificado receio da ocorrência de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação, que da execução dos despachos do INFARMED para ela poderão advir, bem como para os interesses a assegurar no processo principal (alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA).
Todavia, e a meu ver, essa demonstração mostra-se ensaiada de modo inconsistente e pouco ou nada convincente. Mormente porque os prejuízos invocados não decorrem directamente dos eventuais actos administrativos a praticar, mas antes da efectiva comercialização dos medicamentos; na verdade a AIM, só por si, é insusceptível de provocar prejuízos à “Shionogi Seiyaku Kabushiki Kaisha”. Aliás, e como se refere a propósito de situação análoga no acórdão deste TCA Sul de 28.02.2008 - recurso n.º 03222/07: “...ainda que se admitisse a possibilidade de criação de uma situação de facto consumado derivada da situação do INFARMED, teríamos de concluir de igual modo não existir a possibilidade de produção de prejuízos de difícil reparação para os ora recorrentes. Na verdade, o cálculo dos prováveis prejuízos – tanto patrimoniais como morais – não reveste especial dificuldade”.
No mesmo sentido poderão também indicar-se os acórdãos deste TCA – Sul de 28.02.2008 (processo 03247/07), de 19.06.2008 (processo 03881/08) e de 25 de Agosto de 2008 (processo 03992/08).

Deste modo, não poderia o aresto sob recurso considerar verificado o periculum in mora.
Acresce ainda (contráriamente ao sustentado na sentença recorrida) que na ponderação dos interesses em presença sobressai a predominância do interesse público: e isto não só porque a “Shionogi Seiyaku Kabushiki Kaisha” falhou a demonstração de perdas, como também devido à circunstância de a suspensão dos actos administrativos em causa dificultar inegávelmente o desenvolvimento da política do medicamento visada pelo Governo, comprometer a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde, e protelar o acesso dos medicamentos genéricos ao mercado a preços mais acessíveis (com repercussão na diminuição dos preços dos medicamentos de marca, mediante a aplicação do sistema de preços de referência).
Assim e como decorre do exposto, constata-se a ausência dos requisitos legalmente exigidos para a adopção da providência cautelar requerida (artigo 120 n.ºs 1 alíneas a) e b) e 2 do CPTA) – pelo que a decisão do TAC de Lisboa (ao decidir diferentemente) se mostra inquinada de erro de julgamento.
Nesta conformidade, deverá conceder-se provimento aos recursos jurisdicionais, revogando-se o aresto recorrido.