Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo | |
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Contencioso: | Administrativo |
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Data: | 02/08/2006 |
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Processo: | 11333/02 |
Nº Processo/TAF: | 00000/00/0 |
Sub-Secção: | 1º Juízo - 1ª. Secção |
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Magistrado: | Artur Barros |
Descritores: | EXAME PSICOLÓGICO FUNDAMENTAÇÃO |
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Data do Acordão: | 07/06/2006 |
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Disponível na JTCA: | NÃO |
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Texto Integral: | A recorrente impugna o despacho homologatório da lista de classificação final relativa ao concurso interno geral de ingresso para reserva de recrutamento de escriturários do Registo e Notariado. Imputa-lhe, em suma, nas conclusões da alegação final, que definem o thema decidendum, os vícios de violação de lei, por infracção dos artigos 4º, nºs 1 e 2, 5º, nºs 1 e 2, al c) e 18º, do DL 204/98, de 11/7, e por considerar inconstitucionais os nºs 2 e 3 do artigo 24º desse diploma, por afronta ao artigo 266º, nº 2, da Constituição, assim se considerando abandonada a invocação de outros vícios invocados na petição de recurso, como o de forma por falta de fundamentação e da inconstitucionalidade das referidas normas do artigo 24º, por incompatibilidade com os artigos 13º, 18º, 47º e 268º da Constituição. Alega, para tanto, a inconferibilidade dos factores, elementos, parâmetros ou critérios que serviram de base à ponderação determinante das classificações obtidas no exame psicológico, a falta de transparência e objectividade desse método, a possibilidade de prejudicar as expectativas de progressão na carreira, a inadequação desse métodoem função das tarefas a desempenhar pelos escriturários. Dispõem as normas invocadas do DL 204/98: Artigo 4.º Definições 1 - O recrutamento consiste no conjunto de operações tendentes à satisfação das necessidades de pessoal dos serviços e organismos da Administração Pública, bem como à satisfação das expectativas profissionais dos seus funcionários e agentes, criando condições para o acesso no próprio serviço ou organismo ou em serviço ou organismo diferente. 2 - A selecção de pessoal consiste no conjunto de operações que, enquadradas no processo de recrutamento e mediante a utilização de métodos e técnicas adequados, permitem avaliar e classificar os candidatos segundo as aptidões e capacidades indispensáveis para o exercício das tarefas e responsabilidades de determinada função. Artigo 5.º Princípios e garantias 1 - O concurso obedece aos princípios de liberdade de candidatura, de igualdade de condições e de igualdade de oportunidades para todos os candidatos. 2 - Para respeito dos princípios referidos no número anterior, são garantidos: a) A neutralidade da composição do júri; b) A divulgação atempada dos métodos de selecção a utilizar, do programa das provas de conhecimentos e do sistema de classificação final; c) A aplicação de métodos e critérios objectivos de avaliação; d) O direito de recurso. Artigo 18º Princípio geral A definição dos métodos de selecção e respectivo conteúdo e, bem assim, quando for caso disso, dos programas das provas de conhecimentos aplicáveis a cada categoria é feita em função do complexo de tarefas e responsabilidades inerentes ao respectivo conteúdo funcional e ao conjunto de requisitos de natureza física, psicológica, habilitacional ou profissional exigível para o seu exercício. artigo 24º: “ 1 - O exame psicológico de selecção visa avaliar as capacidades e as características de personalidade dos candidatos através da utilização de técnicas psicológicas, visando determinar a sua adequação à função. 2 - O exame psicológico de selecção só pode ser utilizado em concursos de ingresso, podendo assumir carácter eliminatório. 3 - O exame psicológico pode comportar mais de uma fase, podendo qualquer delas ter carácter eliminatório, desde que o respectivo método o seja.” As definições constantes do artigo 4º não excluem a utilização de quaisquer dos métodos permitidos noutras disposições do diploma. Aliás, é de todo inaplicável ao concurso em causa a alusão à “satisfação das expectativas profissionais dos seus funcionários e agentes, criando condições para o acesso no próprio serviço ou organismo ou em serviço ou organismo diferente”, que, naturalmente, se reporta aos concursos de acesso, não sendo essa a natureza do presente, que é de ingresso. Por outro lado, o mesmo DL 204/98, que, no art. 5º, nº 2, al. c), estabelece o princípio da aplicação de métodos e critérios objectivos de avaliação, permite a adopção do exame psicológico, e com carácter eliminatório, nos artigos 18º e 24º. O que só pode significar que o legislador lhe reconhece aquela qualidade. Não é, pois, a adopção, em abstracto, desse método e com aquele carácter que pode afrontar aquela alínea c). A aplicação concreta desse método poderá ser apontada de falta de objectividade quando não possa, de algum modo, ser controlável, ainda que para tanto sejam necessários conhecimentos técnicos ou científicos só acessíveis a pessoas especialmente preparadas para o efeito. Trata-se de um método tão objectivo como o das provas de conhecimentos: num e noutro a intervenção de examinadores é suceptível de introduzir algum subjectivismo de análise dos dados a avaliar, e em ambos releva a chamada justiça administrativa, mas não é suficiente para reduzir ao puro subjectivismo incontrolável o resultado da avaliação, senão na medida em que o são todos os juízos periciais. Não há, pois, razões válidas para considerar que, em abstracto, aquele método de avaliação deva ser proscrito por afrontar a necessária objectividade para que apontam os princípios legais. E também não parece que se possa concluir peremptoriamente pela sua inadequada utilização, atentas as características da profissão a que se destina o recrutamento. Uma vez que a lei permite a sua utilização em geral, é à Administração que compete ajuizar da vantagem ou inconveniente da sua utilização em concreto, não podendo o tribunal sindicar essa decisão, a não ser em aspectos vinculados à lei, designadamente quando tenha incorrido em erro ostensivo ou se tenha desviado do fim legal para que lhe foi concedido o poder de discrição na matéria. Na verdade, quanto à adopção dos métodos e dos critérios ou parâmetros de avaliação permitidos, é atributo do poder discricionário da Administração, em princípio insindicável pelo tribunal, salvo em casos de desajuste ostensivo - cfr., v.g., Acs. do STA, de 29.04.2003(1), 01.04.2003(2), 11.02.98, 03.02.98 e 20.11.97, nos processos 01505/02, 042197, 32073, 39909 e 28558, respectivamente. E não é legítimo ao tribunal sindicar a justeza da escolha dentro dos limites legais e factuais, uma vez que essa escolha, relevando essencialmente da discricionaridade, é um espaço próprio da Administração, de que está excluída a Jurisdição. É certo que a exclusão do controle jurisdicional sobre o mérito da decisão administrativa, que encontra o seu próprio fundamento teorético-político no princípio da separação dos poderes(3), não obsta a que o mesmo controle se exerça para fiscalizar os casos de "erro manifesto, inadmissibilidade ostensiva dos critérios usados, ou mostrarem-se estes manifestamente desacertados e inaceitáveis"(4). Casos esses que não incidem directamente sobre a essência do mérito, mas ainda sobre o percurso cognoscitivo adoptado pela Administração, onde se pode revelar a ilegalidade e a ilicitude do acto. Por outro lado, princípios jurídicos como os princípios da justiça e da imparcialidade configuram-se constitucionalmente (5) como limites intrínsecos do poder discricionário da Administração, podendo dizer-se, com Freitas do Amaral, que "a justiça do acto administrativo transitou do hemisfério do mérito para o hemisfério da legalidade" (6). Operou-se uma mudança qualitativa do entendimento da discricionariedade: já "não é uma liberdade, uma escolha subjectiva, mas sim uma competência, uma tarefa, corresponde a uma função jurídica", é "um espaço de criação-concretização jurídica que a lei confere à Administração"(7). Mas, no caso presente, se, por um lado, a adopção do método do exame psicológico não carece de motivação, por outro, não consegue a recorrente demonstrar que a sua adopção tenha resultado de erro de facto ou de avaliação de tal modo óbvio que essa adopção ou a sua aplicação devam ser proscritas, ou que, na dimensão em que foi adoptado, aquele método ponha em causa a transparência e a isenção constitucionalmente exigidas à Administração. Não parece, assim, que ocorram as ilegalidades invocadas, devendo, por isso, improceder o recurso. ____________ (1) “II - O júri do concurso é livre para fixar os critérios que repute mais adequados, ponderando o peso de elementos que considera atendíveis, sendo tal actividade contenciosamente sindicável apenas em caso de erro grosseiro ou de adopção de critérios ostensivamente desajustados, não tendo de fundamentar a razão de considerar certos items e não outros para a densificação dos factores de avaliação indicados na lei.” (2) III - A fixação dos critérios de classificação insere-se nos poderes da denominada discricionariedade técnica do júri, baseada na experiência pessoal e profissional dos seus membros; IV - Essa fixação não tem de ser fundamentada e a sua apreciação não pode ser levada a cabo pelos tribunais para além dos casos em que possa ficar-se com uma certeza de que se está perante um erro, designadamente pela inidoneidade do sistema adoptado face à lei ou ao fim em vista.” (3) cfr. Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, pág. 486. (4) cfr. Ac. do STA, de 9/12/87, no BMJ 372/447. (5) Cfr. art. 266º, nº 2 da Constituição. (6) A Evolução do Direito Administrativo em Portugal, in Contencioso Administrativo, Livraria Cruz, Braga, pág. 12. (7) Vieira de Andrade, O Ordenamento Jurídico Administrativo Português, loc. cit. nota anterior. |