Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:217/10.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:MAIS VALIAS
REGIME TRANSITÓRIO
TERRENOS PARA CONSTRUÇÃO
PRÉDIO RÚSTICO
Sumário:I- Os ganhos obtidos com a alienação de imóveis cuja aquisição haja sido anterior a 1 de janeiro de 1989, excetuados os terrenos para construção, não se encontravam sujeitos a tributação em mais-valias cabendo ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor do CIRS.
II- O momento temporal relevante para efeitos de determinação da aplicação do regime transitório constante do art.º 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de novembro, é o do início da vigência do CIRS e o do fim da vigência do CIMV.
III- O conceito de terreno para construção é distinto de terreno suscetível de ser considerado como terreno para construção.
IV- Decorrendo da prova produzida que, por referência a 01 de janeiro de 1989, o prédio visado assumia a natureza de prédio rústico composto de cultura arvense, pinhal e vinha e não resultando, sequer alegado que, a 31 de dezembro de 1988, se tratasse de prédio situado em zona urbanizada ou compreendido em plano de urbanização, é de aplicar a norma de exclusão constante do regime transitório.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por F........ e A........ tendo por objeto o indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento expresso da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) respeitante ao ano de 2004, no montante total de €144.930,25.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

A) O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) entrou em vigor em 1 de janeiro de 1989 (art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro), tendo o n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro disposto que “Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código”.

B) Não são de considerar verificados os pressupostos de não sujeição previstos no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro, norma transitória no âmbito do Código do IRS, segundo a qual as alienações de imóveis que antes da entrada em vigor do Código do IRS não estavam sujeitas a imposto de mais-valias, só dão origem a tributação quando o alienante os haja adquirido na vigência do atual Código do IRS.

C) Contrariamente ao considerado na sentença do Tribunal a quo, não nos parece irrelevante o facto do prédio rústico em causa ter dado origem a um prédio urbano objeto da venda declarada.

D) É fundamental ter em consideração a intenção do legislador fiscal ao estabelecer o regime transitório do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares com o teor com que o fez.

E) O art.º 5.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro, já supra enunciado, denota uma clara intenção do legislador de não sujeitar a mais valias situações que não eram tributadas em termos equivalentes no regime anterior, o mesmo será dizer, ao abrigo do Código do Imposto de Mais-Valias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de junho de 1965.

F) Conforme consta da sentença do Tribunal a quo, “Dispõe o n.º 1 do art.º 1.º do Código do Imposto de Mais-Valias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de junho de 1965, que «O imposto de mais valias incide sobre (…) a transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17º da Lei nº 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4. º do Decreto-Lei n. º 41616, de 10 de Maio de 1958, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial", sendo que o conceito de terreno para construção constava do § 2. º do mesmo artigo, nos termos do qual «São havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo» .

G) Pelo que, na qualidade de terreno para construção, a natureza do prédio em causa aquando da sua alienação, o mesmo, no regime anterior, o Código do Imposto de Mais-Valias, seria objeto de tributação.

H) Não eram estas, portanto, as situações que o legislador fiscal tinha em mente quando estabeleceu no regime transitório do Código do IRS um regime de exclusão no caso de alienações de imóveis que antes da entrada em vigor do Código do IRS não estavam sujeitas a imposto de mais-valias.

I) No momento da alienação, em 12.07.2004, o imóvel supra identificado já não era um prédio rústico, mas um terreno para construção, face ao pedido de construção de condomínio fechado, a que corresponde o n.º de processo PO/365/2003, deferido em 09.09.2003 (Cfr. ponto C) dos factos dados como provados).

J) O legislador, com esta salvaguarda do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30.11, não pretendia abranger situações como a dos autos.

K) Pelo que é relevante aferir a natureza do bem no momento da alienação, em 2004, sem que tal consubstancie a aplicação retroativa de normas de incidência tributária, desde logo, porque o prédio que os ora Recorridos alienaram em 2004, com mais-valia, não tinha a mesma composição, natureza e afetação que o prédio adquirido pelos mesmos antes da entrada em vigor do Código do IRS.

L) Pelo exposto, não se acompanha a sentença do Tribunal a quo, a qual incorreu em erro de julgamento, nos termos supra expostos, violando o disposto nos n.º 1 e 2 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30.11, o que conduziu à injusta decisão contra a ora Recorrente, impondo-se a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença, como é de Direito e Justiça.”


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Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A) Por escritura de compra e venda lavrada no 18-07-1979, o Impugnante F........, casado no regime de comunhão geral com A........, adquiriu 3/8 indivisos do prédio rústico denominado “M…….”, sito na freguesia de A-dos-Cunhados, concelho de Torres Vedras, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1, secção LL e descrito na Conservatória do Registo predial de Torres Vedras sob o nº 6……., pelo montante de 356.250$0000 (montante total de 950.000$00) (cfr. relatório de inspecção a fls. 117 a 126 do PAT apenso e escritura a fls. 13 a 21 do PAT).

B) Do termo de declaração de sisa referente à aquisição referida na alínea anterior consta a menção a “um prédio rústico, denominado “M........” (…) composto de mato, cultura arvense, pinhal e vinha, inscrito na matriz rústica” – cfr. 129 e 130 do PAT apenso.

C) Relativamente ao prédio identificado na alínea A) e em nome do impugnante foi efectuado junto da Câmara Municipal de Torres Vedras um pedido de construção de condomínio fechado, a que corresponde o nº de processo PO/3…….., o qual foi deferido em 09-09-2003 (cfr. fls. 159 a 167 do PAT apenso).

D) Por escritura pública datada de 12-07-2004 o impugnante vendeu o imóvel identificado na alínea anterior à sociedade “V..... – P........, Lda.”, pelo montante de € 656.250,00 (cfr. relatório de inspecção a fls. 117 a 126 do PAT apenso e fls.22 a 25 do PAT apenso).

E) Em 04-08-2004 a sociedade “V..... – P........, Lda.” apresentou na Câmara Municipal de Torres Vedras um requerimento pedindo a substituição do titular do processo nº PO/3…….., referido na alínea C) – cfr. fls. 145 do PAT apenso.

F) No âmbito do processo nº PO/3………foi emitido o Alvará de Obras de Construção nº 1027/04 em nome da sociedade “V..... – P........, Lda.” Em 15-10-2004 (cfr. FLS. 85 e do PAT apenso).

G) Ao abrigo da ordem de Serviço nº OI 2……. foi efectuada uma inspecção interna à situação tributária do ora impugnante respeitante ao exercício de 2004, com vista à análise dos rendimentos resultantes da alienação de imóveis, sujeitos a tributação no âmbito da categoria “G” de rendimentos, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 10º do CIRS (cfr. fls. 121 do PAT apenso).

H) Em resultado da acção de inspecção, foi efectuada alteração ao rendimento tributável declarado pelo impugnante, pelo acréscimo de mais-valias no montante de € 319.595,59, sujeito a englobamento nos termos do art. 22º do CIRS (cfr. relatório de inspecção a fls. 117 a 126 do PAT apenso).

I) A Administração Tributária fundamenta a correcção referida na alínea precedente da seguinte forma (cfr. relatório de inspecção a fls. 117 a 126 do PAT apenso):

«(…) III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável

Da análise de todos os elementos recolhidos e que constam dos papéis de trabalho desta acção, conclui-se que se trata de situação sujeita a correcção, conforme fundamentação que se segue.

O sujeito passivo procedeu no ano de 2004 à alienação do prédio rústico da freguesia de A-DOS-CUNHADOS (cod 1……..) a seguir identificado, titulada por escritura pública de 2004/07/12 celebrada no 6° C. Notarial de Lisboa, conforme print que se junta da declaração modelo 11 do sistema do património. (Anexo nº 1)

“(texto integral no original;imagem)”


Procedeu-se à análise da situação fiscal do sujeito passivo através do sistema de consultas das declarações de IRS, tendo constatado que o sujeito passivo, e relativamente ao exercício de 2004, apresentou a sua declaração de rendimentos modelo 3, em 2005.04.29 (lote 3107-2004-41544-48) não tendo no entanto reflectido no anexo “G” o ganho de Mais Valias (categoria G) resultante da alienação do prédio identificado, conforme elementos que são do conhecimento da Administração Tributária.

O prédio em causa foi adquirido a título oneroso em 1979.07.17 pelo valor de 950 000$00 € 4 738,58, conforme conhecimento de Imposto Municipal de Sisa n.º 1 …….., processado do serviço de finanças de Torres Vedras, e correspondendo ao contribuinte a quota parte de 3/8, no montante de € 1 776,96, em virtude de o referido imóvel ter sido adquirido em compropriedade com outros 3 compradores (Anexo n.º II).

Para enquadrar como sujeitos a IRS os ganhos com a alienação do imóvel, houve que recorrer às normas transitórias para os rendimentos da categoria G, constantes do art.º 5° do decreto-lei 442-Al88, de 30 de Novembro, as quais nos remetem para o revogado Código do Imposto de Mais Valias, aprovado pelo Dec-Lei 46 373 de 9 de Junho de 1965.

O art. 1.° n.º 1 do referido decreto-lei 46 373, sujeita a tributação em Mais Valias a "transmissão onerosa de terrenos para construção ... "

No § 2.° enuncia-se: "São havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo",

Ao colocar este § 2.°, o legislador pretendeu dar uma definição legal de terreno para construção. Assim temos que terreno para construção é a expressão sintética para um imóvel que reúna uma, ou mais das seguintes características:

a) ou ser situado em zona urbanizada;

b) ou ser compreendido em planos de urbanização já aprovados

c) ou ser assim declarado no título aquisitivo.

Ou seja: para efeitos de imposto de mais valias são terrenos para construção aqueles que se apresentam objectivamente afectos a construção, afectação essa de que são indícios os factos de estarem situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados ou de terem sido declarados, como tais, no título aquisitivo.

De acordo com a alínea a) do n.º 1 do art.º 10° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), constituem mais valias os ganhos obtidos que resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, os quais integram a categoria "G" de rendimentos.

O sujeito passivo foi notificado através do nosso ofício n.º 0……. de 2008/09/23 enviado sob registo postal n.º RR 4833 8075 5 PT para apresentar a Declaração de Rendimentos com o anexo "G" em falta. (Anexo n.º III)

Com base nos elementos que até ao momento dispúnhamos, foi solicitada á Câmara Municipal de Torres Vedras, via fax, Informação relativa à classe de espaço do terreno á data da transmissão, se terá havido algum pedido de Alvará de Loteamento, de construção ou outro e em caso afirmativo em que data e quem terá sido o requerente do mesmo. E que pela E.G. n.º 0……….obteve a resposta que a seguir, parcialmente se transcreve:

"Através de ofício n.º 11358 endereçado ao contribuinte em 2003.09.30, a Câmara Municipal informa-o de que o pedido de licenciamento de condomínio – M……. - Praia da Vigia - Freguesia de A-Dos-Cunhados, foi, em reunião do município deliberado deferir o processo, nas condições constantes do parecer dos serviços técnicos.

Acresce ainda que só pelo averbamento 215 de 2004.08.24 é que é solicitada a substituição do titular do processo pela firma V……., Lda., e ainda no mesmo requerimento é referido que o processo OP/3…..referente ao pedido de construção de condomínio fechado, em nome de F........ (Anexo IV)

Pelo exposto, propomos que se proceda à alteração do rendimento declarado pelo sujeito passivo, nos termos do n.º 4 do art.º 65° do CIRS, tendo em conta os rendimentos auferidos no âmbito da categoria "G", resultantes da alienação do prédio identificado, e apurados de acordo com os elementos já referidos, determinado conforme se segue:

Cálculo da Mais Valia Fiscal (MVF)

MVF= [VR - (VA x coef) - encargos] /2

VR - Valor de realização (Art°. 44 do CIRS)

VA - Valor de Aquisição (Art°. 45° e/ou 46° do CIRS)

Coef - Coeficiente de desvalorização da moeda (Art°. 50 do CIRS vidé Portaria 376/2004 de 14 de Abril)

Ano de aquisição: 1979 => coef.9.60: - (só aplicável se decorridos 24 meses entre

as datas de aquisição e de venda)

Assim, teremos:

QUADRO RESUMO DO APURAMENTO DAS MAIS VALIAS REALIZADAS


“(texto integral no original; imagem)”


MVF ={656 250,00 €-(1 776,96 €*9.60)} / 2= 319 595,59€

Em resumo, procede-se à alteração do rendimento tributável declarado pelo sujeito passivo pelo acréscimo do rendimento de mais valias no montante de 319 595,59 €, sujeito a englobamento nos termos do art.º 22° do CIRS.»

J) Com base nas correcções efectuadas pela inspecção tributária foi emitida liquidação adicional de IRS para o ano de 2004, corporizada na DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS Nº 2008 00001503602, de que resultou o valor de € 144.950,25 de imposto a pagar (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial).

K) Em 13-02-2009 o impugnante deduziu reclamação graciosa do acto de liquidação identificado na alínea precedente, a qual foi indeferida por despacho de 21-08-2009 (cfr. fls. 214 a 219 do PAT apenso).

L) Para cobrança coerciva da liquidação identificada na alínea J) foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa – 8 o processo de execução fiscal nº 3……., no qual o Impugnante prestou garantia destinada à suspensão da execução em 17-03-2009 (cfr. doc. nº 12 junto com a petição inicial).

M) Em 19-09-2009 o impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o qual foi objecto de decisão de indeferimento em 18-03-2010, notificada ao impugnante por ofício nº 029607, datado de 12-04-2010 (cfr. processo de recurso hierárquico apenso).

N) A petição inicial da presente impugnação judicial foi remetida a tribunal por correio registado em 29-01-2010 (cfr. fls. 142 dos autos em suporte físico).

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2004, no montante de 144.930,25.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre apreciar se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, indagando, para o efeito, se o Tribunal a quo face à factualidade constante dos autos e à natureza do imóvel em questão, especificamente, à data da alienação apreciou erradamente a não sujeição a tributação em sede de mais valias, violando, nessa medida, o disposto nos n.º 1 e 2 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

Apreciando.

A Recorrente defende que a decisão recorrida violou o disposto nos números 1 e 2 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, visto que contrariamente ao considerado na decisão recorrida não é irrelevante o facto de o prédio rústico em causa ter dado origem a um prédio urbano objeto da venda declarada.

Sublinhando, para o efeito, que o conceito de terreno para construção constava do § 2. º do artigo 4. º do Decreto-Lei n. º 41616, de 10 de maio de 1958, nos termos do qual “São havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo”, sendo que no momento da alienação, em 12 de julho de 2004, o imóvel em causa já não era um prédio rústico, mas sim um terreno para construção, face ao pedido de construção de condomínio fechado, a que corresponde o n.º de processo PO/365/2003, deferido em 09 de setembro de 2003.

Conclui, assim, que é relevante aferir a natureza do bem no momento da alienação, em 2004, sem que tal consubstancie a aplicação retroativa de normas de incidência tributária, visto que, nessa data, o prédio não tinha a mesma composição, natureza e afetação que o prédio adquirido antes da entrada em vigor do Código do IRS.

Vejamos, então.

Comecemos por convocar o quadro jurídico que releva para o caso dos autos.

Preceituava o artigo 1.º do Código de Imposto de Mais Valias (CIMV) aprovado pelo DL n.º 46 373, de 09 de junho de 1965 que:

“O imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através dos atos que a seguir se enumeram:

“1º. Transmissão onerosa de terrenos para construção, qualquer que seja o título por que se opere quando dela resultem ganhos não sujeitos a encargo de mais-valias previstos no art. 17º da Lei nº 2030, de 22/1/48, ou no art. 4º do DL nº 41.616, de 10/5/58, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial.

“2º. Transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de elementos do activo imobilizado das empresas ou de bens ou valores por elas mantidos como reserva ou para fruição.

“3º. Trespasse de locais …

“4º. Aumento do capital das sociedades …

“…”.

A 1 de janeiro de 1989, entrou em vigor o Código do IRS (CIRS), o qual veio abolir, nomeadamente, o imposto de mais-valias, relativamente aos sujeitos passivos de tal imposto, passando a tributar as mais valias no âmbito da Categoria G (artigo. 43.º).

Importa, contudo, ter presente a norma transitória contemplada no artigo 5º do DL nº 442-A/88, de 30 de novembro, a qual estatuía que:

“1- Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo DL nº 46.673, de 9/6/65, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afetos ao exercício de uma atividade agrícola ou da afetação destes a uma atividade comercial ou industrial, exercida pelo respetivo proprietário, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código”.

Importa, outrossim, ter em consideração o §2 do pretérito CIMV, no qual era facultado um conceito de terreno para construção, entendendo-se como tal “… os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo”.

Ora, da interpretação conjugada de tais preceitos legais resulta que os ganhos obtidos com a alienação de imóveis cuja aquisição haja sido anterior a 1 de janeiro de 1989, excetuados os terrenos para construção, não se encontravam sujeitos a tributação em mais-valias cabendo ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor do C.I.R.S(1).

Sendo que, como já evidenciado, para efeitos de IMV apenas eram passíveis de qualificação como terrenos para construção, os situados em zonas urbanizadas, os compreendidos em planos de urbanização, e os assim declarados no título aquisitivo.

De relevar, neste particular, que o conceito de terreno para construção é distinto de terreno suscetível de ser considerado como terreno para construção. Com efeito, “Terrenos para construção, é um conceito que não se confunde o de terrenos susceptíveis de serem considerados para construção. São realidades distintas. Um terreno relativamente ao qual nos, termos da lei, existe impedimento de nele se edificar por ser um terreno que está inserido, por exemplo numa zona de reserva, numa zona protegida, é um terreno susceptível de vir a ser considerado terreno para construção, mas não pode ser considerado terreno para construção enquanto as limitações derivadas da qualificação como terreno inserido em reserva ou zona protegida se mantiverem. Também o preço de aquisição irreleva para a sua qualificação como terreno para construção.(2)”

Dir-se-á, em abono da verdade, que determinante para efeitos de tributação em sede de IRS, enquanto rendimentos da categoria G, e para aferição dos respetivos pressupostos da tributação, é a qualidade que o bem detinha no momento da entrada em vigor do CIRS, uma vez que, como se viu, no regime transitório estabelecido para a categoria G de IRS (regime previsto no nº 1 do art. 5º do citado DL 442-A/88), se estabelece que os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efetuado depois da entrada em vigor deste Código.(3)

Resulta, assim, inequívoco que o momento temporal relevante para efeitos de determinação da aplicação do regime transitório constante do art.º 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de novembro, é o do início da vigência do CIRS e o do fim da vigência do CIMV(4).

Como doutrinado no já citado Aresto do STA, proferido no processo nº 0529/11: “Na verdade estamos perante um facto tributário de formação sucessiva, integrado por dois momentos: o da aquisição e o da transmissão. É inequívoco que à data da aquisição não havia lugar a imposto de mais valias se o prédio em causa tivesse sido vendido antes da entrada em vigor do CIRS ou da alteração do seu estatuto jurídico/fiscal (para terreno para construção). E, entendemos que o facto de ter ocorrido esta alteração de estatuto não altera esta situação de não sujeição a imposto de mais valias pois que há que considerar a referida norma transitória do artº 5º do CIRS, não podendo aplicar-se retroactivamente a lei.”(5).

Aqui chegados, atentando na matéria de facto constante no probatório- não impugnada- resulta evidente que, quando entrou em vigor o CIRS, o imóvel em questão era um prédio rústico.

Senão vejamos.

Do probatório resulta que a 18 de julho de 1989, foi outorgada escritura de compra e venda mediante a qual os Recorridos adquiriram 3/8 indivisos do prédio rústico denominado “M........”, sito na freguesia de A-dos-Cunhados, concelho de Torres Vedras, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1, secção LL e descrito na Conservatória do Registo predial de Torres Vedras sob o nº 6…….., pelo montante de 356.250$0000 (montante total de 950.000$00).

Mais dimanando tal natureza do termo de declaração de SISA no qual constava a seguinte menção expressa “prédio rústico, denominado “M........” (…) composto de mato, cultura arvense, pinhal e vinha, inscrito na matriz rústica”.

Pelo que, dos títulos aquisitivos nada resultava, em termos de se considerar o prédio em causa como sendo terreno para construção, à data da entrada em vigor do CIRS, mas sim como prédio rústico.

Aliás, atentando no Relatório de Inspeção Tributária verifica-se que tal realidade nunca foi colocada em crise, sendo expressamente reconhecida pela Entidade Fiscalizadora radicando a fundamentação que “a qualificação relevante para a tributação em IRS-Categoria G (Mais Valias) é a concernente à situação do prédio na data da sua alienação, independentemente de ter sido adquirido como prédio rústico antes do ano de 1989).”

Mais importa ter presente que não resulta dos autos, e dos elementos que integram o processo administrativo instrutor, nem tão-pouco foi, por qualquer forma, alegado e demonstrado pela Recorrente, que à data da aquisição o prédio visado estivesse em zona urbanizada ou compreendido em planos de urbanização, em conformidade com o critério constante do § 2.º do art.º 1.º, do CIMV.

Pelo que, no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, a liquidação impugnada padece de vício de violação de lei por a realidade em questão se subsumir no regime transitório. Noutra formulação reportando-nos ao aludido Relatório Inspetivo que alicerça a liquidação impugnada, o mesmo incorreu em vício invalidante, na medida em que não atentou na natureza do prédio à data do fim da vigência do CIMV.

É certo, resulta da factualidade assente que foi deferido, em 09 de setembro de 2003, o pedido de construção de condomínio fechado relativamente ao prédio visado na presente lide recursiva e bem assim que o alienaram em 12 de julho de 2004.

Mais dimanando que, a 04 de agosto de 2004, os adquirentes requereram junto da entidade camarária a competente substituição do titular do processo a que foi atribuído o PO/365/2003, tendo sido emitido em 15 de outubro de 2004, o alvará de Obras de Construção nº 1027/04.

Porém, face a todo o exposto, e contrariamente ao defendido pela Recorrente, tais circunstâncias fáticas não relevam para efeitos de tributação enquanto mais valias, sendo irrelevante que, em data posterior à entrada em vigor do CIRS, tenha sido pedida e autorizada a construção de um condomínio fechado e ulteriormente emitido o competente alvará de construção.

Como se sublinha no acórdão do STA, de 12/12/06, rec. nº 1100/05, “o que se pretendeu com a mudança de regime de tributação operada a partir de 1989 foi tributar em IRS, categoria G, todas as transmissões onerosas sobre imóveis; todavia, para evitar efeitos retroactivos, estabeleceu-se que para serem tributadas tais transmissões era necessário que os bens abrangidos fossem adquiridos e alienados dentro da vigência da nova lei, com excepção daqueles que já eram antes tributados por força do CIMV, ou seja, os terrenos para construção, os quais passariam agora a ser tributados nos termos do Código do IRS».

Na mesma linha de entendimento é de convocar o Aresto do STA, proferido no processo nº 179/07, datado de 6 de junho de 2007, no qual se doutrinou, neste e para este efeito, que a não tributação em IRS - a título de mais-valias - dos ganhos obtidos com a transmissão de terrenos que à data da entrada em vigor do CIRS eram qualificados como terrenos agrícolas (citado art. 5º do DL 442-A/88) se compreende “pelo facto de, tendo-se optado pelo cálculo dos ganhos tributáveis a título de mais-valias com base na diferença entre o valor da aquisição e o valor da transmissão, a tributação em IRS da valorização de terrenos agrícolas que haviam sido adquiridos antes da sua entrada em vigor incluiria, parcialmente, a aplicação retroactiva do novo regime de tributação a ganhos obtidos com a valorização dos prédios rústicos, pois forçosamente se iriam tributar, além dos ganhos correspondentes à valorização gerada na vigência do novo Código, também alguns correspondentes à valorização que, como prédios rústicos, pode ter tido ocorrido antes da sua entrada em vigor.

Ora, essa aplicação retroactiva de normas de incidência tributária, que, a partir da revisão constitucional de 1997 é absolutamente proibida pela nova redacção dada ao art. 103°, nº 3, da CRP, só era tolerável anteriormente em situações especiais em que estivesse em causa o interesse geral”.

Assim, não sendo controvertida a natureza jurídica do prédio visado nos autos aquando da entrada em vigor do CIRS, ou seja, decorrendo da prova que, por referência a 01 de janeiro de 1989, o mesmo consubstanciava-se num prédio rústico composto de cultura arvense, pinhal e vinha - sendo assim qualificado no Relatório de Inspeção Tributária- não resultando, sequer alegado que, a 31 de dezembro de 1988, se tratasse de prédio situado em zona urbanizada ou compreendido em plano de urbanização, é de aplicar a norma de exclusão constante do regime transitório supramencionado.

Pelo que a decisão recorrida que assim o entendeu deve ser confirmada.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.


Lisboa, 14 de janeiro de 2020

(Patrícia Manuel Pires)

(Mário Rebelo)

(Anabela Russo)


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(1). cfr.Ac.S.T.A-2ª.Secção, 25/9/2013, rec.369/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.425 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.139.
(2).Vide, neste sentido, Acórdão do STA, proferido no processo nº 0529/11, de 12 de janeiro de 2012.
(3).Vide Acórdão STA, proferido no processo nº 969/09, de 27 de janeiro de 2010. No mesmo sentido, Acórdãos do STA prolatados nos processos nºs 0733/05, 01213/05, 0179/07, 0539/08, de 09 de novembro de 2005, 29 de março de 2006, 06 de junho de 2007, 29 de outubro de 2008, respetivamente e do TCA Sul proferidos nos processos nºs 06842/12, 08741/15 e 491/08, de 26 de junho de 2014, 22 de outubro de 2015 e 08 de maio de 2019, este último na qual a signatária interveio como segunda adjunta.
(4).Vide Aresto TCA Norte, proferido no processo nº 01657/06.4 BEBRG, com data de 11 de outubro de 2017.
(5).Vide neste sentido o já citado Aresto do STA proferido no processo nº 0529/11.