| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. Relatório
V…, Lda. (doravante Requerente ou Recorrente) instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões contra a Agência para a Modernização Administrativa, I.P. e o Ministério da Juventude e Modernização (doravante Requeridas, Entidades Requeridas ou Recorridas), peticionando:
“a. Que a presente intimação seja julgada procedente, por provada, e, em consequência seja a Requerida intimada a emitir a certidão peticionada;
b. Que, em caso de incumprimento da intimação sem justificação aceitável, a condenação da Requerida AMA, ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos dos artigos 108.º, n.º 2, e 169.º, ambos do CPTA.
Caso assim não se entenda,
c. Que a presente ação administrativa seja julgada totalmente procedente, por provada, e, em consequência, seja o ato sindicado removido da ordem jurídica e a Ré AMA condenada a praticar o ato administrativo de certificação do deferimento tácito.”.
Em 19 de maio de 2025, o referido Tribunal julgou procedentes as exceções dilatórias de nulidade processual por erro na forma de processo e cumulação ilegal de pedidos e, em consequência, determinou a absolvição das Entidades Requeridas da instância.
Inconformada, a Requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:
“A. Vem o presente Recurso interposto da Sentença a fls. … proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual decidiu julgar procedente a exceção de erro na forma de processo, admitindo (erradamente) que a intimação para prestação de informações e passagem de certidões, não era o meio idóneo para as Recorridas serem intimadas a emitir a certidão de deferimento tácito que havia sido recusada.
B. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo decidiu de forma errónea e juridicamente censurável, porquanto, i) o ato tácito tem o mesmo valor jurídico que o ato expresso; ii) o processo de intimação para emissão de certidão é o meio idóneo para se obter a certidão de deferimento tácito em caso de recusa expressa por parte da Administração.
C. Relembre-se que, conforme se explanou (à exaustão, acreditava-se), em 07.10.2024, a Recorrente, por entender que a decisão de rejeição liminar do pedido de licenciamento apresentado padecia de manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito, apresentou um Recurso Hierárquico, sindicando, administrativamente, tal decisão, o qual não foi, contudo, alvo de decisão e, em apelo ao preceituado no n.º 2 do artigo 114.º do RJUE, foi deferido tacitamente.
D. Com o presente processo de intimação pretendia a Recorrente, tão-só, obter a certidão de um ato que já existe na ordem jurídica, não competindo ao Tribunal a quo verificar se tal ato era legal ou se o mesmo revogava uma decisão anterior da Administração, mas antes deveria – tarefa que não foi, de todo, cumprida – verificar se se encontravam reunidos os pressupostos para certificação do deferimento tácito, a saber: i) se existia algum ato expresso anterior à formação do deferimento tácito (e, como tal, obstasse à formação deste) e ii) se já havia decorrido o prazo para a formação do deferimento tácito.
E. Isto porque, verificando-se, in casu, que se encontram reunidas as condicionantes para a formação do deferimento tácito, dúvidas não restam de que vigora na ordem jurídica um ato administrativo, ainda que tácito, o qual tem o mesmo valor jurídico que um ato administrativo expresso.
F. Aliás, tendo sido vontade expressa e clara do legislador de consagrar que, em caso de ausência de decisão sobre uma impugnação administrativa no âmbito do regime da edificação e urbanização, a mesma se considera deferida, dúvidas não restam de que mal andou o Tribunal a quo no julgamento que empreendeu.
G. Ao contrário do alegado pelo Tribunal a quo a Recorrente, com a presente intimação, não pretendia – muito menos de forma “encapotada” – obter uma decisão de reconhecimento da formação de deferimento tácito, pois que tal reconhecimento não está sujeito a qualquer decisão, antes decorre diretamente da legislação vigente nesta matéria.
H. Não compete, deste modo, ao Tribunal a quo – nem a Recorrente esperava que aquele o fizesse – substituir-se ao legislador e proferir uma decisão que decorre de forma expressa e clara da legislação aplicável, pois que o ato de deferimento tácito surge automaticamente com o decurso do prazo legal para a emissão de decisão, não sendo necessária (ou até lógica) qualquer tipo de decisão judicial ou administrativa para alcançar esse efeito.
I. É que, in casu, nem sequer existe qualquer dúvida interpretativa que possa surgir da leitura do n.º 2 do artigo 114.º do RJUE, uma vez que o legislador foi claro a identificar que as impugnações administrativas não decididas no prazo de 30 dias se consideravam deferidas.
J. Não se concebe, deste modo, que o Tribunal recorrido admita que a Recorrente usou terminologia potencialmente geradora de equívocos, pois que não existe qualquer terminologia que possa suscitar dúvidas na redação do n.º 2 do artigo 114.º do RJUE e, consequentemente, com a formação do deferimento tácito.
K. Constatando-se a existência de um ato de deferimento tácito – o qual, reitere-se para que dúvidas não surjam, não depende de qualquer manifestação judicial ou da administração –, o legislador acautelou que existisse um mecanismo legal que permitisse a certificação de tal ato administrativo.
L. Deste modo, não obstante tal não ser necessário para que o ato tácito produza os seus efeitos, poderá o interessado peticionar a certificação do deferimento tácito, em apelo ao preceituado no artigo 28.º-B do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril, sendo que a própria epigrafe do artigo identifica que estamos perante a certificação do deferimento tácito, sendo que em tal procedimento não impende sobre a administração realizar qualquer análise sobre a validade do ato administrativo, nem tal poderia ser realizado pelo Tribunal, devendo apenas ser verificado o cumprimento dos requisitos necessários.
M. Não é, deste modo, admissível que a entidade administrativa invoque fundamentos relacionados com a legalidade do ato de deferimento tácito para tentar obstar à certificação do deferimento tácito, sendo, portanto, apenas admissível que sejam suscitadas questões formais (relacionadas apenas com o decurso do prazo ou a existência de ato expresso) para que tal certificação não seja operacionalizada.
N. Como é bom de ver, o legislador foi perentório a estabelecer que a pronúncia a emitir pela entidade administrativa – e, naturalmente, pelo Tribunal – se prendia, tão-só, com questões de índole formal, a saber: i) o não decurso do prazo para a formação do deferimento tácito, ou ii) a existência de um ato expresso de indeferimento, desde que emitido no prazo legalmente estabelecido.
O. Assim, com a presente intimação não pretendia a Recorrente a emissão de uma decisão que revogue a anteriormente proferida, pois que essa corresponde, precisamente, ao ato de deferimento tácito, ou seja, tendo a Recorrente interposto Recurso Hierárquico da decisão de rejeição liminar do pedido de licenciamento apresentado e não tendo a mesma sido decida no prazo de 30 dias, considera-se deferida a pretensão daquela, isto é, foi removida da ordem jurídica o ato de rejeição liminar do pedido de licenciamento.
P. Não poderia, deste modo, a Recorrente, de forma encapotada ou evidente, peticionar a emissão de uma decisão que revogue a anteriormente proferida, pois que essa já existe e corresponde ao ato administrativo de deferimento tácito, pretendia, tão-só, a Recorrente obter a certificação (e apenas a certificação) do ato de deferimento tácito já existente na ordem jurídica, a qual foi (ilegalmente) recusada pela Administração e (incompreensivelmente) vedada pelo Tribunal a quo.
Q. Não se verifica, consequentemente, qualquer circunstância que extravasa em absoluto o âmbito do meio processual em presença, pois que o presente meio visa precisamente aquilo que a Recorrente pretende: obter a certidão do ato de deferimento tácito.
R. Do mesmo modo, o documento original preexistente corresponde, precisamente, ao ato de deferimento tácito, o qual, não obstante não se encontrar refletido num documento de forma escrita, existe na ordem jurídica, como se de um ato expresso se tratasse, pelo que, tendo o legislador acautelado a existência do mecanismo de certificação do deferimento tácito, não se concebe que o Tribunal recorrido admita que tal certidão não possa ser emitida, por assumir que não existe um documento original preexistente.
S. Destarte, pelo exposto, a sentença recorrida padece de erro de julgamento de Direito, por errada interpretação e aplicação do regime da certificação do deferimento tácito, constante do artigo 28.º-B do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril, bem como do objeto da intimação para a passagem de certidões conjugada com o n.º 2 do artigo 114.º do RJUE, motivo pelo qual deverá ser aquela revogada pelo Tribunal ad quem, com todas as devidas e legais consequência daí decorrentes. * TERMOS EM QUE, deverá o presente Recurso merecer provimento, e, consequentemente, ser a Sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue a intimação apresentada pela Recorrente totalmente procedente, com todas as devidas e demais consequências legais daí decorrentes, com o que será feita sã e costumeira,
JUSTIÇA!”
Notificados das alegações de recurso, apenas o Recorrido, Ministério da Juventude e Modernização, apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
“A. A Sentença recorrida não enferma de qualquer erro de julgamento;
B. O Recurso, tal como delimitado pelas Conclusões da Recorrente, não versa sobre qualquer das questões decididas na Sentença, sendo por isso inútil;
C. Deve ser mantida a Sentença recorrida, nos exatos termos em que foi proferida;
D. Deve a Recorrente ser condenada nas custas do recurso.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente se dignarão suprir, deve o presente Recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a Sentença recorrida e condenando-se a Recorrente em custas.”
O Tribunal a quo admitiu o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Notificadas do aludido parecer, respondeu a Recorrente, concluindo que:
“[O] recurso merece provimento e deverá ser julgado procedente o Recurso de Apelação interposto pela Recorrente, razão pela qual deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que intime as Recorridas a emitir a certidão peticionada.
TERMOS EM QUE SE REQUER QUE: o Recurso apresentado pela Recorrente seja julgado totalmente procedente, e, consequentemente, que seja a Sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue a intimação apresentada pela totalmente procedente, com todas as devidas e demais consequências legais daí decorrentes”.
Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos presentes autos, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
2. Delimitação do objeto do recurso
Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA), a este Tribunal cumpre apreciar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento no que respeita à absolvição das Requeridas da instância por erro na forma de processo.
3. Fundamentação de facto
3.1. Na decisão recorrida, com vista à apreciação das exceções suscitadas, deram-se como provados os seguintes factos:
“1. Em 08-01-2025, a Requerente apresentou, através da plataforma gov.pt, indicando como entidade competente a Agência para a Modernização Administrativa, requerimento do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“  (…)
” – cfr. documento n.º 9 junto com a PI:
2. Em 20-01-2025, o requerimento referido no ponto anterior foi objeto da seguinte decisão: documento n.º 10 junto com a PI;
3. A presente intimação deu entrada neste Tribunal em -06-02-2025 – cfr. fls. 1 do SITAF.
3.2. Consignou-se na sentença a respeito dos factos não provados,
“A matéria de facto dada como assente nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da exceção suscitada, inexistindo, para o efeito, quaisquer factos não provados, com interesse para a decisão.”
3.3. E em sede de motivação de facto consta da sentença,
“A formação da convicção do Tribunal para efeitos da fundamentação dos factos atrás dados como provados teve por base os documentos junto aos autos, referenciados em cada ponto e, bem assim, a tramitação eletrónica da presente Intimação.”
4. Fundamentação de direito
A Recorrente insurge-se contra a decisão, proferida pelo Tribunal a quo, que decidiu julgar procedente a exceção dilatória de nulidade processual por erro na forma de processo, considerando que a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões não era o meio idóneo para as Recorridas serem intimadas a emitir a certidão de deferimento tácito recusada.
Para tanto advoga que com o processo de intimação pretendia obter a certidão de um ato existente na ordem jurídica, cabendo apenas ao Tribunal verificar se se encontravam reunidos os pressupostos para certificação do deferimento tácito, a saber: i) se existia algum ato expresso anterior à formação do deferimento tácito (e, como tal, obstasse à formação deste) e ii) se já havia decorrido o prazo para a formação do deferimento tácito.
Alega que, verificando-se as condicionantes para a formação do deferimento tácito à luz do artigo 114.º, n.º 2 do RJUE, vigora na ordem jurídica um ato administrativo, ainda que tácito, com o mesmo valor do ato expresso. Daí que, na medida em que o reconhecimento da formação do ato tácito não está sujeito a qualquer decisão (judicial ou administrativa), antes decorrendo este diretamente da lei pelo decurso do prazo legal para a emissão de decisão, e acautelando o legislador um mecanismo legal para a sua certificação (artigo 28.º-B do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril) que depende apenas da verificação dos requisitos necessários para a mesma, não impendendo sobre a administração a análise da validade do ato para o efeito de obstar à certificação, lhe assiste o direito à certidão. Equivocando-se, portanto, o Tribunal a quo no entendimento de que a Recorrente visa obter uma decisão que revogue a anteriormente proferida, pois que na realidade essa decisão, que é de deferimento tácito, já existe. Sendo que o meio processual utilizado visa precisamente aquilo que a Recorrente pretende obter, a certidão do ato de deferimento tácito que já existe na ordem jurídica.
Primeiramente, cumpre considerar que o Recorrido, Ministério da Juventude e Modernização, aduz que a Recorrente não recorre de qualquer das questões decididas na sentença, porquanto não põe a causa a decisão do Tribunal, de absolvição da instância por cumulação ilegal de pedidos e erro na forma do processo, não pugnando pela sua reapreciação, antes se limitando a tecer considerações sobre a certidão e o regime da sua passagem e não sobre a pronúncia do tribunal. De tal forma que, entender o contrário, significaria que o Tribunal decidiria a questão material controvertida.
É sabido que “os recursos não podem assentar numa alegação genérica de reapreciação da situação jurídica controvertida, antes servindo para corrigir erros que devem ser concretizados pelo recorrente, a quem cabe invocar razões de facto e de direito aptas a pôr em causa o julgamento efectuado pelo Tribunal recorrido” (Ac. deste TCA Sul de 15.5.2025, proferido no processo 319/23.2BESNT, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/a6bff07e6f06eedd80258c9000574310?OpenDocument). Com efeito, é porque «os recursos servem para colmatar eventuais erros que o recorrente tem o ónus de concretizar e que constituirão “o fundamento específico da recorribilidade” e, ainda, indicar os fundamentos “por que pede a alteração ou anulação da decisão”» (Ac. do STJ de 13.9.2022, proc. 773/19.7T8CBR.C1.S1, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cd34b978ce15443e802588bc00501a65?OpenDocument). Daí que cumpra ao recorrente, por reporte ao que alegou, indicar nas conclusões, de forma sintética, os fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão (art.º 639.º, nº 1, do CPC), podendo o recorrente, também nelas, restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso (art.º 635.º, n.º 4, do CPC).
Quando o recorrente não imputa qualquer nulidade à sentença ou concretiza qualquer erro desta, invocando razões de facto e de direito aptas a pôr em causa o julgamento efetuado pelo Tribunal recorrido, nessa parte a sentença transita em julgado e o recurso carece de objeto, o que determina que não se conheça do mesmo (Ac. deste TCA Sul de 15.5.2025, proferido no processo 319/23.2BESNT, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/a6bff07e6f06eedd80258c9000574310?OpenDocument, citando o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.05.2013, proferido no processo n.º 0508/13, e de 01.10.2014, proferido no processo n.º 0838/14, in www.dgsi.pt).
Como já fomos dando nota, das alegações e conclusões de recurso decorre que a Recorrente se insurge contra a sentença que “decidiu julgar procedente a exceção de erro na forma de processo, admitindo (erradamente) que a intimação para prestação de informações e passagem de certidões, não era o meio idóneo para as Recorridas serem intimadas a emitir a certidão de deferimento tácito que havia sido recusada” (conclusão A.).
E, pondo em causa o julgamento efetuado pelo Tribunal a quo quanto à consideração de que o pedido de intimação à passagem de certidão visa «de forma “encapotada”, (…), a emissão de uma decisão de reconhecimento da formação de deferimento tácito» e «alcançar uma decisão que “revogue” a anteriormente proferida, obtendo, assim, um resultado próprio da ação administrativa, circunstância que extravasa em absoluto o âmbito do meio processual em presença», a Recorrente imputa erro de julgamento por considerar, em suma, que opostamente ao decidido “o ato tácito tem o mesmo valor jurídico que o ato expresso”, e, nessa medida, “o processo de intimação para a emissão de certidão é o meio idóneo para se obter a certidão de deferimento tácito em caso de recursa expressa por parte da Administração” (conclusão B).
Para o efeito de demonstrar o erro de julgamento em que entende que o Tribunal a quo incorre, a Recorrente debruça-se sobre o regime da formação do ato tácito e da certificação de atos tácitos, dele pretendendo extrair a falta de razão do Tribunal a quo quanto ao entendimento de que o que a Recorrente pretenderia não seria a emissão de uma certidão de um ato (administrativo) formado tacitamente, mas sim a condenação à prática de um ato administrativo.
Daqui resulta que a Recorrente não se conforma, parcialmente (como infra veremos), com a decisão proferida, invocando as razões da sua dissonância quanto à decisão tomada pelo Tribunal a quo a respeito do entendimento de que, na realidade, na ação visa obter um efeito para o qual o meio processual empregue – a intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões – não é adequado.
Refira-se que da circunstância de, para fundamentar as razões da sua discordância com o decidido e que identificou como correspondendo à decisão que recaiu sobre o erro na forma de processo, alegar que o ato tácito se formou e que, consequentemente, lhe assiste o direito à sua certificação, não significa que a Recorrente esteja a insurgir sobre a questão de mérito que não foi julgada, nem tão pouco é per si determinante da apreciação por este Tribunal ad quem do mérito da ação (apreciação essa que, de resto, sendo disso caso, sempre poderia este Tribunal fazer ao abrigo dos seus poderes de conhecimento em substituição, cf. artigo 149.º, n.º 2 do CPTA).
Isto posto, o que sucede é que o presente recurso está ab initio votado ao insucesso.
Com efeito, o que está em causa no recurso é a apreciação feita pelo Tribunal a quo relativamente ao erro no meio processual empregue conducente à nulidade de todo o processo, legalmente configurada como exceção dilatória [artigo 577.º, al. b) do CPC], de conhecimento oficioso, obstativa do conhecimento do mérito da causa e que gerou a absolvição das Recorridas da instância.
Sucede que a sentença recorrida absolveu as Entidades Requeridas (Recorridas) da instância por “julgar procedentes as exceções dilatórias de nulidade processual por erro na forma de processo e cumulação ilegal de pedidos” (ponto III da sentença). Ou seja, o Tribunal a quo julgou (também) verificada a cumulação ilegal de pedidos, absolvendo as Recorridas da instância (sem distinguir os pedidos), igualmente, por tal fundamento e não apenas por verificação de erro na forma de processo.
E a Recorrente no que não se conforma quanto à sentença é na parte em que esta absolveu as Requeridas da instância por julgar verificar-se o erro na forma de processo.
Isto é, considerando, desde logo, a delimitação feita na conclusão A., mas atendendo também aos fundamentos aduzidos nas alegações e conclusões do recurso, verifica-se que a Recorrente apenas se insurge quanto à decisão tomada pelo Tribunal a respeito do erro na forma de processo.
A Recorrente nada alega ou ataca quanto à decisão de absolvição da instância por cumulação ilegal de pedidos, a respeito da qual fundamentou o Tribunal a quo que,
“Dito isto, e feito o esclarecimento quanto à relação entre os pedidos formulados, ante o exposto, é inequívoco que a Requerente, através do presente processo, pretende, através dos pedidos formulados, numa lógica subsidiária, fazer uso de dois meios processuais distintos:
- Intimação para prestação de informações e passagem de certidões, prevista nos artigos 104.° a 108.° do CPTA; e
- Ação administrativa de impugnação/condenação, prevista no artigo 37.°, n.° 1, alíneas a) e b) do CPTA, cujo regime processual decorre, respetivamente, dos artigos 50.° e seguintes e 66.° e seguintes do CPTA.
Ademais, atente-se que tais meios processuais apresentam diferente natureza, sendo aquele primeiro um processo urgente (artigo 36.°, n.° 1, alínea d) do CPTA) e o este último de tramitação não urgente (artigo 35.° do CPTA).
Por outro lado, não se verifica qualquer das situações previstas no artigo 4.°, n.° 1 do CPTA que permita a cumulação dos pedidos em referência, porquanto não existe entre os mesmos identidade de causa de pedir, nem estes se encontram entre si numa relação de prejudicialidade ou dependência, não dependendo o peticionado da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
Concretamente, são absolutamente díspares as causas de pedir que subjazem, por um lado, a uma pretensão intimatória para prestação de informações e/ou passagem de certidão e, por outro, a uma pretensão impugnatória/condenatória relativamente a um determinado ato administrativo.
Ainda quanto a este aspeto, cumpre salientar que não tem aplicação, no caso concreto, o disposto no artigo 4.°, n.° 3 do CPTA, do qual decorre que “a cumulação de pedidos é possível mesmo quando, nos termos deste Código, a algum dos pedidos cumulados corresponda uma das formas da ação administrativa urgente”, uma vez que a estatuição deste normativo pressupõe que os meios processuais utilizados se integrem na forma de ação administrativa urgente prevista no Capítulo I do Título III do CPTA, o que não sucede, pois a Intimação em presença enquadra-se no Capítulo II deste título.
Não colhe, portanto, o argumentário expendido pela Requerente no sentido de, não obstante entender que o meio idóneo para acautelar os seus interesses corresponde à intimação para prestação de informações, consulta de processo ou passagem de certidões, pretender, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 37.° do CPTA, apresentar a competente ação, de modo a acautelar que, caso se admita que a decisão de não certificação do deferimento tácito consubstancia um verdadeiro ato administrativo, não veja precludida a hipótese de recorrer à via judicial.”
E, lida a sentença, a absolvição das Requeridas foi, relativamente a todos os pedidos e à (integralidade da) instância, não só por verificação da nulidade processual por erro na forma de processo, mas também em resultado da consideração de que teria ocorrido uma ilegal cumulação pedidos.
Ora, se a sentença absolveu as Requeridas da instância com mais do que um fundamento, o recurso só terá utilidade se forem atacados todos esses fundamentos, sendo que se não o fizer em relação a um deles, sempre a decisão se manterá incólume com base neste, relativamente ao qual se verificou o trânsito em julgado.
Isto é, não tendo sido colocada em causa pela Recorrente a absolvição da instância das Requeridas com o outro fundamento apreciado, in casu, a cumulação ilegal de pedidos, encontra-se vedada a este Tribunal a sua análise de mérito. Trata-se, pois, de questão decidida, em relação à qual se formou caso julgado e, como tal, inatacável. De tal forma que, ainda que se apreciasse o apontado erro de julgamento à sentença no que respeita à verificação de erro na forma de processo, sempre a decisão se manteria nos mesmos termos de absolvição das Requeridas da instância por cumulação ilegal de pedidos.
Neste sentido, embora por referência a fundamentos (de mérito) de procedência da ação veja-se a título de exemplo, o Sumário do Acórdão do STA de 14.01.2015, proferido no processo 0973/13, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/389cbe6519571b1e80257dd2003e725f?OpenDocument, onde se escreveu:
«I – O recurso jurisdicional tem como objecto a sentença recorrida e destina-se a anulá-la ou alterá-la com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) que o recorrente entenda afectá-la.
II – Se a sentença julgou improcedente a pretensão do impugnante com mais do que um fundamento, o recurso só terá utilidade (virtualidade de se repercutir na decisão recorrida) se atacar todos esses fundamentos, sendo que se o não fizer relativamente a um deles, sempre a decisão se manterá incólume com base neste (relativamente ao qual se verificou o trânsito em julgado).
III – Nesta circunstância, em que o efeito jurídico pretendido com o recurso não é juridicamente possível, o tribunal ad quem não deve tomar conhecimento do recurso, porque aos tribunais está vedada a prática de actos inúteis (cfr. art. 130.º do CPC).»
E também os Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 09.03.2017, proferido no processo 09689/16 (https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/9f24dbdffb9f5d19802580df00410933?OpenDocument), de 8.5.2019, proferido no processo 9629/16.4BELSB (https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/0e2fc0c9eababa39802583f400587de8?OpenDocument), de 14.10.2021, proferido no processo 867/12.0BELRS (https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/ab30008c44830d448025876e00523ff6?OpenDocument).
Assim, não tendo sido objeto de recurso um dos fundamentos que determinou a absolvição das Entidades Requeridas da instância, a apreciação do recurso revela-se inútil, por a Recorrente não poder obter o efeito jurídico pretendido – a revogação da sentença –, uma vez que sempre se manteria o julgamento nela efetuado.
Da condenação em custas
Vencida, é a Recorrente condenada nas custas (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).
5. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Não tomar conhecimento do recurso;
b. Condenar a Recorrente em custas.
Mara de Magalhães Silveira
Ricardo Ferreira Leite (em substituição)
Ana Cristina Lameira
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