Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1649/10.9BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/30/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores: IRS
REVISÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
ACORDO DOS PERITOS
Sumário:Tendo havido, em sede de procedimento de revisão da matéria coletável, acordo dos peritos quanto à utilização dos métodos indiretos e quantificação da matéria coletável, não pode, posteriormente, o contribuinte sindicar tais questões em sede de impugnação judicial.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - Relatório

J…e M…, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente, por não provada, a impugnação judicial por si deduzida, contra as liquidações de IRS, referentes aos exercícios de 2006 e 2007, no valor global de € 21 265,45, dela vieram recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, os Recorrentes, formulam as seguintes conclusões:

1) Quanto à legalidade da avaliação indireta: O procedimento de revisão abrange, não só as operações de quantificação através de métodos indiretos, mas também a decisão de os utilizar, como se evidencia claramente no n.º 1, do artigo 117.º do CPPT;
2) Se a posterior impugnação dos atos tributários com base em “erro nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos” depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável, é forçoso concluir que este procedimento abrange a decisão de utilização de métodos indiretos (Cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, LGT comentada e anotada, 4.ª edição, nota 5 ao artigo 86.º, página 746);
3) As correções não se basearam em presunções ou indícios, pois não se partiu de uma realidade desconhecida para se chegar a um concreto valor de imposto a pagar, antes se procedeu a alterações à declaração do contribuinte, face a outros elementos contabilísticos e documentais recolhidos na sua própria contabilidade, e cujas operações já se encontravam inscritas na sua própria contabilidade;
4) Não estava sequer, a AT autorizada a socorrer-se dos métodos indiretos para proceder a correções à declaração do reclamante, uma vez que dispunha de elementos documentais e declarativos suficientes, para efetuar as correções, que, de resto, consistiram em contabilizar e inscrever, de modo diferente, determinados valores previamente declarados pelo reclamante;
5) A AT lançou mão de juízos presuntivos sem, contudo, ter lançado mão da metodologia indireta, uma vez que se ancorou de meras correções técnicas, o que basta para se concluir pela ilegalidade do apuramento;
6) O recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o recurso a correções técnicas se revele impraticável (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.05.2003, Processo n.º 0243/03, disponível em www.dgsi.pt.);
7) Quando a AT entenda que a declaração do contribuinte sofre de erros, incorreções ou omissões, pode proceder a alterações à declaração do contribuinte lançando mão de correções técnicas, ou seja, pode proceder a alterações à declaração do contribuinte, mas ainda com recurso aos elementos contabilísticos apresentados pelo mesmo contribuinte;
8) Quando a declaração do contribuinte seja inexistente ou de tal modo inexata ou incompleta, pode a AT lançar mão dos métodos indiretos (tributação por métodos indiretos);
9) Este modo de tributação efetua-se a partir de indícios, presunções ou outros elementos, assenta na tributação presumida, tem caráter extraordinário ou excecional e é subsidiária e alternativa da tributação real ou efetiva;
10) É o que nos diz o artigo 81.º da LGT, n.º 1: A matéria coletável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios de cada tributo, só podendo a AT proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei, determinando no seu artigo 83.º a LGT que a avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação e a avaliação indireta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a AT e ainda, o artigo 85.º da mesma LGT que a avaliação indireta é subsidiária da avaliação direta;
11) À avaliação indireta aplicam-se, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação direta e o art.º 88º LGT;
12) Tendo a AT lançado mão de juízos presuntivos sem ter procedido a uma metodologia indireta, uma vez que se ancorou de meras correções técnicas, sendo certo que o recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o recurso a correções técnicas se revele impraticável, deveria ter-se concluído pela ilegalidade do apuramento em causa, o que não sucedeu, razão pela qual deverá a Sentença recorrida ser revogada, o que se requer;
13) Quanto à liquidação da avaliação indireta: Segundo o n.º 4, do artigo 86.º da LGT, não pode ser invocada a ilegalidade da liquidação em que a matéria tributável tenha sido fixada em avaliação indireta, exceto quando tenha havido acordo;
14) Esta disposição não pode ter valor absoluto, podendo ser questionada a legalidade do procedimento em que foi obtido o acordo;
15) O que está em causa é a forma [por não estar demonstrados os desígnios determinados na lei para a utilização de métodos indiretos] e por que foram utilizados, ilegalmente, os métodos indiretos, quando, o que concretamente foi utilizado, foi uma correção técnica;
16) Deveria ter-se entendido que a questão relativa à ilegalidade da fixação da matéria tributável por métodos indiretos e a questão do erro na quantificação, ambas alegadas na petição inicial, podem, sim, ser objeto de impugnação judicial nos termos requeridos pelos Recorrentes;
17) Sob pena de violação do sobejamente conhecido princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, consagrados na nossa Lei Fundamental, invocação a qual, desde já e aqui, se procede;
18) Também por este motivo, deverá a Sentença recorrida ser revogada;
19) Quanto à falta de fundamentação: As alíneas do n.º 1, do artigo 87.º da LGT, são de natureza taxativa, e constituem um poder-dever, de especiais cuidados, que têm de estar evidenciados na atuação administrativa;
20) Na Sentença recorrida, a linhas 27 e sgs., das páginas 12 e 13 [nesta a linhas 1 a 3], refere-se claramente a alínea b), do artigo 87.º da LGT, quando se diz: “No referido relatório são patentes os motivos, de facto e de direito, que levaram às correções que estiveram na génese das liquidações, tenho sido especificados os factos pertinentes para o recurso à avaliação indireta, sendo também vem explicada a forma como se determinaram os valores corrigidos, elementos esses suficientes para esclarecer a motivação das liquidações adicionais e sindicá-las.”;
21) Em parte alguma do relatório do serviço de inspeção tributária se refere à impossibilidade de tal comprovação;
22) Foi neste sentido que pelos Recorrentes foi questionada a falta de fundamentação;
23) A lei não estabelece que o apuramento da quantificação possa ser moroso, mas sim que se comprove a impossibilidade;
24) O direito à fundamentação dos atos tributários ou em matéria tributária consubstancia uma garantia específica dos contribuintes, obedecendo aos requisitos expressos no artigo 125.º do CPA, que correspondem ao que se acha acolhido, no âmbito tributário, no artigo 77.º da LGT, seguindo o preceituado a nível constitucional no artigo 268.º, n.º 3 da Lei Fundamental, representando simultaneamente uma condição de inteligibilidade e de compreensibilidade da atuação da Administração Tributária [ou outra] e das suas decisões;
25) Como conceito relativo que é, o grau de exigência da fundamentação dos atos varia consoante a intervenção mais ou menos vinculada da Administração [Tributária], consoante a presença maior ou menor, ou ausência, de aplicação de conceitos indeterminados ou de aceções particulares da própria entidade administrativa, que o ato suponha e implique efetivamente;
26) No caso presente os atos impugnados, sendo em si em grande medida vinculados, carecem ainda assim de uma fundamentação que em parte alguma se exibe, esclarecedora da qualificação dos factos na sua base e da quantificação dos elementos para a sua determinação, nomeadamente para determinação da matéria tributável, taxa aplicada, etc., sendo que estes elementos são variáveis mas em parte alguma constam como a eles se chegou, nem qual foi a sua fonte;
27) Deverá dar-se por verificada a falta de fundamentação, razão pela qual também deverá a sentença recorrida ser revogada, o que se requer.

Termos em que, nos melhores de direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a Sentença recorrida ser REVOGADA e, em consequência, ser proferida outra na qual seja anulada a liquidação, pelos fundamentos supra expostos, por ser de: LEI, DIREITO E JUSTIÇA.»

A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

Os autos foram com vista ao Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao decidir pela legalidade da avaliação indireta da matéria coletável e sua quantificação e pela suficiência da fundamentação dos atos de liquidação impugnados.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1) Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI201201083, o impugnante e M…foram sujeitos a um procedimento de inspeção externo de âmbito geral, referente aos anos de 2006 e 2007, tendo os atos de inspeção decorrido entre 08/02/2010 e 10/05/2010 (facto que se extrai do relatório de inspeção tributária, a fls. do processo administrativo – PA – apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2) Em 07/08/2010 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria elaboraram relatório de inspeção tributária, relativo ao procedimento inspetivo referido no número antecedente, do qual se extrai o seguinte:

I – CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO

(…)

3. Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção

Da análise realizada, resultaram as seguintes propostas de correção:

IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

Da análise efetuada à escrita do sujeito passivo e aos elementos que serviram de suporte aos registos efetuados, verificámos que se encontram registados os seguintes valores:

Analisada a atividade do sujeito passivo e os elementos declarativos deste verifica-se que:

• Existe apenas um recibo emitido a título de adiantamentos de honorários ou provisão para despesas por conta e em nome do cliente, relativamente a cada um dos anos em análise;

• Os recibos emitidos não identificam os processos a que respeitam.

No âmbito da preparação do procedimento de inspeção foi o sujeito passivo notificado em 13/03/2009, por carta registada com aviso de receção, para remeter a estes serviços os seguintes elementos:

"(...)

1- N.º do recibo, data, nome e número de identificação fiscal do cliente, importância paga, IVA liquidado, IRS retido e importância recebida, referente ao ano de 2007;

2- Processos findos em 2006 e 2007 com identificação do cliente e número de identificação fiscal, n.º do processo, Tribunal onde decorreram, juízo, espécie e valor da ação;

3- Processos iniciados em 2006 e 2007 com identificação do cliente, número de identificação fiscal, n.º de processo, Tribunal onde decorreram, juízo, espécie e valor da ação;

4- Os mesmos elementos solicitados nos n.ºs 2 e 3 anteriores, processos iniciados processos findos, mas reportados a clientes cujos serviços foram prestados exclusivamente no âmbito de procuradoria;

5- Relação percentual entre o faturado a clientes de âmbito judicial, clientes de âmbito da procuradoria e clientes de consultas. (...)"

Em 27 de Março de 2009 o sujeito passivo respondeu que encontrando-se os elementos solicitados abrangidos pelo disposto no n.º 4 do Art.º 87º do EOA, solicitou no dia 24 de Março de 2009, autorização ao Exm.º Sr. Presidente do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados, para responder à nossa notificação.

Em 27 de Julho de 2009, por correio eletrónico, foram remetidos a estes serviços:

"(...)

1 - Relação dos processos que deram entrada nos tribunais administrativos e fiscais nos anos desde o ano de 2005, em que sou Mandatário - vide doc-1.

2 - Relação dos processos que deram entrada nos tribunais Judiciais e Criminais do ano de 2006, em que sou Mandatário - vide doc-2.

3 - Relação dos processos que deram entrada nos tribunais Judiciais e Criminais do ano de 2007, em que sou Mandatário - vide doc-3.

(...)"

Após a análise aos elementos remetidos verificámos que o sujeito passivo apenas respondeu ao ponto 3 da nossa notificação - relação dos processos iniciados nos anos de 2006 e 2007, identificação do respetivo cliente, nº de identificação fiscal, nº de processo Tribunal e respetivo juízo onde decorreram, espécie e valor da ação. Como o sujeito passivo não remeteu a totalidade dos elementos solicitados e com o fim de se ter uma perceção real da sua atividade, pediram-se aos tribunais da região, por nos parecer ser nestes que a sua intervenção é maior, a seguinte informação:

• Identificação dos processos entrados nos anos de 2006 e 2007, em que o sujeito passivo foi mandatário, conforme mapa em anexo I;

• Identificação dos processos com decisão de trânsito em julgado nos anos de 2006 e 2007, em que o sujeito passivo foi mandatário, conforme mapa em anexo II. Analisados os mapas anexos I e II, verifica-se que o sujeito passivo foi mandatário no seguinte número processos:

(…)

Do cruzamento da informação remetida, quer pelos Tribunais, quer pelo sujeito passivo, relativamente aos processos entrados e findos, com os recibos emitidos, não foi possível identificar a correspondência existente entre os processos e os respetivos recibos.

De acordo com a informação prestada pelo sujeito passivo, de forma pessoal, os recebimentos de clientes apenas ocorrem depois de findos os processos, pelo que lhe foi remetido, relação dos processos cuja decisão foi proferida nos anos de 2006 e 2007 (findos), a fim de nos informar se para os mesmos foi ou não emitido o recibo respetivo, em caso afirmativo qual o seu nº, data e valor, e em caso negativo qual o motivo da sua não emissão.

Analisada a resposta do sujeito passivo que se encontra arquivada no processo e tratada informaticamente (Anexo II), verificou-se que:

• Para a maioria dos processos constantes da referida relação não foram ainda emitidos os respetivos recibos, conforme mapa seguinte:

• Para os processos de maior valor de ação, ainda não foram emitidos os recibos correspondentes, conforma mapa resumo seguinte:

• Para os processos cujo recibo foi emitido verifica-se que na maioria dos casos, os mesmos o foram em ano diferente daquele em que a decisão ocorreu, como consta do quadro seguinte:

• A emissão de recibos em data anterior à data de decisão de trânsito em julgado vem de algum modo, contrariar a informação prestada pelo sujeito passivo de que não existiam adiantamentos e que as contas somente seriam prestadas no final do processo;

• Existem processos com mais do que um recibo emitido, conforme mapa seguinte:

• Os motivos apontados pelo sujeito passivo, para a não emissão de recibos, constam do mapa seguinte:

[...]

Da análise do referido mapa verifica-se que o motivo invocado pelo sujeito passivo para a não emissão de recibos com maior número de processos (214) e maior valor de ação (4.788.348,64€) é "sem provisões, contas a elaborar".

Constata-se assim, pela informação prestada pelo sujeito passivo, que existe um elevado número de processos cuja decisão de trânsito em julgado ocorreu nos anos de 2006 e 2007, que ainda não foram elaboradas contas, apresentadas aos clientes e emitido o respetivo recibo.

Os sujeitos passivos que se encontrem abrangidos pelo regime normal de tributação encontram-se obrigados a emitir fatura ou documento equivalente nos termos do Art.º 29.º n.º 1 al. b), até ao final do 5.º dia útil após o momento em que o imposto é devido nos termos do Art.º 7.º n.º 1 al. b) do CIVA, conforme dispõe o Art.º 36.º n.º 1 do mesmo Código.

O recibo verde é um documento que atesta legalmente que houve um pagamento e como tal é um documento de quitação, pelo que se o sujeito passivo, aquando da conclusão da sua prestação de serviços e não tendo a certeza se irá receber, deverá abster-se de emitir o recibo verde e emitir fatura e quando for efetuado o pagamento ou colocado à disposição deve emitir um recibo normal de quitação, que não um recibo verde, como permite o Art.º 115.º n.º 1 do CIRS.

Nos termos do n.º 6 do Art.º 3.º do CIRS, ficam as prestações de serviços sujeitas a tributação em IRS, desde o momento em que para efeitos de IVA seja obrigatória a emissão da fatura/documento equivalente, pelo que deveria o sujeito passivo e relativamente aos processos para os quais ocorreu a decisão de transito em julgado e considerada concluída a prestação de serviços, ter emitido até ao 5.º dia útil, após a referida conclusão, a respetiva fatura/documento equivalente.

Assim, em face do exposto verifica-se que, de acordo com os mapas atrás indicados, existe um elevado nº de processos, cuja decisão de trânsito em julgado ocorreu nos anos de 2006 e 2007, sem que tenha sido emitido o respetivo recibo, e para os quais foi invocado pelo sujeito passivo que as respetivas contas ainda não tinham sido elaboradas, o que contraria a legislação em vigor, conforme referido nos pontos anteriores, e ainda porque, a atividade realizada e evidenciada a nível dos Tribunais é bastante elevada e que na prática não é evidenciada nas declarações de rendimentos apresentadas para efeitos fiscais, existem fundamentos para determinação do resultado tributável nos anos de 2006 e de 2007, através da aplicação de métodos indiretos nos termos dos artigos 87º b), 88.º a) e 90.º d) e) i) da LGT conjugado com os artigos 75.º n.º 2 a) da LGT, 28º nº 7 do CIRS e 90º nº 1 do CIVA.

V - CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

1. Determinação das prestações de serviços

Para determinação das prestações de serviços dos anos de 2006 e de 2007, considerámos:

1.º - Que todos os processos em que ocorreu decisão de trânsito em julgado nos anos em análise (2006 e 2007), para os quais não existe a emissão do respetivo recibo e o sujeito passivo indicou o motivo de "Sem provisões contas a elaborar", foram concluídos nas datas em que a referida decisão ocorreu (artigo 7.º n.º 1 b) do CIVA);

2.º - Que todos os outros ainda se encontram na situação de pendência, apesar da decisão de trânsito em julgado ter ocorridos nestes anos, aceitando a informação prestada pelo sujeito passivo;

3.º - Que a obrigação para a emissão da fatura ocorre até 5.º dia útil após a conclusão da prestação de serviço (artigo 36.º nº 1 do CIVA), e por consequência a exigibilidade do IVA (artigo 8º nº 1 b) do CIVA) e sujeição à tributação em IRS (artigo 3.º n.º 6 do CIRS) ocorrem na mesma data;

4.º - Que o valor médio de honorários por processo é de 770,12€ IVA incluído, apurado com base na relação entregue pelo sujeito passivo em 14 do corrente, e que é o único elemento que nos permite estabelecer correspondência entre processos e respetivos recibos.

(cfr. relatório de inspeção tributária, a fls. do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3) Sobre o relatório de inspeção identificado no número antecedente recaiu despacho concordante do Diretor de Finanças de Leiria, proferido em 09/06/2010 (cfr. fls. do PA apenso);

4) Em 11/06/2010 remetido ao Impugnante o relatório de inspeção identificado em 2) através do ofício n.º 5018, de 11/06/2010, bem como do imposto apurado em falta em sede de IRS (cfr. fls. do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5) Em 13/07/2010 o impugnante e M….apresentaram pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos, nomeando como seu perito o próprio Impugnante (cfr. fls. dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6) Em 11/08/2010 foi elaborada a ata n.º 15/2010 resultante da reunião de peritos referente ao pedido de revisão da matéria tributável requerido pelo impugnante, da qual se extrai o seguinte:

“(...)

7) A ata referida no número antecedente foi assinada pelo Perito da Fazenda Pública, pelo Perito Independente e pelo Impugnante (cfr. fls. 84 do PA apenso);

8) Em 06/09/2010 foram emitidas em nome dos Impugnantes liquidações adicionais de IRS.

9) As liquidações identificadas no número antecedente foram remetidas ao impugnante por correio registado em 09/09/2010 e 13/09/2010, que as recebeu em 14/09/2010 (cfr. fls. 287 a 298 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido; quanto à data de recebimento das notificações tal facto extrai-se por confissão do impugnante, o qual admite expressamente na página 2 da petição inicial, a fls. 5 dos autos, que recebeu as notificações em 14/09/2010);

10) A presente impugnação judicial foi apresentada via fax, no Serviço de Finanças de Leiria em 02/11/2010 (cfr. fls. 1 e 4 dos autos);

Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.»

E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

«A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório.»



Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, ao abrigo do preceituado no artigo 662/1, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 281º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), adita-se ao probatório o seguinte factos, entre as alíneas 6) e 7):

6 – A) Da referida ata nº 15/2010 de 2010.08.11, constante de fls. 318 dos autos – doc. nº 003801556 registado em 13-03-2017 às 14:48:42, que aqui se dá por integralmente reproduzido, transcreve-se:
"(...)
Perito da Administração Fiscal concluiu o seguinte:
1.- Que nos termos do artº 115º do Código do IRS os titulares dos rendimentos da categoria-B são obrigados a:
-Emitir recibo de modelo oficial de todas as importâncias recebidas, ou
-Emitir fatura ou documento equivalente por cada prestação de serviço efetuada e a emitir documento de quitação de todas as importâncias recebidas.
Exercendo o reclamante a atividade de "Advogado", em que os rendimentos estão sujeitos a englobamento em IRS pela categoria-B, logo encontra-se obrigado ao cumprimento do disposto neste artigo, que não dispõe de qualquer dispensa ou condição especial para esta atividade.
2.- De acordo com o art°. 7º do Código do IVA o imposto é devido e torna-se exigível no momento da realização da prestação do serviço, referindo ainda o n° 9 que para o caso das prestações de serviço em que não seja fixada periodicidade para o pagamento ou esta for superior a 12 meses o imposto é devido e torna-se exigível no final de cada período de 12 meses o que de facto não se verificou o que contraria a defesa do Perito do Contribuinte que atende que a emissão de recibo apenas deve acontecer no momento em que o processo está terminado e recebe os respetivos honorários, principio já não previsto na Lei pela alteração do DL 198/2001, de 3 de Julho.
3.- Na determinação do rendimento colectável da categoria-B os Serviços e Inspecção, utilizaram como média de honorários para cada processo 636,46, e para um universo de 214 processos para os quais já deveria ter sido emitido recibo nos anos de 2006 e 2007 o que não se tinha verificado até à data do fim da acção inspectiva.
4.- Não restam dúvidas que perante o estipulado na Lei, existe a obrigação do reclamante sujeitar a tributação os serviços que presta, dentro dos prazos estipulados, no entanto tendo em conta a argumentação apresentada pelo Perito do Contribuinte e do Perito Independente, nomeadamente no que se refere:
-Aos processos referentes a contra-ordenações, cujo valor da ação em alguns casos não ultrapassa os 200,00 euros;
-Aos processos que se encontram pendentes de recurso, pedidos de indemnização e outras situações de carácter judicial para os quais não foi previamente fixado um valor de honorários nem de adiantamentos e ainda para alguns processos de defesa oficiosa cujo fim ultrapassa os prazos normalmente utilizados.
Assim considerando o disposto na Lei, nomeadamente o já referido n°. 9 do art° 7º, a fase em que os processos se encontram e ainda que já no decurso do presente ano diversos recibos relativos aos processos que na data da acção inspectiva se encontravam na situação "sem provisões contas a elaborar" parece razoável ponderar estas situações para ser deduzida aos valores propostos selos Serviços de Inspecção, ou seja:
Para o ano de 2006 propõe urna correcção aos serviços prestados de 45 000,00 e para o ano de 2007, 40 000,00 em sede de IRS, bem urna liquidação de IVA no montante de 9 450,00 para o ano de 2006 e de 8 400,00 para o de 2007.
Face aos argumentos expostos, foi aceite a proposta do Perito da Administração Fiscal, pelo que por consenso entre os peritos intervenientes, são os seguintes os valores acordados para os exercícios objecto de revisão:
(…)
E nada mais havendo a tratar, deu-se por concluída a reunião da qual, se lavrou a presente Acta que, depois de lida, vai ser assinada pelos intervenientes na reunião.
(…)


II.2 Do Direito

Os Impugnantes e ora Recorrentes foram alvo de ação de inspeção tributária, procedimento externo de âmbito geral, que relativamente aos rendimentos coletáveis obtidos nos anos de 2006 e 2007, que concluiu pela necessidade da sua determinação com recurso a métodos indiretos.

Os Contribuintes apresentaram pedido de revisão da matéria tributável no qual invocaram, em suma, que não se encontravam preenchidos os pressupostos para a aplicação dos métodos indiretos previstos nos artigos 87º e 88º da LGT, erro na quantificação da matéria tributável e carência da fundamentação.

No âmbito do procedimento de revisão, os valores finais da matéria tributável em sede de IRS, foi fixado por acordo entre os peritos nomeados, conforme resulta da ata da Comissão de Revisão levada aos factos assentes.

Apesar de as liquidações adicionais impugnadas terem por base a matéria tributável acordada no procedimento de revisão da matéria tributável, os Impugnantes e ora Recorrentes impugnaram judicialmente as liquidações adicionais, impugnação essa que foi julgada improcedente.

É dessa sentença, que julgou improcedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de IRS dos anos de 2006 e 2007, que vem interposto o presente recurso.

Nas conclusões das alegações de recurso, como vimos já supra, são essencialmente duas as questões postas à apreciação deste Tribunal, a primeira relativa à verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indireta da matéria coletável e sua quantificação e a segunda atinente à fundamentação do ato de liquidação.

Antes de entrarmos na análise das mesmas, anote-se, desde já que estas questões foram colocadas pelos mesmos Contribuintes, embora relativamente a outro tributo, o Imposto sobre o Valor Acrescentado, com conclusões de recurso muito semelhantes foram já objeto de apreciação e análise neste mesmo TCAS no recente Acórdão proferido no processo que correu termos sob o nº 303/11.9BELRA, ainda inédito, com o qual concordamos e que seguiremos de perto.

Com efeito, sobre a questão relativa a saber-se se o Tribunal errou ao decidir pela legalidade da avaliação indireta e sua quantificação, também no presente recurso os Recorrentes alegam:

O procedimento de revisão abrange, não só, as operações de quantificação através de métodos indiretos, mas também a decisão de os utilizar, como se evidencia claramente no nº 1 do artigo 117º do CPPT” – cf. conclusão 1) das alegações de recurso - e que se “a posterior impugnação dos atos tributários com base em “erro nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos” depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável, é forçoso concluir que este procedimento abrange a decisão de utilização de métodos indiretos” – cf. conclusão 2 das alegações de recurso.
E, prosseguem os Recorrentes: “As correções não se basearam em presunções ou indícios (…) antes se procedeu a alterações à declaração do contribuinte, face a outros elementos contabilísticos e documentais recolhidos na sua própria contabilidade, e cujas operações já se encontravam inscritas na sua própria contabilidade” pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não estava “autorizada a socorrer-se dos métodos indiretos para proceder a correções à declaração do Recorrente, uma vez que dispunha de elementos documentais e declarativos suficientes” – conclusão 3) das alegações de recurso;. Dito de outra forma, a Autoridade Tributária e Aduaneira “lançou mão de juízos presuntivos sem, contudo, ter lançado mão da metodologia indireta, uma vez que se ancorou de meras correções técnicas, o que basta para se concluir pela ilegalidade do apuramento” – cf. conclusão 5) das alegações de recurso. O Recorrente reforça a ideia de que só é legalmente possível o recurso à avaliação indireta quando as correções técnicas se revelem impraticáveis, o que não é o caso. Para o Recorrente, no caso, os SIT, caso entendessem que a “declaração do contribuinte sofre de erros, incorreções ou omissões”; poderiam proceder a alterações à declaração do contribuinte lançando mão de correções técnicas, recorrendo aos elementos contabilísticos apresentados pelo mesmo contribuinte - cf. conclusão 7) das alegações de recurso.


Vejamos agora o que se decidiu na sentença sob recurso, no segmento que aqui importa:

Do erro nos pressupostos de facto e de direito: dos vícios da realização da avaliação indireta.

A Fazenda Pública contestou a presente ação referindo que, no caso, houve pedido de revisão da matéria tributável com o acordo das partes. Assim, na impugnação do ato tributário de liquidação, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão.

Discordam deste entendimento os Impugnantes, porém não lhes assiste razão.

Resulta do probatório que no requerimento de revisão, os Impugnantes contestaram os valores obtidos no procedimento de inspeção, a falta de fundamento na aplicação de métodos indiretos, o momento em que se consideram realizadas as prestações de serviços em sede de IVA e por remissão depois para o IRS.

Na petição de impugnação, os Impugnantes invocam também estes fundamentos.

Ora, é jurisprudência assente que o procedimento de revisão da matéria coletável, tal como está previsto na lei (artigos 86.º, 91.º e 92.º da LGT e 117.º do CPPT) é um subprocedimento integrado e funcionalmente dependente do procedimento de liquidação. Com efeito, o pedido de revisão administrativa tem efeito suspensivo da liquidação do tributo (cfr. n.º 2 do art. 91.º da LGT) e a impugnação jurisdicional da determinação da matéria coletável fundada em métodos indiretos está dependente da sua prévia impugnação ou revisão administrativa. Portanto, a decisão da revisão administrativa não se apresenta como o ato final do procedimento de liquidação, suscetível de afetar a esfera jurídica do contribuinte, mas sim um ato preparatório do ato de liquidação. Por isso, em princípio, dada a natureza preparatória e instrumental do ato de liquidação e de acordo com o princípio da impugnação judicial unitária dos atos tributários (cfr. 54.º do CPPT), o ato que decide a impugnação administrativa necessária não é suscetível de impugnação autónoma.

Em função deste regime, a revisão administrativa da matéria coletável é o preliminar indispensável da impugnação judicial da liquidação com fundamento na errónea quantificação da matéria coletável e/ou na não verificação dos pressupostos de determinação indireta da matéria coletável. A revisão administrativa funciona assim como uma “impugnação pré-contenciosa”, que condiciona o acesso aos tribunais e cuja justificação se encontra nos próprios critérios em que assenta a determinação da matéria coletável através de métodos indiretos.

Visa o procedimento de revisão da matéria tributável o estabelecimento de um acordo entre os peritos, assente num debate contraditório entre o perito do contribuinte e o da Autoridade Tributária (com a participação do perito independente, quando houver).

Segundo o artigo 86.°, n.° 4 da LGT “Na impugnação do ato tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indireta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente Capítulo”.

E o n.° 3 do artigo 92.° da LGT estipula que “Havendo acordo entre os peritos nos termos da presente subsecção, o tributo será liquidado com base na matéria tributável acordada”.

Das normas acabadas de citar resulta que o acordo obtido em sede de procedimento de revisão não poderá deixar de determinar a exata quantificação da matéria tributável encontrada, sobre que irá incidir a liquidação, sem possibilidade de reação graciosa ou judicial contra os atos procedimentais antecedentes e que o visem afastar ou fazer perder a sua eficácia, como seja a posterior impugnação judicial da falta de pressupostos para a passagem aos métodos indiretos ou a errónea quantificação da matéria coletável, os quais, mesmo a existirem, se devem considerar sanados pelo posterior acordo alcançado em sede desse procedimento.

O acordo alcançado pelos peritos no âmbito do procedimento de revisão vincula ambas as partes ali representadas (AT e contribuinte), equivalendo a uma transação, em que as partes fazem concessões recíprocas tendo em vista a sua obtenção, pelo que tal acordo só poderá ser anulado por falta ou vícios da vontade, ou por falta ou excesso dos poderes de representação (Ac. do TCAS de 12/9/2006, Processo 00024/03) - no mesmo sentido, entre muitos, Ac. do STA de 23/11/2004, Processo 0657/04, Ac. do TCAS de 30/11/2004, Processo 00232/04, Ac. do TCAN de 1/6/2004, Processo 00185/04.

Nesta matéria, também Diogo Leite de Campos e outros, in Lei Geral Tributária, 2 ed., pág. 394, entendem neste sentido, ao escreverem: “O sujeito passivo, apesar de não ter intervenção pessoal na elaboração do acordo, está vinculado por ele, como se depreende da parte final do n.º4 do art.° 86. °da LGT. Porém, a esta vinculação não poderão deixar de fazer-se as restrições que a lei civil estabelece relativamente à vinculação dos representados pelos actos dos representantes.”

No caso concreto, os Impugnantes suscitaram, no pedido de revisão da matéria tributável, designadamente, a questão da falta de fundamentação de facto e de direito para a utilização de métodos indiretos e a errónea quantificação da matéria tributável (questionaram, entre o mais, o momento da realização das prestações de serviços e a passagem dos recibos).

E, sobre estes pontos específicos pronunciaram-se os peritos.

Assim, a questão da ilegalidade da fixação da matéria tributável por métodos indiretos alegada pelos Impugnantes na petição inicial, por não estarem reunidos os pressupostos para a utilização de tais métodos, estando incluída no acordo a que se chegou no procedimento de revisão, não pode ser objeto de impugnação judicial do ato de liquidação que tem subjacente tal acordo.

Também o erro na quantificação da matéria tributável invocado na petição inicial não pode ser apreciada nesta sede, por ter sido objeto de acordo no procedimento de revisão.

Aliás, ali se chegou à conclusão que “são os seguintes os valores acordados para os exercícios objeto de revisão:

(…)


Como se pode ver do segmento transcrito, desde já adiantaremos que a sentença não merce a censura que lhe é feita, citando e analisando de forma assertiva a legislação aplicável e principal jurisprudência sobre a matéria em apreciação, por forma que pouco mais há a acrescentar ao que ali se escreveu.

Com efeito, a sentença recorrida cita e transcreve o artigo 86/4 da Lei Geral Tributária, sendo entendimento jurisprudencial, também citado, que o acordo no procedimento de revisão da matéria tributável abrange tanto a decisão de utilização de métodos indirectos como a forma como foram utilizados para quantificar a matéria tributável e que se proíbe, quanto a esses pontos, a impugnação da liquidação que for efectuada com base no acordo.

Sem esquecer, todavia, que como se escreveu no acórdão STA de 2017.03.29, Proc. n.º 0413/15:

Mas como se escreveu no acórdão deste STA de 24/10/2012 tirado no recurso nº 0550/12 no qual o ora relator interveio como 2º Adjunto:
“(…) isto não quer dizer que seja proibida, em absoluto, a impugnação da liquidação efectuada com base no acordo, pois este regime pressupõe, naturalmente, a validade do acordo e a sua oponibilidade ao contribuinte.
Ficará aberta, assim, a possibilidade de impugnação da liquidação efectuada com base no acordo invocando ilegalidade procedimental que afecte a sua validade - neste sentido, podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 15.09.2010, recurso 62/10 e de 23-11-2004, recurso 656/04, ambos in www DGSI.pt. De resto, como se sublinha no supra citado Acórdão 62/10, «o art. 62.º, n.º 1, do CPPT confirma esta interpretação no sentido do carácter não absoluto da proibição de impugnação da liquidação efectuada com base no acordo, ao estabelecer que «em caso de a fixação ou a revisão da matéria tributável dever ter lugar por procedimento próprio, a liquidação efectua-se de acordo com a decisão do referido procedimento, salvo em caso de esta violar manifestamente competências legais», o que supõe que o contribuinte possa questionar a validade do acordo, pois estabelece-se que «a declaração da violação das referidas competências legais pode ser requerida pelo contribuinte» (n.º 2 deste art. 62.º)»
E também a doutrina vem afirmando que «a medida da inimpugnabilidade da liquidação feita com base no acordo, tendo a sua razão de ser na existência deste acordo, terá de ter (de) ser restringida ao que foi objecto deste, que é a medida da matéria tributável. Por isso, a existência de acordo não poderá afastar o direito do contribuinte impugnar a liquidação feita com base no acordo por qualquer razão que não lhe esteja ligada, como, por exemplo, vícios de forma (falta de fundamentação, incompetência, violação de direitos procedimentais) ou de violação de lei (como erro na taxa aplicável ou sobre a existência de uma isenção total ou parcial). (Cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 4ª edição, fls. 749.)
Finalmente se dirá que este também parece ser o entendimento mais consentâneo com os princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva (arts. 20º, nº 1 e 268º nº 4 da Constituição da República) e com o reconhecimento constitucional do dever de fundamentação expressa e do direito de impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem os administrados.

Temos, pois, para nós que a inimpugnabilidade do acto de liquidação efectuado com base no acordo de fixação da matéria tributável se limita ao respectivo quantum, sendo que poderá constituir fundamento de impugnação por parte do sujeito passivo qualquer ilegalidade susceptível de conduzir à sua anulação, nomeadamente a falta de fundamentação (Também neste sentido ob. citada, pag. 814).

Ora, no caso, os Recorrentes limitaram-se a invocar, sem densificar, a inexistência de pressupostos que legitimaram o recurso à aplicação de métodos indiretos e a quantificação a que se chegou, mas não beliscam o núcleo das ilegalidades que poderiam ser objeto de impugnação, tal como elencadas no Acórdão citado supra, atinentes à ilegalidade do procedimento, o abuso de poderes de representação pelo perito do contribuinte, a violação de competências legais, a falta de fundamentação formal dos atos de liquidação ou outros elementos da liquidação, como, aliás, veremos melhor infra quanto à segunda questão alegada e relativa à carência da fundamentação do ato de liquidação.

Aliás, o perito que participou na reunião da Comissão de Revisão foi o próprio contribuinte, que assinou a respetiva ata, estando toda a matéria alegada abrangida pelo acordo, pelo que não se verificaria no caso o abuso de poderes de representação pelo perito do contribuinte

Improcedem, pois, as conclusões de recurso nesta parte.

Vejamos agora quanto à segunda questão submetida à apreciação deste Tribunal, relativa à carência da fundamentação das liquidações impugnadas.

Também no presente recurso alegam os Recorrentes que os atos tributários não apresentam a fundamentação legalmente exigida:

Salienta o Recorrente que “As alíneas do nº 1 do artigo 87º da LGT, são de natureza taxativa, e constituem um poder-dever, de especiais cuidados, que têm de estar evidenciados na atuação administrativa” [cf. conclusão 19) das alegações de recurso]. Ora, diz-se no recurso que “em parte alguma do relatório do serviço de inspeção tributária se refere à impossibilidade de tal comprovação” [cf. conclusão 21) das alegações de recurso], sendo certo que – prossegue – “A lei não diz que o apuramento da quantificação possa ser moroso, mas sim que se comprove a impossibilidade” [cf. conclusão 23) das alegações de recurso]. Conclui, assim, que há falta de fundamentação.

Nesta matéria seguiremos de perto o decidido no Acórdão proferido no processo que correu termos sob o nº 303/11.9BELRA, que tem subjacente a mesma matéria de facto, ou seja, o mesmo relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária e o procedimento de revisão da matéria coletável, com as necessárias adaptações, decorrentes de ser outro o tributo impugnado, ali o IVA do período de 2006 e aqui o IRS dos anos de 2006 e 2007.

Como se sabe, o sistema fiscal português acolhe a ideia de presunção de verdade dos atos dos contribuintes, sejam as suas declarações (apresentadas nos termos legais), sejam os seus dados contabilísticos (desde que a contabilidade se mostre organizada de acordo com o legalmente exigido) – cfr. artigo 75º, nº1 da Lei Geral Tributária (LGT). Trata-se de uma presunção umbilicalmente ligada à presunção de boa-fé.
Como se sabe, também, esta presunção de verdade não é absoluta, cessando, desde logo, nas situações previstas no nº 2 do artigo 75º da LGT, ou seja, quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo; quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da lei, for legítima a recusa da prestação de informações; quando a matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica previstos na LGT e quando os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A da LGT.
No que toca aos procedimentos de avaliação, a lei é clara sobre a opção preferencial do legislador, isto é, não restam dúvidas que a lei assume como ultima ratio o recurso à avaliação indireta, relegando-a para situações em que não seja de todo possível a quantificação direta e exata da matéria tributável, através dos dados declarados pelo sujeito passivo ou fornecidos por terceiros ou, também, quando ab initio o método de determinação é já um meio não direto, como o regime simplificado.
Com efeito, “o recurso à avaliação indirecta – por indícios, presunções ou estimativas – é excepcional e está sujeito a uma regra de tipicidade, só podendo fazer-se nos casos e condições expressamente previstos na lei, associados geralmente a uma intensa violação pelo contribuinte dos seus deveres de cooperação para com a Administração Tributária, ou em caso de razões acidentais que inviabilizem o apuramento da matéria tributável real do contribuinte” – vide, Lima Guerreiro, in LGT, anotada, Rei dos Livros, pag. 355.
É neste contexto de excecionalidade do recurso à avaliação indireta que devemos apreciar as regras legais aplicáveis em matéria de fundamentação dos atos tributários, concretamente daqueles que resultam da avaliação indireta.
E aqui chegados, centremo-nos no disposto no artigo 77º da LGT, o qual dispõe sobre a fundamentação. No que para o caso interessa, importa reter que:
1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
(…)
4 - A decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.
(…)”

Trata-se de um preceito que, ao nível do direito fiscal, concretiza o dever constitucional de fundamentação dos atos administrativos, tal como consta do artigo 268º, nº 3 da CRP.
No essencial, a exigência de fundamentação dos atos tributários obriga a Administração Tributária a indicar as razões, de direito e de facto, que enformam o conteúdo de um ato, levando-a a externar os motivos que subjazem à decisão ou o procedimento conducente àquela concreta decisão. A fundamentação que se exige há-de ser, como a jurisprudência reiteradamente assinala, contextual e contemporânea do ato, daí constando diretamente ou por remissão.
“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…” (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 3.ª Edição, Vislis, Lisboa, 2003, p. 382), para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.
Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.
Assim se apresentando o dever de fundamentação que a AT tem, em regra, que observar, casos há em que este seu dever surge, nos termos da lei, significativamente mais exigente, ou seja, com um conteúdo mais denso e rigoroso. É esse o caso das decisões de tributação por métodos indiretos, tal como decorre do citado artigo 77º, nº4 da LGT.
Com efeito, este nº 4 evidencia que “o ato de liquidação do imposto com recurso a métodos indiciários ou presuntivos pertence ao tipo daqueles cujo discurso fundamentador deve ter particular densidade significante, por decorrer de um procedimento contra o contribuinte e não da colaboração do contribuinte e assentar numa liberdade de investigação, padecendo, assim, de insuficiência de fundamentação, a fixação da matéria tributável quando não for de exigir a um a um contribuinte normal ou razoável que identifique, perante o discurso fundamentador, não apenas os relatórios e informação em que a Comissão Distrital entenda basear a sua deliberação, como a deliberação que se escude em relatório onde não sejam indicados os critérios através dos quais se chegou à matéria tributável fixada, nomeadamente quanto à eleição dos factos considerados como factos-índice e à sua idoneidade e capacidade quântica inferativa. Refere-se, assim, essa norma à especial exigência de fundamentação da decisão de tributação por métodos indirectos, por comparação com o grau de fundamentação dos demais actos em matéria tributária, e que compreende não apenas a aplicação desses métodos, como a quantificação da matéria tributável efectuada em seu resultado pela administração tributária” – vide, Lima Guerreiro, in LGT, anotada, Rei dos Livros, pag pág. 340.
Ora, no que para o caso interessa, importa ter presente que, de acordo com o teor do nº4 do artigo 77º da LGT, as especiais exigências de fundamentação da avaliação por métodos indiretos abrangem, desde logo, a especificação dos “motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável”, cuja omissão conduz naturalmente à anulabilidade do ato em causa. Note-se que evidenciámos concretamente a menção à “impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exata da matéria tributável” pelo facto de o relatório de inspeção (cfr. ponto IV), referenciar a alínea b) do artigo 87º da LGT e, bem assim, o artigo 88º do mesmo diploma legal, preceitos esses que respeitam à dita impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exata.
(…)
o RIT evidenciou os motivos que determinaram as correções na base das liquidações, especificando-se os factos pertinentes para o recurso à avaliação indireta “nos termos dos artigos 87º b), 88º a) e 90º d) e) i) da LGT conjugado com os artigos 75º nº 2 a) da LGT, 28º nº 7 do CIRS e 90º nº 1 do CIVA”.
O RIT partindo da circunstância de existir um número significativo de processos transitados em julgado em 2006, sem que tenha sido emitido competente recibo, explicitou os critérios determinantes para apuramento [do imposto em falta]:
- Que todos os processos em que ocorreu decisão de trânsito em julgado nos anos em análise (2006 e 2007), para os quais não existe a emissão do respectivo recibo e o sujeito passivo indicou o motivo de "Sem provisões contas a elaborar", foram concluídos nas datas em que a referida decisão ocorreu (artigo 7º nº 1 b) do CIVA);
- Que todos os outros ainda se encontram na situação de pendência, apesar da decisão de trânsito em julgado ter ocorridos nestes anos, aceitando a informação prestada pelo sujeito passivo;
- Que a obrigação para a emissão da factura ocorre até 5º dia útil após a conclusão da prestação de serviço (artigo 36º nº 1 do CIVA), e por consequência a exigibilidade do IVA (artigo 8º nº 1 b) do CIVA) e sujeição à tributação em IRS (artigo 3º nº6 do CIRS) ocorrem na mesma data;
- Que o valor médio de honorários por processo é de 770,12€ IVA incluído, apurado com base na relação entregue pelo sujeito passivo em 14 do corrente, e que é o único elemento que nos permite estabelecer correspondência entre processos e respectivos recibos.”

Para além disto, a fundamentação resulta ainda dos termos do acordo obtido em sede de procedimento de revisão da matéria tributável, no qual o Recorrente participou, na qualidade de perito, dando o seu assentimento ao acordo. Ora, as liquidações contestadas são precisamente o resultado da matéria tributável fixada nos termos do acordo obtido.
Portanto, e em suma e evitando repetições face ao bem fundado que consta da decisão recorrida, este Tribunal conclui, nos exatos termos da sentença quanto ao cumprimento do dever legal de fundamentação, reiterando-se o que ali se escreveu e acima se transcreveu, no sentido de que a Administração Tributária, no caso concreto, deu cabal cumprimento às exigências de fundamentação que o nº4 do artigo 77º da LGT lhe impunha.
Diferentemente do defendido pelo Recorrente, os atos mostram-se fundamentados, cumprindo as exigências legais estabelecidas para os casos de atos resultantes de métodos indiretos.

Mutatis mutandis, a decisão constante do segmento do Acórdão deste TCAS supratranscrito é inteiramente transponível para os presentes autos.

Com efeito, pese embora o carater subsidiário e excecional da determinação da matéria tributável por métodos indiretos, como decidido na sentença recorrida, a Autoridade Tributária e Aduaneira, apesar do alegado, cumpriu o dever de fundamentação que sobre ela recaía.

Com efeito, ao contrário do que defendem os Recorrente, as irregularidades detetadas pelos Serviços de Inspeção Tributária e elencadas no relatório elaborado, essencialmente relativas a processos judiciais nos quais o Recorrente teve intervenção, que findaram nos anos aqui em causa e sobre os quais não foi elaborada a conta nem emitido recibo de honorários, indiciam omissão de rendimentos e inviabilizam a quantificação direta, porquanto implicam o recurso a estimativas para a sua determinação. Assim, apesar de a quantificação da matéria tributável ter por base elementos fornecidos pelos próprios contribuintes, como alegam, necessário se torna o recurso a estimativas para determinação da matéria coletável.

Depois, temos de ter em consideração que na fundamentação do ato, além do relatório elaborado pelos serviços de inspeção tributária, a verdade é que a matéria tributável foi determinada por acordo obtido pelos os peritos no procedimento de revisão, entre os quais o próprio Recorrente, pelo que mal se compreende afirmação na conclusão 27) das alegações de recurso, relativa à não estar esclarecido quanto à qualificação dos factos que estão na sua base e da quantificação, como a eles se chegou, nem qual foi a sua fonte, uma vez que o Contribuinte neles participou.

Como se decidiu na sentença recorrida os Impugnantes não questionam a não compreensão dos atos de liquidação. Questionam sim a validade dessa fundamentação, isto é, a valoração do juízo que subjaz às correções na origem das liquidações. Ou seja, o que está em causa é, apenas, a discordância do Impugnante com a fundamentação aduzida pela Administração tributária para proceder às liquidações, o que não consubstancia uma situação de falta de fundamentação. Trata-se por isso de questão que já não contende com a ausência da fundamentação formal que a lei exige, mas com a valia substancial das liquidações.

A sentença não merece, pois, a censura que lhe foi feita e é de confirmar.

Termos em improcedem as alegações de recurso.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 nCPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pelos Recorrentes que decaíram.


Sumário/Conclusões:

Tendo havido, em sede de procedimento de revisão da matéria coletável, acordo dos peritos quanto à utilização dos métodos indiretos e quantificação da matéria coletável, não pode, posteriormente, o contribuinte sindicar tais questões em sede de impugnação judicial.


III - DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes que decaíram.

Lisboa, 30 de junho de 2022

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Cristina Flora