Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 349/09.7 BELRA |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 03/30/2023 |
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Relator: | VITAL LOPES |
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Descritores: | IRS MAIS-VALIAS IMOBILIÁRIAS VALOR DE REALIZAÇÃO |
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Sumário: | A norma que determina o valor de realização, no âmbito da tributação das mais-valias, com base no VPT do prédio, não pode ser aplicada sem que o contribuinte tenha à sua disposição procedimento de demonstração do preço efectivo praticado na alienação do direito real em causa, sob pena de violação do princípio constitucional da capacidade contributiva, ínsito nos artigos 103.º, n.º 1, e 13.º da Constituição da República Portuguesa. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO H…, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada da liquidação de IRS, no montante de 19.309,24 euros, na parte assente em mais-valias decorrentes da transmissão onerosa do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Armação de Pêra sob o artigo 2.448 – fracção BZ, descrito na CRP de Silves com o n.º 1633, alegando para tanto, conclusivamente: « ». Não foram apresentadas contra-alegações. A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer concluindo ser de manter a sentença recorrida na ordem jurídica por nenhum agravo lhe ter sido feito e, consequentemente, improceder o recurso. Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, analisadas as conclusões da alegação, a questão central do recurso consiste em saber se enferma de erro de julgamento o entendimento pressuposto na sentença recorrida segundo o qual a norma do art.º 44/2 do CIRS, na redacção vigente à data dos factos, estabelece uma presunção inilidível no âmbito dos ganhos de mais-valias sujeitas a IRS decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis. *** III. FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado: « Com interesse para a apreciação da causa, consideram-se provados pelos documentos constantes dos autos e no processo administrativo apenso, os seguintes factos: A) Em 03-12-2001, no 4.º Cartório Notarial de Lisboa, a ora Impugnante celebrou escritura publica de aquisição do imóvel correspondente à fração autónoma identificada pelas letras BZ do prédio urbano sito na P…., freguesia de Armação de Pera, inscrito na matriz predial sob o n.º 2… daquela freguesia, pelo preço de onze milhões de escudos. – (cfr. doc. de fls. 12 a 151 dos autos).B) Em 07-04-2004, por escritura celebrada no 2.º Cartório Notarial de Faro, a ora Impugnante alienou por € 70.000,00 o imóvel identificado na alínea que antecede. – (cf. fls. 17 a 24 dos autos). C) Com data de 24-06-2008 o Serviço de Finanças de Silves endereçou à Impugnante oficio de notificação da avaliação do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 2…. BZ da freguesia de Armação de Pera, ao qual foi atribuído o valor patrimonial tributário de € 175.860,00. – (cf. fls. 25 e 26 dos autos). D) Com data de 26-11-2008 a Divisão de Tributação e Cobrança da Direção de Finanças de Santarém endereçou ao mandatário da Impugnante notificação para o exercício do direito de audição sobre a proposta de alteração da declaração de rendimentos do ano de 2004, onde consta, designadamente, o seguinte: “(…) Por ser a primeira transmissão da vigência do Código do Imposto sobre Imóveis (CIMI), o prédio foi objeto de avaliação com base nas regras previstas neste código, conforme disposto no art.º 15.º do DL n.º 287/2003 de 12/11. Tal avaliação traduziu-se na atribuição de um valor patrimonial tributário definitivo de € 175.840,00. Do valor da avaliação foi o sujeito passivo notificado através do oficio n.º 4915 de 2008-06-24 (registo postal RM334805544PT). Dispõe o n.º 1 do art.º 12.º do Código do Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) que o IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou contrato ou sobre o valor patrimonial tributário do imóvel, consoante o que for maior. Estabelece também o art.º 44.º do CIRS que, para efeitos de determinação dos ganhos sujeitos a IRS, em sede de categoria G, se considera valor de realização o valor da respetiva contraprestação, prevalecendo, se superior, o valor considerado para efeitos de liquidação de IMT. Assim, considerando que na presente situação, o valor patrimonial tributário resultante da avaliação é superior ao constante da escritura, conclui-se que será esse o valor de realização a considerar. (…). – (cf. fls. 52 dos autos e 82 a 85 do processo administrativo apenso). E) F) Em 28-11-2008 a Direção de Finanças de Santarém notificou a Impugnante do despacho final proferido no procedimento referido na al. D) supra, que manteve os fundamentos constantes do respetivo projeto. – (cf. fls. 62 dos autos). Encontra-se ainda provado com interesse que: G) A impugnante contratou com a Companhia de Seguros G…, SA para o imóvel identificado em A), um seguro multirriscos com o capital de € 55.000,00. – (cfr. fls. 29 a 32 dos autos). H) O imóvel identificado em A) detinha nos anos de 2001 e 2002 e para efeitos de Contribuição Autárquica o valor patrimonial de € 35.823,66. – (cfr. fls. 33 e 34 dos autos). I) O imóvel identificado em A) detinha no ano de 2003 e para efeitos de IMI o valor patrimonial tributário de € 40.839,00. – (cfr. fls. 35 dos autos). ** Factos não provados Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes dos presentes autos, todos objecto de análise concreta, não se provaram quaisquer outros passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito e que importe registar como não provados. ** Motivação da Decisão de Facto A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes destes autos e do processo administrativo apenso, conforme se refere em cada alínea do probatório. Da prova testemunhal produzida não resultou a prova de nenhum facto com interesse para a decisão a proferir para além dos já dados por provados, não sendo por isso tomada em consideração.». B.DE DIREITO Mostram os autos e o probatório que a impugnante, ora Recorrente, adquiriu em 03/12/2001 a fracção autónoma “BZ” do artigo 2…. da matriz predial da freguesia de A…, concelho de Silves, pelo preço de PTE 11.000.000$00 (correspondente a 54.867,77 euros). Em 07/04/2004 vendeu a referida fracção habitacional pelo preço de 70.000,00 euros. Por se tratar de 1.ª transmissão na vigência do IMI, o prédio foi sujeito a avaliação, que resultou na atribuição do VPT de 175.840,00 euros. Com referência ao ano de 2004, a AT efectuou à impugnante liquidação adicional de IRS, considerando como rendimento de mais-valias (categoria G) o montante correspondente à diferença entre o valor de aquisição e o valor resultante da avaliação, conforme fundamentação transcrita e vertida no ponto D) do probatório. A sentença negou abrigo à pretensão anulatória da impugnante para quem o valor a considerar para efeitos de tributação em mais-valias, deveria ser o valor escriturado de venda (70.000 euros) e não o valor resultante da avaliação do imóvel (175.840 euros). Na óptica da sentença recorrida e na linha do aduzido pela AT, decorrendo por um lado do disposto no art.º 44/1 alínea f) do CIRS que para determinação dos ganhos sujeitos a IRS o valor de realização é o da respectiva contraprestação e, por outro, estabelecendo o seu n.º 2 que “tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida”, a única possibilidade de a impugnante contestar o valor de realização assumido para efeitos de tributação de mais-valias como sendo o de avaliação era requerer uma 2.ª avaliação no seguimento da notificação do resultado da 1.ª avaliação, o que não fez, deixando consolidar o valor fixado e, nessa medida, não é possível discutir agora na presente impugnação, a quantificação do valor de realização para efeitos de mais-valias, que corresponde legalmente ao valor de avaliação, já consolidado. A leitura que o tribunal recorrido fez da norma do art.º 44/2 do CIRS, segundo a qual ali estaria ínsita uma ficção ou presunção inilidível no tocante ao imposto devido no âmbito de ganhos de mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, suscita-nos, desde logo, uma questão prejudicial imprópria de inconstitucionalidade, de conhecimento oficioso (art.º 204.º da CRP) e sobre a qual já se debruçou o Tribunal Constitucional. Com efeito, a questão relativa à conformidade com a Constituição da República Portuguesa da dimensão normativa extraída do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, segundo a qual sobrevém uma presunção inilidível respeitante ao imposto devido no âmbito de ganhos de mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, foi já apreciada e decidida pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 211/2017, tendo sido julgada inconstitucional a dimensão normativa em referência. Lê-se no aludido aresto: «No domínio da fiscalidade das mais-valias entendeu o legislador tributar o rendimento derivado da transação onerosa de bens imóveis, considerando os ganhos obtidos pela diferença (mais-valia) entre o valor de aquisição do imóvel e o valor da realização da sua venda. Sendo que este valor corresponderá ao valor da contraprestação (artigo 44.º, n.º 1, alínea f), CIRS) – ou seja, o valor do preço estabelecido para a venda do bem – vem o artigo 44.º, n.º 2, do CIRS considerar que, sempre que o valor daquele preço se mostre inferior ao valor de avaliação do imóvel para o efeito de determinação do IMT (ou seja, o valor patrimonial tributário apurado nos termos do CIMI), será este o valor de referência para determinação do ganho sujeito a tributação. […] Ora, ao ser afastada a possibilidade de prova em contrário, as presunções inilidíveis aproximam-se da figura das ficções legais, através das quais o facto ficcionado é definitivamente fixado sem que se considere sequer a possibilidade de demonstração de uma realidade diversa. A este propósito, pode assinalar-se que a doutrina fiscal dedica alguma atenção à comparação entre as duas figuras, seja na afirmação da sua diferença (assim JOÃO SÉRGIO RIBEIRO entende que numa presunção é necessário que entre o facto base ou facto conhecido e o facto presumido exista uma relação lógica de probabilidade, o que não acontece no caso das ficções, em que a verdade jurídica é assumida pelo legislador, independentemente da sua correspondência à verdade real, cfr., do Autor, Tributação Presuntiva do Rendimento - Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável, Almedina, Coimbra, 2014 (reimpressão da edição de 2010), p. 408), seja no esbatimento dessa diferença (assim, ANA PAULA DOURADO, pese embora entenda que o juízo de probabilidade caracteriza as presunções – mesmo as que não admitem contraprova, – sendo alheio às ficções, integra o recurso às presunções e às ficções no âmbito mais vasto das técnicas de tipificação legal, cfr. O Princípio da Legalidade Fiscal - Tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação, Almedina, Coimbra, 2007, em especial, pp. 602-606 e pp. 612-622). […] A norma contida no artigo 44.º, n.º 2 do CIRS, ao tomar por referência o VPT do imóvel, tem, como já se disse, a dupla finalidade de servir de pressuposto à sua aplicação e de determinar – com base naquele mesmo valor – a matéria sujeita a tributação como mais-valias. Recorde-se que a referência ou pressuposto relevante para o apuramento dos rendimentos (presumidos) obtidos com a alienação do imóvel parte da verificação de uma disparidade entre os valores da transação (a contraprestação) e da avaliação do imóvel para fixação do seu valor patrimonial tributário – esta feita de acordo com o regime fixado no Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis (CIMI, em especial, o artigo 38.º), servindo também o efeito de determinar a base coletável do Imposto Municipal sobre as Transações Onerosas (IMT). Com efeito, em matéria de impostos sobre o património – estáticos (IMI) ou dinâmicos (IMT) –, a base coletável é (ou pode ser) determinada a partir da avaliação do imóvel para efeitos de determinação do seu valor patrimonial tributável (VPT), uma técnica de «acertamento» que procura responder às exigências de procedimentos tributários de massas, fazendo prevalecer critérios unitários previamente fixados pelo legislador, cujo resultado pode não coincidir com o valor de mercado do bem avaliado. A virtualidade da referência tomada pelo legislador no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, parte do pressuposto de que aquele VPT é tendencialmente inferior ao valor de mercado dos bens imóveis, sendo, assim, também tendencialmente inferior ao valor pelo qual o bem é transacionado. Deste modo, sugere que qualquer transação onerosa de bens imóveis terá por valor mínimo o VPT do imóvel. Ora, tal pressuposto não se verifica sempre ou não se verifica necessariamente, tendo em conta quer as variações dos preços de compra e venda praticados no mercado imobiliário (sendo este fortemente condicionado pela conjuntura económica, seja em períodos de crise, seja em períodos de expansão, a que acresce a sujeição a distorções várias decorrentes de outros fatores relevantes, designadamente, financeiros e fiscais), quer a variação do próprio regime de avaliação patrimonial dos imóveis para efeitos fiscais e da sua aplicação (seja pela atualização dos VPT, seja pela alteração dos critérios legalmente definidos para a fixação do VPT, seja ainda pelos processos generalizados de avaliação ou reavaliação de imóveis, como é exemplo a determinação, pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, da avaliação geral e imediata dos prédios que ainda não tinham sido avaliados com base nos critérios do CIMI, entretanto levada a cabo pela Administração Fiscal). Contudo, não cabendo nesta sede ajuizar da bondade do critério (ou pressuposto) escolhido pelo legislador, certo é que, servindo o mesmo de norma de incidência tributária, determinando e quantificando a matéria tributável de forma diversa da que resultaria da declaração do contribuinte, cumpre ajuizar da técnica utilizada para o apuramento do rendimento sujeito a tributação, tendo em conta a interpretação feita pelo Juiz da causa do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS no sentido de que, na determinação da matéria sujeita ao imposto sobre o rendimento, estabelece uma presunção inilidível ou absoluta, fazendo prevalecer o VPT do imóvel sobre o valor correspondente à contraprestação devida pela compra do imóvel (quando inferior àquele). […] O princípio da capacidade contributiva, enquanto «princípio geral da imposição segundo a capacidade contributiva de cada um» (Acórdão n.º 211/2003), exige que o legislador fiscal configure as obrigações dos contribuintes a partir de factos tributários que fundem a capacidade de suportar o encargo correspondente. Afirmou o Acórdão n.º 348/97 que «a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto». O primeiro fundamento deste princípio é encontrado no princípio da igualdade (artigo 13.º, CRP), de modo a que a distribuição dos encargos tributários seja feita de acordo com a capacidade de cada um, isto é, exigindo-se um critério idêntico para todos os cidadãos na repartição de impostos e sendo esse critério o da capacidade contributiva (assim, no citado Acórdão n.º 348/97 e, mais recentemente, nos Acórdãos n.ºs 695/2014 e 590/2015). A capacidade contributiva é, assim, a medida da diferença. E, a partir da sua articulação com os demais princípios materiais da Constituição fiscal – em particular o artigo 103.º da CRP – podemos retirar do princípio da capacidade contributiva, ao pressupor uma repartição justa dos encargos de acordo com a capacidade de cada um, a resposta à demanda constitucional de «uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza» (artigo 103.º, n.º 1), a que não deixa de se referir o Acórdão n.º 211/2003 – e, bem assim, vê-lo concretizado no princípio de a tributação dever incidir sobre o «rendimento real» dos contribuintes (artigo 104.º, n.º 2), caso se admitisse que a disposição constitucional em causa tem um leque de destinatários mais vasto que o da sua letra e tomando-se por seguro, como faz JOSÉ CASALTA NABAIS, que este preceito constitucional «mais não é do que uma concretização, uma explicitação dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal» (Direito Fiscal, cit., p. 171). O princípio da capacidade contributiva constitui, pois, como escreve SÉRGIO VASQUES, «o pressuposto, o limite e o critério da tributação» (cfr. Manual de Direito Fiscal, reimpressão, Edições Almedina, S.A., Coimbra, 2015, p. 296). Ora, estas exigências constitucionais não podem deixar de ser observadas nas normas de incidência tributária, configurando-se como princípios-garantia dos contribuintes. É que, na definição da incidência do imposto, a determinação da matéria coletável constitui um elemento essencial da relação jurídico-fiscal, quantificando a obrigação tributária e, assim, a medida do imposto devido. Deste modo, o legislador não pode fixar a medida do imposto sem atender à capacidade revelada pelo seu devedor. Aqui se revelam as virtualidades do princípio da capacidade contributiva: «constituindo a ratio ou a causa da tributação, este princípio afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que (…) erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto. Daqui decorre (…) a ilegitimidade constitucional das presunções absolutas de tributação» (JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, cit., pp. 154-155). […] No caso vertente, a fixação da matéria coletável através do recurso a métodos presuntivos, sem possibilidade de ilisão, pelo contribuinte, da presunção estabelecida na lei, terá como consequência possível (e plausível) a tributação de ganhos (mais-valias) não efetivamente auferidos pelo contribuinte. […] Ora, se o ganho fortuito não existir ou, existindo, ficar muito aquém do estimado, a tributação não será devida. Pelo menos, à luz do princípio da capacidade contributiva ínsito na Constituição portuguesa. Com efeito, as mais-valias decorrentes da transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis correspondem ao ganho obtido com essa transmissão em face do valor da aquisição anterior do mesmo bem. Ao determinar o rendimento tributável por referência a um ganho presuntivo, sem que ao contribuinte seja dada a possibilidade de demonstrar a inexistência da capacidade contributiva que se pretende tributar, incorre a norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS - na interpretação desaplicada nos autos - em inconstitucionalidade, por ofensa do princípio da capacidade contributiva acima enunciado. 24. Pelo que fica exposto, conclui-se pela inconstitucionalidade da norma contida no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma ‘presunção inilidível’» (fim de cit.). No mesmo sentido já foi decidido no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 488/2021, de 07 de Julho de 2021. Em convergência com a autorizada jurisprudência do Tribunal Constitucional, entendemos ser de desaplicar a norma do art.º 44/2 do CIRS na dimensão normativa segundo a qual ali se estabelece uma presunção inilidível de que o valor de realização, para efeitos de tributação de mais-valias em IRS, corresponde sempre ao de avaliação do imóvel quando superior ao declarado pelo contribuinte. Neste modo de ver, é manifesto que a sentença recorrida ao concluir que “…fixado o valor patrimonial tributário do prédio e não tendo a impugnante requerido 2.ª avaliação, o valor ficou definitivamente fixado, sendo vedado ao tribunal colocá-lo em causa agora nesta sede”, incorreu em erro de julgamento. A liquidação efectuada pela AT com base no valor correspondente ao VPT por via da ficção prevista em norma desaplicada por inconstitucionalidade, enferma de ilegalidade por erro nos pressupostos de direito, vício conducente à sua anulação. O recurso merece provimento. IV. DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação procedente e anular o acto de liquidação impugnado. Custas pela Recorrida, que não são devidas no recurso por não ter contra-alegado. Lisboa, 30 de Março de 2023 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Luísa Soares ________________________________ Tânia Meireles da Cunha |