Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:383/08.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/30/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO.
Sumário:I. Não enferma de nulidade por excesso de pronúncia, nem da preterição da proibição de decisão surpresa, o Acórdão que, em sede de recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial do acto de recusa do direito à dedução do imposto suportado, retoma os fundamentos do mesmo, para afirmar a falta de comprovação dos pressupostos do direito à dedução.

II. Não enferma de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, o Acórdão que considera que o facto de não existirem registos da actividade económica da impugnante não significa que a mesma não participe, no seio do grupo a que pertence, na venda de direitos reais de habitação periódica.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

Não se conformando com o Acórdão proferido por este TCAS, em 10/02/2022, que negou provimento ao recurso interposto contra a Sentença proferida pelo MMº Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa de 28 de outubro de 2016 que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra o indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios do exercício de 1994, F……………..(Estates) Limited deduz incidente de nulidade de Acórdão.
No requerimento de arguição de nulidade, formula as conclusões seguintes:
A) Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, visando, pois, o escrutínio da decisão recorrida na estrita medida das críticas que a estas foram feitas e condensadas nas conclusões do recorrente.
B) O objeto do Recurso conforme delimitado pelas conclusões da recorrente achava-se circunscrito a dois invocados erros de julgamento, passíveis de se reconduzir às seguintes questões: (a) o desfasamento temporal detetado entre o início da disponibilização do empreendimento turístico por parte da recorrente e o pagamento da primeira renda por parte da F ………………. Limited pode impedir o direito à dedução como entendeu o M.mo Juiz a quo? (b) as invalidades contratuais detetadas podem impedir o direito à dedução como entendeu o M.mo Juiz a quo?
C) Compulsado o Acórdão de 10.02.2022, verifica-se porém que o âmbito e objeto do recurso se deslocou das questões da relevância ou irrelevância do desfasamento temporal entre o início da disponibilização do empreendimento e o pagamento das rendas e a da relevância ou irrelevância das invalidades contratuais, para as longínquas paragens do regime do IVA nas operações intra- grupo - matéria nunca antes suscitada por nenhum sujeito processual.
D) O TCA levantou o véu da personalidade jurídica (e tributária) autónoma das duas pessoas coletivas em causa - a F ………………… Limited, a recorrente, uma sociedade com sede em Malta, e a F …………………… Limited, uma sociedade com sede na Grã-Bretanha - e determinou a amplitude da capacidade de dedução da recorrente com base no conjunto de operações que apelidou de operações “fora do grupo.”
E) Com isso, o TCA manteve o ato impugnado com base num fundamento novo, inédito, que não integrou quer a fundamentação contextual integrante do próprio ato impugnado, quer o julgamento em primeira instância ou mesmo a posição da Fazenda Pública em juízo, quer finalmente as questões suscitadas pela recorrente e balizadas nas conclusões da sua alegação.
F) Com isso, o TCA operou uma verdadeira revolução no sistema comum do IVA, posto que, de forma clara e unívoca, o Tribunal de Justiça já esclareceu que uma sociedade dominada (mesmo a 100%) é uma pessoa coletiva tributada de forma autónoma em IVA relativamente à sociedade sua dominante, sendo que pessoas juridicamente independentes só podem considerar-se como um único sujeito passivo mediante constituição de um Grupo de IVA nos termos do artigo 11.° da Diretiva IVA ou então em casos por natureza excecionais de prática fraudulenta ou abusiva objetivamente indiciada.
G) A fazer jurisprudência, a posição do Acórdão de 10.02.2022 ditaria o fim do IVA entre sociedades em relação de domínio ou de grupo, ao arrepio da Diretiva IVA (nomeadamente do regime dos Grupos de IVA previsto no seu artigo 11.°) e da doutrina consolidada no seio do TJUE há largas décadas.
H) Verifica-se assim nulidade por excesso de pronúncia dado que o TCA se ocupou de uma questão que não integrou o objeto do processo e as questões concretas que lhe foram submetidas pelas partes, mormente as suscitadas pela recorrente em sede recursiva e identificadas nas conclusões do seu recurso.
I) E mesmo que assim se não entendesse, no que não se concede, sempre haveria, no mínimo, uma decisão-surpresa, proferida com violação do princípio do contraditório, o que igualmente determina a nulidade da decisão.
J) Acresce que o Acórdão de 10.02.2022 negou provimento ao recurso inferindo que a recorrente se dedica à venda de timeshare, ao mesmo tempo que manteve como suas premissas, nomeadamente, que as rendas pagas pela F…………..LIMITED foram o único rendimento da recorrente (alínea CE) do probatório), não se tendo provado que a recorrente tenho procedido à venda de títulos de habitação periódica (alínea CI) do probatório).
K) A conclusão que o TCA alcançou - de que “não existe no caso qualquer direito à dedução” porquanto o que corresponde à realidade dos autos é que a recorrente se dedica à venda de títulos de direito de habitação periódica - é claramente a oposta à que logicamente se deveria ter extraído das respetivas premissas, ocorrendo pois a nulidade por prevista na alínea c) do n° 1 do artigo 615.° do CPC (ex vi 666.°) e no n° 1 do artigo 125°. do CPPT.
L) Finalmente, o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, na sua redação atual, seria manifestamente desproporcionado, conforme assim expressamente reconheceu a primeira instância nestes autos, devendo pois a decisão ser reformada no que às custas diz respeito, dispensando-se as partes do remanescente da taxa de justiça e aplicando-se o limite máximo de tributação do processo previsto no RCP, na sua redação em vigor à data em que o mesmo deu entrada (22 de Fevereiro de 2008).
M) Em suma, verifica-se no Acórdão de 10.02.2022:
a) Excesso de pronúncia, quanto à questão da tributação dentro e fora de Grupo nunca antes suscitada;
b) Oposição dos fundamentos com a decisão, quanto à imputação da venda de timeshare à recorrente, impeditiva do seu direito à dedução, incompatível com todas as premissas antecedentes.»
Termina, pedindo que «sejam as sobreditas nulidades reconhecidas e declaradas, sendo assim proferida nova decisão, se a tal nada mais obstar, suprida das concretas irregularidades identificadas em conformidade com o exposto, com as inerentes consequências».
*
A contraparte não emitiu pronúncia.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

2.1. Enquadramento

2.2. A arguente invoca contra o Acórdão sob escrutínio os vícios seguintes:
i) Nulidade por excesso de pronúncia, dado que o tribunal conheceu de questão de que não lhe cabia conhecer.
ii) Nulidade por preterição do principio do contraditório, dado que o tribunal proferiu decisão com base em argumentação desconhecida dos autos.
iii) Nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, dado que a decisão do tribunal assentou na premissa de que a impugnante se dedica à venda de time sharing o que contraria a matéria de facto assente.
2.2.1. No que respeita ao fundamento do incidente referido em i), cumpre referir que é nulo o Acórdão que conheça de questão de que não cumpre conhecer (artigo 615.º/1/d) ex vi artigo 666.º/1, do CPC).
Apreciação. A sentença julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios relativos ao exercício de 1994. Não vislumbrou, no caso, qualquer operação tributável em IVA. Como aí se consigna, «[a] cedência gratuita da exploração e utilização turística de aldeamento por parte da promitente-arrendatária dos membros do seu clube, encontra-se excluída do âmbito de incidência real do IVA, nos termos do artigo 1.º do respectivo Código». A liquidação adicional em apreço tem, assim, arrimo no incorrecto enquadramento fiscal declarado pela impugnante, dado que a mesma não é sujeito passivo de IVA e não pratica operações tributáveis, pelo que não lhe assiste o direito à dedução do imposto, eventualmente, suportado».
A recorrente colocou sob censura o veredicto que fez vencimento na instância. Invocando que recebeu rendas relativas a um contrato de arrendamento, correspondente ao aldeamento turístico F ………………….., pelo que exerceu uma actividade tributável, geradora do direito à dedução do imposto suportado com a construção do mesmo.
A decisão vertida no aresto em crise assentou na refutação da argumentação da recorrente, retomando a fundamentação do acto tributário, o qual, segundo o entendimento que fez vencimento, não enferma de qualquer erro nos pressupostos de facto ou de direito.
Como se refere no aresto sob escrutínio,
«Está em causa a liquidação adicional de IVA de 1994, cuja fundamentação é que consta das alíneas AI) a BA), do probatório. A questão que se suscita nos autos reside em saber se a impugnante, pelo facto de ser proprietária de um aldeamento turístico no Algarve, tendo alegadamente, suportado IVA, na sua construção, e tendo, alegadamente, dado o mesmo de arrendamento a outra empresa, com vista à sua exploração, através da venda de direitos obrigacionais de habitação periódica, é sujeito passivo de IVA e como tal, na medida em que pratica operações sujeitas a tributação, tem direito à dedução do IVA suportado na referida construção. // A fundamentação do acto sob escrutínio é a que consta das alíneas AI) a AS), do probatório. // As empresas envolvidas, seja na construção do aldeamento turístico, seja na sua exploração económica pertencem ao mesmo grupo económico, havendo entre elas relações especiais, reportando à empresa-mãe (alíneas A) a K), do probatório). No âmbito das relações intra-grupo, convencionaram realizar a exploração de aldeamentos turístico no Algarve, mediante a venda de direitos de habitação periódica (alíneas R) a AA), do probatório). // Trata-se, pois, de entidades integrantes do mesmo grupo económico, cujo núcleo de actividade é a venda de direitos de habitação periódica em apartamentos situados em aldeamentos turísticos no Algarve, como resulta dos elementos seguintes:

i) A F …………… Limited faz parte de uma operação habitação periódica e é detida por um trustee constituído pela F ………………Limited (FNTC) que é subsidiária de uma companhia chamada I……….. Goup Plc que está registado em Dublin e em Londres (alínea A).

ii) A FNTC é a unidade de negócios de timesharing que detém a F…………………… Limited em benefício e a favor dos membros do Club, assegurando que a propriedade não pode ser vendida ou confiscada pelo operador comercial sem o consentimento da FNTC (alínea B).

iii) Em 1988, o grupo Mc …………….., que é uma companhia irlandesa, decidiu implementar uma operação de timeshare em Portugal (alínea C).

iv) Foi estabelecido um clube standard, com regulamentos, com fideicomisso que era proprietário em nome dos sócios do Club (alínea D).

v) A Impugnante constituiu-se em 13/09/88 e é uma sucursal portuguesa de uma firma estrangeira denominada “F ……………. Limited” sediada em 36 ………………….. - ilha de Man, localizada em V...... – Q........... (alínea E).

vi) Alterou a sua sede para M…………….Street, ……….. SLM 12, Malta (alínea F).

vii) Tem por objeto “a exploração do complexo turístico privado instalado no aldeamento turístico de primeira categoria, sito na Urbanização de V......, freguesia de Q...........” (alínea G).

viii) A empresa mãe, “F..…………………. Limited”, faz parte de um grupo de empresas não residentes que negociaram, através de contratos celebrados entre elas, a exploração do aldeamento de V...... (alínea H).

ix) Simultaneamente a F ……………. Limited subscreveu com a F……………………….Limited um acordo em que esta empresa teria o direito de subscrever o capital daquela (alínea I).

x) A F …………………… Limited, com sede em Lisboa, constituiu representação permanente da representada com o mesmo nome e sede em 36 ………………. - …………, Inglaterra, Grã-Bretanha (alínea J).

xi) A sociedade a que se refere a alínea anterior, tem por objeto “a exploração dos serviços de apoio integrados no complexo turístico privado, instalado no aldeamento turístico de primeira categoria situado na Urbanização de V…………., freguesia de ……………, propriedade da F our …………………….. Limited” (alínea K).

xii) Em 07/03/1989, entre “F ………………… Limited, na qualidade de Primeira outorgante, e ……………. Limited, na qualidade de Segunda outorgant, foi celebrado o “contrato-promessa de arrendamento” (alínea K).

xiii) Em 08/06/1989, entre F …………… Limited (o Clube), com sede em 36 …………….., Ilha de Man, F ……………… Limited (Estates), com sede em ……………, Ilha de Man e Mc ……………… (V......), com sede em 36 ………………, Ilha de Man, foi celebrado o “acordo entre sociedades do Grupo n.º A3, Contrato de nomeação” (alínea V).

xiv) Nos termos do considerando (B) do Acordo n.º A 3: // Em consideração dos compromissos de V...... (…) o Clube permite que a V...... venha a nomear candidatos para associação ao clube e o Clube deseja capitalizar a Estates …” (alínea W).

xv) Resulta da clausula 3. Subscrição do capital‖: // «3.1 Estates concede ao Clube o direito de subscrever até 1,998 ações de 1 Libra esterlina cada no capital da Estates periodicamente e com pagamento do prémio conforme determinado pelo Clube. // 3.2 O Clube compromete-se perante Estates a exercer o direito que lhe foi concedido acima e a subscrever ações em Estates de tempos a tempos, com tal prémio e tais períodos que sejam necessários a fim de permitir Estates exonerar suas obrigações perante Mc…………….. em conformidade com o Acordo de Compra e Urbanização do Terreno. // 3.3A opção acima poderá ser exercida pelo Clube de tempos a tempos servindo aviso a Estates e produzindo evidência do pagamento a Estates. // 3.4. O Clube tem a opção de efetuar pagamentos antecipados de tempos a tempos, os quais não serão em quaisquer circunstâncias reembolsáveis por Estates e não serão aplicados juros. // 3.5. As ações a serem emitidas de acordo com a opção concedida pelo presente serão emitidas em 31 de dezembro de cada ano em que a opção relevante terá sido exercida. // 3.6. Se as ações em Estates agora propriedade do Clube, forem detidas por um fideicomissário quaisquer ações em Estates emitidas em conformidade com esta opção serão emitidas em conformidade com instruções de tal fideicomissário.» (alínea X).

xvi) Em 08/06/1089, foi outorgada a escritura pública de Fideicomisso entre: // MC……………….V...... LIMITED, uma sociedade constituída na Ilha de Man, com sede em 36 ………………….., Ilha de Man (Número 38020) (doravante designada por Mc ……………); e // BT …………………… LIMITED, com sede …………………, St. Helier, Jersey, e C …………………… LIMITED, com sede em 36 ………………., Ilha de Man (doravante designados em conjunto por “os Primeiros Fideicomissários”) e // F ………………… LIMITED, sociedade constituida na Ilha de Man e limitada por garantia e com um capital em ações, com sede em 36 ………………….., Ilha de Man (doravante aqui em diante designada por “o Clube”) (alínea Y).

xvii) Na referida escritura de fideicomisso foi considerado que: «(A) F ............................ Limited (a Sociedade) é uma sociedade constituída na ilha de Man com o número de registo 36834 e um capital em ações autorizado de £2,000 divididas em 2,000 Ações Ordinárias de £1 cada uma, de que estão emitidas duas ações. // (B) As ações emitidas são conservadas por ou em nome do Clube. // (C) Mc……………….é o titular registado de 100 Ações Preferenciais Reembolsáveis de £1 cada no capital do Clube. // (D) Mc…………..e o Clube desejam promover a transferência das Ações (tais como aqui definidas) para os Primeiros Fideicomissários para que as conserve segundo os fideicomissos e os termos de aqui em diante mencionados.» (alínea Z).

xviii) Nos termos da cláusula 2.1: // «Mc………….. e o Clube em comum e separadamente convencionam com os Fideicomissários e com cada um deles imediatamente após a formalização do presente documento, transferir ou promover a transferência das Ações para os Fideicomissários ou para seus nomeado(s), livres de quaisquer encargos e responsabilidades e com todos os direitos adstritos às mesmas na data de tal transferência.» (alínea AA).
xix) Neste quadro, a recorrente pretende conferir valor a um alegado contrato de arrendamento relativo ao aldeamento turístico, de que é proprietária, celebrado com a empresa “F …………………….. Limited” e no âmbito do qual invoca ter recebido rendas.
xx) Sucede, porém, que dos elementos coligidos nos autos (1), verifica-se o seguinte:
xxi) A recorrente não exerce qualquer actividade económica.
xxii) A cessionária, a cedente, ora impugnante, tal como a empresa que construiu o aldeamento em causa integram o mesmo grupo de empresas ou actuam através de contrato no quadro de acordos de participações sociais cruzadas.
xxiii) O presente modelo de negócio foi seguido por estas empresas em relação a outros aldeamentos turísticos no Algarve.
xxiv) Tal modelo de negócio assenta na venda de direitos obrigacionais de habitação periódica.
xxv) A actividade de venda de direitos de habitação periódica constitui uma actividade isenta de IVA (Artigo 9.º/27/e) (2) Artigo 9.º 28) (3)
xxvi) A asserção de que a impugnante não se dedica à venda de títulos de direito de habitação periódica não corresponde à realidade dos autos».

Salvo o devido respeito por opinião contrária, a questão suscitada no recurso interposto pela ora arguente foi objecto de pronúncia no Acórdão em apreço. A mesma consiste em saber se no quadro do modelo de negócio adoptado pela impugnante, no que respeita à exploração do aldeamento turístico em causa, a mesma tem (ou não), direito à dedução do imposto suportado com a construção do mesmo. O acórdão analisou os argumentos de ambas as partes e concluiu serem acertados os fundamentos em que assenta o acto tributário impugnado, a saber: que a impugnante, para além da participação no modelo de negócio do grupo de empresas que integra, de venda de direito reais de habitação periódica relativos a aldeamentos turísticos sitos no Algarve, não exerce qualquer actividade económica e que o alegado contrato de arrendamento não tem qualquer substância jurídica ou económica. Ou seja, o tribunal, após análise do teor do acto tributário, considerou que o mesmo não enferma de qualquer erro ou vício, devendo ser confirmado na ordem jurídica, bem assim como a sentença que, julgando improcedentes os alegados vícios do mesmo, o manteve. Não foi apreciada pelo tribunal questão nova ou questão diferente da que foi suscitada pela recorrente, seja na petição inicial de impugnação, seja na motivação do recurso interposto contra a sentença.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.

2.2.3. No que respeita à alegação de preterição do princípio do contraditório, a arguente invoca que o tribunal conheceu de questão nunca dirimida nos autos, pelo que, nessa medida, incorreu em violação da proibição de decisão surpresa.
Apreciação. «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem» (artigo 3.º, n.º 3, do CPC).
A arguente configura uma nulidade processual, assente na preterição do princípio do contraditório, dado que os fundamentos inscritos no Acórdão não haviam sido debatidos nos articulados anteriores à decisão.
«Resulta do princípio do contraditório que o juiz não deve decidir qualquer questão, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ela se pronunciarem, para que se possa assegurar a sua participação efetiva no desenvolvimento do litígio».(4)
O princípio do contraditório exige a garantia de que seja assegurada às partes a faculdade de discussão das questões de facto e de direito relevantes para a decisão do litígio, em momento anterior à prolacção da decisão (5). Vejamos se o aresto em exame sofre da preterição de tal garantia.
O Acórdão sob censura considerou que o acto tributário impugnado não enferma de erro ou vício, pelo que deve ser mantido na ordem jurídica. O que quer dizer que não assiste à recorrente o invocado direito à dedução do imposto alegadamente suportado. Como se decidiu na sentença recorrida. O Acórdão reclamado acrescentou à fundamentação constante desta última, relativa à falta de realidade jurídica e económica do alegado contrato de arrendamento, a asserção de que, fora do modelo de negócio de exploração do direito real de habitação periódica nos aldeamentos turísticos em causa, adoptado pelas empresas envolvidas e com relações especiais entre si, a impugnante não exerce qualquer actividade económica.
Recorde-se o teor do acto tributário, constante da alínea AI) do probatório e reproduzido no texto do Acórdão reclamado.
«2 - Caracterização da empresa
2 1- Constituição, sede social
A empresa constituiu-se em 13/09/88. É uma sucursal portuguesa de uma firma estrangeira denominada "F ……………. Limited" sediada em ………….. - Ilha de Man, localizada em V...... - Q............
2.2- Relações comerciais com as empresas do grupo
A empresa mãe, "F …………………. Limited” (Estates), faz parte de um grupo de empresas não residentes que negociaram, através de contratos celebrados entre elas, a exploração do aldeamento de V.......
Assim a (Estates) celebrou com a "Mc ………………….., Limited" um acordo para a construção e promoção do empreendimento turístico (ver documento nº l-A).
Simultaneamente a (Estates) subscreveu com a "F ……………………… Ltd" um acordo em que esta empresa teria o direito de subscrever o capital da Estates (ver documento nºl- B em anexo).
Para cumprimento dos referidos acordos intervieram em Portugal o contribuinte objecto de fiscalização mencionado no ponto 2.1, a empresa " Mc ………….., Limited", bem como a "F …………………, Limited" (sucursal da F …………… Ltd). Foi ainda celebrado em Portugal um contrato promessa de arrendamento entre o contribuinte "F ……………….., Ltd", proprietária dos imóveis, e a "F ……………………….. Limited" (doc nº4 em anexo).
2.3- Actividade efectivamente exercida
2.3.1- Construção do empreendimento
A contribuinte é proprietária de um aldeamento turístico de 1a qualidade construído em V....... A construção do empreendimento iniciou-se no final de 1988 e ainda não se encontra terminada ( o projecto prevê a construção de 114 apartamentos, dos quais 97 já se encontram concluídos no final de 1995) Podemos afirmar, de acordo com as licenças de utilização emitidas pela autarquia, que em 1990 foi concluída uma célula central (célula 2) composta por parte administrativa, restauração e equipamentos de apoio e nove apartamentos, bem como as células 1 e 3 respectivamente com 18 e 9 apartamentos. No ano de 1992 foram terminados 9 apartamentos na célula 5 e 12 na célula 2 e em 1994 foi concluída a célula 4 . Encontrando-se neste momento por concluir os restantes 17 apartamentos constantes do projecto.
2.3.2- Inicio e forma de ocupação do empreendimento
Constatámos pela análise da contabilidade da empresa "F ………......”, Ltd que a ocupação do empreendimento e das estruturas de apoio se iniciou em 1989. A ocupação é legitimada pela posse de títulos de direito obrigacional de habitação periódica relacionados na listagem dos utilizadores do aldeamento (no doc. nº 5 em anexo junta-se copia de uma das folhas da referida listagem), cuja consulta nos permite concluir que as vendas dos títulos iniciam-se em 1988. Registou-se, em média, o diferimento de um ano entre a data da aquisição e a data de ocupação, mas observa-se sempre uma relação directa entre o número de-apartamentos concluídos e os títulos vendidos ao longo do tempo. // Concluímos pela consulta da relação informática dos utilizadores do empreendimento (documento nº 5) que em 3/12/93 o total de títulos vendidos era de 2381, respeitantes a 2447 membros. Através da consulta das estatísticas, elaboradas pela empresa relativamente à ocupação do empreendimento no ano 1995, elaborámos o mapa em anexo (documento nº7), o qual nos permite tirar as seguintes conclusões: // A forma de utilização e comercialização é idêntica à usada em outros empreendimentos que são vendidos em “time share”, nomeadamente através do acesso ao sistema de trocas " RCI EXCHANGE", possibilidade do apartamento ser utilizado pelo adquirente do título, por familiar ou através do aluguer a outrém desde que salvaguardados as regras da sua utilização
Observa-se uma relação directa entre a ocupação do apartamento e o adquirente do título de “time share " e são reduzidos os casos de utilização de apartamentos pela empresa para fazer a sua promoção.
Dos 97 apartamentos concluídos a sua ocupação média foi de 78% em 1995. Sabendo-se que é normal a venda de 50 semanas por apartamento este nível de ocupação pode ser indício de que neste momento já tenham sido vendidas 3783 semanas (97 apartamentos* 50 semanas *0.78).
Concluímos também que os adquirentes dos títulos estão, na sua maioria domiciliados na Comunidade Europeia (95% dos ocupantes) e destes, 63% são britânicos.
2.3.3- Natureza do título que confere ao ocupante o direito à utilização do empreendimento
Relativamente à ocupação do aldeamento não nos foram exibidos os títulos que permitem aos seus adquirentes a utilização do empreendimento e infra estruturas de apoio, declarando o representante da contribuinte (doc. nº3 em anexo) que os títulos, que conferem a qualidade de membro do Clube e o consequente direito à semana de férias, são comercializados pela empresa "F ……………......, Limited", com sede na Ilha de Man, razão pela qual não pode fornecer esses elementos. Porém, através da listagem informática dos adquirentes dos títulos, antes referida ( doc. nº5 em anexo ), é possível observar a data, o número do contrato, o nome e a morada do comprador, a semana de ocupação adquirida e a designação do apartamento, elementos que se presume .fazerem parte de cada um dos contratos celebrados entre os compradores e a empresa vendedora, tal como os que constam dos "application forms” utilizados pela empresa “F ……………… Club (Estates ) Limited” NIPC ………………., na comercialização do aldeamento da " Quinta do Lago". A comercialização dos títulos, pela empresa "F ……………......, Limited", com sede na Ilha de Man, pressupõe que estes lhe foram cedidos nos mesmos termos e com os direitos correspondentes, pela empresa F …………........ (…….) Limited, - sucursal portuguesa- proprietária do empreendimento
Verifica-se assim uma similaridade entre os contratos celebrados com os membros do clube, nos quais se transmite o direito a semanas de férias, e os contratos de time-sharing celebrados por empresas concorrentes na venda de direito obrigacional de habitação periódica.
2.3.4 - Paralelismo entre a actividade efectivamente exercida pelo contribuinte e a desenvolvida pela empresa F ………………. (…………) -Quinta Lago
Tal como no empreendimento da "Quinta do Lago", também no aldeamento de V...... há uma correspondência entre as entradas de capital, por parte dos membros do clube, e a cedência do direito a ocupação periódica do empreendimento.
A promoção em ambos os aldeamentos é assegurada pela empresa "Mc ……………….Ltd", a qual utiliza o mesmo modelo de comercialização e a venda dos títulos visa atingir os mesmos objectivos do empreendimento.
2.4- Enquadramento em IVA
A empresa inscreveu-se em IVA em 6/10/88, declarando o exercício da actividade de exploração de um complexo turístico privado instalado num aldeamento de 1ª categoria em V......, operações sujeitas a IVA com direito à dedução, enquadradas no regime normal de periodicidade mensal.
A actividade efectivamente exercida pelo contribuinte, descrita no ponto 2.3, contraria o enquadramento declarado pela contribuinte.
3- Regularidade da escrita
A escrita encontra-se organizada e não se verificou a existência de atrasos de escrituração.
4- Análise Contabilístico-Fiscal 4.1- IVA deduzido
4.1.1 - Conformidade dos valores constantes das declarações do IVA com os registos contabilísticos
O IVA suportado nas facturas emitidas entre 1989 e 1993, pela empresa construtora do empreendimento, não foi deduzido nas declarações periódicas às datas da recepção dos documentos e do seu registo contabilístico, mas foi registado na conta 44 - Imobilizado em Curso. Nas declarações periódicas dos meses de Janeiro e de Abril de 1994, exerceu o direito à dedução daquele IVA suportado, depois de efectuar as regularizações contabilísticas da 44 para a conta 24.32.22- IVA Deduzido em Imobilizado e a sua transferencia para a conta IVA Apuramento, nos montantes de 38.340.909$00 e 511.419.121$00 (doc nº 6 em anexo), havendo nestes períodos uma conformidade entre os registos contabiiisticos e o constante no campo 24 das declarações periódicas.
Todavia, não encontrámos qualquer razão que permita compreender os motivos pelos quais a empresa declarou exercer uma actividade sujeita a IVA com direito à dedução e só venha a exercer esse direito em 1994.
Relativamente ao IVA suportado no exercício de 1994, a que se refere o pedido de reembolso constante da declaração de Dezembro de 1994 no montante de 26 096 320$00, o mesmo está em conformidade com os registos contabilísticos do exercício.
4.2. Justificação do Reembolso de IVA
Esta situação resulta do enquadramento em IVA que permitiu ao contribuinte deduzir a totalidade do imposto suportado na construção do empreendimento. Contudo, pela análise dos documentos contabilísticos e das declarações periódicas de IVA não se observam registos de operações tributáveis.
4.3. Operações tributáveis em Iva
Após análise das contabilidades quer do contribuinte quer da empresa "F ……………. V......", notificámos ambas as empresas para que definissem as relações especiais entre si existentes, para que se compreenda a actividade desenvolvida pelo contribuinte. Em resposta à -notificação- (documento nº2 em anexo) o contribuinte afirmou que as operações tributáveis que justificam o direito à dedução e o pedido de reembolso é um contrato promessa de arrendamento que ainda não se concretizou pelo facto de existir uma cláusiila-do contrato que condiciona o seu início à conclusão total do empreendimento (pagina 2 do documento nº4 em anexo).
Quanto à forma como tem vindo a ser utilizado o empreendimento desde 1989, como antes se referiu no ponto 2.3.2, esclareceu a empresa "F…………………......" que os ocupantes são membros de um clube, uma entidade com sede na Ilha de Man e que, relativamente a estas prestações de serviços realizados em Portugal, apenas se limita a agir como mandatária recebendo por essa operação uma contraprestação (doc. nº3 em anexo).
4.4. Falta de clareza e relevância da figura do contrato promessa de arrendamento nos registos contabilístico-fiscais da arrendatária e do locatário
Apesar de ainda não se ter verificado a contrapartida financeira do referido contrato os contraentes, em obediência ao princípio económico, deveriam ter registado os proveitos e os custos relativos à referida operação a partir de 1989, data em que se verificou a utilização e ocupação dos imóveis.
O referido contrato não dispõe sobre a sua incidência em IVA, desconhecendo-se pela sua leitura se estamos na presença de um contrato de arrendamento (isenção do artigo 9o sem direito á dedução) ou se circunscreve a uma cedência de exploração (operação tributável em IVA, embora sobre valor indeterminado).
5. Leitura do contrato promessa de arrendamento
Ao referir-se textualmente no contrato que “a segunda outorgante tem por objecto social a exploração turística dos serviços de apoio integrados no supra citado empreendimento” somos levados a concluir que o objecto do referido arrendamento apenas se limita ao direito de utilização das infra-estruturas de apoio, nomeadamente o edifício do clube, a piscina, o restaurante, o bar, as lojas, etc. Pela análise da contabilidade da 2º outorgante –F ……………........, Limited, concluímos que a sua actividade é a exploração destas infra-estruturas, as quais admitimos que lhe tenham sido cedidas em regime de comodato por não serem de sua propriedade, conforme resulta da leitura do contrato e se pode entender a não imputação de custos na contabilidade da 2a outorgante.
6. Conclusão sobre o pedido de reembolso
Concluímos pela análise da contabilidade do contribuinte e da empresa “Four Seasons V...... Limited” e da leitura do contrato promessa de arrendamento que:
Não se observaram registos de operações tributáveis em IVA. Questionado o contribuinte sobre a forma de exploração do empreendimento, não esclareceu qual a sua intervenção na venda dos títulos de direito obrigacional de habitação periódica, nem justificou a interligação entre a sua qualidade de proprietário do empreendimento e a venda directa ou indirectamente dos referidos títulos.
A actividade exercida pelo contribuinte não difere da actividade realizada pelas restantes empresas do grupo “F ……….”, que são proprietárias dos empreendimentos “F …………… (Estates ) Limited, NIPC- …………… e F --------------------Club da “Quinta do Lago, como se refere no ponto 2.3.4 do relatório. O enquadramento desta actividade já foi estudado pelos Serviços de Administração do IVA e consta do oficio nº 157127 de 13/11/90 destes serviços, entendimento que surgiu na sequência da informação nº2133 de 9/11/90 de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais(Doc. nº 8 em anexo).
A transmissão de títulos de direito obrigacional de habitação periódica enquadra-se em IVA no nº 28 do artº 9o do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
As referidas operações são isentas e o direito à dedução pode ser concedido desde que o seu destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da CE, conforme dispõe a sub-alínea V do artº 20 do CIVA.
Conforme se referiu no ponto 2.4 a contribuinte não declarou na sua declaração de registo em IVA a realização da venda de direito obrigacional de habitação periódica. Não procedeu também ao registo contabilístico destas operações, nem nos foram exibidos os documentos applications forms relativamente às transmissões de títulos de direito obrigacional de habitação periódica efectuadas.
A não exibição de documentos relativos às transmissões efectuadas, emitidos em forma legal, conforme dispõe o artº 35 do Cl VA, não nos permite comprovar a legitimidade do exercício do direito à dedução do imposto suportado, no entanto, conforme se refere no último parágrafo do ponto 2.3, a análise das estatísticas dos ocupantes - adquirentes dos títulos - revela que a sua maioria ( 95% ) se encontra domiciliada na Comunidade Europeia(CE), donde se conclui que a generalidade das transmissões dos títulos foram efectuadas para países da CE, não assistindo, por isso, ao contribuinte o direito à dedução do imposto suportado.
A leitura do contrato promessa de arrendamento não permite concluir que a empresa tenha exercido outra actividade para além da cedência, em regime de comodato, á empresa F……………......, Limited, das infra-estruturas de apoio ao empreendimento, operação não enquadrável no âmbito da incidência de IVA, conforme se estabelece no artº 1º do CIVA.
A não declaração de operações tributáveis em IVA e a não exibição dos documentos relativamente às transmissões de direito obrigacional de habitação periódica não nos permite concluir sobre a realização de operações tributáveis em IVA, condições necessárias para o exercício do direito à dedução, de harmonia com o disposto no artº 20 do CIVA,
Em face do exposto, somos de opinião que os pedidos de reembolso de IVA apresentados não se harmonizam com as disposições do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, não devendo, por isso, merecer deferimento. Nesta conformidade, propomos que se proceda às correcções do IVA que foi indevidamente deduzido, se merecer parecer favorável o nosso entendimento».
Em face da fundamentação do acto tributário, a recorrente, através da presente impugnação, invoca que é alheia à actividade de venda dos direitos de habitação periódica, por um lado, e que, por outro lado, sendo proprietária do aldeamento turístico, o seu arrendamento a terceiros configuraria actividade económica que lhe permitiria deduzir o IVA suportado na construção do mesmo (v. petição inicial).
A sentença julgou improcedente a impugnação, considerando que o contrato de arrendamento não possui realidade jurídica e económica. Apreciando o recurso interposto pela impugnante, o Acórdão reclamado não encontrou razões para acompanhar o raciocínio da impugnante, seja pela falta de realidade do contrato de arrendamento, seja pelo facto de que em face dos elementos coligidos nos autos e amiudamente debatidos pelas partes, o modelo de negócio da impugnante, como das demais empresas do grupo, reside na venda dos direitos de habitação periódica em relação ao aldeamento turístico em causa.
O Acórdão analisou os fundamentos do recurso, ponderado o teor do acto em crise, bem como os elementos coligidos no probatório e concluiu que não existe actividade económica individual da impugnante, para além de que corresponde ao grupo de empresas de que faz parte e que, sendo assim, não há qualquer direito à dedução do imposto suportado, quando estão em causa operações internas.
O aresto não conheceu de questão nova ou de questão diferente da que integra o objecto do recurso, a qual consiste em saber se, nas circunstâncias concretas em que assenta o modelo de negócio da impugnante foi ou não obliterado, indevidamente, por parte do acto tributário impugnado, o direito à dedução do imposto alegadamente por si suportado. Não se comprova a preterição do princípio do contraditório ou da proibição de decisão surpresa, dado que o acórdão reclamado reiterou o teor do acto tributário, afirmando o acerto dos pressupostos em que o mesmo assenta.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.

2.2.4. No que respeita à alegada contradição entre os fundamentos e a decisão, porquanto, advoga, «o Acórdão de 10.02.2022 negou provimento ao recurso inferindo que a recorrente se dedica à venda de timeshare, ao mesmo tempo que manteve como suas premissas, nomeadamente, que as rendas pagas pela FSV LIMITED foram o único rendimento da recorrente (alínea CE) do probatório), não se tendo provado que a recorrente tenha procedido à venda de títulos de habitação periódica (alínea CI) do probatório)»; «A conclusão que o TCA alcançou - de que “não existe no caso qualquer direito à dedução” porquanto o que corresponde à realidade dos autos é que a recorrente se dedica à venda de títulos de direito de habitação periódica - é claramente a oposta à que logicamente se deveria ter extraído das respetivas premissas, ocorrendo pois a nulidade por prevista na alínea c) do n° 1 do artigo 615.° do CPC (ex vi 666.°) e no n° 1 do artigo 125°. do CPPT».
Apreciação. É nula a decisão quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (artigo 615.º/1/c), do CPC ex vi artigo 666.º/1, do CPC). Na tese da recorrente, o tribunal entrou em contradição, ao dar como provado que a recorrente não exerce a actividade de venda dos direitos reais de habitação periódica, por um lado, e, ao afirmar, por outro lado, que essa é, afinal, a actividade económica da impugnante. Não se apura a alegada contradição. O Acórdão considerou que a recorrente não se dedica, directamente, à referida actividade económica de venda de direitos reais de habitação periódica. O que se refere no Acórdão é que, não havendo registos contabilísticos de qualquer actividade económica, por parte da impugnante, a mesma não deixa de participar no exercício da actividade económica das empresas do grupo, ou seja, na venda dos aludidos direitos reais de habitação periódica. Considerou-se que tal resulta dos elementos coligidos no probatório e recenseados no ponto 2.1.3. da fundamentação do aresto sob escrutínio. Elementos que, cotejados com a falta de registos contabilísticos na impugnante, com a falta de uma estrutura autónoma em relação às demais empresas do grupo, com a existência de um modelo de negócio replicado pelas empresas em causa noutros aldeamentos turísticos do Algarve, como consta do ponto 2.1.3. da fundamentação referida, levaram o tribunal a afirmar a falta de materialidade fáctica e jurídica da invocada relação locatícia que seria justificativa do invocado direito à dedução. Confirmando-se, assim, o acto tributário impugnado.
Pelo que a alegada contradição entre os fundamentos e a decisão não se comprova nos autos. O que determina o decaimento da presente imputação.

2.2.5. No que respeita ao pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, é de lembrar que, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento» (6). «A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes» (7). Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for». No caso em exame, o valor da causa corresponde a €2.872.359,36.
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que o direito fundamental de acesso aos tribunais (art.º 20.º, n.º 1, da CRP) implica que os custos da prestação do serviço da justiça sejam comportáveis atenta a capacidade contributiva do cidadão médio. «Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor) patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14]. A aferição da complexidade da causa deve ter em conta o disposto no artigo 530.º/7, do CPC. Assim, consideram-se de especial complexidade, as acções que: «a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou // c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas». Mais se refere que «[n]ão se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se o montante da taxa de justiça devida não se afigura desproporcionado em face do concreto serviço prestado, por a questão decidenda no recurso não se afigurar de complexidade inferior à comum e a conduta processual das partes se limitar ao que lhes é exigível e legalmente devido» (8). «Ocorrendo complexidade das questões e dos temas objeto de discussão no litígio, complexidade essa que constitui apenas um dos critérios relevantes, nos termos do art. 530.º, n.º 7, do CPC, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, justifica-se, então, que possa haver uma dispensa parcial de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida» (9).
A dispensa do remanescente está sujeita ao princípio do acesso à justiça e ao princípio da proporcionalidade, de forma que a taxa de justiça não deve assumir um montante tal que constitua restrição ou compressão inadmissível do direito do acesso ao direito (artigo 20.º/1, da CRP).
No caso em exame, cabe referir que a especialidade da causa não é superior à comum e o comportamento processual das partes não é passível de qualquer censura. As questões jurídicas suscitadas nos autos implicaram algum labor jurídico e alguma reflexão, pelo que o deferimento da dispensa integral do remanescente da taxa de justiça se oferece desproporcionado, sendo, nestes casos, necessário, uma decisão de acolhimento parcial da pretensão de dispensa do pagamento do remanescente. Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça na conta final, em relação a ambas as partes, em 70% do devido, subsistindo o dever de pagamento dos restantes 30% do valor remanescente da taxa de justiça.
Pelo exposto, impõe-se deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP, em 70% do devido, subsistindo o dever de pagamento dos restantes 30% do valor remanescente da taxa de justiça. Termos em que se procederá no dispositivo.


Dispositivo

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:
i) julgar improcedente, por infundado, o presente incidente de nulidade de Acórdão.
ii) deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, em relação a ambas as partes, em 70% do devido, subsistindo o dever de pagamento dos restantes 30% do valor remanescente da taxa de justiça.
Custas pela recorrente, que se fixam em 2Ucs.
Registe.
Notifique.
Lisboa, 30/06/2022
(Jorge Cortês - Relator)


(1.ª Adjunta - Hélia Gameiro Silva)


(2.ª Adjunta – Ana Cristina Carvalho)


(1) Alíneas AI) a AS).
(2) «Estão isentas do imposto: As operações e serviços, incluindo a negociação, mas com exclusão da simples guarda e administração ou gestão, relativos a acções, outras participações em sociedades ou associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos títulos representativos de operações sobre bens imóveis quando efectuadas por um prazo inferior a 20 anos»
(3) «A locação de bens imóveis».
(4) Acórdão do STA, de 04.02.2016, P. 0205/15
(5) José Lebre de Freitas, Introdução do Processo Civil. Conceito e Princípios gerais, Coimbra Editora, 2009, pp. 108/118.
(6) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.
(7) Salvador da Costa, Regulamento das Custas…, cit., p. 236.
(8) Acórdão do STA, de 19.11.2014, P. 0779/12.
(9) Acórdão do STA, de 19/11/2020, P. 02398/09.6BEPRT 0488/18