Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 826/05.9BESNT |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 10/10/2024 |
| Relator: | TERESA COSTA ALEMÃO |
| Descritores: | PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA ALARGAMENTO DO ÂMBITO E EXTENSÃO AUSÊNCIA DE DESPACHO NOTIFICAÇÃO |
| Sumário: | I - A consagração expressa da obrigação de notificação, ao contribuinte, da alteração do âmbito e extensão da inspecção tributária, introduzida pela Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto traduz aquele que era já o entendimento do legislador que se extraía da lógica e da coerência sistemática do RCPIT, da LGT e da CRP. II – Não se tratando de um caso de dispensa de notificação prévia do procedimento de inspecção, a ausência de despacho a alterar a sua extensão e âmbito traduz-se em omissão de uma formalidade essencial do procedimento inspectivo, invalidante dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior que neles se suporta. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tibutária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO A Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença proferida em 9 de Abril de 2021 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por A.........., S.A., contra o acto de liquidação de Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações no montante de € 100.667,10. A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes: « I. O presente Recurso vem reagir contra a Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação, anulando a liquidação de SISA, referente à transmissão de dois imóveis que passaram a integrar o capital social da sociedade aquando da sua constituição, em 30-07-1999, tendo a referida transmissão beneficiado de isenção ao abrigo do DL 404/90 de 21-12. II. Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, total e acertada aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice e, bem assim, uma correta apreciação da matéria de facto relevante. III. É de referir que o DMMP emitiu douto parecer no sentido da improcedência da impugnação. IV. A douta sentença recorrida julgou a impugnação procedente por considerar que a correção foi efetuada no âmbito das ordens de serviço abertas para os exercícios de 2001 a 2003 não o tendo sido com base na ordem de serviço para o exercício de 1999. V. Verifica a Fazenda que a douta sentença recorrida dá como assente que teria de existir um despacho fundamentado e que este não existiu. VI. Porém, com o devido respeito, não é correto que a AT não tenha dado conhecimento ao sujeito passivo inspecionado da sua intenção de proceder a correções em sede de SISA, decorrentes da análise efetuada em sede de IRC. VII. Com efeito, as correções em SISA efetuadas na ação de inspeção não constituíram surpresa para o sujeito passivo em face dos factos detetados e descritos no projeto de relatório de inspeção e dos elementos anteriormente solicitados no âmbito da verificação dos proveitos da sociedade e da contabilização de adiantamentos. VIII. Acresce ainda que, se não anteriormente, pelo menos com a notificação do projeto de relatório, sancionado por despacho fundamentado e notificado ao sujeito passivo, este não podia ignorar a necessidade de averiguar a SISA decorrente da constituição da sociedade, porquanto, no procedimento de inspeção haviam sido analisados os seus parcos proveitos em IRC e os seus escassos movimentos de IVA, tendo daí resultado a evidência de o sujeito passivo não estar a desenvolver qualquer atividade, nomeadamente o referido projeto de desenvolvimento imobiliário que havia justificado a isenção de SISA. IX. Resulta claramente do projeto de relatório, bem como do requerimento pelo qual o sujeito passivo exerceu o direito de audição (páginas 19 a 22 do DOC nº 005297464 do SITAF), que os serviços de inspeção haviam detetado a necessidade de analisar e corrigir a SISA referente à aquisição de dois imóveis, denominados “C..........” e “A....................”, que haviam beneficiado de isenção de SISA decorrente do DL 404/90, com fundamento em a sociedade ora impugnante constituir um projeto de desenvolvimento imobiliário. X. Acresce ainda referir que a análise e demonstração da inexistência de atividade da sociedade impugnante de projeto de desenvolvimento imobiliário, pressupõe necessariamente que a verificação seja efetuada em anos posteriores, pois, em 1999, ano da celebração da escritura, os resultados não seriam naturalmente ainda exigíveis. Os factos teriam pois de ser analisados ao longo dos períodos subsequentes, como foram, sem que daí decorra qualquer vício, porquanto, a necessidade de efetuar a correção de SISA decorre da análise dos proveitos e custos e das despesas realizadas em 1999 e nos períodos seguintes. XI. Sem conceder, é de referir que a jurisprudência entende que o extravasar do âmbito da ação de inspeção não configura necessariamente um vício determinante da anulação dos atos subsequentes. Neste sentido, veja-se nomeadamente o acórdão do TCA Sul, de 26-10-2010, processo nº 04170/10, disponível em www.dgsi.pt. XII. Importa salientar que a necessidade de efetuar a correção de SISA decorre da análise efetuada em IRC, como resulta de forma clara do relatório de inspeção, nomeadamente do seu ponto 2.3, que o probatório da sentença não transcreve no ponto 14 do probatório. Pela sua relevância deverá o mesmo ser aditado ao probatório, porquanto do mesmo resulta a quase inexistência de proveitos (com exceção de juros de depósito bancário) e a existência de movimentos contabilísticos a necessitar de esclarecimentos, que não foram apresentados. XIII. Acresce ainda referir que o requerimento através do qual o sujeito passivo exerceu o direito de audição no procedimento de inspeção monstra claramente que o procedimento de inspeção tinha já no seu âmbito a SISA, decorrente, como já referido, da inexistência de quaisquer proveitos e qualquer atividade sujeita a IRC ou a IVA. Como é referido no relatório, na parte supra transcrita, o IVA decorre de algumas faturas do ROC. XIV. A douta sentença recorrida sugere que, sem prejuízo do vício do procedimento de inspeção, que já vimos não existir, teria igualmente ocorrido caducidade do direito à liquidação. Importa, no entanto, recordar que o prazo de caducidade da SISA era de 10 anos à data da transmissão, tendo passado a ser de 8 anos a partir da entrada em vigor da entrada em vigor da alteração ao artigo 92º do CIMSISSD que resultou do DL 472/99, de 08/11. Acresce ainda que não é aqui aplicável o artigo 111º, § 3, do CIMSISSD por não ter existido liquidação anterior. XV. Assim, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de facto e de interpretação de lei e viola o disposto no artigo 15º do RCPITA, do artigo 63º da LGT, bem como o disposto nos artigos 8º, 92º e 111º do CIMSISSD. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente. Porém, V. Exªas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.» **** A Recorrida, A.........., S.A., notificada para o efeito, não contra-alegou. **** Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da procedência do recurso e que a sentença deverá ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação.**** Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são as de saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento, de facto e de direito, quando: a) Não fixou um facto que seria relevante para a decisão; b) Entendeu haver preterição de formalidade legal por falta do despacho a determinar o alargamento do âmbito e extensão do procedimento de inspecção ao ano de 1999 e ao IMSSD; c) Entendeu ser relevante tal preterição para efeitos de inquinar a validade do acto de liquidação de IMSSD impugnado. **** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta. **** II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. De facto O Tribunal recorrido considerou documentalmente provados os seguintes factos: «1. Em 15/06/1998 a “C.........., S.A. requereu ao Ministro das Finanças isenção de Sisa, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 404/90, de 21 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 143/94, de 24 de Maio, para, designadamente, escritura de constituição, por parte da P.........., Lda., de quatro sociedades imobiliárias anónimas, cujo capital será realizado através de uma entrada em espécie resultante do destaque de elementos do seu património imobiliário, e que constituem, cada um deles, uma unidade económica autónoma, susceptível de constituir um projecto de desenvolvimento imobiliário (cfr. doc. de fls. 407 a 417 dos autos); 2. Por despacho de 28/10/1998 do Ministro das Finanças foi deferido o pedido de isenção de Sisa melhor identificado no ponto anterior (facto que se retira do doc. de fls. 374 dos autos); 3. Em 28/06/1999 foi elaborado um Relatório de Avaliação, para efeitos do disposto no art. 28º do CSC, do qual consta que o prédio urbano denominado “C..........” à estrada de Queluz, composto de terreno para construção de espaços verdes e de lazer, com a área de 24.489m2, sito na freguesia da Buraca, concelho da Amadora, descrito na segunda Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o número 1….., da dita freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2……, e o prédio urbano demoninado “A....................” – C.......... B, composto de lote de terreno destinado a construção de zona verde e de zona de equipamento, com a área de 87.672m2, sito na freguesia da Buraca, concelho da Amadora, descrito na segunda Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o número 1….., da dita freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2……, que constituirão entra de capital na sociedade a constituir sob a firma “A.................... – Empreendimentos Imobiliários, S.A.” possuem o valor de € 8.479.564,25 (cfr. doc. de fls. 337 a 350 dos autos); 4. Em 30/07/1999 foi celebrado um contrato de constituição da sociedade anónima, sob a firma “A...................., S.A.” sendo sua única accionista a sociedade “P.........., Lda.” tendo o seu capital social sido constituído pela entrada de dois bens imóveis a que foi atribuído o valor em € 829.424,44 e dinheiro no montante de € 575,56, do qual consta que não foi pago Imposto Municipal de Sisa ao abrigo do Decreto-Lei nº 404/90 (cfr. doc. de fls. 272 a 286 dos autos); 5. Os imóveis que passaram a constituir o capital da sociedade melhor identificada no ponto anterior foram: o prédio urbano denominado “C..........” à estrada de Queluz, composto de terreno para construção de espaços verdes e de lazer, com a área de 24.489m2, sito na freguesia da Buraca, concelho da Amadora, descrito na segunda Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o número 1…., da dita freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2….., bem como o prédio urbano demoninado “A....................” – C.......... B, composto de lote de terreno destinado a construção de zona verde e de zona de equipamento, com a área de 87.672m2, sito na freguesia da Buraca, concelho da Amadora, descrito na segunda Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o número 1.........., da dita freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2….. (cfr. doc. de fls. 272 a 286 dos autos); 6. O presidente do conselho de administração da impugnante no triénio de 1999 a 2002 era J.......... (facto que se retira do doc. de fls. 139 a 141 dos autos); 7. Em 29/10/1999 foi outorgada uma escritura de compra e venda da qual consta que a sociedade melhor identificada no ponto 4 deste probatório vende os imoveis melhor identificados no ponto 5 à sociedade B..........., S.A. pelo preço global de seiscentos milhões de escudos (cfr. doc. de fls. 78 a 82 dos autos); 8. Em 07/05/2003 foi aberta a Ordem de Serviço nº 78611 da qual consta que a impugnante deverá ser sujeita a uma acção inspectiva ao exercício de 2000 (cfr. doc. de fls. 250 dos autos); 9. Em 07/05/2003 foi aberta a Ordem de Serviço nº 78610 da qual consta que a impugnante deverá ser sujeita a uma acção inspectiva ao exercício de 1999 (cfr. doc. de fls. 251 dos autos); 10. No âmbito das duas ordens de serviço identificadas nos dois pontos anteriores foi elaborado em 10/07/2003, um relatório inspectivo do qual constam correcções em sede de IRC e IVA dos exercícios de 1999 e 2000 (cfr. doc. de fls. 257 a 269 dos autos); 11. Em 01/04/2004 foi aberta a Ordem de Serviço nº 89620 da qual consta que a impugnante deverá ser sujeita a uma acção inspectiva ao exercício de 2001 em sede de IRC e IVA (cfr. doc. de fls. 252 dos autos, e facto que se retira do doc. de fls. 356 a 380 dos autos); 12. Em 01/04/2004 foi aberta a Ordem de Serviço nº 89621 da qual consta que a impugnante deverá ser sujeita a uma acção inspectiva ao exercício de 2002 em sede de IRC e IVA (cfr. doc. de fls. 253 dos autos e facto que se retira do doc. de fls. 356 a 380 dos autos); 13. Em 01/04/2004 foi aberta a Ordem de Serviço nº 89622 da qual consta que a impugnante deverá ser sujeita a uma acção inspectiva ao exercício de 2003 em sede de IRC e IVA (cfr. doc. de fls. 254 dos autos e facto que se retira do doc. de fls. 356 a 380 dos autos); 14. Na sequência das três ordens de serviço melhor identificadas nos três pontos anteriores deste probatório, foi elaborado, em 30/11/2004, um relatório inspectivo do qual consta o seguinte: “(…)
“(texto integral no original; imagem)”
(…)
(…) “(texto integral no original; imagem)” “(texto integral no original; imagem)”
(…)
(…)” (cfr. doc. de fls. 356 a 464 dos autos); 15. Em 09/12/2004 foi proferido despacho pelo Chefe de Divisão, por subdelegação da Directora de Finanças Adjunta, do qual consta, com relevo para os presentes autos, o seguinte:
(cfr. doc. de fls. 356 dos autos); 16. A impugnante foi notificada do relatório inspectivo identificado no ponto anterior por ofício de 17/12/2004 (cfr. doc. de fls. 92 e 93 do processo instrutor junto aos autos); 17. Em 14/03/2005 foi emitido despacho, do chefe do serviço de finanças da Amadora 3, no sentido de ser liquidado o imposto de Sisa sobre o valor de € 829.424,44 devendo-lhe ser aplicada a taxa de 10% (cfr. doc. de fls. 47 dos autos); 18. Em data que não se consegue concretizar, mas posterior a 14/03/2005 foi efectuada a liquidação de Imposto de Sisa nº 36……. da qual resultou imposto a pagar no montante de € 82.942,44 e juros compensatórios no montante de € 17.724,66 perfazendo um total de € 100.667,10 (cfr. doc. de fls. 61 dos autos); 19. Por oficio de 12/04/2005 foi a impugnante notificada da liquidação de imposto de Sisa melhor identificada no ponto anterior, nos seguintes termos: “(texto integral no original; imagem)” (cfr. doc. de fls. 51 e 52 dos autos); 20. Em data que não se consegue concretizar, a impugnante solicitou a emissão de certidão do teor integral do processo de liquidação adicional de imposto de sisa e de juros compensatórios (cfr. doc. de fls. 35 dos autos); 21. Em 27/04/2005 foi emitida pelo serviço de finanças de Amadora 3 uma certidão com o Auto de Notícia e despacho de liquidação do Imposto de Sisa (cfr. doc. de fls. 36 a 47 dos autos); 22. Por ofício de 30/11/2005 foi a impugnante notificada da liquidação de Imposto de Sisa, nos seguintes termos: “(texto integral no original; imagem)” (cfr. doc. de fls. 59 dos autos); **** «a) Não ficou provado ter existido despacho a ordenar uma alteração do âmbito da inspecção ao abrigo das Ordens de Serviço nºs 89620, 89621 e 89622; b) Não ficou provado existir um projecto para desenvolver os prédios vendidos pela impugnante em 29/10/1999; * Não se provaram outros factos com relevância para a decisão.»**** Em matéria de convicção, refere o Tribunal a quo: «A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. A testemunha inquirida, presidente do concelho de Administração da impugnante, J.........., à data a que se reportam os factos, afirmou existir um projecto para desenvolver uma área comercial, habitacional e de lazer tendo existido um projecto apresentado ao município. No entanto, quando instado a apresentar os documentos comprovativos desse facto, afirmou já não ser possível apresenta-los. O depoimento da testemunha não foi considerado uma vez que não foram apresentados documentos comprovativos do afirmado. * No que respeita à matéria de facto não provada, nenhum elemento de prova foi junto aos autos demonstrativo da existência de um despacho a ordenar a alteração do âmbito, quer temporal quer substancial, da Ordens de Serviço nº 89620, 89621, 89622. Acresce que, é a própria AT, aquando da apreciação do direito de audição da impugnante, refere que apesar da acção inspectiva se reportar aos exercícios de 2001 a 2003 e incidir apenas sobre o IRC e IVA, a correcção de SISA referente ao exercício de 1999 se justifica pela existência de um saldo de Balanço houve necessidade de complementar a acção inspectiva, sem nunca fazer qualquer referencia à existência de qualquer despacho, que necessariamente tinha de ser notificado previamente à impugante, que justifique este alargamento do âmbito da inspecção. Também não resultou provado a existência de um projecto formal para os dois terrenos identificados no ponto 5 do probatório supra. Não foi junto pela impugnante qualquer comprovativo da existência de um projecto formal. Aliás, esta afirmou que nunca teriam sido apresentados quaisquer projectos ao Município da Amadora.» ***** Como se viu, na conclusão XII, a Recorrente defende que, uma vez que o probatório da sentença não transcreve no facto 14. o ponto 2.3 do relatório de inspecção, resultando do mesmo “a quase inexistência de proveitos (com excepção de juros de depósito bancário) e a existência de movimentos contabilísticos a necessitar de esclarecimentos, que não foram apresentados”, o que demonstraria que a necessidade de efectuar a correcção de SISA decorreu da análise efectuada em IRC, deveria esse ponto ser aditado ao probatório.
Cumprido pela Recorrente o ónus de impugnação da matéria de facto constante do 640.° n.° 1 alíneas a), b) e c) do CPC, cumpre decidir, desde já se avançando que, de facto, e de acordo com as várias soluções plausíveis de direito para o caso sub judice, atentando nos fundamentos da impugnação, as partes do relatório cuja transcrição foi omitida poderiam contribuir para o esclarecimento dos vícios substantivos – erro nos pressupostos de facto e de direito - invocados, caso fossem apreciados. Por assim ser, defere-se o solicitado aditamento, passando o ponto 14. do probatório a ter o seguinte teor:
14. Na sequência das três ordens de serviço melhor identificadas nos três pontos anteriores deste probatório, foi elaborado, em 30/11/2004, um relatório inspectivo do qual consta o seguinte: “(…) “(texto integral no original; imagem)”
(…)
2.3 – Situações Verificadas Esta sociedade apresenta apenas como proveitos, no ano de 2001, a verba de 276,25 Euros (Escudos: 55.383$00), referente a juros de depósitos a prazo, tendo sido efectuada a liquidação do depósito a prazo, em 09/08/2001, com a transferência da verba de 39.442,94 Euros (Escudos: 7.907.598$80), para a conta à ordem (conta n° 11….., do Banco C……). No que respeita aos custos mais significativos, temos: - em Fornecimentos e Serviços Externos custos relativos à avença mensal do Revisor Oficial de Contas, cujas verbas mensais não registadas nos respectivos anos, foram registadas em 2003, na conta de Custos e Perdas Extraordinários, tendo a referida verba de 10.333,23 Euros, sido acrescida no quadro 07, da declaração Modelo 22, para o apuramento do resultado para efeitos fiscais; - em Impostos a verba de 174,80 Euros, considerada em 2003, refere-se à contabilização do IVA de algumas facturas emitidas pelo Revisor Oficial de Contas, ou seja, apesar do valor total constante destas facturas ser registado em custos, algumas vezes foi registado o valor líquido em Fornecimentos e Serviços Externos e o valor do IVA em Impostos; - os custos relevados em Amortizações e Reintegrações, referem-se a Imobilizações Incorpóreas - despesas de constituição; - custos relevados na conta de Custos e Perdas Financeiros referem-se a despesas bancárias suportadas na manutenção da já referida conta bancária, a qual deixa de ser movimentada a partir de Setembro de 2001, passando o seu saldo pouco significativo a ter como único movimento as mencionadas despesas. Verificou-se ainda que se encontra registada a verba de 7.986.979,99 Euros (1.601.245.722$00), referente a adiantamentos por conta de compras (na conta 37), que teve por base um contrato de promessa de compra e venda, realizado em 09/11/99, no qual J.......... promete vender à “A....................”, um prédio rústico (do qual é dono legitimo) denominado por Marinhal ou Mós, sito na Freguesia de Sagres, no concelho de Vila do Bispo, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 87º - secção I, com uma área total de 221.560m2, cujo o preço acordado no referido contrato é no montante total de 11.051.366,20 Euros (Escudos: 2.215.600.000$00). Tudo indica que, a origem deste contrato de promessa de compra e venda, está ligado à venda dos prédios urbanos (dois lotes de terreno para construção), que entraram na realização de capital da “A....................", os quais foram vendidos por 7.980.766,35 Euros (1.600.000.000$00), em 29/10/99, à “B..........., SA”, sendo uma forma de transferir a verba recebida para o presidente do conselho de Administração, J.........., cujas situações verificadas se relatam nas alíneas seguintes. A) Conforme já foi referido no subponto 2.2, deste relatório, a “A....................” foi constituída em 30/07/99, com um capital social é de € 830.000,00 (Escudos: 166.400.060$00), representado por 166.000 acções com o valor nominal de € 5,00, subscrito e realizado pela única accionista a “P...........”. O capital foi integralmente realizado em espécie e em dinheiro, do seguinte modo: - capital realizado em espécie - dois prédios urbanos, pelo valor total de 829.424,44 Euros (Escudos: 166.284.671$00), não tendo sido pago o Imposto Municipal de SISA, ao abrigo do Decreto-Lei, n° 404/90, de 21 de Dezembro; - capital realizado em dinheiro, no montante de € 575,56 (Escudos: 115.389$00). A "P...........” solicitou, a entidade especializada, a avaliação dos prédios urbanos que entraram para a realização de capital da “A....................”, os quais foram avaliados em 8.479.564, 25 Euros (Escudos: 1.700.000.000$00), conforme refere o relatório anexo à escritura de constituição nos termos do n° 3, do artigo 28° do Código das Sociedades Comerciais. No entanto, só parte deste montante é que constou da escritura para realização de capital (829.424,44 Euros - Escudos: 166.284.671$00), ou seja pelo valor contabilizado na “P...........”, na conta de existências. “(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)” (…)
(cfr. doc. de fls. 356 a 464 dos autos);” ***** A sentença recorrida julgou a presente impugnação procedente e, consequentemente, anulou a liquidação de Sisa impugnada, considerando verificada a preterição de uma formalidade legal essencial – a falta do despacho previsto no art. 15.º do RCPIT – “que inquina todo o acto de liquidação”, julgando prejudicado o conhecimento dos restantes vícios. A ora Recorrente não se conforma com tal decisão, já que, na sua óptica, a Recorrida teve conhecimento da intenção de proceder a correcções em sede de Sisa decorrentes da análise efectuada ao IRC, tal como consta do projecto de relatório, do qual resulta terem sido analisados os parcos proveitos em IRC e escassos movimentos em IVA, dai se extraindo não estar a exercer qualquer actividade, nomeadamente, o projecto de desenvolvimento imobiliário que havia justificado a isenção de Sisa; que tal análise tinha que ter sido feita aos exercícios posteriores, pois os resultados em 1999, ano da celebração da escritura, não eram ainda exigíveis. Defende, também, que, mesmo que se entenda que houve um extravasar do âmbito da acção de inspecção, tal não configura um vício determinante da anulação dos actos subsequentes. Por fim, alega não ter ocorrido a caducidade do direito à liquidação, já que o prazo era de 10 anos à data da transmissão, tendo passado a ser de 8 anos a partir da entrada em vigor da alteração ao art. 92.º do CIMSSD que resultou do DL n.º 472/99, de 08-11, não sendo aplicável o disposto no art. 111º § 3 do CIMSSD por não ter existido liquidação anterior. Começando pela questão da caducidade do direito à liquidação, há que referir que, analisada a decisão recorrida, se verifica que a mesma foi abordada de forma quase casual, sem qualquer rigor ou profundidade, e apenas de forma hoptética ou eventual (veja-se a expressão utilizada – “eventual caducidade” – e o tempo verbal utilizado – condicional – “que se verificaria”). E tal aconteceu, certamente, porque, não sendo questão do conhecimento oficioso, não foi invocada como fundamento da impugnação. Por assim ser, entende-se que tal não foi efectivamente apreciado na sentença recorrida, a qual não teve como fundamento a caducidade do direito à liquidação, razão pela qual também este Tribunal a não vai apreciar. Feita esta delimitação, a questões postas à apreciação deste Tribunal são as de saber qual a relevância, no caso concreto, da falta de despacho, nos termos do art. 15.º do RCPIT, a alargar o âmbito e extensão da inspecção ao ano de 1999 e à Sisa e, se se concluir pela existência de vício formal, se o mesmo é determinante da anulação dos actos subsequentes, incluindo o imposto impugnado nos autos. Vejamos, pois. Tal como ficou consignado na decisão recorrida, a disciplina das acções inspectivas, os seus âmbitos e extensões vêm regulamentados no Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31/12. Quanto ao âmbito, o procedimento de inspecção pode ser geral ou polivalente quando tiver por objecto a situação tributária global ou conjunto dos deveres tributários dos sujeitos passivos, ou parcial ou univalente, quando abrange apenas algum ou alguns tributos ou algum ou alguns deveres dos sujeitos passivos (artigo 14.º, n.º 1 alíneas a) e b) do RCPIT). Quanto à extensão, o procedimento pode englobar um ou mais períodos de tributação (artigo 14.º, n.º 3 do RCPIT). A pretensão de alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento de inspecção durante a sua execução, deve ser efectuada mediante despacho fundamentado de quem determinou a inspecção (art. 15.º n.º 1 do RCPIT). Apesar de, na redacção vigente à data (as ordens de serviço têm data de 01-04-2004 e o relatório de inspecção é de Novembro de 2004), não estar expressamente prevista a notificação deste despacho à entidade inspecionada (a menção expressa só passou a constar da norma do artigo 15.º, n.º 1 do RCPIT com a redacção dada pela Lei n.º 50/2005, de 30-08), é pacífico que tal notificação já era exigida, atendendo à coerência do sistema legal, nomeadamente, as normas dos arts. 59.º n.º 3 l) da LGT e 49.º do RCPIT, que impunham (e impõem hoje) a comunicação prévia do início da inspecção, indicando o seu âmbito e extensão, pelo que, paralelamente, não faria sentido que a alteração desse âmbito e extensão pudesse ser feito sem o conhecimento do inspecionado ou que a lei previsse a necessidade da emissão de um despacho fundamentador dessa alteração e que o mesmo não tivesse de ser comunicado, ou que não tivesse de ser comunicado antes da conclusão dos actos de inspecção. Neste mesmo sentido, cfr. o Acórdão do STA, de 19-09-2018, proc. n.º 01460/17, que consignou o seguinte entendimento: “(…) Sendo actualmente inequívoca, porque expressa, a obrigação de notificação ao contribuinte do despacho de alteração dos fins, do âmbito ou da extensão do procedimento de inspecção “durante a sua execução”, entendeu o Tribunal a quo que essa obrigação se impunha de igual forma antes da alteração legislativa verificada em 2005. E segundo cremos, não existem motivos para alterar o entendimento sufragado neste aresto, por ser este o entendimento que se revela mais curial. Com efeito, e reiterando a decisão e o discurso de fundamentação aduzido na sentença recorrida, conclui-se com natural evidência que o legislador impunha já à data, de forma expressa, que os actos praticados no procedimento inspectivo, mormente aqueles que determinam a realização da acção inspectiva e que lhe fixam o fim, o âmbito e a extensão, bem como aqueles que respeitam à prática de actos de inspecção, devem ser previamente notificados à entidade que se encontra a ser inspeccionada. Com efeito, a consagração expressa daquela obrigação de notificação introduzida pela Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto, não apresenta verdadeiro carácter inovatório, vindo apenas traduzir em letra de lei aquele que era já o entendimento do legislador que se extraía da lógica e da coerência sistemática do RCPIT, da LGT e da CRP”. Assim o era ao abrigo dos princípios da boa-fé [arts. 266º, n.º 2 da CRP e 6.º-A do Código de Procedimento Administrativo (CPA, na redacção em vigor à data dos factos)] e da colaboração [arts. 55º e 59º da LGT], aqui correcta e pertinentemente invocados pela Impugnante. E mais. Também o próprio princípio da legalidade [arts. 266º, n.º 2 da CRP e 55º da LGT] sempre imporia à Administração Tributária uma actuação bem diferente daquela que empreendeu no presente caso. Em rigor, a Administração Tributária não se podia mostrar alheia às consequências práticas e jurídicas de uma ampliação do âmbito e extensão da acção inspectiva a que estava a submeter a Impugnante, negando-lhe, manifesta e intencionalmente, o acesso aos fundamentos que determinaram aquela ampliação, impedindo-a, desde logo, de sobre os mesmos poder emitir qualquer pronúncia ou questionar a sua legalidade, tendo em conta o reflexo que tal despacho teria na sua esfera jurídica. E, repare-se, a privação de acesso aos fundamentos daquele despacho ocorreu quer no procedimento inspectivo quer posteriormente, pois a Impugnante, inequivocamente, nunca teve acesso ao mesmo nem ao seu teor. Era também assim atendendo aos normativos relativos ao procedimento inspectivo e respectivas notificações [arts. 59º, n.º 3, alínea l) da LGT e 42º e 49º do RCPIT]. Repare-se que a alínea l) do n.º 3 do art. 59º da LGT determina que a colaboração da Administração Tributária com os contribuintes compreende, designadamente, “a comunicação antecipada do início da inspecção da escrita, com a indicação do seu âmbito e extensão e dos direitos e deveres que assistem ao sujeito passivo”. (…) Sendo que o n.º 1 do art. 42º do RCPIT, na redacção então em vigor, já impunha que as notificações no procedimento de inspecção tributária devem ser sempre realizadas em momento anterior ao da prática dos actos de inspecção, podendo ser, o mais tardar, efectuadas no momento da sua prática. Por outro lado, não seria curial, nem apresentaria qualquer coerência lógica e sistemática, o entendimento de que o despacho que determina ab initio o fim, o âmbito e a extensão da acção inspectiva tivesse que ser levado ao conhecimento da entidade a ser inspeccionada – assegurando a lei que tal seria efectuado através de uma “notificação prévia para procedimento de inspecção”, a efectuar com uma antecedência mínima de cinco dias [cf. art. 49º do RCPIT] –, e que, depois, qualquer alteração desses fins, âmbito e extensão pudesse ser efectuada sem o conhecimento atempado por banda da entidade inspeccionada. Por outro lado, não se perspectivaria qual a utilidade prática da exigência legal de emanação de um despacho fundamentado a determinar a alteração do fim, do âmbito e da extensão da acção inspectiva se o mesmo nunca chegaria ao conhecimento do seu destinatário: a entidade inspeccionada. Ora, se o legislador impôs que a decisão de alteração dos fins, do âmbito e da extensão da acção inspectiva fosse fundamentada, naturalmente que o fez com o objectivo de que o mesmo pudesse ser compreendido, questionado e escrutinado pela entidade inspeccionada. Qualquer outra interpretação, entende o Tribunal, carece de razoabilidade e ofende o princípio geral de notificação das decisões que afecte os direitos e interesses legítimos dos contribuintes. (…)” Regressando ao caso dos autos e analisado o probatório, verifica-se que a liquidação impugnada – Sisa de 1999 – resultou de uma acção inspectiva, efectuada a coberto das ordens de serviço n.º 89620, 89621 e 89622, em sede de IVA e IRC, aos exercícios de 2001 a 2003 (pontos 11. a 14.). Não é controvertido, e, de resto, resulta dos factos não provados (ponto a)), que, apesar da inspecção incidir sobre os exercícios de 2001 a 2003, não houve qualquer despacho a estendê-la ao ano de 1999 e à Sisa. Portanto, considerando o descrito no relatório de inspecção, bem como o assumido pela FP na contestação, o que resultou factualmente demonstrado foi que foi com base na análise efectuada à contabilidade dos anos seguintes – 2001 a 2003 – que a AT verificou a necessidade de corrigir o imposto (Sisa) do ano de 1999, em virtude da quase inexistência de actividade. Defende a FP que essa verificação tinha que ter sido feita, necessariamente, nos anos seguintes, já que no ano da escritura de compra dos imóveis os pressupostos da isenção ainda não seriam verificáveis e que o contribuinte, apesar de tudo, teve conhecimento da intenção de corrigir esse imposto com o projecto de relatório, fazendo a Sisa parte do âmbito do procedimento de inspecção. Ora, desde já se avança que a argumentação da FP não é suficiente para concluir pela desnecessidade da emissão do despacho previsto no art. 15.º n.º 1 do RCPIT. Com efeito, não se nega que a necessidade de alterar o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção possa ocorrer durante a sua execução em virtude da verificação de determinados factos ou realidades que o possam impor. Seria desproporcional que a AT não pudesse alterar a abrangência da inspecção e tivesse de ficar “amarrada” ao que tinha pré-definido em abstracto, sem ter em conta as circunstâncias concretas analisadas. No entanto, essa alteração do âmbito e extensão do procedimento, como acima se viu, obedece a regras próprias, tanto formais como temporais, previstas no art. 15.º do RCPIT, que delimita essa alteração ao período da execução dos actos de inspecção e obriga à existência de um despacho fundamentado, emitido pela entidade que ordenou a inspecção, o qual tem de ser notificado ao contribuinte. No caso concreto, não houve qualquer despacho, o que significa que o alargamento da inspecção ao ano de 1999 não cumpriu o determinado no citado normativo legal. Depois, a entender-se, como defende a FP, que, com o projecto de relatório, foi dado conhecimento ao contribuinte desse alargamento, a verdade é que, tendo os actos de inspecção (a sua execução) terminado com o envio da nota de diligência, tal conhecimento foi extemporâneo, sendo que nessa altura não podia já o contribuinte reagir ou opor-se aos actos de inspecção com o âmbito e a extensão alterados. A argumentação da FP, de que a necessidade de correcção da Sisa decorreu da análise ao IRC e IVA dos exercícios posteriores, apenas poderia valer para efeitos de eventual fundamentação da emissão do despacho a que se refere o art. 15.º n.º 1 do RCPIT, o qual nunca poderia ter sido dispensado. E, note-se, que não foi invocada pela AT qualquer impedimento ou dificuldade que tentasse justificar a não existência do despacho em causa. Se, como defende a AT, aquando da verificação do IRC e do IVA, foi detectada a necessidade de correcção da Sisa de anos anteriores, então estaria justificada a necessidade de alargamento da inspecção com a consequente emissão de despacho pela entidade que ordenou a inspecção, que deveria ser comunicado ao contribuinte. Neste sentido, cfr. Ac. do STA, de 04-12-2019, proc. n.º 02243/16.6BEBRG, no qual ficou consignado o seguinte: “(…) No caso sub judice, o procedimento externo de inspecção, que tinha como âmbito inicial apenas o IRS e como extensão o ano de 2012 (cfr. factos provados sob os n.ºs 1 e 2), foi alterado por despacho da AT, proferido em 16 de Abril de 2015, pelo qual foi determinado o alargamento da inspecção para IRS e IVA (cfr. facto provado sob o n.º 3). Dispõe o n.º 1 do art. 15.º do RCPITA: «Os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada». Ou seja, não há dúvida de que se impunha a notificação ao sujeito passivo, ora Recorrido, da alteração do âmbito do procedimento de inspecção. No caso, não se discute a necessidade dessa notificação, mas apenas o momento em que a mesma deve ser efectuada. Não há notícia nos autos de que a notificação desse despacho ao sujeito passivo, ora Recorrido, tenha ocorrido senão em 22 de Maio de 2015, conjuntamente com a notificação de que foi concluída a inspecção nessa data e com a remessa do projecto de conclusões do relatório da inspecção, nos termos e para os efeitos do art. 60.º do RCPITA (cfr. factos provados sob os n.ºs 5 e 6). Isto, apesar de em 7 de Maio de 2015 (i.e., depois de proferido o despacho que alargou o âmbito da inspecção ao IVA e antes de concluída a inspecção) a AT ter notificado o sujeito passivo da prorrogação do prazo do procedimento de inspecção (cfr. facto provado sob o n.º 4). Considerou a sentença que o despacho por que foi determinado o alargamento do âmbito da inspecção deveria ter sido notificado ao sujeito passivo no momento da prática dos actos de inspecção, ou anteriormente, por força do disposto no n.º 1 do art. 46.º do RCPITA, mas nunca posteriormente. Antes do mais, diremos que a notificação sobre o âmbito do procedimento externo de inspecção e sua alteração, para cumprir com as suas finalidades, deverá, em regra, ser efectuada antes da realização dos actos de inspecção. É o que resulta da conjugação do disposto no art. 49.º do RCPITA – sendo este artigo que encerra a regra geral em sede de notificação a efectuar no procedimento de inspecção externa, impondo, designadamente que «[o] procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início» (n.º 1) e que dessa notificação, para além do mais, deve constar o «[â]mbito e extensão da inspecção a realizar» [n.º 2, alínea b)] – com o já citado n.º 1 do art. 15.º do mesmo Regime. Aliás, como salientou já este Supremo Tribunal (Cfr. o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Setembro de 2018, proferido no processo com o n.º 1460/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/eb60973353e8dd9580258313004758fd.), não faria sentido, à luz da harmonia sistemática do regime das notificações em sede de procedimento inspectivo, que o despacho que determina o fim, o âmbito e a extensão da acção inspectiva tivesse que ser levado ao conhecimento da entidade a ser inspeccionada – assegurando a lei que tal seria efectuado através de uma notificação prévia para procedimento de inspecção, a efectuar com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início (cf. art. 49.º do RCPITA) –, e que, depois, qualquer alteração desses fins, âmbito e extensão pudesse ser efectuada sem o conhecimento atempado por banda da entidade inspeccionada. Note-se também que o art. 37.º do RCPITA, que constitui a regra geral em matéria de notificação em sede de inspecção tributária, dá um subsídio no sentido da notificação prévia, quando no seu n.º 2 estabelece que as notificações devem indicar o local e hora da realização dos actos de inspecção. Por outro lado, como também já salientou este Supremo Tribunal (Ver acórdão referido na nota anterior.), «não se perspectivaria qual a utilidade prática da exigência legal de emanação de um despacho fundamentado a determinar a alteração do fim, do âmbito e da extensão da acção inspectiva se o mesmo nunca chegaria ao conhecimento do seu destinatário: a entidade inspeccionada. Ora, se o legislador impôs que a decisão de alteração dos fins, do âmbito e da extensão da acção inspectiva fosse fundamentada, naturalmente que o fez com o objectivo de que o mesmo pudesse ser compreendido, questionado e escrutinado pela entidade inspeccionada. Qualquer outra interpretação, entende o Tribunal, carece de razoabilidade e ofende o princípio geral de notificação das decisões que afecte os direitos e interesses legítimos dos contribuintes». Afigura-se-nos, pois, impor-se a notificação prévia do despacho que ordenou o alargamento do âmbito da inspecção externa. O que bem se compreende, porque «apenas se a pessoa ou entidade em causa for notificada com antecedência em relação ao facto intrusivo ou potencialmente lesivo de que vai ser alvo poderá ela antecipar com razoabilidade na sua esfera jurídica as consequências gravosas que poderá sofrer, não sendo apanhada desprevenida pelas mesmas» (Cfr. JOAQUIM FREITAS DA ROCHA e JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, Comentado e Anotado, Coimbra Editora, anotação ao art. 42.º, págs. 243 a 245, também citado na sentença recorrida. ). Só assim não será nas situações exceptuadas pelo n.º 2 do art. 42.º do RCPITA, situações em que «admite-se que a notificação anterior do visado poderia implicar uma perda do efeito útil que a adopção da medida pretende precisamente efectivar» (Ibidem.). Concluímos, pois, em sintonia com a sentença recorrida, que impendia sobre a AT a obrigação de comunicar previamente ao ora Recorrido a decisão de alteração do âmbito do procedimento inspectivo (tal como comunicou a prorrogação da acção de inspecção), obrigação que não pode dar-se como cumprida com a ulterior comunicação, no momento em que enviou o projecto de conclusões do relatório. Essa notificação extemporânea constitui, como bem salientou a Juíza do Tribunal a quo, uma preterição de formalidade essencial, uma vez que à data em que ocorreu, em simultâneo com o cumprimento do disposto no art. 60.º do RCPITA, estavam já praticados os actos de inspecção, inviabilizando qualquer oposição à sua realização, que já tinha tido lugar.” (sublinhado nosso) Houve, assim, sem sombra de dúvida, a preterição de uma formalidade legal no procedimento de inspecção. Aqui chegados há que saber se tal vício é determinante da anulação dos actos subsequentes, incluindo o acto de liquidação de Sisa aqui em causa. E a resposta não pode deixar de ser positiva, sob pena de subversão do regime legal do procedimento de inspecção, o qual consagrou as regras gerais de actuação dos serviços e dos contribuintes “visando essencialmente a organização do sistema e, consequentemente, a garantia da proporcionalidade aos fins a atingir, da segurança dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários e a própria participação destes na formação das decisões, evitando a proliferação de litígios inúteis.”, incrementando “a eficiência e eficácia, bem como a segurança do procedimento de inspecção, tendo sido diminuída a margem de discricionariedade” (cfr. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, que aprovou o Regulamento de Inspecção Tributária). Neste sentido, de resto, se tem pronunciado a doutrina (cfr. Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, RCPIT Anotado e Comentado, pág. 89 e 90) e a jurisprudência dos tribunais superiores, de que são exemplos, entre outros, os Acórdãos do STA acima citados. No Acórdão de 04-12-2019, proc. n.º 02243/16.6BEBRG, foi decidido que “Podemos, pois, em sintonia com a sentença recorrida, com o acórdão deste Supremo Tribunal nela citado (Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Junho de 2016, proferido no processo com o n.º 1101/15, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ad341970dbea57ac80257fef00478756.) e aquele já acima referido, concluir que a falta de notificação prévia ao sujeito passivo inspeccionado do despacho que determinou o alargamento do âmbito da inspecção, inexistindo motivo legal para diferir esse notificação, constitui violação de formalidade legal essencial, porque estruturante do procedimento inspectivo, a determinar a invalidade dos ulteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação que neles se suporta (cfr. art. 163.º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do art. 4.º do RCPITA).” E no Acórdão de 19-09-2018, proc. n.º 01460/17, ficou consignado que “Concluindo-se que à data dos factos impendia sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira a obrigação de comunicar à Recorrida a decisão unilateral de alteração do âmbito e da extensão do procedimento inspectivo no momento em que foi tomada – isto é, no decurso da inspecção fiscal de que era alvo e não apenas no momento da respetiva conclusão –, cumpre analisar se assiste razão à Recorrente Fazenda Pública quando alega que a falta de comunicação daquela decisão se converteu em formalidade não essencial a partir do momento em que a Recorrida exerceu o seu direito de audição sobre o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária “sem que nessa sede tivesse sido aflorada a questão aqui invocada da preterição de formalidade (…) verificando-se assim uma ratificação expressa do ato inspetivo por parte da impugnante”. Mas não assiste razão à Recorrente, conforme decorre aliás do Acórdão proferido por este Supremo Tribunal a 15 de Junho de 2016 no âmbito do Processo 01101/15, nos termos do qual o “direito de audição é um direito de exercício facultativo para os contribuintes, cujo não exercício não importa a perda de direitos nomeadamente de contenciosamente reagirem contra os actos tributários ou em matéria tributária que sejam lesivos dos seus interesses patrimoniais e não hajam sido praticados com observância estrita da lei. De todo o modo quando foi dado cumprimento ao disposto no art.º 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária por definição estavam já praticados os actos de inspecção tornando impossível qualquer oposição à sua realização que já tinha tido lugar. Assim, não estando em causa um procedimento de inspecção em que nos termos do disposto no art.º 50.º esteja dispensada a notificação prévia do procedimento de inspecção, verifica-se que (…) não foram levadas ao conhecimento da recorrida o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção em manifesta desconformidade com o disposto nos artigos 2.º, 5.º, 9.º, 14.º, 15.º, 37.º, 40.º, 46.º e 47.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, com a consequente falta de credenciação os inspectores que a levaram a cabo. Tais formalidades são formalidades previstas na lei como formalidades essenciais, na ausência de disposição legal em contrário, estruturantes do procedimento inspectivo, que uma vez não observadas serão invalidantes dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior que neles se suporta, dado não poder concluir-se, face à prova produzida, com um grau de certeza razoável, que o resultado a atingir sempre seria o mesmo, caso a formalidade tivesse sido cumprida, ou que o sujeito passivo prestou a sua colaboração com o acto inspectivo nesse âmbito alargado sem haver colocado em causa a falta de tal despacho. Nos termos do disposto no art.º 135.º do Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15 de Novembro, vigente à data do procedimento inspectivo, aqui aplicável por força do disposto no art.º 4.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, são anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção, como aqui ocorre, pelo que a omissão do acto procedimental invalida, por anulabilidade que ora se confirma, todo o procedimento arrastando necessariamente a validade do acto de liquidação oficiosa [subsequente], que nele obteve os seus fundamentos legais”.” (sublinhado nosso) A sentença que assim decidiu não merece, pois, qualquer censura, tendo, por isso, que ser confirmada. ***** III. DECISÃO Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente (art. 527.º do CPC).
Lisboa, 10 de Outubro de 2024
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