Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:17/19.1BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/10/2019
Relator:ALDA NUNES
Descritores:TAD
RECURSO HIERÁRQUICO IMPRÓPRIO
DEFESA
Sumário:
I – No âmbito de um processo disciplinar sumário, regulado nos arts 257º e segs do RDLPFP, por infrações disciplinares cometidas em jogos oficiais por clubes, dirigentes, jogadores, treinadores, auxiliares técnicos, médicos, massagistas e espectadores, sempre que a sanção correspondente não determine a suspensão da atividade por período superior a um mês (art 257º), o prazo para interpor o recurso hierárquico conta-se a partir do momento em que o arguido disponha dos elementos probatórios necessários à elaboração da defesa.

II - O relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais ou do delegado da Liga são a base para ser instaurado o processo sumário e constituem, como menciona a recorrente e o art 13º, al f) do RD, presunção de veracidade dos factos neles inscritos, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa.

III – Assim, só depois de ter acesso aos relatórios de jogo o arguido dispõe de todos os elementos de facto e probatórios para reagir contra a sanção disciplinar que lhe foi aplicada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório

Futebol .......... – Futebol SAD recorre do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto no dia 4.1.2019, que confirmou a decisão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, datada de 14.2.2018, de rejeição liminar de recurso hierárquico impróprio, por extemporaneidade.

A entidade recorrida é a Federação Portuguesa de Futebol.

Nas alegações de recurso, a recorrente formula as seguintes conclusões:

- I –

i. «O presente recurso tem por objeto o acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto de 04-01-2019, o qual confirmou o acórdão do Conselho de Disciplina de 14.02.2018 em que se julgou extemporâneo o recurso hierárquico interposto pela aqui recorrente,

ii. Tal entendimento faz tábua rasa dos princípios mais básicos, pelos quais se deve reger o direito sancionatório disciplinar.

iii. Não obstante, a recorrente tenha recebido o Comunicado Oficial n.º ..... no dia l0-01-2018 e logo nessa data tenha diligenciado para obter os Relatórios de Jogo, apenas nos dias 11-01-2018 e 17-01-2018 é que recebeu os Relatórios de Jogo dos jogos ocorridos a 03-01-2018 e 07-01-2018, respetivamente.

iv. Só com a receção dos Relatórios de Jogo é que a recorrente podia ter conhecimento de todos os elementos probatórios que fundamentam as decisões condenatórias por que vinha condenada.

- II -

v. Todos os factos preponderantes e determinantes para o sentido da decisão proferida pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF encontram-se vertidos nos relatórios que a recorrente apenas teve acesso a posteriori.

vi. Assim, só com o acesso por parte da recorrente a esse elemento probatório que sustenta a decisão do Conselho de Disciplina é que se pode considerar que a recorrida cumpriu com o dever de fundamentação, obrigatório nos atos administrativos que impõe sanções,

vii. e por essa ordem de razões, só após o conhecimento desse elemento probatório é que o prazo para recurso pode começar a contar, porquanto só nesse momento é que a recorrente pode exercer cabalmente o seu direito de defesa.

viii. Atentando ao disposto nos arts. 114º, nº 2 e 153.º do CPA sempre se terá de considerar que os relatórios de jogo constituem parte integrante do ato, pelo que só quando notificado o arguido dos relatórios é que o ato administrativo se considera válido e completo.

ix. Ao ser assim, não se pode admitir, como admitiu o Tribunal a quo, que o termo inicial do prazo para recurso hierárquico se verifique ainda antes de um elemento integrante da decisão do Conselho de Disciplina da FPF, como são os relatórios oficiais de jogo (que, não raras vezes, constituem o único meio de prova), ser notificado ao arguido.

x. Mostra-se, além do mais, incongruente a posição adaptada, quer pela recorrida, quer pelo Tribunal a quo, visto que o elemento probatório que ambos consideram irrelevante, para efeitos de notificação da recorrente, é o mesmo que, nos termos do art. 13º, al f) do RD constitui uma presunção de veracidade do seu conteúdo.

xi. Assim, considerando o valor probatório reforçado do documento que se encontrava em falta, mais se impunha que o prazo apenas começasse a correr após a notificação do mesmo.

xii. Diga-se, em abono da verdade, que a posição da recorrida foi deveras surpreendente, porque contraditória com aquilo que vinha sendo a sua prática, sem que qualquer alteração normativa o justificasse.

xiii. Em acórdão proferido a 10-01-2017, no âmbito do processo disciplinar nº 10-16/17, havia a recorrida entendido que "No processo disciplinar envolvendo matéria sancionatória deve ser assegurado ao acusado/ sancionado todas as possibilidades de defesa e, em caso de recurso, as garantias necessárias para a sua possibilidade efetiva. Assim sendo, o prazo só começa a ser contado a partir do dia em que a recorrente pode iniciar a sua defesa em recurso”.

xiv. A assunção de uma posição contraditória, sem qualquer justificação para tal, conforma uma violação do princípio da confiança, corolário do Estado de Direito (art 2º da CRP).

xv. Assim, deve ser entendido que o prazo para recurso apenas começou a contar no dia 12-01 -2018, para o jogo entre o CD .......... e o FC ....., e no dia 18-01-2018, para o jogo entre o FC ..... e o ..... SC.

- III -

xvi. Ao processo disciplinar aplicam-se os princípios do processo penal, estando assegurado, por via constitucional, a garantia do direito de defesa (art 32º, nº 10 da CRP).

xvii. Não se pode conceber o exercício do direito de defesa sem que o arguido tenha acesso a todos os elementos do processo disciplinar, nomeada e especialmente, os probatórios!

xviii. O acesso aos relatórios de jogo permite, num primeiro momento, averiguar qual a viabilidade do recurso e, num segundo momento, qual(is) o(s) fundamento(s) por que se recorre.

xix. O próprio confronto entre a factualidade vertida nos ditos relatórios de jogo e a factualidade vertida no Comunicado oficial, depende do prévio acesso aos relatórios de jogo.

xx. Não se podendo, por isso, conceber que o arguido se baste com a factualidade descrita nos mapas de decisões de processos sumários que são notificados aos clubes.

xxi. Ainda, em desfavor da tese da recorrida, repare-se que, não raras vezes, os relatórios oficiais padecem de invalidades que motivam uma alegação e estratégia de defesa totalmente díspar.

xxii. Por exemplo, a falta de assinatura do delegado ao jogo basta para que o relatório de jogo seja inválido e, consequentemente, não possa servir de suporte à decisão condenatória.

xxiii. E bem sabe a recorrida que assim é, pois que, no âmbito do processo nº 21-16/17, no acórdão de 14-02-2017, a recorrida revogou a decisão condenatória apenas e só por invalidade do relatório de jogo.

xxiv. Está, pois, a recorrida bem ciente da necessidade de acesso e conhecimento dos elementos probatórios, em especial dos relatórios oficiais de jogo, para o cabal exercício do direito de defesa por parte da recorrente.

xxv. Estando em causa o exercício do direito de defesa, porquanto se trata de matéria sancionatória, o termo inicial do prazo de recurso tem necessariamente de coincidir com o momento em que ao arguido estão garantidas todas as circunstâncias para que possa exercer cabalmente aquele seu direito fundamental de defesa (art. 32º, nº 10 da CRP). O que, in casu, só sucede quando a recorrente teve acesso aos Relatórios de Jogo (l l-01-2018 e l7-01-2018).

xxvi. Face a todo o exposto, impunha-se reconhecer a tempestividade do recurso hierárquico impróprio apresentado pela aqui recorrente e, por se mostrarem preenchidos todos os requisitos legais de que dependia a sua admissibilidade, remeter para o órgão competente o conhecimento e apreciação do seu objeto.

xxvii. Neste sentido, deve o acórdão recorrido ser revogado, com as devidas e legais consequências, o que se requer.

Sem prescindir.

- IV -

xxviii. Impõe-se a revogação da decisão recorrida por se reputar como inconstitucional a norma do art. 292º, nº 1 do RD, interpretada no sentido de ao prazo de 5 dias referido nesse preceito não acrescer o período de tempo em que o arguido não pôde ter acesso aos elementos de prova, atuando com a diligência devida para os obter, por violação do art 32º, nº l0 da CRP.

xxix. Como bem ensina GOMES CANOTILILHO, o direito e as garantias de defesa engloba «todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação».

xxx. Num caso semelhante ao dos presentes autos, o Tribunal Constitucional já decidiu no sentido de julgar inconstitucional a norma do art. 411º, nº 1 do CPP, por violação do art. 32.º, nº 1 da CRP, interpretado no sentido de ao prazo de 15 dias referido nesse preceito não acrescer o período de tempo em que o arguido não pôde ter acesso às gravações da audiência, desde que se pretenda impugnar a matéria de facto e desde que o arguido atue com a diligência devida. (Ac. n.º 546/2006 do Tribunal Constitucional).

xxxi. Assim, e porque importa averiguar da factualidade vertida nos Relatórios de Jogo para que se defina a linha de defesa do arguido. também in casu deveria acrescer ao prazo de 5 dias, o período de tempo em que o arguido não pôde ter acesso aos elementos probatórios.

xxxii. Elemento probatório esse que se lhe associa uma presunção de veracidade do seu conteúdo e, por isso, se torna ainda mais essencial a avaliação desse mesmo documento.

xxxiii. Não pode a recorrida fazer crer que os Relatórios de Jogo são irrelevantes, quando, a maior parte das vezes - se não mesmo todas! - são o único meio de prova que sustenta a decisão condenatória.

xxxiv. Ainda para mais, quando a falta de elementos formais nesses relatórios de jogo podem acarretar a absolvição do arguido, como já sucedeu.

xxxv. Note-se que o Tribunal Constitucional tem tido como praxis decisória que o início da contagem do prazo, ocorre no dia em que o arguido, atuando diligentemente para aceder aos meios de prova que requisita e necessita, fica em condições de ter acesso ao teor, completo e inteligível da decisão impugnada.

xxxvi. Perante tudo quanto vem sendo exposto, deve entender-se que o art 292º- l do RD, interpretado no sentido dado pelo Tribunal a quo e pela recorrida, deve ser desaplicado (204.º da CRP), o que desde já se requer.

Ainda sem prescindir, e sempre subsidiariamente.

- V-

xxxvii. Se, contra o que se sustenta supra se acabar por manter a decisão recorrida, deverá, não obstante ser revogada a decisão tomada pelo TAD em matéria de fixação do valor da ação e respetivas custas.

xxxviii. O TAD fixou o valor da causa em €: 30.000,01, aplicando o critério supletivo do art. 34.º-l e 2 do CPTA.

xxxix. No entanto, in casu, não se está perante nenhum bem imaterial nem norma emitida ou omitida no exercício da função administrativa.

xl. Dificilmente se compreende o recurso a um critério supletivo, que só pode ser invocado na falta de previsão legal expressa que cubra a ação em relação à qual se pretende atribuir um valor processual, quando para a questão em causa existe um critério legal mente estabelecido.

xli. Assim e, pese embora nos presentes autos não estivesse em causa o recurso de uma sanção pecuniária, sempre está em causa um benefício equivalente a essa sanção, pois que a decisão sobre a (in)tempestividade do recurso possibilitará ou não o recurso da decisão condenatória que aplica sanções de conteúdo pecuniário.

xlii. Pelo que, sempre se considerará que o benefício (económico) da procedência da presente ação terá exatamente o mesmo valor que o recurso sobre o qual recaiu a decisão de extemporaneidade.

xliii. Aplicando, desta feita, o art. 32.º-2 do CPTA e não o 33º, al b) do CPTA.

xliv. Importa, por isso, repor a legalidade, repondo-se o valor da ação no montante de € 14.536.000, daí extraindo-se as devidas consequências.

Acresce que,

xlv. As custas fixadas pelo TAD, para impugnar uma decisão do Conselho de Disciplina da FPF, comprometem de forma séria e evidente o princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 20º, nº 1 e 268º, nº 4 da CRP), bem como o princípio da proporcionalidade (art2º da CRP).

xlvi. A recorrente dirigiu-se ao TAD para impugnar uma decisão que determinava a intempestividade do recurso por si interposto, e fê-lo como única e obrigatória via processual de reação à condenação administrativa que sofreu, no contexto de uma arbitragem necessária (art. 4.º, n.ºs 1 e 3 a) da Lei do TAD).

xlvii. A recorrente, recorrendo à única e exclusiva via para reagir a uma tal decisão, acabou por ser condenada em custas em valor quase equivalente a metade do valor da causa, o que não se reputa nem como razoável, nem como equilibrado.

xlviii. Existe claramente uma incompreensível e manifesta discrepância entre os valores das custas arbitrais e das custas judiciais: se levado ao conhecimento de um tribunal administrativo. em l.ª instância, o valor das custas finais de um caso como o presente não ultrapassaria no máximo dos máximos, €: 816, montante 7 vezes inferior àquele legalmente devido pela intervenção do TAD!

xlix. Ora, não há razões que justifiquem um tratamento tão diferenciado neste tipo de conflitos relativamente ao montante de custas praticados nos tribunais administrativos e fiscais.

l. Importa notar que o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (arts. 20.º- l e 268.º-4 da CRP) consubstancia, em si mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais.

li. Corolário lógico do monopólio tendencial da solução dos conflitos por órgãos do Estado ou dotados de legitimação pública, tal preceito reconhece vários direitos conexos, primordialmente, o direito fundamental de acesso aos Tribunais.

lii. Direito cuja força normativa se intensifica quando em causa está o exercício de um poder sancionatório público por parte de órgãos de natureza administrativa.

liii. Assim, considerando o critério da nossa jurisprudência constitucional, não se podem considerar compatíveis com o direito fundamental de acesso à justiça (arts. 20.º e 268.º- 4 da CRP) soluções normativas de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito,

liv. Pelo que é forçoso concluir que, a aplicação para fixação das custas devidas pela intervenção do TAD, a título de taxa de arbitragem e de encargos do processo arbitral, do art. 2º, nº 1 e 5, conjugado com a tabela constante do Anexo I (2.ª linha), da Portaria n.º 301/2015, articulado ainda com o previsto nos arts. 76.º/l /2/3 e 77.0/4/5/6 da Lei do TAD), é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2º da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 20º, nº1 e 268º, nº 4 da CRP).

lv. Nessa medida, devem essas normas ser desaplicadas (art 204º da CRP), o que desde já se requer.

Termos em que se requer a V. Exas. seja o presente recurso julgado procedente, revogando a decisão recorrida, substituindo-a por outra que admita o recurso hierárquico interposto das decisões do Conselho de Disciplina, como alegado supra, com as devidas e legais consequências.

Sem prescindir,

Requer-se a V.Exas. se dignem julgar inconstitucional a norma do art. 292º-1 do RD, interpretada no sentido de ao prazo de 5 dias referido nesse preceito não acrescer o período de tempo em que o arguido não pôde ter acesso aos elementos de prova, atuando com a diligência devida para os obter, por violação do art. 32.º-10 da CRP.

Ainda sem prescindir e sempre subsidiariamente, caso se mantenha a decisão recorrida, requer­ se, para efeitos da fixação do valor da ação que seja reposta a legalidade e como determina o preceito exposto no art. 32.º-2 do CPTA, que se fixe o valor da ação no montante de € 14.536,00, daí extraindo-se as devidas consequências.

Sem prescindir, e ainda caso se mantenha a decisão recorrida,

Requer-se, para efeitos das custas devidas pela intervenção do Tribunal Arbitral do Desporto, a desaplicação, prevista no art. 204.º da CRP, da norma resultante da conjugação do disposto no art. 2.º, n.ºs 1 e 5 (e respetiva tabela constante do Anexo 1, 2.ª linha), da Portaria n.º 30112015, com o previsto nos arts. 76.º/l/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP) e da proporcionalidade (art. 2.º da CRP), com as legais consequências».

A FPF contra-alegou e concluiu do modo que segue:
1. A Recorrente não coloca, nem colocou nunca em causa nos autos, que interpôs o RHI para além do prazo regulamentar estabelecido para tal, mas sim que o prazo a partir do qual os 5 dias para o fazer começaram a contar é diferente do da notificação.
2. Atento o formato atual dos mapas de decisões de processos sumários que são notificados aos clubes intervenientes nas competições profissionais de futebol e publicitados através de comunicado oficial da LPFP - nos quais estão identificados os jogos em causa, são individualizadas as infrações disciplinares imputadas, é descrita a respetiva factualidade (tal qual vertida nos relatórios oficiais, sendo pois uma reprodução destes) e feita a sua subsunção normativa, com indicação expressa de todos os preceitos regulamentares aplicados, e indicadas as sanções disciplinares concretamente aplicadas (cf. fls. 41, 78 e 79 do RHI n.º 37-2017/2018) -, a consulta de tais documentos nada acrescenta de novo face ao que emerge dos ditos mapas, nomeadamente quanto à fundamentação de facto das decisões disciplinares.
3. A decisão disciplinar condenatória recorrida no RHI n.º 37-2017/2018, tal como foi notificada à ora recorrente, era-lhe inteiramente oponível, como aliás, todas são.
4. A Recorrente invoca matéria que não foi alegada na petição inicial apresentada junto do Tribunal Arbitral do Desporto e de que, por isso, aquele Colégio Arbitral não se ocupou.
5. A Recorrente não pode suscitar questões novas, não enunciadas na petição inicial apresentada previamente, sendo que, notoriamente, não foram arguidas nulidades de conhecimento oficioso nem existem questões supervenientes à tomada de decisão por parte do Tribunal Arbitral que poderiam legitimar um reexame, ou exame ex novo, por parte deste Tribunal Central Administrativo.
6. Assim, a Recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questões novas, pelo que tais questões suscitadas nas conclusões excedem o objeto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que não podem ser conhecidas por este Douto Tribunal Superior.
7. Por outro lado, no que se refere à impossibilidade de apresentação do Recurso Hierárquico Impróprio no prazo de cinco dias a contar da notificação das decisões disciplinares recorridas porque a LPFP não havia remetido, em tempo, os referidos relatórios, há que ter em conta, desde logo, que estamos perante um caso de justo impedimento, que não foi nunca alegado pela Recorrente perante o CD.
8. Não obstante saber que estava a apresentar o recurso fora de prazo, a Recorrente não explicou, prévia ou concomitantemente à apresentação do seu recurso hierárquico, que o fazia porque a LPFP não lhe havia remetido atempadamente os relatórios de jogo.
9. Sendo certo que era ao CD que a Recorrente devia ter pedido o relatório de jogo e não à LPFP que, como se sabe, não tem intervenção nos processos sumários.
10. A Recorrente procedeu à contagem do prazo da forma que bem entendeu, sem se preocupar em alegar sequer porque é que apresentava o recurso fora de prazo, sem aliás curar de pedir o relatório em causa à entidade que o tinha utilizado para lhe aplicar uma sanção: o CD.
11. Caso a tese da Recorrente vingasse, então seria simples uma entidade furtar-se ao cumprimento dos prazos, em virtude de pedir elementos probatórios a órgãos que não são titulares de processo disciplinar algum.
12. Deste modo, nem o despacho decisório primariamente recorrido nem o acórdão agora impugnado merecem qualquer censura, porquanto foi feito um correto enquadramento fáctico e normativo da situação concreta pelo que o RHI foi interposto extemporaneamente, pelo que devia ter sido, como foi, rejeitado, tendo andado bem o TAD.
13. Em suma, não existindo nenhum vício que possa ser imputado ao acórdão, deve o recurso ser declarado totalmente improcedente.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao Recurso Jurisdicional e, consequentemente, ser mantido o Acórdão Arbitral recorrido

Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu pronúncia no sentido da improcedência do recurso quanto à alegada tempestividade do RHI e da procedência do mesmo quanto à fixação do valor da causa.

Foi proferida decisão sumária pelo relator que concedeu provimento ao recurso e, revogando a decisão recorrida, ordenou a baixa do processo ao Tribunal a quo, para aí prosseguir os seus termos.

A Federação Portuguesa de Futebol reclama para a conferência da decisão sumária do relator.

*

Nos termos dos arts 652º, nº 1, al c) e nº 3 e 656º do CPC, a reclamação para a conferência constitui o meio adjetivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objeto do recurso.

A reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária.

Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pelo recorrente em sede de conclusões, fazendo retroagir o conhecimento do mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito proferida pelo relator.


Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à Conferência para apreciação da reclamação deduzida.

Fundamentação:

De Facto:
O tribunal a quo julgou provados os factos seguintes:

«1. No dia 10.01.2018, no âmbito de processos sumários decididos pela Secção Profissional (formação restrita) do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, foram proferidas decisões disciplinares que condenaram a Demandante pela prática das infrações disciplinares p. e p. pelos artigos 127.º, nº 1, 180º, nº 3, 183º, nº 2 e 187º, nº 1, als a) e b) todos do RDLPFP2017, ao pagamento de diversas multas no valor total de € 14.536,00, por factos ocorridos no decurso dos jogos realizados (i) entre o Clube Desportivo .......... – Futebol SAD e a Futebol .......... Futebol SAD, disputado em 3 de janeiro de 2018, e (ii) entre a Futebol .......... Futebol SAD e a ..... Sport Clube - Futebol SAD, disputado em 7 de jane iro de 2018, ambos a contar para a Liga ….

2. Estas decisões condenatórias foram notificadas à Demandante, via correio eletrónico, pelos serviços administrativos da Federação Portuguesa de Futebol, no mesmo dia 10 de janeiro de 2018.

3. Também no mesmo dia, as mencionadas decisões disciplinares condenatórias foram publicitadas através do Comunicado Oficial nº ..... da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

4. Ainda no mesmo dia 10 de janeiro de 2018, a Recorrente requereu à Liga Portuguesa de Futebol Profissional, através de correio eletrónico, os relatórios oficiais do jogo disputado entre a Futebol .......... Futebol SAD e a ..... Sport Clube - Futebol SAD.

5. No dia 11 de janeiro de 2018, os serviços administrativos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional remeteram à Demandante, por correio eletrónico, os relatórios oficiais do jogo disputado entre o Clube Desportivo .......... - Futebol SAD e a Futebol .......... Futebol SAD.

6. No dia 17 de janeiro de 2018, através de correio eletrónico, a Demandante requereu novamente à Liga Portuguesa de Futebol Profissional os relatórios oficiais do jogo disputado entre a Futebol .......... Futebol SAD e a ..... Sport Clube - Futebol SAD.

7. No mesmo dia 17 de janeiro de 2018, os serviços administrativos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional remeteram à Demandante, por correio eletrónico, os relatórios oficiais do jogo disputado entre a Futebol .......... Futebol SAD e a ..... Sport Clube - Futebol SAD.

8. No dia 18 de janeiro de 2018, sem que tenha invocado ou alegado qualquer situação suscetível de ser configurada como de justo impedimento, a Demandante interpôs Recurso Hierárquico Impróprio para o pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, tendo por objeto as decisões disciplinares acima referenciadas no facto provado 1.

9. Por despacho decisório proferido em 30 de janeiro de 2018 (decisão singular), esse recurso da Demandante foi considerado intempestivo e rejeitado, não se tendo tomado conhecimento do respetivo objeto.

10. Inconformada, veio a Demandante a interpor Recurso Hierárquico Impróprio para o Pleno da secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol em 1 de fevereiro de 2018, tendo por objeto aquele despacho decisório proferido em 30 de janeiro de 2018, no âmbito do Recurso Hierárquico Impróprio n.0 37-2017/2018, que rejeitou o recurso por extemporaneidade.

1 1. Em 14 de fevereiro de 2018, foi proferido Acórdão pela secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Processo n.º ...../18), no âmbito do qual foi julgado improcedente o Recurso Hierárquico Impróprio apresentado pela demandante e confirmado o despacho decisório recorrido.

*

A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto julgada provada, resultou da análise crítica e conjugada da prova documenta! carreada para os autos por ambas as partes, com observação do princípio da livre apreciação da prova»

De Direito.

Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes:
i) aferir do erro de julgamento do acórdão recorrido, ao confirmar o acórdão do Conselho de Disciplina, que rejeitou o recurso hierárquico impróprio interposto pela recorrente da decisão disciplinar, por ser extemporâneo (art 292º do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP);
ii) aferir do erro de fixação do valor da causa e das custas do processo arbitral.

Erro de julgamento.
A recorrente entende que o início do prazo para recorrer hierarquicamente da decisão disciplinar se conta a partir das datas – 11.1.2018 e 17.1.2018 – em que recebeu da LPFP os relatórios oficiais dos jogos. Só assim podia exercer o seu direito de defesa.
A recorrida, escudada na lei – cfr art 188º, nº 1 do CPA – afirma que o prazo para recorrer hierarquicamente da decisão punitiva tem início a partir da data da notificação do ato administrativo. E interpreta a defesa da recorrente como um caso de justo impedimento que não foi invocado pela recorrente.
O tribunal recorrido acolheu o entendimento da Federação Portuguesa de Futebol e decidiu: «… forçoso é concluir-se que disposição alguma, legal ou regulamentar, poderia a Demandante ter invocado para defender a sua tese, segunda a qual, recorde-se, o termo inicial do prazo de 5 dias de que dispunha para recorrer da decisão disciplinar proferida em processo sumário pelo Conselho de Disciplina, teria ocorrido não no dia 10 de janeiro de 2018 - data em que foi notificada de tal decisão - mas apenas alguns dias depois, mais concretamente, nos dias 11 e 17 de janeiro de 2018, datas em que recebeu por correio eletrónico as cópias dos Relatórios dos Jogos por si solicitadas e referentes aos jogos que o FC ..... tinha disputado com o .......... e com o ..... Sport Clube, respetivamente.
Não existe, pois, nenhuma norma legal ou regulamentar que sustente a tese da Demandante, no sentido de que o decurso do prazo de 5 dias previsto no n.º 1do artigo 292º do RDLPFP2017 se iniciaria apenas com o recebimento das cópias dos relatórios dos jogos.

Pelo contrário, considerando que este prazo procedimental de 5 dias se reveste de natureza perentória (cfr. artigo 215.º n. 2 do RDLPFP2017) e que deverá ser contado com observância do disposto nos artigos 14º do RDLPFP2017 e 87º do Código de Procedimento Administrativo, este supletivamente aplicável, resulta claro que tendo sido notificada a decisão disciplinar à Demandante em 10 de janeiro, o decurso daquele mesmo prazo de 5 dias teve o seu início no dia 11 de janeiro (uma quinta-feira), ficou suspenso no fim de semana de 13 e 14, tendo terminado no dia 17 de janeiro».

Parece-nos mais prudente a posição da recorrente, pois, como refere M Leal Henriques, em «Procedimento Disciplinar» anotado, 5ª edição, Rei dos Livros, 2007, pág. 394, «só se deve impugnar depois de se saber ao certo do que se impugna».

Com efeito, releva em particular o facto de a recorrente pretender impugnar as decisões disciplinares condenatórias, que a puniram com multas, cujo valor total ascendeu a €: 14.536,00, proferidas nos processos sumários que lhe foram instaurados.

O processo disciplinar especial sumário vem regulado nos arts 257º e segs do RDLPFP e tem lugar quando estiver em causa o exercício da ação disciplinar relativamente a infrações disciplinares leves ou, em qualquer caso, infrações disciplinares cometidas em jogos oficiais por clubes, dirigentes, jogadores, treinadores, auxiliares técnicos, médicos, massagistas e espectadores sempre que a sanção correspondente não determine a suspensão da atividade por período superior a um mês (art 257º).

Mais, o processo sumário é instaurado tendo por base o relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais ou do delegado da Liga, ou ainda com base em auto por infração verificada em flagrante delito (art 258º).

Nos termos do artigo 259º:

1. Os relatórios e os autos previstos no artigo anterior são transmitidos com a máxima urgência à Secção Disciplinar que, por intermédio de um dos seus membros designado nos termos do respetivo regimento interno, procederá à aplicação da correspondente sanção mediante despacho sinteticamente fundamentado.

2. A decisão deverá ser proferida no prazo de cinco dias a contar da receção dos documentos referidos no número anterior, sob pena de caducidade do processo sumário.

Excecionalmente, no processo sumário são ordenadas diligências complementares (cfr art 260º).

As decisões e deliberações condenatórias do órgão decisório disciplinar, adotados no âmbito de um processo sumário, deverão descrever as circunstâncias relativas ao facto sancionado e proceder à sua qualificação disciplinar através da indicação do preceito regulamentar violado (art 222º, nº 1).

Ou seja, em processo especial sumário, tal como ocorre no processo penal, a tramitação é simplificada. Nesta forma de processo não ocorre a fase de audiência disciplinar, como sucede no processo comum, momento próprio para a defesa do arguido (cfr arts 214º e 236º).

No processo sumário, a aplicação de qualquer sanção disciplinar, não é precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido.

Assim, o primeiro momento para o arguido reagir, em requerimento devidamente fundamentado, contra a imputação disciplinar ocorre com a interposição do recurso hierárquico impróprio, dos arts 262º, nº 2, 290º, 292º do RD.

Com efeito, todos atos materialmente administrativos [que ponham termo ao procedimento disciplinar] proferidos singularmente pelos membros da Secção Disciplinar, nos casos previstos no presente Regulamento, podem ser impugnados mediante recurso hierárquico impróprio para o pleno da Secção Disciplinar.

A ora recorrente foi notificada das decisões condenatórias no dia 10.1.2018, por via de correio eletrónico.
Nesse mesmo dia 10.1.2018, a recorrente requereu à Liga Portuguesa de Futebol Profissional, também por correio eletrónico, os relatórios oficiais do jogo disputado entre a Futebol .......... – Futebol SAD e a ..... Sport Clube – Futebol SAD.
No dia 11.1.2018, os serviços administrativos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional remeteram à ora recorrente, por correio eletrónico, os relatórios oficiais do jogo disputado entre o Clube Desportivo .......... – Futebol SAD e a Futebol .......... – Futebol SAD.
Como o pedido de envio de relatórios oficiais do jogo, de 10.1.2018, não foi satisfeito, a 17.1.2018, a recorrente requereu novamente à Liga os relatórios oficiais do jogo disputado entre o Clube Desportivo .......... – Futebol SAD e a Futebol .......... – Futebol SAD.
Pretensão que foi satisfeita nesse mesmo dia pelos serviços administrativos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
A recorrente só depois de ter acesso aos relatórios de jogo, que aliás constituem, como menciona a recorrente e o art 13º, al f) do RD, presunção de veracidade dos factos neles inscritos, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa, dispôs de todos os elementos necessários à integral compreensão do ato recorrido.
O relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais ou do delegado da Liga são a base para ser instaurado o processo sumário.

Como uniformemente vem decidindo o Supremo Tribunal Administrativo – cfr acórdãos do STA de 18.10.2018, processo nº 144/17; de 20.12.2018, processo nº 8/18; de 21.2.2019, processo nº 33/18; de 21.3.2019, processo nº 75/18; de 4.4.2019, processo nº 40/18; de 2.5.2019, processo nº 73/18; de 19.6.2019, processo nº 1/18 – «A prova dos factos conducentes à condenação do arguido em processo disciplinar não exige uma certeza absoluta da sua verificação, dado a verdade a atingir não ser a verdade ontológica, mas a verdade prática, bastando que a fixação dos factos provados, sendo resultado de um juízo de livre convicção sobre a sua verificação, se encontre estribada, para além de uma dúvida razoável, nos elementos probatórios coligidos que a demonstrem, ainda que fazendo apelo, se necessário, às circunstâncias normais e práticas da vida e das regras da experiência.
A presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da Liga Portuguesa Futebol Profissional (LPFP) que tenham sido por eles percecionados, estabelecida pelo art 13.º, al. f), do Regulamento Disciplinar da LPFP (RD/LPFP), conferindo ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que ela se sustenta, mediante a mera contraprova dos factos presumidos, não infringe os comandos constitucionais insertos nos arts. 2.º, 20.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 2 e 10, da CRP e os princípios da presunção de inocência e do
in dubio pro reo».

O que significa que todos os factos sancionados encontram-se vertidos nos relatórios de jogo, a que a recorrente teve acesso nos dias 11.1.2018 e 17.1.2018.
Dito de outro modo, a fundamentação de facto da decisão que aplica a sanção disciplinar, no caso, de multa, advém do teor dos relatórios do jogo.
Pelo que, dúvidas não haverá quanto à importância de tais documentos e sua estreita relação com a fundamentação do ato impugnado, uma vez que a própria decisão recorrida, a fls 18, conclui ser necessário o confronto do Comunicado Oficial de 1.1.2018 com o teor dos relatórios de árbitro e de delegado, para verificar que «nenhum facto ou circunstância necessário ou relevante para a cabal defesa da demandante consta destes relatórios, sem que conste igualmente dos mapas anexos àquele Comunicado Oficial N.º ..... que foi notificado à Demandante a 10 de janeiro, uma vez que nestes mapas estão devidamente identificados os dois jogos em causa, individualizadas todas as infrações disciplinares imputadas, reproduzida na íntegra a descrição da factualidade constante dos mesmos Relatórios e efetuada a respetiva subsunção normativa, com expressa referência a todas as normas regulamentares aplicadas e a todas as sanções disciplinares concretamente aplicadas, pelo que, munida que ficou então da informação constante de tais mapas anexos à Informação Oficial Nº ....., nenhum elemento de facto ou de direito necessário à preparação da sua defesa deixou nessa data de ser levado ao conhecimento da Demandante.
O facto da decisão recorrida carecer de efetuar o confronto com os documentos pretendidos pela recorrente para justificar a desnecessidade dos mesmos para a preparação da sua defesa evidencia o quanto os documentos solicitados pela recorrente nos dias 10 e 17.1.2018 se relacionavam com a fundamentação da decisão impugnada e eram essenciais para preparar e melhor fundamentar a sua defesa no recurso hierárquico (cfr arts 32º, nº 10 e 269º, nº 3 da CRP).
E, por assim ser, só após o conhecimento do teor dos referidos relatórios, é que o prazo para a ora recorrente interpor o recurso hierárquico impróprio começa a contar, isto é, no dia 12.1.2018 e no dia 18.1.2018. Pois, só no dia seguinte ao do recebimento dos relatórios de jogo a recorrente dispôs de todos os elementos de facto e probatórios para reagir contra a sanção disciplinar que lhe foi aplicada.
No dia 18.1.2018 a ora recorrente interpôs o recurso hierárquico impróprio para o Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.
Por conseguinte, atentos os fundamentos expostos, deve concluir-se pela tempestiva interposição do mesmo.
E deste modo julga-se verificado o erro de julgamento da decisão do TAD.

Do valor da causa.
Nesta sede, sustenta a recorrente que a modificação do valor da causa promovida pelo tribunal
a quo para € 30.000.01 foi feita em violação do previsto no artigo 32º, nº 2 do CPTA.
Assiste razão à recorrente.
Estamos no âmbito de um processo disciplinar em que o recurso hierárquico impróprio interposto da decisão disciplinar, de aplicação de multas no valor total de €: 14.536,00, foi rejeitado por extemporâneo. Assim, como alega a recorrente, pese embora nos presentes autos não esteja em causa o recurso de uma sanção pecuniária, sempre está em causa um benefício equivalente a essa sanção, pois que a decisão sobre a intempestividade do recurso possibilitará ou não o recurso da decisão condenatória que aplica sanções de conteúdo pecuniário.
O art 77º, nº 1 da Lei nº 74/2013, de 6.9 (Lei do Tribunal Arbitral do Desporto - TAD), estatui que [o]
valor da causa é determinado nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
E de acordo com o art 33º, al b) do CPTA, quando esteja em causa a aplicação de sanções de conteúdo pecuniário, como aqui à evidência ocorre, o valor da causa é determinado pelo montante da sanção aplicada.

Mais, nos termos do art 32º, nº 2 do CPTA, quando pela ação se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício.
Como tal, o valor da causa corresponde a €: 14.536,00.


As custas do processo.
A recorrente foi condenada no pagamento de custas do processo no valor de €: 4.980,00, acrescido de IVA à taxa legal, num total de €: 6.014,70.

Mas entende tratar-se de valor desproporcional e que compromete de forma séria e evidente o princípio da tutela jurisdicional efetiva. Para tanto diz que são inconstitucionais as normas aplicadas para fixar o valor das custas finais, artigos 2º, nº 1 e 5, por referência à tabela constante do Anexo I (2ª linha), da Portaria nº 301/2015, de 22 de setembro, 76º, nº l, 2 e 3, e 77º, nº 4, 5 e 6, da Lei do TAD, por violação do princípio da proporcionalidade, artigo 2º da CRP, e do princípio da tutela jurisdicional efetiva, arts 20º, nº l, e 268º, nº 4, da CRP.
Esta questão foi decidida por este TCA Sul, em acórdão datado de 6.12.2017 e proferido no processo nº 155/17, para um caso em que o valor das custas foi superior ao valor do processo/ da multa aplicada. A saber:

«O cerne do problema está, obviamente, (i) nos honorários e (ii) na “taxa de arbitragem (forçada)”, mesmo podendo ou não ser casuisticamente reduzida. Assim, temos, por um lado, os honorários numa arbitragem forçada, que não existem nos TACs, e, por outro lado, temos a taxa de arbitragem (forçada), equivalente à taxa de justiça pelo impulso processual no RCP, cujo valor no RCP seria aqui de 2 UCs, 204 euros, muito inferior à do TAD. Dois aspetos distintos e relevantes para a questão em apreço.

Assim, aqui, para o TAD arbitrar um litígio no valor de cerca de 3000 euros ou de 100 euros, as custas, onde se incluem nesta sede os honorários dos árbitros, serão sempre superiores a 3000 euros.

E é este o problema concreto que o recorrente levanta no presente recurso.

Ora, esta situação paratributária não faz sentido, ou melhor, não tem lógica de justiça, nem de proporcionalidade, justiça e proporcionalidade exigidas pelos artigos 2º e 18º/2 da CRP também quanto ao acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigos 20º e 268º da CRP). Não é justificável, justo ou equilibrado condicionar o acesso à justiça com custas processuais de valor muito superior ao valor processual. O que, aliás, adquire particular gravidade quando se trata de arbitragem necessária ou forçada, como foi o caso presente, nos termos expostos.

Portanto, ao contrário do direito objetivo invocado pelo recorrente, o cerne do problema não está nos artigos 76º e 77º da Lei do TAD, mas na citada Portaria.

Assim, o artigo 2º/1/4 da citada Portaria nº 301/2015 e a 1ª linha da tabela do seu Anexo I violam, no caso presente, os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso à justiça.

Há ali um condicionamento excessivo e injustificado do acesso aos tribunais por via tributária ou paratributária, por causa do elevado valor das custas processuais, que podem ser concretamente - e aqui foram - muito superiores ao valor do processo, processo que tem natureza arbitral necessária ou forçada.

Tendo aqui – numa arbitragem forçada - aplicado tais regras desproporcionais e injustas, resultando num valor de custas processuais muitíssimo superior ao valor processual e num valor relativamente elevado tendo presente o valor da causa, o colégio arbitral do TAD violou, no caso concreto, os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso à justiça».

Não obstante estarmos também aqui face a uma arbitragem forçada, a recorrente foi condenada no pagamento das custas processuais, no valor de €: 6.014,70, considerando o valor da causa fixado pelo tribunal recorrido, de €: 30.000,01.
Porém, a recorrente discordou e obteve ganho de causa, quanto ao valor do processo, que, nos termos do art 32º, nº 2 do CPTA ex vi art 77º, nº 1 da Lei nº 74/2013, de 6.9 (Lei do Tribunal Arbitral do Desporto - TAD), decidimos ser de €: 14.536,00.
O que significa que, neste caso, o valor das custas em dívida terá de ser recalculado e será necessariamente inferior ao valor do processo, que passou para €: 14.536,00.
Mas, atentas as normas próprias, nomeadamente em matéria de custas na Jurisdição Arbitral, ainda assim não podem ser comparáveis aos montantes devidos em sede de Jurisdição Administrativa.
Para além de que, como menciona o acórdão deste TCA Sul, de 9.5.2019, proferido no processo nº 42/19, «o TAD se rege por normas próprias de funcionamento, devendo o respetivo regime de custas, além do mais, refletir e suportar essa realidade».
Em suma, in casu, o valor das custas terá de ser recalculado e será necessariamente inferior a metade do valor do processo.
Pelo que, no caso vertente, não se mostram violados os princípios constitucionais invocados da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva.


Decisão
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em indeferir a reclamação apresentada e confirmar a decisão sumária do relator que concedeu provimento ao recurso jurisdicional e, revogando a decisão recorrida, ordenou a baixa do processo ao Tribunal a quo, para aí prosseguir os seus termos.
Custas pela reclamante.

Notifique.

*

Lisboa, 2019-10-10,

(Alda Nunes)

(Carlos Araújo)

(Sofia David – em substituição).