Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 17/19.1BCLSB |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 10/10/2019 |
Relator: | ALDA NUNES |
Descritores: | TAD RECURSO HIERÁRQUICO IMPRÓPRIO DEFESA |
Sumário: | I – No âmbito de um processo disciplinar sumário, regulado nos arts 257º e segs do RDLPFP, por infrações disciplinares cometidas em jogos oficiais por clubes, dirigentes, jogadores, treinadores, auxiliares técnicos, médicos, massagistas e espectadores, sempre que a sanção correspondente não determine a suspensão da atividade por período superior a um mês (art 257º), o prazo para interpor o recurso hierárquico conta-se a partir do momento em que o arguido disponha dos elementos probatórios necessários à elaboração da defesa. II - O relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais ou do delegado da Liga são a base para ser instaurado o processo sumário e constituem, como menciona a recorrente e o art 13º, al f) do RD, presunção de veracidade dos factos neles inscritos, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa. III – Assim, só depois de ter acesso aos relatórios de jogo o arguido dispõe de todos os elementos de facto e probatórios para reagir contra a sanção disciplinar que lhe foi aplicada. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Relatório Futebol .......... – Futebol SAD recorre do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto no dia 4.1.2019, que confirmou a decisão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, datada de 14.2.2018, de rejeição liminar de recurso hierárquico impróprio, por extemporaneidade. A entidade recorrida é a Federação Portuguesa de Futebol. Nas alegações de recurso, a recorrente formula as seguintes conclusões: - I – i. «O presente recurso tem por objeto o acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto de 04-01-2019, o qual confirmou o acórdão do Conselho de Disciplina de 14.02.2018 em que se julgou extemporâneo o recurso hierárquico interposto pela aqui recorrente, ii. Tal entendimento faz tábua rasa dos princípios mais básicos, pelos quais se deve reger o direito sancionatório disciplinar. iii. Não obstante, a recorrente tenha recebido o Comunicado Oficial n.º ..... no dia l0-01-2018 e logo nessa data tenha diligenciado para obter os Relatórios de Jogo, apenas nos dias 11-01-2018 e 17-01-2018 é que recebeu os Relatórios de Jogo dos jogos ocorridos a 03-01-2018 e 07-01-2018, respetivamente. iv. Só com a receção dos Relatórios de Jogo é que a recorrente podia ter conhecimento de todos os elementos probatórios que fundamentam as decisões condenatórias por que vinha condenada. - II - v. Todos os factos preponderantes e determinantes para o sentido da decisão proferida pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF encontram-se vertidos nos relatórios que a recorrente apenas teve acesso a posteriori. vi. Assim, só com o acesso por parte da recorrente a esse elemento probatório que sustenta a decisão do Conselho de Disciplina é que se pode considerar que a recorrida cumpriu com o dever de fundamentação, obrigatório nos atos administrativos que impõe sanções, vii. e por essa ordem de razões, só após o conhecimento desse elemento probatório é que o prazo para recurso pode começar a contar, porquanto só nesse momento é que a recorrente pode exercer cabalmente o seu direito de defesa. viii. Atentando ao disposto nos arts. 114º, nº 2 e 153.º do CPA sempre se terá de considerar que os relatórios de jogo constituem parte integrante do ato, pelo que só quando notificado o arguido dos relatórios é que o ato administrativo se considera válido e completo. ix. Ao ser assim, não se pode admitir, como admitiu o Tribunal a quo, que o termo inicial do prazo para recurso hierárquico se verifique ainda antes de um elemento integrante da decisão do Conselho de Disciplina da FPF, como são os relatórios oficiais de jogo (que, não raras vezes, constituem o único meio de prova), ser notificado ao arguido. x. Mostra-se, além do mais, incongruente a posição adaptada, quer pela recorrida, quer pelo Tribunal a quo, visto que o elemento probatório que ambos consideram irrelevante, para efeitos de notificação da recorrente, é o mesmo que, nos termos do art. 13º, al f) do RD constitui uma presunção de veracidade do seu conteúdo. xi. Assim, considerando o valor probatório reforçado do documento que se encontrava em falta, mais se impunha que o prazo apenas começasse a correr após a notificação do mesmo. xii. Diga-se, em abono da verdade, que a posição da recorrida foi deveras surpreendente, porque contraditória com aquilo que vinha sendo a sua prática, sem que qualquer alteração normativa o justificasse. xiii. Em acórdão proferido a 10-01-2017, no âmbito do processo disciplinar nº 10-16/17, havia a recorrida entendido que "No processo disciplinar envolvendo matéria sancionatória deve ser assegurado ao acusado/ sancionado todas as possibilidades de defesa e, em caso de recurso, as garantias necessárias para a sua possibilidade efetiva. Assim sendo, o prazo só começa a ser contado a partir do dia em que a recorrente pode iniciar a sua defesa em recurso”. xiv. A assunção de uma posição contraditória, sem qualquer justificação para tal, conforma uma violação do princípio da confiança, corolário do Estado de Direito (art 2º da CRP). xv. Assim, deve ser entendido que o prazo para recurso apenas começou a contar no dia 12-01 -2018, para o jogo entre o CD .......... e o FC ....., e no dia 18-01-2018, para o jogo entre o FC ..... e o ..... SC. - III - xvi. Ao processo disciplinar aplicam-se os princípios do processo penal, estando assegurado, por via constitucional, a garantia do direito de defesa (art 32º, nº 10 da CRP). xvii. Não se pode conceber o exercício do direito de defesa sem que o arguido tenha acesso a todos os elementos do processo disciplinar, nomeada e especialmente, os probatórios! xviii. O acesso aos relatórios de jogo permite, num primeiro momento, averiguar qual a viabilidade do recurso e, num segundo momento, qual(is) o(s) fundamento(s) por que se recorre. xix. O próprio confronto entre a factualidade vertida nos ditos relatórios de jogo e a factualidade vertida no Comunicado oficial, depende do prévio acesso aos relatórios de jogo. xx. Não se podendo, por isso, conceber que o arguido se baste com a factualidade descrita nos mapas de decisões de processos sumários que são notificados aos clubes. xxi. Ainda, em desfavor da tese da recorrida, repare-se que, não raras vezes, os relatórios oficiais padecem de invalidades que motivam uma alegação e estratégia de defesa totalmente díspar. xxii. Por exemplo, a falta de assinatura do delegado ao jogo basta para que o relatório de jogo seja inválido e, consequentemente, não possa servir de suporte à decisão condenatória. xxiii. E bem sabe a recorrida que assim é, pois que, no âmbito do processo nº 21-16/17, no acórdão de 14-02-2017, a recorrida revogou a decisão condenatória apenas e só por invalidade do relatório de jogo. xxiv. Está, pois, a recorrida bem ciente da necessidade de acesso e conhecimento dos elementos probatórios, em especial dos relatórios oficiais de jogo, para o cabal exercício do direito de defesa por parte da recorrente. xxv. Estando em causa o exercício do direito de defesa, porquanto se trata de matéria sancionatória, o termo inicial do prazo de recurso tem necessariamente de coincidir com o momento em que ao arguido estão garantidas todas as circunstâncias para que possa exercer cabalmente aquele seu direito fundamental de defesa (art. 32º, nº 10 da CRP). O que, in casu, só sucede quando a recorrente teve acesso aos Relatórios de Jogo (l l-01-2018 e l7-01-2018). xxvi. Face a todo o exposto, impunha-se reconhecer a tempestividade do recurso hierárquico impróprio apresentado pela aqui recorrente e, por se mostrarem preenchidos todos os requisitos legais de que dependia a sua admissibilidade, remeter para o órgão competente o conhecimento e apreciação do seu objeto. xxvii. Neste sentido, deve o acórdão recorrido ser revogado, com as devidas e legais consequências, o que se requer. Sem prescindir. - IV - xxviii. Impõe-se a revogação da decisão recorrida por se reputar como inconstitucional a norma do art. 292º, nº 1 do RD, interpretada no sentido de ao prazo de 5 dias referido nesse preceito não acrescer o período de tempo em que o arguido não pôde ter acesso aos elementos de prova, atuando com a diligência devida para os obter, por violação do art 32º, nº l0 da CRP. xxix. Como bem ensina GOMES CANOTILILHO, o direito e as garantias de defesa engloba «todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação». xxx. Num caso semelhante ao dos presentes autos, o Tribunal Constitucional já decidiu no sentido de julgar inconstitucional a norma do art. 411º, nº 1 do CPP, por violação do art. 32.º, nº 1 da CRP, interpretado no sentido de ao prazo de 15 dias referido nesse preceito não acrescer o período de tempo em que o arguido não pôde ter acesso às gravações da audiência, desde que se pretenda impugnar a matéria de facto e desde que o arguido atue com a diligência devida. (Ac. n.º 546/2006 do Tribunal Constitucional). xxxi. Assim, e porque importa averiguar da factualidade vertida nos Relatórios de Jogo para que se defina a linha de defesa do arguido. também in casu deveria acrescer ao prazo de 5 dias, o período de tempo em que o arguido não pôde ter acesso aos elementos probatórios. xxxii. Elemento probatório esse que se lhe associa uma presunção de veracidade do seu conteúdo e, por isso, se torna ainda mais essencial a avaliação desse mesmo documento. xxxiii. Não pode a recorrida fazer crer que os Relatórios de Jogo são irrelevantes, quando, a maior parte das vezes - se não mesmo todas! - são o único meio de prova que sustenta a decisão condenatória. xxxiv. Ainda para mais, quando a falta de elementos formais nesses relatórios de jogo podem acarretar a absolvição do arguido, como já sucedeu. xxxv. Note-se que o Tribunal Constitucional tem tido como praxis decisória que o início da contagem do prazo, ocorre no dia em que o arguido, atuando diligentemente para aceder aos meios de prova que requisita e necessita, fica em condições de ter acesso ao teor, completo e inteligível da decisão impugnada. xxxvi. Perante tudo quanto vem sendo exposto, deve entender-se que o art 292º- l do RD, interpretado no sentido dado pelo Tribunal a quo e pela recorrida, deve ser desaplicado (204.º da CRP), o que desde já se requer. Ainda sem prescindir, e sempre subsidiariamente. - V- xxxvii. Se, contra o que se sustenta supra se acabar por manter a decisão recorrida, deverá, não obstante ser revogada a decisão tomada pelo TAD em matéria de fixação do valor da ação e respetivas custas. xxxviii. O TAD fixou o valor da causa em €: 30.000,01, aplicando o critério supletivo do art. 34.º-l e 2 do CPTA. xxxix. No entanto, in casu, não se está perante nenhum bem imaterial nem norma emitida ou omitida no exercício da função administrativa. xl. Dificilmente se compreende o recurso a um critério supletivo, que só pode ser invocado na falta de previsão legal expressa que cubra a ação em relação à qual se pretende atribuir um valor processual, quando para a questão em causa existe um critério legal mente estabelecido. xli. Assim e, pese embora nos presentes autos não estivesse em causa o recurso de uma sanção pecuniária, sempre está em causa um benefício equivalente a essa sanção, pois que a decisão sobre a (in)tempestividade do recurso possibilitará ou não o recurso da decisão condenatória que aplica sanções de conteúdo pecuniário. xlii. Pelo que, sempre se considerará que o benefício (económico) da procedência da presente ação terá exatamente o mesmo valor que o recurso sobre o qual recaiu a decisão de extemporaneidade. xliii. Aplicando, desta feita, o art. 32.º-2 do CPTA e não o 33º, al b) do CPTA. xliv. Importa, por isso, repor a legalidade, repondo-se o valor da ação no montante de € 14.536.000, daí extraindo-se as devidas consequências. Acresce que, xlv. As custas fixadas pelo TAD, para impugnar uma decisão do Conselho de Disciplina da FPF, comprometem de forma séria e evidente o princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 20º, nº 1 e 268º, nº 4 da CRP), bem como o princípio da proporcionalidade (art2º da CRP). xlvi. A recorrente dirigiu-se ao TAD para impugnar uma decisão que determinava a intempestividade do recurso por si interposto, e fê-lo como única e obrigatória via processual de reação à condenação administrativa que sofreu, no contexto de uma arbitragem necessária (art. 4.º, n.ºs 1 e 3 a) da Lei do TAD). xlvii. A recorrente, recorrendo à única e exclusiva via para reagir a uma tal decisão, acabou por ser condenada em custas em valor quase equivalente a metade do valor da causa, o que não se reputa nem como razoável, nem como equilibrado. xlviii. Existe claramente uma incompreensível e manifesta discrepância entre os valores das custas arbitrais e das custas judiciais: se levado ao conhecimento de um tribunal administrativo. em l.ª instância, o valor das custas finais de um caso como o presente não ultrapassaria no máximo dos máximos, €: 816, montante 7 vezes inferior àquele legalmente devido pela intervenção do TAD! xlix. Ora, não há razões que justifiquem um tratamento tão diferenciado neste tipo de conflitos relativamente ao montante de custas praticados nos tribunais administrativos e fiscais. l. Importa notar que o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (arts. 20.º- l e 268.º-4 da CRP) consubstancia, em si mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais. li. Corolário lógico do monopólio tendencial da solução dos conflitos por órgãos do Estado ou dotados de legitimação pública, tal preceito reconhece vários direitos conexos, primordialmente, o direito fundamental de acesso aos Tribunais. lii. Direito cuja força normativa se intensifica quando em causa está o exercício de um poder sancionatório público por parte de órgãos de natureza administrativa. liii. Assim, considerando o critério da nossa jurisprudência constitucional, não se podem considerar compatíveis com o direito fundamental de acesso à justiça (arts. 20.º e 268.º- 4 da CRP) soluções normativas de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito, liv. Pelo que é forçoso concluir que, a aplicação para fixação das custas devidas pela intervenção do TAD, a título de taxa de arbitragem e de encargos do processo arbitral, do art. 2º, nº 1 e 5, conjugado com a tabela constante do Anexo I (2.ª linha), da Portaria n.º 301/2015, articulado ainda com o previsto nos arts. 76.º/l /2/3 e 77.0/4/5/6 da Lei do TAD), é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2º da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 20º, nº1 e 268º, nº 4 da CRP). lv. Nessa medida, devem essas normas ser desaplicadas (art 204º da CRP), o que desde já se requer. Termos em que se requer a V. Exas. seja o presente recurso julgado procedente, revogando a decisão recorrida, substituindo-a por outra que admita o recurso hierárquico interposto das decisões do Conselho de Disciplina, como alegado supra, com as devidas e legais consequências. Sem prescindir, Requer-se a V.Exas. se dignem julgar inconstitucional a norma do art. 292º-1 do RD, interpretada no sentido de ao prazo de 5 dias referido nesse preceito não acrescer o período de tempo em que o arguido não pôde ter acesso aos elementos de prova, atuando com a diligência devida para os obter, por violação do art. 32.º-10 da CRP. Ainda sem prescindir e sempre subsidiariamente, caso se mantenha a decisão recorrida, requer se, para efeitos da fixação do valor da ação que seja reposta a legalidade e como determina o preceito exposto no art. 32.º-2 do CPTA, que se fixe o valor da ação no montante de € 14.536,00, daí extraindo-se as devidas consequências. Sem prescindir, e ainda caso se mantenha a decisão recorrida, Requer-se, para efeitos das custas devidas pela intervenção do Tribunal Arbitral do Desporto, a desaplicação, prevista no art. 204.º da CRP, da norma resultante da conjugação do disposto no art. 2.º, n.ºs 1 e 5 (e respetiva tabela constante do Anexo 1, 2.ª linha), da Portaria n.º 30112015, com o previsto nos arts. 76.º/l/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP) e da proporcionalidade (art. 2.º da CRP), com as legais consequências».
A FPF contra-alegou e concluiu do modo que segue: Nos termos dos arts 652º, nº 1, al c) e nº 3 e 656º do CPC, a reclamação para a conferência constitui o meio adjetivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objeto do recurso. A reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária. Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pelo recorrente em sede de conclusões, fazendo retroagir o conhecimento do mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito proferida pelo relator.
Fundamentação: De Facto: «1. No dia 10.01.2018, no âmbito de processos sumários decididos pela Secção Profissional (formação restrita) do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, foram proferidas decisões disciplinares que condenaram a Demandante pela prática das infrações disciplinares p. e p. pelos artigos 127.º, nº 1, 180º, nº 3, 183º, nº 2 e 187º, nº 1, als a) e b) todos do RDLPFP2017, ao pagamento de diversas multas no valor total de € 14.536,00, por factos ocorridos no decurso dos jogos realizados (i) entre o Clube Desportivo .......... – Futebol SAD e a Futebol .......... Futebol SAD, disputado em 3 de janeiro de 2018, e (ii) entre a Futebol .......... Futebol SAD e a ..... Sport Clube - Futebol SAD, disputado em 7 de jane iro de 2018, ambos a contar para a Liga …. 2. Estas decisões condenatórias foram notificadas à Demandante, via correio eletrónico, pelos serviços administrativos da Federação Portuguesa de Futebol, no mesmo dia 10 de janeiro de 2018. 3. Também no mesmo dia, as mencionadas decisões disciplinares condenatórias foram publicitadas através do Comunicado Oficial nº ..... da Liga Portuguesa de Futebol Profissional. 4. Ainda no mesmo dia 10 de janeiro de 2018, a Recorrente requereu à Liga Portuguesa de Futebol Profissional, através de correio eletrónico, os relatórios oficiais do jogo disputado entre a Futebol .......... Futebol SAD e a ..... Sport Clube - Futebol SAD. 5. No dia 11 de janeiro de 2018, os serviços administrativos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional remeteram à Demandante, por correio eletrónico, os relatórios oficiais do jogo disputado entre o Clube Desportivo .......... - Futebol SAD e a Futebol .......... Futebol SAD. 6. No dia 17 de janeiro de 2018, através de correio eletrónico, a Demandante requereu novamente à Liga Portuguesa de Futebol Profissional os relatórios oficiais do jogo disputado entre a Futebol .......... Futebol SAD e a ..... Sport Clube - Futebol SAD. 7. No mesmo dia 17 de janeiro de 2018, os serviços administrativos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional remeteram à Demandante, por correio eletrónico, os relatórios oficiais do jogo disputado entre a Futebol .......... Futebol SAD e a ..... Sport Clube - Futebol SAD. 8. No dia 18 de janeiro de 2018, sem que tenha invocado ou alegado qualquer situação suscetível de ser configurada como de justo impedimento, a Demandante interpôs Recurso Hierárquico Impróprio para o pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, tendo por objeto as decisões disciplinares acima referenciadas no facto provado 1. 9. Por despacho decisório proferido em 30 de janeiro de 2018 (decisão singular), esse recurso da Demandante foi considerado intempestivo e rejeitado, não se tendo tomado conhecimento do respetivo objeto. 10. Inconformada, veio a Demandante a interpor Recurso Hierárquico Impróprio para o Pleno da secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol em 1 de fevereiro de 2018, tendo por objeto aquele despacho decisório proferido em 30 de janeiro de 2018, no âmbito do Recurso Hierárquico Impróprio n.0 37-2017/2018, que rejeitou o recurso por extemporaneidade. 1 1. Em 14 de fevereiro de 2018, foi proferido Acórdão pela secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Processo n.º ...../18), no âmbito do qual foi julgado improcedente o Recurso Hierárquico Impróprio apresentado pela demandante e confirmado o despacho decisório recorrido. * A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto julgada provada, resultou da análise crítica e conjugada da prova documenta! carreada para os autos por ambas as partes, com observação do princípio da livre apreciação da prova»
De Direito. Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes: Pelo contrário, considerando que este prazo procedimental de 5 dias se reveste de natureza perentória (cfr. artigo 215.º n. 2 do RDLPFP2017) e que deverá ser contado com observância do disposto nos artigos 14º do RDLPFP2017 e 87º do Código de Procedimento Administrativo, este supletivamente aplicável, resulta claro que tendo sido notificada a decisão disciplinar à Demandante em 10 de janeiro, o decurso daquele mesmo prazo de 5 dias teve o seu início no dia 11 de janeiro (uma quinta-feira), ficou suspenso no fim de semana de 13 e 14, tendo terminado no dia 17 de janeiro». Parece-nos mais prudente a posição da recorrente, pois, como refere M Leal Henriques, em «Procedimento Disciplinar» anotado, 5ª edição, Rei dos Livros, 2007, pág. 394, «só se deve impugnar depois de se saber ao certo do que se impugna». Com efeito, releva em particular o facto de a recorrente pretender impugnar as decisões disciplinares condenatórias, que a puniram com multas, cujo valor total ascendeu a €: 14.536,00, proferidas nos processos sumários que lhe foram instaurados. O processo disciplinar especial sumário vem regulado nos arts 257º e segs do RDLPFP e tem lugar quando estiver em causa o exercício da ação disciplinar relativamente a infrações disciplinares leves ou, em qualquer caso, infrações disciplinares cometidas em jogos oficiais por clubes, dirigentes, jogadores, treinadores, auxiliares técnicos, médicos, massagistas e espectadores sempre que a sanção correspondente não determine a suspensão da atividade por período superior a um mês (art 257º). Mais, o processo sumário é instaurado tendo por base o relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais ou do delegado da Liga, ou ainda com base em auto por infração verificada em flagrante delito (art 258º). Nos termos do artigo 259º: 1. Os relatórios e os autos previstos no artigo anterior são transmitidos com a máxima urgência à Secção Disciplinar que, por intermédio de um dos seus membros designado nos termos do respetivo regimento interno, procederá à aplicação da correspondente sanção mediante despacho sinteticamente fundamentado. 2. A decisão deverá ser proferida no prazo de cinco dias a contar da receção dos documentos referidos no número anterior, sob pena de caducidade do processo sumário. Excecionalmente, no processo sumário são ordenadas diligências complementares (cfr art 260º). As decisões e deliberações condenatórias do órgão decisório disciplinar, adotados no âmbito de um processo sumário, deverão descrever as circunstâncias relativas ao facto sancionado e proceder à sua qualificação disciplinar através da indicação do preceito regulamentar violado (art 222º, nº 1). Ou seja, em processo especial sumário, tal como ocorre no processo penal, a tramitação é simplificada. Nesta forma de processo não ocorre a fase de audiência disciplinar, como sucede no processo comum, momento próprio para a defesa do arguido (cfr arts 214º e 236º). No processo sumário, a aplicação de qualquer sanção disciplinar, não é precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido. Assim, o primeiro momento para o arguido reagir, em requerimento devidamente fundamentado, contra a imputação disciplinar ocorre com a interposição do recurso hierárquico impróprio, dos arts 262º, nº 2, 290º, 292º do RD. Com efeito, todos atos materialmente administrativos [que ponham termo ao procedimento disciplinar] proferidos singularmente pelos membros da Secção Disciplinar, nos casos previstos no presente Regulamento, podem ser impugnados mediante recurso hierárquico impróprio para o pleno da Secção Disciplinar. A ora recorrente foi notificada das decisões condenatórias no dia 10.1.2018, por via de correio eletrónico. Como uniformemente vem decidindo o Supremo Tribunal Administrativo – cfr acórdãos do STA de 18.10.2018, processo nº 144/17; de 20.12.2018, processo nº 8/18; de 21.2.2019, processo nº 33/18; de 21.3.2019, processo nº 75/18; de 4.4.2019, processo nº 40/18; de 2.5.2019, processo nº 73/18; de 19.6.2019, processo nº 1/18 – «A prova dos factos conducentes à condenação do arguido em processo disciplinar não exige uma certeza absoluta da sua verificação, dado a verdade a atingir não ser a verdade ontológica, mas a verdade prática, bastando que a fixação dos factos provados, sendo resultado de um juízo de livre convicção sobre a sua verificação, se encontre estribada, para além de uma dúvida razoável, nos elementos probatórios coligidos que a demonstrem, ainda que fazendo apelo, se necessário, às circunstâncias normais e práticas da vida e das regras da experiência. «O cerne do problema está, obviamente, (i) nos honorários e (ii) na “taxa de arbitragem (forçada)”, mesmo podendo ou não ser casuisticamente reduzida. Assim, temos, por um lado, os honorários numa arbitragem forçada, que não existem nos TACs, e, por outro lado, temos a taxa de arbitragem (forçada), equivalente à taxa de justiça pelo impulso processual no RCP, cujo valor no RCP seria aqui de 2 UCs, 204 euros, muito inferior à do TAD. Dois aspetos distintos e relevantes para a questão em apreço. Assim, aqui, para o TAD arbitrar um litígio no valor de cerca de 3000 euros ou de 100 euros, as custas, onde se incluem nesta sede os honorários dos árbitros, serão sempre superiores a 3000 euros. E é este o problema concreto que o recorrente levanta no presente recurso. Ora, esta situação paratributária não faz sentido, ou melhor, não tem lógica de justiça, nem de proporcionalidade, justiça e proporcionalidade exigidas pelos artigos 2º e 18º/2 da CRP também quanto ao acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigos 20º e 268º da CRP). Não é justificável, justo ou equilibrado condicionar o acesso à justiça com custas processuais de valor muito superior ao valor processual. O que, aliás, adquire particular gravidade quando se trata de arbitragem necessária ou forçada, como foi o caso presente, nos termos expostos. Portanto, ao contrário do direito objetivo invocado pelo recorrente, o cerne do problema não está nos artigos 76º e 77º da Lei do TAD, mas na citada Portaria. Assim, o artigo 2º/1/4 da citada Portaria nº 301/2015 e a 1ª linha da tabela do seu Anexo I violam, no caso presente, os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso à justiça. Há ali um condicionamento excessivo e injustificado do acesso aos tribunais por via tributária ou paratributária, por causa do elevado valor das custas processuais, que podem ser concretamente - e aqui foram - muito superiores ao valor do processo, processo que tem natureza arbitral necessária ou forçada. Tendo aqui – numa arbitragem forçada - aplicado tais regras desproporcionais e injustas, resultando num valor de custas processuais muitíssimo superior ao valor processual e num valor relativamente elevado tendo presente o valor da causa, o colégio arbitral do TAD violou, no caso concreto, os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso à justiça». Não obstante estarmos também aqui face a uma arbitragem forçada, a recorrente foi condenada no pagamento das custas processuais, no valor de €: 6.014,70, considerando o valor da causa fixado pelo tribunal recorrido, de €: 30.000,01. Notifique. * Lisboa, 2019-10-10,
(Alda Nunes)
(Carlos Araújo)
(Sofia David – em substituição). |