Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:375/23.3BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:06/27/2024
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ATOS DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
EFEITOS DO RECURSO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Sumário:I. A jurisprudência deste STA consolidou-se no sentido de que a reclamação com subida imediata mantém o efeito suspensivo do ato reclamado ou mesmo da execução fiscal sob pena de inutilidade prática e consequente violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268.º, n.º 4, da CRP, efeito que, deve manter-se até que a decisão a proferir na reclamação judicial transite em julgado.
II. O erro na forma do processo, constitui uma nulidade de conhecimento oficioso, decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, aferida pelo pedido.
Votação:Unamidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

H..., LDA. (ZONA FRANCA DA MADEIRA), melhor identificada nos autos, tendo sido citada no processo de execução fiscal n.º 2810202301197665, instaurado no Serviço de Finanças do Funchal 1, para cobrança coerciva de dívida proveniente da liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2013, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira veio apresentar reclamação, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 276.º e seguintes do CPPT.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Funchal, por decisão de 21 de novembro de 2023, considerou verificada a exceção de erro na forma do processo, inviável a sua convolação no meio processual adequado e rejeitou liminarmente a reclamação judicial deduzida.

Inconformada, a reclamante H..., LDA. (Zona Franca Da Madeira), veio recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que decidiu pela rejeição liminar da reclamação judicial deduzida pela ora Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 276.° e seguintes do CPPT, da decisão do órgão de execução fiscal, de não aplicação in totum das regras de natureza processual tributária aplicáveis no âmbito do processo de execução fiscal, em razão da natureza da dívida em causa no processo de execução fiscal n.° 2810202301197665, para cobrança coerciva de IRC, do período de tributação de 2013, no montante de € 281.652,68, acrescido de custas processuais e encargos no montante de € 1.011,49, totalizando a quantia de € 282.664,17, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira.

B. A Sentença recorrida padece de erro de julgamento, quanto à identificação e juízo do objeto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente.

C. De facto, entendeu a Sentença recorrida que o objeto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente é o ato de citação para o processo de execução fiscal acima identificado, e os respetivos vícios que lhe são imputáveis.

D. Em função de tal perceção (errónea) do objeto da reclamação, concluiu pela sua rejeição liminar, em razão da alegada verificação de erro na forma de processo, arguindo que o conhecimento de vícios imputáveis à citação do executado é da competência do órgão da execução fiscal, nos termos do disposto no artigo 10.°, n.° 1, alínea f) do CPPT.

E. Contudo, salvo o devido respeito, que é muito, o ato de citação (e a violação das respetivas formalidades legais) não é o objeto da reclamação judicial aqui em causa.

F. O objeto da reclamação judicial em causa é, ao invés, a decisão administrativa em matéria fiscal, proferida pela Exma. Sr.- Diretora de Finanças do Funchal, de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda - decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal.

G. Com efeito, do conteúdo da citação é possível inferir que o órgão de execução fiscal tomou a decisão deliberada de aplicar de modo fragmentado o processo de execução fiscal à recuperação de auxílios de estado (de resto, sem habilitação legal) - desaplicando, em concreto, as regras que preveem a possibilidade de pagamento da dívida em prestações e suspensão do processo mediante a constituição de garantia idónea ou a sua dispensa -, em razão da natureza e das características da dívida.

H. A indicação de que a supressão de determinadas garantias decorre "da natureza e características da dívida" corresponde a uma fundamentação - manifestamente insuficiente - de um ato administrativo.

I. Não está, assim, em causa a sindicância do ato de citação, mas antes do ato administrativo prévio que determinou a elaboração dos atos de citação nos termos em que o foram.

J. No caso concreto, os vícios formais da citação mais não são do que a decorrência da execução da decisão administrativa que lhes serve de base: a não concessão de possibilidade de suspensão da execução não decorre de um lapso ou incorreção da citação, que, pela sua incompletude ponha em causa o direito à informação do contribuinte sobre os seus direitos e garantias processuais, mas sim o resultado da convicção da AT de que as regras do processo tributário são aplicáveis à recuperação do auxílio mas apenas na medida em que, na sua interpretação, não ponham em causa o principio da efetividade da decisão de recuperação do auxilio, revelando assim todo um esforço hermenêutico que necessita ser escrutinado.

K. Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, no requerimento de arguição de nulidades da citação apenas podem ser invocados os vícios formais da citação, decorrentes da falta dos requisitos prescritos pela lei, mas não o mérito das decisões administrativas que lhe subjazem, sendo essa a razão que conduziu a Recorrente a apresentar a reclamação judicial em apreço.

L. No presente caso, dúvidas não subsistem que não está apenas em causa a violação das formalidades da citação, mas antes a execução de uma decisão da AT tomada em função da natureza e características da dívida, decisão essa que não pode deixar de ser escrutinada pelo Tribunal.

M. No entendimento da Recorrente, ou a AT considera que está a executar um imposto e tem de o fazer nos termos das normas de processo tributário aplicáveis in totum,

N. ou entende que a dívida em execução não tem a natureza de imposto e aplica as regras que se mostrem apropriadas a esse efeito e que legitimam a sua atuação, identificando-as para que o contribuinte possa exercer os seus direitos.

O. O que a AT não pode fazer, na perspetiva da Recorrente, é aplicar parcialmente um regime processual, que foi concebido como um conjunto coerente de direitos e deveres, com base em critérios que não se conhecem e sem indicação de qualquer base legal.

P. Deste modo, a Recorrente não pode concordar com tal decisão, pois - tal como mais bem explicitado na reclamação judicial deduzida-, a mesma padece de (i) vício de falta de fundamentação, não sendo inteligível qual a motivação e base legal para considerar derrogadas as disposições legais constantes dos artigos 163.°, 169.°, 189.°, 190.°, 196.°, 200.° do CPPT e artigo 52.° da LGT, e, ainda, de (ii) ilegalidade por violação de lei, em concreto, dos mencionados artigos.

Q. Ora, esta decisão de desaplicação de parte da legislação processual tributária não se confunde com a citação, sendo antes a citação, nos termos em que foi efetuada, o resultado e a materialização da decisão que que foi tomada.

R. Assim sendo, estamos perante uma decisão da AT, proferida no âmbito de um processo de execução fiscal, que é contestável por meio da reclamação judicial prevista no artigo 276.° e seguintes do CPPT, não havendo qualquer erro na forma de processo.

S. Nos termos do artigo 276.° do CPPT, as decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal que, no processo, afetem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro, são suscetíveis de reclamação para o Tribunal Tributário de primeira instância.

T. No presente caso, sendo o ato sob reclamação a decisão de aplicação das regras de processo tributário à recuperação de auxílios de estado com recusa do direito a realizar pagamento em prestações da alegada dívida e, bem assim, de apresentar garantia idónea para suspensão do processo, dúvidas não subsistem de que a decisão em causa afeta legítimos direitos e interesses da Recorrente, circunstância que lhe confere legitimidade processual para reclamar da mesma.

U. Em face de tudo quanto vem de se expor, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos.

Nestes termos e nos mais de Direito requer-se a V. Exa. se digne admitir o presente recurso e julgá-lo procedente, por provado, revogar a Sentença recorrida, e substituí-la por outra que determine o prosseguimento dos autos.»


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A Recorrida (Autoridade Tributária e Assuntos Ficais da RAM), devidamente notificada para o efeito, vem responder, contudo, sem formular conclusões.

A final pede para:

«i) ser julgada procedente a nulidade de erro na forma do processo e, em consequência, ser ordenada a convolação dos autos na forma adequada; ou, caso assim não entenda V. Exa.

ii) ser julgada a presente reclamação de atos de órgão de execução fiscal totalmente improcedente, por não provada, e em consequência, ser a Fazenda Pública absolvida do pedido, tudo com todas as legais consequências»


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Apreciando o STA, considerou que:

“I - A competência em razão da hierarquia para conhecer de recurso da sentença proferida por um tribunal tributário de 1.ª instância só é do Supremo Tribunal Administrativo se o recurso for de decisão de mérito, tiver por exclusivo fundamento matéria de direito, o valor da causa for superior à alçada dos tribunais centrais administrativos e o valor da sucumbência exceda metade da alçada do tribunal de que se recorre [arts. 26.°, alínea b), e 38.°, alínea a), do ETAF, e art. 280.°, n.°s 1 a 3, do CPPT].

II - Se a decisão recorrida não for de mérito, deve o Supremo Tribunal Administrativo declarar-se incompetente em razão da hierarquia e remeter os autos ao tribunal central administrativo que seja competente para apreciar o recurso (cfr. arts. 16.°, n.°s 1 e 2, 18.°, n.° 1, do CPPT).”

Face ao que declarou o Supremo Tribunal Administrativo incompetente, em razão da hierarquia, para o conhecimento do presente recurso jurisdicional e atribuiu tal tarefa a este Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), para onde os autos vieram remetidos.


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Os autos foram com vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, que acompanhando os fundamentos alicerçados na sentença recorrida, se manifestou no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa de vistos legais, atento o carácter urgente dos presentes autos, vêm os mesmos submetidos à conferência desta Subsecção para decisão.

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2 – OBJECTO DO RECURSO

Antes de mais, importa referir que, independentemente das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito de intervenção do tribunal (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Assim e constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Na situação em análise a questão importa apreciar consiste em saber se a sentença errou no julgamento que fez quanto à verificação do erro na forma de processo e quanto à inviabilidade de convolação da petição inicial em requerimento dirigido ao Órgão de Execução Fiscal.


3 – FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
Na sentença, o Mmo. Juiz do TAF do Funchal, para conhecer como o fez, ou seja, para rejeitar liminarmente a reclamação, não autonomizou de forma expressa a matéria de facto de suporte ao decidido.
Assim e, para melhor compreensão, deixamos aqui transcrita, na íntegra a decisão recorrida:

«H..., LDA. (ZONA FRANCA DA MADEIRA), doravante Reclamante, contribuinte fiscal n.° 511 156 685 e sede na Rua …., n.° 15, 2.° andar, Letra …, 9000-058 Funchal, citada no processo de execução fiscal n.° 2810202301197665 instaurado para cobrança coerciva do acto de liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2013, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira, deduz reclamação ao abrigo dos artigos 276.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Alega, em síntese, que a citação incorpora uma tomada de decisão da Administração Tributária no sentido de executar uma dívida de acordo com regras procedimentais aparentemente diversas das estabelecidas na lei.

Sustenta que o conteúdo da citação não corresponde aos termos habitualmente utilizados nas citações em processos de execução fiscal.

E que o processo executivo padece de dois vícios, a nulidade da citação e a ilegalidade da decisão do órgão da execução fiscal contida na citação, ao vedar a possibilidade de pagamento em prestações e a possibilidade de ser conferido efeito suspensivo à oposição à execução fiscal.

Refere que a decisão reclamada padece dos vícios de falta de fundamentação e de violação de lei pela derrogação que efectua das garantias conferidas no processo tributário.

No mais sustenta que não identifica qualquer norma comunitária que derrogue as normas de processo tributário e que o princípio da legalidade não é compatível com a derrogação de normas legais por mera decisão administrativa.

Finalmente defende a subida imediata da Reclamação ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal e o efeito suspensivo da mesma.

Pugna pela procedência da Reclamação e pede para este Tribunal anular o acto reclamado. 


*

Cumpre apreciar liminarmente.

Nulidade da citação

É manifesto que a tutela jurídica pretendida pela Reclamante, aferida pelo pedido, consiste na anulação do acto de citação por do mesmo constar, designadamente:

“3) Pode ainda, no referido prazo de 30 dias, querendo:

“a) (...).

b) Apresentar Oposição Judicial, com os fundamentos previstos na lei não revestindo este meio de defesa carácter suspensivo da execução atendendo à natureza da dívida em causa.

4) Face às características da dívida, não poderá requerer o pagamento em prestações.”

De forma expressa a Reclamante autonomiza nos artigos 65.° e 66.° da petição inicial dois alegados vícios que imputa ao acto de citação:

Um de natureza formal, de nulidade da citação decorrente da falta de inclusão de elementos legalmente exigidos.

E outro, de natureza material, referente a uma alegada decisão do órgão de execução fiscal, incluída na própria citação, ao vedar: (i) a possibilidade de pagamento em prestações e, (ii) a possibilidade de ser conferido efeito suspensivo à oposição à execução fiscal.

Contudo, o que está em causa, em ambos os vícios configurados pela Reclamante é uma violação de formalidades legais pelo acto de citação.

Com efeito, resulta do art. 190.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que o acto de citação para a execução fiscal deve conter determinadas formalidades.

E, na verdade, os fundamentos que a Reclamante invoca na causa de pedir reconduzem-se à alegada violação dessas formalidades, ou seja a irregularidades da citação, cuja verificação é fundamento para a nulidade da citação, cf. art. 191.° do Código de Processo Civil ex vi do art. 2.°, alínea e), do Código de Processo Civil.

Por outro lado, o conhecimento de vícios ocorridos no processo de execução fiscal por violação de regras relativas à citação do executado, quer formais, quer materiais, é da competência do órgão da execução fiscal ao abrigo do disposto na norma de competência prevista no art. 10.°, n.° 1, alínea f), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Assim, qualquer irregularidade cometida no acto de citação, seja por omissão de formalidades legais, seja por violação de formalidades legais, não é susceptível de reacção directa do executado para o Tribunal Tributário, constituindo o meio processual previsto no art. 276.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, um meio inadequado à pretensão da tutela jurídica pretendida pela Reclamante.

E a nulidade da citação deve ser arguida em primeira linha junto do órgão da execução fiscal, e, apenas dessa decisão, cabe reclamação para o Tribunal Tributário. Cf. Acórdão do STA de 24/02/2010, processo n.° 923/08, e Acórdão do STA de 05/07/2012, processo n.° 873, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Concluindo, o acto praticado pelo órgão da execução fiscal foi o acto de citação e qualquer reacção jurídica a esse acto, pelo executado, quer quanto a aspectos formais desse mesmo acto, quer quanto ao seu conteúdo, não é directamente feita para o Tribunal Tributário, antes deve ser suscitada no processo de execução fiscal mediante requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal.

Em face do exposto ocorre o erro na forma de processo, o qual é uma nulidade de conhecimento oficioso decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão peticionada.

Coloca-se ainda a possibilidade de convolação da petição inicial por este Tribunal (em virtude do erro na forma de processo utilizado) da petição inicial em requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal, cf. art. 98.°, n.° 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e art. 97.°, n.° 3 da Lei Geral Tributária.

Contudo, uma vez que a Reclamante expressamente refere, cf. arts. 66.° e 83.° do respectivo articulado, que apresentou e/ou vai apresentar um requerimento de arguição da nulidade da citação na execução, a convolação revela-se um acto inútil e, como tal, vedado por lei. Cf. art. 130.° do Código de Processo Civil.

Em fase de controlo liminar do processo, o erro na forma de processo é fundamento para a rejeição da petição inicial.


*

Custas pela Reclamante, nos termos do art. 527.°, n.° 1 e n.° 2, do Código de Processo Civil.

*

Fixo à presente acção o valor de €282.664,17 - cf. art. 97.° - A, n.° 1, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

*

Decisão

Face ao exposto, rejeito liminarmente a Reclamação. Custas pela Reclamante.

(…)»


»«

Ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC, por se relevarem úteis para a boa decisão da causa e, ainda porque, se encontrarem documentalmente demonstrados nos autos, julgam-se provados os seguintes factos:

1. O processo de execução fiscal n.° 2810202301197665, foi instaurado, no Serviço de Finanças do Funchal1, contra a sociedade, H..., LDA. (ZONA FRANCA DA MADEIRA), por dívidas de IRC de 2013, decorrente do processo de recuperação de auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira - cfr. consta dos autos;

2. Por ofício datado de 18/10/2023, emitido pelos serviços da AT (S.F. Fuchal-1 _ Av. Calouste Gulbenkian 2 Funchal 9004-503) , a Reclamante foi citada no âmbito do processo de execução fiscal supra enunciado, do qual consta o que a seguir, para o que aqui releva, se transcreve:
“Fica citado(a)1 da instauração do processo de execução fiscal identificado para cobrança da seguinte dívida:
1) A dívida em causa decorre do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira 2, podendo ser consultada na sua área reservada do Portal das Finanças 3.
2) A contar da presente citação deverá pagar a totalidade da dívida no montante total de € 282 664,17, no prazo de 30 dias, (…);
3) Pode ainda, no referido prazo de 30 dias, querendo:
a) Requerer Dação em Pagamento 4, através de bens móveis e imóveis;
b) Apresentar Oposição Judicial 5, com os fundamentos previstos da lei não revestindo este meio de defesa carácter suspensivo da execução atendendo à natureza da dívida em causa.
4) Face às características da dívida, não poderá requerer o pagamento em prestações.
Nota:
1 Citação – artigos 189º, 190º e 192º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (…).
2 Decisão (UE) 2022/1414 da Comissão de 4 de dezembro de 2020 relativa ao regime de auxílios SA.21259 (2018/C) (ex-2018/NN) aplicado por Portugal a favor da Zona Franca da Madeira (ZFM) — Regime III, publicado no Jornal Oficial da União Europeia nº L217/49 de 28-08-2022.
3 Área reservada no Portal das Finanças em (…)
4 Dação em Pagamento – artigo 201º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (…).
5 Oposição – artigo 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (…).
6 As custas foram calculadas em função da fase processual e dos encargos.
O Director de Finanças”

Tudo cfr. documento de Citação Pessoal – Doc. 1 junto à petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. Em 31/10/2023, na sequencia da citação, a sociedade identificada em 1., deste probatório, apresentou junto do S.F do Funchal 1, reclamação de atos do órgão de execução fiscal (artigo 276.º do CPPT), “de não aplicação das regras de natureza processual tributária aplicáveis no âmbito do processo de execução fiscal, em razão da natureza da dívida em causa no processo de execução fiscal acima identificado, com base na sua ilegalidade”, como refere no requerimento que antecede a dita reclamação - cfr. consta de fls.2v dos autos em formato papel que aqui se dá, aqui, por integralmente reproduzido.

4. Na petição inicial de reclamação contra a decisão do órgão de execução fiscal mencionada no ponto anterior é formulado o seguinte pedido:

”Nestes termos e nos mais de Direito se requer a este Tribunal se digne admitir a presente reclamação, com efeito suspensivo e subida imediata nos autos, e julgá-la procedente por provada, anulando o ato reclamado, com as demais consequências legais. “

- cfr. p.i constante a fls. 3v e seguintes dos autos em formato papel.

Estabilizada a matéria de facto, prosseguimos.

De direito

Questão prévia
Encetamos a nossa análise pela apreciação do efeito fixado ao presente recurso jurisdicional, já que, no respetivo despacho de admissão, o Tribunal a quo fixou-lhe, efeito meramente devolutivo.

Ora, como sabemos e resulta do n.º 5 do artigo 641.º do CPC, a decisão que admita o recurso, que lhe fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode, em regra, ser impugnada pelas partes, o que significa que se trata de um despacho que não forma caso julgado formal, tem apenas a finalidade de regular ou disciplinar o andamento ou a tramitação processual e por conseguinte pode/deve ser alterado no tribunal de recurso.

Nesta matéria, acolhemos, por facilidade o que se deixou dito no Acórdão do STA proferido em 02/04/2020 no proc. 0600/19.5BELLE, e que é o seguinte: “[O]s recursos podem dois efeitos: devolutivo ou suspensivo. Todos os recursos têm efeito devolutivo, que consiste na devolução da competência para conhecer da questão decidida ao tribunal de hierarquia superior, para que este anule ou reveja a decisão recorrida, revogando-a ou confirmando-a; quanto à eficácia da decisão recorrida na pendência do recurso, ela em nada é afetada, tudo se passando como se o recurso não tivesse sido interposto, podendo, em regra, a decisão recorrida ser executada de imediato. O efeito suspensivo, que pode acrescer ao efeito devolutivo, manifesta-se por dois modos, que podem ocorrer simultaneamente: efeito suspensivo da decisão, que impede a execução da sentença ou a produção dos efeitos por ela visados, e efeito suspensivo da marcha do processo, que implica que o processo não prossiga no tribunal onde foi proferida a decisão até estar decidido o recurso (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 2011, 6.ª edição, volume IV, nota 10 ao art. 279.º, pág. 332, e notas 6 a 9 ao art. 286.º, págs. 508 a 510. Cfr. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2009, 9.ª edição, págs. 186/187.).
Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 286.º do CPPT, «Os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos».
Porque no caso não foi prestada garantia, o efeito suspensivo só poderá ser decretado ao abrigo da segunda parte da norma transcrita. Assim, será que o mero efeito devolutivo afecta o efeito útil do recurso?
Como bem salientou o Procurador-Geral-Adjunto no seu parecer, estamos perante um processo de reclamação de acto que subiu imediatamente a tribunal, ao abrigo do disposto no art. 278.º do CPPT. Ora, se é certo que actualmente (()Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013, na alínea n) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT (que passou a dizer «O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso», quando anteriormente dizia «O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal») e na alínea d) do art. 101.º da LGT (que passou a dizer «O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso», quando antes dizia «O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal») – a subida da reclamação a tribunal deixou de ser efectuada no próprio processo de execução fiscal, passando a sê-lo por apenso. De igual modo, as alterações introduzidas no art. 278.º do CPPT pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015 – eliminação, na epígrafe da norma, da referência ao “efeito suspensivo” e previsão no n.º 5 de que «A cópia do processo executivo que acompanha a subida imediata da reclamação deve ser autenticada pela administração tributária») o efeito suspensivo dessa reclamação sobre a execução fiscal não tem consagração legal expressa, a jurisprudência deste Supremo Tribunal consolidou-se no sentido de que a reclamação com subida imediata mantém o efeito suspensivo do acto reclamado ou mesmo da execução fiscal (()Que, antes das alterações referidas na nota anterior, decorria, de facto, da remessa do processo de execução fiscal a tribunal, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., IV volume, anotação 2 d) ao art. 278.º, págs. 302/303), sob pena de inutilidade prática e consequente violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado no art. 268.º, n.º 4, da CRP (()Cfr. entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 21 de Fevereiro de 2018, proferido no processo com o n.º 91/18, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a58f7880e2f3cc3 e8025823d00565c63;
- de 20 de Junho de 2018, proferido no processo com o n.º 480/18, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/a3eb60b6ea69023f802582b4004bb488;
- de 26 de Junho de 2019, proferido no processo com o n.º 23/18.3BEBJA (821/18), disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d32ba0c39ecb9d 758025842c0051c950;).
Ora, esse efeito suspensivo, que, no caso, é não só do acto reclamado como do próprio processo de execução fiscal (()estando em causa a validade da citação, o efeito suspensivo da reclamação sobre o acto reclamado implica a suspensão da própria execução fiscal), deve manter-se até que a decisão a proferir na reclamação judicial transite em julgado.” – fim de citação

Dito isto e de volta à situação que nos ocupa, damos conta, in casu, a reclamação subiu imediatamente, tendo sido invocado o prejuízo irreparável (278º n.º 3 do CPPT).

Assim e seguindo o entendimento jurisprudencial acabado de expor, torna-se, para nós, imperioso concluir que o efeito do recurso decorrente da subida imediata da reclamação do ato do órgão de execução deve ser o efeito suspensivo.

Termos em que se revoga o despacho que conferiu o efeito meramente devolutivo ao presente recurso jurisdicional, fixando-se, ao invés, efeito suspensivo.


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Prosseguindo
Na análise dos autos damos conta que a questão que aqui se levanta foi já objeto de apreciação neste tribunal em vários processos, em tudo idênticos aquele que, ora, nos cumpre apreciar, termos em que passaremos a seguir, transcrevendo, como temos feito, o discurso fundamentador adotado no processo 27/24.7BEFUN.

Diz-se ali assim:

«Como vimos já, ao deixarmos transcrita na íntegra a decisão recorrida, o TAF do Funchal, considerando que “o acto praticado pelo órgão da execução fiscal foi o acto de citação”, concluiu que o mesmo não é diretamente atacável junto do Tribunal Tributário, devendo antes qualquer questão atinente à citação “ser suscitada no processo de execução fiscal mediante requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal”. Assim, considerou a sentença estarmos perante um “erro na forma de processo, o qual constitui uma nulidade processual decorrente do uso de um meio processual inadequado àpretensãopeticionada”.

Colocada a possibilidade de convolação da petição inicial em requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal, para que aí seja apreciada a pretensão da Reclamante, o Mmo. Juiz considerou que tal convolação revelar-se-ia um acto inútil e, como tal, vedado por lei, “uma vez que a Reclamante expressamente refere, cf. arts. 53º e 71º do respectivo articulado, que apresentou e/ou vai apresentar um requerimento de aguição da nulidade no processo de execução fiscal”.

Discordando do assim decidido, a Recorrente alega, em síntese, que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, quanto à identificação e juízo do objeto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente. De facto, entendeu a sentença recorrida que o objeto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente é o acto de citação para o processo de execução fiscal acima identificado, e os respetivos vícios que lhe são imputáveis. E em função de tal perceção (errónea) do objeto da reclamação, concluiu pela verificação do erro na forma do processo, pela nulidade do mesmo e pela absolvição da Fazenda Pública da instância, arguindo que o conhecimento de vícios imputáveis à citação do executado é da competência do órgão da execução fiscal, nos termos do disposto no artigo 10.°, n.° 1, alíneaf) do CPPT.

A alegação feita neste recurso é semelhante à que consta de outros processos, nomeadamente, do Proc. n° 320/23.6 BEFUN cujo acórdão foi proferido em 14/03/2024, sendo a questão essencial a mesma, embora a Reclamante seja diferente.

Iremos seguir de perto o referido acórdão, mas sempre com as devidas adaptações ao caso concreto.

Alega a recorrente que o objeto da reclamação judicial em causa é, ao invés, a decisão administrativa em matéria fiscal, proferida pela Exma. Sr.a Diretora de Finanças do Funchal, de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda - decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal. Com efeito, do conteúdo da citação é possível inferir que o órgão de execução fiscal tomou a decisão deliberada de aplicar de modo fragmentado o processo de execução fiscal à recuperação de auxílios de estado (de resto, sem habilitação legal) - desaplicando, em concreto, as regras que preveem a possibilidade de pagamento da dívida em prestações e suspensão do processo mediante a constituição de garantia idónea ou a sua dispensa -, em razão da natureza e das características da dívida. Pelo que não está, assim, em causa a sindicância do ato de citação, mas antes do acto administrativo prévio que determinou a elaboração dos atos de citação nos termos em que o foram.

Vejamos então.

A Recorrente, face ao teor da citação emitida em 08/11/2023 (como consta do ponto 2 por nós aditado ao probatório; leia-se, aqui, ponto 2 dos factos provados), reagiu, apresentando reclamação nos termos do art. 276º do CPPT, pedindo a anulação do acto de citação, mencionando expressamente na petição inicial “Entende assim a Reclamante que o presente processo executivo padecerá de dois vícios: um de natureza formal, de nulidade da referida citação decorrente da falta de inclusão de elementos legalmente exigidos (razão pela qual a Reclamante irá, dentro dos prazos legais para o efeito, apresentar requerimento de arguição de nulidade de citação, nos termos do disposto no artigo 191º do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi alínea e), do art. 2° do CPPT), e um vício material, da ilegalidade da decisão do órgão de execução fiscal, incluída na própria citação, quando a AT vem expressamente vedar (i) a possibilidade de pagamento em prestações e (ii) a possibilidade de ser conferido efeito suspensivo à oposição à execução fiscal (que desde já se atencipa, vai ser proposta pela ora Reclamante, ou à reclamação graciosa que a Reclamante irá apresentar.”

Aqui chegados, importa desde já salientar que o erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (artigos 193° e 196° do CPC) sendo que a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte (cfr. Ac. do STA de 21/11/2019 - proc. 0670/15.5BEAVR).

Da mesma forma, no processo judicial tributário, o erro na forma do processo configura uma nulidade processual de conhecimento oficioso, sendo sanada mediante convolação para a forma do processo correta, importando, apenas a anulação dos atos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr. artigo 97.°, n.° 3, da LGT e artigo 98.°, n.° 4, do CPPT).

In casu, é manifesto que a tutela jurídica pretendida pela Reclamante, aferida pelo pedido, consiste na anulação do acto da citação, tal como decidiu o Tribunal a quo.

O art. 190° do CPPT consagra as formalidades das citações, sendo que de acordo com o n° 2 dessa disposição legal “A citação é sempre acompanhada da nota indicativa do prazo para oposição, ou para dação em pagamento, nos termos do presente título, bem como da indicação de que, nos casos referidos no artigo 169.° e no artigo 52.° da lei geral tributária, a suspensão da execução e a regularização da situação tributária dependem da efectiva existência de garantia idónea, cujo valor deve constar da citação, ou em alternativa da obtenção de autorização da sua dispensa”.

O pedido da Reclamante de anulação do acto reclamado assenta em alegadas irregularidades da citação, cuja verificação é fundamento para a nulidade da mesma (art. 191.° do CPC ex vi do art. 2.°, alínea e), do CPPT).

Salienta-se ainda que o conhecimento de vícios que possam ter ocorrido no processo de execução fiscal por violação de regras relativas à citação do executado, quer formais, quer materiais, é da competência do órgão da execução fiscal ao abrigo do disposto no art. 10.°, n.° 1, alínea f), do CPPT.

Qualquer irregularidade cometida no acto de citação, seja por omissão ou por violação de formalidades legais, não é suscetível de reclamação directa do executado para o Tribunal Tributário, constituindo o meio processual previsto no art. 276.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário um meio inadequado à pretensão da tutela jurídica, devendo ao invés, ser suscitada no processo de execução fiscal mediante requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal.
Concluindo, a sentença ao ter decidido nos termos em que o fez, ou seja, no sentido da verificação do erro na forma de processo procedeu de forma acertada.

Aliás, é a própria Reclamante que nos artigos 53° e 54° (aqui, 53° e 71° da p.i) da reclamação alega ir apresentar, quanto ao alegado vício formal, requerimento de arguição da nulidade da citação, nos termos do art. 191o do CPC; e quanto ao alegado vício material ir propor oposição à execução fiscal, ou reclamação graciosa.

Já em sede de alegações de recurso (art. 31º) alega que para além da reclamação judicial, requereu a declaração de nulidade da citação realizada e deduziu oposição à execução fiscal.

Face ao exposto, bem andou o Tribunal a quo, quando colocada a possibilidade de convolação da petição inicial em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal - cfr. art. 98º, n° 4 do CPPT, e art. 97º, n° 3 da LGT- considerou tal convolação um acto inútil e como tal vedado por lei, cfr. art. 130° do CPC, pois a Reclamante já o tinha apresentado ou ia apresentar, como se veio a confirmar por declaração expressa da recorrente.

Importa, pois, confirmar a decisão recorrida.

Em face do que aqui se decide, fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos invocados pela Recorrente ». - fim de citação.

O acórdão transcrito é aqui inteiramente aplicável, como se disse.

Tenhamos ainda presente que sobre a questão que aqui nos ocupou, colocada em idênticos termos, também o STA já se pronunciou em moldes semelhantes à posição que aqui foi adotada.

Lê-se no sumário do acórdão do STA, de 06/03/24, proferido no processo n° 0309/23.5BEFUN, que:

« (-)

III - Inexistindo qualquer decisão do órgão da execução fiscal quanto aos termos em que deve ser efectuada a citação, eventuais irregularidades deste acto não podem ser assacadas a uma putativa decisão, que não pode ser erigida em objecto de reclamação judicial deduzida ao abrigo do disposto nos arts. 276.° e segs. do CPPT.

IV - Eventuais invalidades do acto de citação não podem ser invocadas como fundamento autónomo da reclamação judicial prevista nos arts. 276.° e segs. do CPPT, antes devendo ser suscitadas junto do órgão da execução fiscal, com reclamação judicial de eventual decisão desfavorável”.

Em tal aresto, o Supremo enfrentou a questão, que aqui também vem colocada, de a Recorrente discordar “do entendimento adoptado na sentença, de que não pode considerar-se que o acto reclamado seja outro que não a citação. Como deixámos dito, continua a sustentar que «[o] objecto da reclamação judicial em causa é a decisão administrativa em matéria fiscal - de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda - decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal».

Na verdade, na petição inicial a Executada identificou o acto reclamado como «a decisão proferida pela Ex.ma Sr.a Directora de Finanças do Funchal de não aplicação in totum das regras de natureza processual tributária aplicáveis no âmbito do processo de execução fiscal, em razão da natureza da dívida em causa no processo de execução»

Mas, como bem salientou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, essa decisão administrativa não existe - ou, pelo menos, não há motivo para a autonomizar do acto de citação -, sendo que a alegação da ora Recorrente «não encontra o menor respaldo no processo de execução fiscal», na medida em que não foi proferida pelo órgão da execução fiscal decisão autónoma alguma, designadamente quanto à «aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda».

Ora, a este propósito, o STA considerou o seguinte:

Lidas as alegações constantes da petição inicial, concluímos, com a sentença, que o acto que a Executada considera enfermar de algumas ilegalidades - designadamente, as referências, insuficientemente fundamentadas, à impossibilidade de prestação de garantia em ordem à suspensão da execução fiscal por dedução de oposição à execução fiscal e à impossibilidade de pagamento em prestações - não pode ser senão o acto de citação.

Ora, como também bem referiu a sentença, com referência à jurisprudência pertinente (A sentença refere o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Setembro de 2012, proferido no processo com o n.° 1075/11, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/94a5eb6a7d13630180257a8700375a1a.

No mesmo sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 24 de Fevereiro de 2010, proferido no processo com o n.° 923/08, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf7-/6603a143389bd257802576dd00504304 e de 5 de Julho de 2012, proferido no processo com o n.° 873/11, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/- /4bb3a5d51765e00680257a3a00584450.), «da arguição de invalidades, cabe em primeira linha decisão do próprio Órgão de Execução, mediante requerimento para o efeito do Executado (no caso de invalidades da citação, a apresentar no prazo de oposição - 30 dias -, nos termos do n.° 2 do art. 191.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. e) do art. 2.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário), e, não concordando com a decisão o seu destinatário, poderá então recorrer dessa decisão para o Juiz da execução, nos termos consignados nos arts. 276.° e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que constituirá, como já se apontou, um processo judicial de matriz urgente, incidental da execução fiscal» - fim de citação.

Face ao que se mostra confirmando o que, também nós, já antes havíamos concluído, fica óbvio e forçoso concluir que a Recorrente não tem razão.

A título de nota final dir-se-á ainda que as pretensões da Reclamante, ora Recorrente, quanto à possibilidade de pagar a dívida em prestações e/ou beneficiar da suspensão da execução com prestação/dispensa de garantia (conclusão G) devem ser requeridas junto do órgão da execução fiscal, assegurando a lei o controlo judicial da decisão que sobre tais pretensões venha a recair (artigo 276° e ss do CPPT).

Assim, face a tudo quanto foi exposto, resta, pois, concluir pela improcedência das conclusões que vimos de analisar, negando-se provimento ao recurso.

4 - DECISÃO
Em face do exposto, acordam, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente

Registe e Notifique.

Lisboa, 27 de junho de 2024


Hélia Gameiro Silva – Relatora
Isabel Vaz Fernandes - 1.ª Adjunta
Lurdes Toscano - 2.ª Adjunta
(Com assinatura digital)