Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:934/11.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/06/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:REVERSÃO
GERÊNCIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - O exercício efetivo de funções de gestão é um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária dos gerentes.
II - Cabe à Administração Tributária o ónus da prova do exercício efetivo de funções de gerente por parte do revertido.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública veio apresentar recurso da sentença proferida a 28/04/2017 pelo Tribunal Tributário («TT») de Lisboa, que julgou procedente a oposição judicial deduzida por M…, melhor identificada nos autos, ao processo de execução fiscal («PEF») n.º 3247200401083503 e apensos (3247200501032780, 3247200501034979, 3247200501036084, 3247200501038583, 3247200501093932, 3247200501103768, 3247200501106660, 3247200701074016, 3247200801007068, 3247200801139312 e 3247200901095528), contra si revertidos, depois de originariamente instaurados contra a sociedade E… & G… Lda., para cobrança de dívidas de IVA dos anos de 2004 a 2007, IRS (retenções na fonte) do ano de 2004 e IRC dos anos de 2004 a 2006, no valor total de 15.579,38 Euros.

A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:

«I) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou totalmente procedente a oposição deduzida pela Oponente, M…, com o contribuinte n.º 1…, na qualidade de responsável subsidiária da sociedade devedora originária contra o processo de execução fiscal n.º 3247200401083503 e apensos, que consubstanciam a cobrança coerciva do IVA dos anos de 2004 a 2007, e de retenção na fonte relativos ao IRS e ao IRC, relativo ao exercício contabilístico de 2004, 2005 e 2006, no valor de €15.579,38.
II) A sentença recorrida proferiu a extinção do processo de execução fiscal (pef) n.º 3247200401083503 e apensos, considerando o pedido procedente devido à falta de prova do exercício da gerência de facto, por parte da Oponente.
III) Não pode a Fazenda Pública concordar com a douta decisão, primeiro porque é entendimento que o regime a atender será o constante no artigo 24.º da Lei Geral Tributária (LGT), tal como é dito na douta sentença, segundo porque existe uma vontade expressa pela ora Oponente e a sua exteriorização pela Acta n.º 13 da Assembleia Geral Extraordinária, de 28 de janeiro de 2003 (fls. 22 do pef), da sociedade E… & G… Lda., com o NIPC 5…, portanto tendo sido por ato voluntário e de livre vontade que a Oponente decidiu
ser uma das gerentes da devedora originária.
IV) Tendo a administração fiscal perscrutado, por evidência que a Oponente apesar de vir referenciar que não exerceu a gerência de facto, na realidade também não justifica, devidamente, nem em sede de direito de audição prévia, que não exerceu, nem em sede de prova testemunhal, que apesar de ter sido requerida, ninguém compareceu na data marcada, pelo que não foi indicado qualquer motivo ou incumbência pelo qual foi a Oponente designada para exercer a função de sócia-gerente.
V) Salientamos que no âmbito do procedimento de reversão, a administração fiscal, logrou recolher meios de prova que indicam a prática do exercício da função de gerente, suficientes, dentro do enquadramento certificado.
VI) Neste sentido juntou a designação do cargo de gerente aceite e assinado pela ora Oponente e mais uma ata de Assembleia da sociedade (n.º 6) que conseguiu recolher, diga-se que no decorrer do processo judicial, a Oponente nada fez para demonstrar, o que havia dito no petitório.
VII) Apenas referindo que não será por culpa sua, visto a empresa ter entrado num completo desequilíbrio financeiro e em manifesta possibilidade de cumprir com as sua obrigações tributárias em função da quebra nas vendas, no entanto apesar de estar ciente da conduta assumida na falta do cumprimento das obrigações fiscais e a sua imputação a título de responsabilidade subsidiária, a Oponente nada fez para provar a falta de culpa nem junto do Serviço de Finanças, nem junto do Tribunal.
VIII) Estando inclusivamente demonstrado que conhecia a situação económica da sociedade, o que é mais uma particularidade a ter em conta a associar aos documentos assinados.
IX) Ora o Serviço de Finanças de Lisboa 2 diligenciou no sentido de averiguar os pressupostos que fundamentam a modificação subjectiva da responsabilidade pelas dívidas avolumadas pela sociedade e realizou, nesse âmbito uma informação elaborada em 09/12/2010, um projecto constante de fls. 29/31 e o respetivo despacho de reversão.
X) A sociedade devedora originária possui personalidade jurídica, sendo a sua vontade manifestada e exteriorizada pelos gerentes, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 248º a 250º do Código Comercial e artigos 131.º a 193.º, 252.º, 260.º, 261.º e 390.º, do Código das Sociedades Comerciais, conforme legislação em vigor à data dos factos tributários.
XI) Sendo os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhe permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade.
XII) No que respeita à gerência de facto, afere-se peremptoriamente, de acordo com todos os elementos juntos aos autos, que a Oponente exercia, à data dos factos, as funções de gerência.
XIII) O que equivale a dizer que mediante os documentos disponibilizados, nos presentes autos, as diligências realizadas tudo aponta, no sentido em que a Oponente exerceu a gerência de facto e portanto inclusivamente na sua relação com a empresa como sócia, na qual o objecto repercute-se na obtenção de lucros como forma de rendimento para os sócios, seria legitimo considerar que existe uma presunção judicial que corresponde a um empreender de um juízo
valorativo dos factos aqui apontados.
XIV) E assim corresponderia que a Oponente face às evidências teria todos os requisitos para exercer a função que se dignou a aceitar e que segundo o normal funcionamento da sociedade terá que responder pelos atos ou omissões que lhe incumbiam diligenciar dentro de um a conduta de responsabilidade pelo órgão assumido na sociedade.
XV) Neste sentido revela-se um erro de julgamento da matéria de facto não estando considerado o que vem alegado na PI, ou seja o seu conhecimento da vida da empresa que também deve ser valorado, a sua assunção numa Assembleia Extraordinária ao cargo de gerente e todas as responsabilidades que deveria ter diligenciado, tanto ao nível da empresa, como ao nível do procedimento e até no âmbito do presente processo.
XVI) Pelo que sempre se dirá que se comprova que a administração fiscal cumpriu o ónus de demonstrar que a Oponente teve intervenção interna na sociedade e que na globalidade através do conhecimento e fazendo um silogismo jurídico, ficou demonstrado que a Oponente exerceu o cargo de gerente da devedora originária tendo legitimidade para cumprir nos termos da responsabilidade subsidiária que aqui se propôs.
XVII) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.»

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Não há registo de apresentação de contra-alegações.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público («EMMP») pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento em erro de julgamento de direito, atendendo a que o órgão de execução fiscal demonstrou que a Recorrida exerceu a gerência de facto da devedora originária.

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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«A. A sociedade “E… & G…, LIMITADA” encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, 1.ª Secção, com a matrícula n.º 6…/1… (cfr. fls. 12 a 16 do Processo de Execução Fiscal (PEF) apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
B. Através da AP. 18/030605, foi registada na sociedade referida em A) supra a aquisição de uma quota no valor de €250,00, a favor da Oponente (cfr. fls. 12 a 16 do PEF, idem);
C. Pela Ap. 20/030605 foi registado na sociedade referida em A) supra, a designação como gerente da sócia C…, com efeitos a 28-01-2003, sendo a forma de obrigar aquela sociedade pela assinatura de um gerente (cfr. fls. 12 a 16 do PEF, ibidem);
D. A ora Oponente foi designada gerente da sociedade referida em A) supra, em Assembleia Geral Extraordinária realizada em 28-01-2003 (cfr. Acta n.º 13, a fls. 22 do PEF, ibidem);
E. Corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa 2 o processo de execução fiscal n.º 3247200401083503, por dívida proveniente de IVA do período 2004/06T, ao qual foram apensos os processos executivos n.ºs 3247200501032780, 3247200501034979, 3247200501036084, 3247200501038583, 3247200501093932, 3247200501103768, 3247200501106660, 3247200701074016, 3247200801007068, 3247200801139312 e 3247200901095528, por dívidas de IVA dos anos de 2004 a 2007, IRS (retenções na fonte) do ano de 2004 e IRC (retenções na fonte) dos anos de 2004 a 2005 e IRC do ano de 2006, no valor global de €15.579,38 e em que é executada originária a sociedade “E… & G…, LDA” (cfr. fls. 1, 29 e 30 do PEF, 3 e 68 a 78 dos autos, ibidem);
F. O Serviço de Finanças de Lisboa 2, desenvolveu diversas diligências no sentido de verificar a existência de bens na titularidade da sociedade referida em A) supra, não tendo descoberto bens móveis, imóveis, rendimentos ou direitos susceptíveis de serem penhorados para garantia
de pagamento da dívida exequenda e acrescido, tendo detectado que na sede da referida sociedade exercia actividade comercial a sociedade “E…, Unipessoal, Lda (cfr. fls. 29 e 30 e 45 do PEF, ibidem);
G. Em 09-12-2010, foi proferido despacho pelo Chefe de Finanças de Lisboa 2, determinando a notificação da Oponente para exercício do direito de audição prévia para efeito da reversão do processo de execução fiscal n.º 3247200401083503 e Apensos, no montante de €15.579,38 (cfr. fls. 31 do PEF, ibidem).
H. Por carta registada de 13-12-2010, foi a Oponente notificada para efeitos de exercício do direito de audição prévia (reversão), não o vindo a exercer (cfr. fls. 32 e 34 do PEF, ibidem);
I. Em 30-12-2010, o Chefe de Finanças de Lisboa 2 proferiu despacho determinando a reversão da execução fiscal contra a Oponente, do qual se extrai designadamente o seguinte: “Face ao exposto, constatada a inexistência de bens da originária devedora e tendo como fundamento legal o disposto no art. 153.º, n.º 2, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ORDENO A REVERSÃO DA EXECUÇÃO, contra as responsáveis subsidiárias, em relação à devedora originária, relativamente à dívida, discriminada em anexo, que está na base da instauração deste processo de execução fiscal, dado serem elas as gerentes à data a que a dívida exequenda se refere, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, al. b), da Lei Geral Tributária (LGT). (…)” (cfr. fls. 35 a 37 do PEF, ibidem);
J. No dia 12-01-2011, a Oponente foi citada através de carta registada com aviso de recepção, como executada por reversão da sociedade “E… & G…, LDA”, resultando dos fundamentos da reversão o seguinte:
“Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23.º/n.º 2 da LGT):
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24.º, n.º 1/b) LGT].” (cfr. fls. 41 a 43 do PEF, ibidem);
K. No dia 14-02-2011, deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 2 a presente Oposição (cfr. fls. 4 dos autos, ibidem).».

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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.».
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Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, formou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, referidos em cada uma das alíneas supra, bem como na posição assumida pelas partes nos articulados.».
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III.B De Direito

Insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, concretamente em relação à demonstração do exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária por parte da Recorrida. Vem a Recorrente peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF n.º 3247200401083503 e apensos, defendendo, em suma, que no procedimento de reversão ficou cabalmente provado que a Recorrida exerceu a gestão de facto da executada originária.

Sustenta EMMP junto deste Tribunal que as conclusões recursivas devem ser julgadas improcedentes e, em consequência, ser mantida na ordem jurídica a sentença recorrida.

Vejamos, então.

Importa, desde já, relevar que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem ao consignado no art.º 640.º do CPC, designadamente no que tange à formulação da conclusão XV), nada requerendo em termos de aditamento, alteração ou supressão ao probatório, apenas se limitando a convocar, ainda que genericamente, a existência de um erro de julgamento de facto, sem qualquer indicação clara e expressa dos factos que considera provados, nem o específico meio probatório em que sustenta o seu entendimento.


Mais cumpre ressalvar, neste concreto particular, que não traduz qualquer impugnação da matéria de facto as alegações contempladas em XV) das respetivas conclusões, desde logo, porque não basta à Recorrente defender, globalmente, que a decisão sobre a matéria de facto está incorreta, carecendo, como visto, de indicar que concretos pontos de facto estão incorretamente julgados, que concretos meios probatórios suportam esse entendimento e que concretos factos entendem que devem ser considerados provados ou não provados. E por assim ser, face ao supra expendido considera-se a matéria de facto devidamente estabilizada.

Feito este breve introito, e mantendo-se, como visto, o probatório inalterado, há, então, que aferir da bondade da censura endereçada pela Recorrente na presente lide recursiva.

Apreciemos.

Adiantamos desde já que não tem razão a Recorrente. Vejamos, então, porquê.

No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária («LGT»), nos termos do qual:

«1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.».

O art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão ou administração de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

Esta norma, consagra, assim, no seu n.º 1 duas hipóteses distintas de responsabilidade tributária:

(i) a primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária («AT») alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.

(ii) A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

In casu, o despacho de reversão proferido foi-o ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT (cf. ponto I. da factualidade assente).


Como referimos, o regime da responsabilidade tributária tem subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor.

Trata-se do ponto de partida de aplicação do regime, sendo que, depois de demonstrada a gestão ou administração de facto (cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - «STA»-, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 28/02/2007, proc. n.º 01132/06, disponível em www.dgsi.pt), aplicar-se-á, num segundo momento, a al. a) ou a al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.

Cabe à Autoridade Tributária («AT»), desde logo e em primeira linha, o ónus da alegação e prova da efetiva gerência ou administração por parte dos revertidos (cf. art.º 74.º da LGT).

A prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a atos praticados pelos potenciais revertidos, suscetíveis de demonstrar tal efetividade do exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas.

Durante vários anos, prevaleceu o entendimento de que, demonstrada que fosse a gestão de direito, a AT beneficiaria de uma presunção de gestão de facto, cabendo, segundo este entendimento, ao revertido demonstrar não ter exercido efetivamente as referidas funções.

Na sequência do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 28/02/2007, proc. n.º. 01132/06, disponível em www.dgsi.pt, operou-se uma alteração jurisprudencial, no sentido de que «[a] presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. (...) Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido. (...) Do que se trata é de censurar a aplicação que fez de um regime legal, afirmando a existência de uma presunção judicial e retirando, maquinalmente, de um facto conhecido, outro, desconhecido, como se houvesse uma presunção legal, que não há; e afirmando a inversão do ónus da prova, quando tal inversão não ocorre, no caso, na falta de presunção legal».

Como tal, continua o referido acórdão do Pleno:

«Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
(…) [N]ada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização” (sublinhado nosso).
Face a este entendimento, unânime há já vários anos na jurisprudência atual, a que se adere, decorre, como referido, que cabe, em primeira linha, à AT alegar e demonstrar que o revertido exerceu, nos termos consignados no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, efetivas funções de gerência, entendidas como funções de gestão e representação da sociedade (cfr., para as sociedades por quotas, os art.ºs 192.º e 252.º do Código das Sociedades Comerciais).
O mesmo resulta da interpretação do art.º 11.º do Código do Registo Comercial (CRCom).
Com efeito, nos termos desta disposição legal, “[o] registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida”.
Atentando na finalidade inerente ao registo comercial e, nesse seguimento, chamando à colação o art.º 1.º do CRCom, do seu n.º 1 resulta que “[o] registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico».

Sendo certo que é legalmente obrigatória a inscrição da nomeação dos membros dos órgãos de administração de sociedades comerciais, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. m), do Código do Registo Comercial («CRC»), da leitura conjunta das disposições legais referidas resulta que as mesmas visam dar publicidade a uma situação jurídica e não a uma situação de facto. Assim, e no que ao registo da nomeação de uma determinada pessoa como gerente de uma sociedade, a presunção que decorre do art.º 11.º do CRC é uma presunção da gestão de direito («situação jurídica»), e não da de facto.

Portanto, também por esta via, não se pode extrair da gerência de direito a gerência de facto.

Posto este enquadramento, cumpre apreciar o caso em concreto.

Ora, no caso dos autos, desde logo se refira que do despacho de reversão não consta qualquer indicação sobre quaisquer elementos factuais relativos ao exercício efetivo das funções de gerente por parte do Oponente, tendo o órgão de execução fiscal, segundo cremos, considerado que a gestão de facto se presumia da gestão de direito (cf. pontos I. e J. da factualidade assente).

Assim, desde logo se refira que a AT, ao contrário do que era seu ónus, não concretizou, materialmente, o exercício efetivo de funções de administrador por parte da Recorrida, em sede de despacho de reversão. Ora, como se deixou expresso supra, a AT não goza de qualquer presunção no sentido de que a administração de facto se extrai da de direito, cabendo-lhe sempre, independentemente de estarmos perante administrador que seja ou não de direito, demonstrar e provar a gestão de facto, demonstração e prova sim fundamentais para efeitos de reversão.

Por outro lado, também não resulta da factualidade assente que em sede de procedimento de reversão a AT tenha identificado quaisquer factos relativos ao devir comercial da sociedade devedora originária dos quais se possa extrair a conclusão de que a Recorrida foi gerente da mesma.

Acresce, ainda, que não resulta de modo algum da factualidade assente nos presentes autos que tenha sido a Recorrida a gerente de facto nos exercícios concretamente relevantes (2004 a 2007 – cf. pontos E., I. e J. da factualidade assente).

Diga-se, por último, que tendo em conta o que acima se deixou dito quanto ao ónus da prova que impende sobre a AT quanto ao pressuposto da reversão em causa nos presentes autos, a aceitação pela Recorrida em 2003 do cargo de gerente da executada originária (cf. pontos C. e D. dos factos assentes) não é per se suficiente, como pretende a Recorrente, para se extrair a conclusão que exerceu de facto essas funções, desde logo porque tal não sucedeu nos exercícios a que respeitam as dívidas exequendas e, por outro lado, nada revela quanto à sua intervenção, em concreto, no processo de tomada de decisão na executada originária, o que, como visto, é fundamental para se retirar qualquer ilação quanto a este tema.

Assim, atento este quadro factual e a completa ausência de alegação e prova por parte da AT da existência de atuação por parte da Recorrida que evidenciasse o efetivo exercício de funções de gerente, não se pode se não concluir que, não estando demonstrado tal exercício, essa ausência de prova reverte a favor da Recorrida.

Logo, conclui-se, em linha com a sentença recorrida, que não se encontra preenchido o pressuposto previsto no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, motivo pelo qual se verifica a ilegitimidade da então Oponente, ora Recorrida.

Em face do exposto, o recurso não merece provimento, devendo a sentença recorrida ser mantida, pois que, com acerto, julgou procedente a oposição à execução fiscal.
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IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 6 de fevereiro de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)
(Luísa Soares)
(Lurdes Toscano)