Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:474/11.4 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/16/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:RENÚNCIA À PRESCRIÇÃO.
Sumário:A renúncia à invocação da prescrição para ser efetiva pressupõe o conhecimento pelo executado dos factos relativos à dívida, ao seu título e aos efeitos do decurso do tempo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório
M ……………………… intentou Oposição ao PEF nº………………543, que lhe foi instaurado pela Divisão de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Lisboa com base na certidão de dívida nº…..440, emitida pelo Departamento de Contabilidade da Edilidade, visando a cobrança de vencimentos indevidamente processados entre o mês de Outubro de 2001 e o mês de Dezembro de 2003, no valor de €54.274,98.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença datada de 16/05/2018 e inserta a fls.253 e ss. (numeração do processo em formato digital – sitaf), julgou procedente a presente Oposição e, em consequência, extinguiu a execução fiscal instaurada contra a oponente.
Inconformado com tal decisão, o Município de Lisboa interpõe recurso para este Tribunal Central Administrativo, em cuja alegação inclusa a fls.284 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), formula as conclusões seguintes: “
1.ª A douta Sentença recorrida incorreu em erro na determinação da matéria de facto, tendo desconsiderado factos provados nos autos que assumem particular relevo para a apreciação da questão sub judice, tal como a delimitou, razão pela qual se dirigiu o presente ao Tribunal Central Administrativo Sul, ao abrigo do n.°1, do art. 280°, do CPPT;
2.ª Concretamente, deverá ser aditada, ao probatório, a seguinte matéria de facto, que resulta provada, quer por admissão das partes, quer por documento junto pela própria Oponente aos autos:
a. Deverá ser aditada referência expressa, ao facto de as remunerações cuja reposição estava em causa serem referentes ao exercício, pela Oponente, de funções de Representante da Fazenda Pública, em nome do Município de Lisboa, porquanto as mesmas, atenta a específica formação que exigem, denotam, per se, um conhecimento privilegiado de matérias como a presente e, especificamente, do regime da prescrição; a Sentença proferida nos autos, não obstante referir tal facto, não inseriu tal alusão no probatório, e atendendo àquela que considerou questão definidora do sentido da decisão, deveria ter tido em conta tal elemento, porquanto indiciador de sentido inverso - a própria Oponente refere tal facto, no requerimento referido em D) dos factos provados, junto a fls. 29 do PEF, apenso;
b. Deverá ser aditado aos factos provados o requerimento de 24 de Abril de 2009, junto pela própria Oponente aos autos em 8 de Março de 2012, porquanto o mesmo, dirigido pela mesma ao Município, não só reitera o pedido de pagamento em prestações daquela que veio a constituir dívida exequenda, como ademais requer Esclareçam, se no cálculo dessa Reposição foi observado ou não, o disposto no art.º40º do Decreto-Lei nº155/92, na medida em que a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos 5 anos após o seu recebimento, denotando claramente o conhecimento da prescrição, considerado faltar, pela Sentença recorrida - cfr. fls. 149 a 154 e, do requerimento, o pedido formulado no mesmo, no ponto 3, b);
c. Em L) da matéria de facto, é firmado, Foi extraída nova certidão de divida, que deu origem á execução fiscal n°1106201001000012, no âmbito da qual a oponente foi citada em 01-02-2010. É certo que a citação não é questão controversa, e que a Oponente confessou a mesma, e respetiva data, na própria PI, mas, uma vez que os autos de execução se mostram apensos, deverá ser aditado que a citação se concretizou por via postal registada e com aviso de rececão (cfr. fls. 4 e 5), facto que põe em causa parte da fundamentação eleita pela Sentença, aquando da apreciação da questão de direito, que se afasta do conteúdo dos autos.
3.ª Salvo o devido respeito, se a Sentença recorrida tivesse atentado na totalidade dos factos constantes dos autos e, concretamente, àqueles cujo aditamento ora se requer, não poderia ter considerado não provado o conhecimento da prescrição pela Oponente ou, pelo menos, que a mesma não poderia desconhecer a prescrição, face à sua formação e às funções que tinha exercido e, sobretudo, face à invocação expressa, aquando de um dos pedidos de pagamento em prestações que formulou, do regime da prescrição aplicável in casu, e respetivo prazo. Isto é, a reputar essencial a prova do conhecimento da prescrição, não deveria ter desatendido, em absoluto, prova constante dos autos, referente a tal realidade e expressamente evocada (vd., designadamente, M, das Conclusões das Alegações do ora Recorrente, citadas pela Sentença);
4.ª A Decisão de que aqui se recorre deverá ser reformulada, relativamente à matéria de facto que considerou assente, de modo a que, na mesma, sejam expressamente incluídas as referências supra indicadas, essenciais para a correta apreciação da questão que se propunha julgar e, salvo o devido respeito, determinantes de decisão em sentido absolutamente inverso;
5.ª Mais considera o Recorrente, que a sentença ora sob censura padece de erro de julgamento, ao desatender por completo ao facto referido supra, em 2.ª, b), não obstante considerar determinante para a decisão, o conhecimento da prescrição (para fazer operar a renúncia) e, ademais, por formular, na fundamentação do sentido da decisão, asserções de facto sem qualquer correspondência com o conteúdo dos presentes autos;
6.ª Padece, ademais, de erro de direito, ao reputar essencial à renúncia, o conhecimento (expresso) da prescrição, afastando-se do regime previsto no art. 302° do CCivil que expressamente prevê a renúncia tácita; a interpretação acolhida na Sentença objeto do presente equivale, na verdade, a não admitir a possibilidade da renúncia à prescrição ser tácita;
7.ª Nos autos, ficaram demonstrados, em pleno, os pressupostos da renúncia tácita à prescrição, mediante prova de pedido de pagamento em prestações da dívida, dirigido pela Oponente ao Exequente; e, ainda que se considere que o regime do 302.° do CCivil depende da prova do conhecimento da prescrição, o que verdadeiramente não decorre da sua letra, ainda assim, teria que considerar a Sentença recorrida ter operado a renúncia, face ao pretendido pela Oponente, no requerimento de 24/04/2009, mediante declaração, do regime especial da prescrição aplicável in casu, e do seu concreto prazo;
8.ª Ademais, para a Sentença, a invocação da prescrição em sede de Oposição, pela Oponente, comprovaria o não conhecimento, pela mesma, da prescrição, sendo certo que, não só a prescrição, em geral, carece de ser invocada peto devedor, para operar, como em simultâneo, a renúncia terá que, necessariamente, ser alegada como contra-exceção, pelo credor; tal asserção equivale, também, a negar a possibilidade da renúncia à prescrição (aliás, quer expressa, quer tácita); -
9.ª A execução fiscal objeto destes autos foi instaurada pelo Município de Lisboa para cobrança coerciva de dívida consequente da falta de pagamento atempado das quantias indevidamente recebidas pela Oponente, a título de remunerações (e peto desempenho de funções de Representante da Fazenda Pública), no período compreendido entre 26/10/2001 e 31/12/2003, no montante de €54.274,98, a que acrescem juros, custas e encargos processuais;
10.ª Como se demonstrou nos autos, a prescrição da dívida não opera quaisquer efeitos, na medida em que a Oponente/Recorrida renunciou à mesma;
11.ª A invocada prescrição da dívida exequenda, opera por efeito do decurso do prazo, de 5 anos, previsto no art. 40.°, do DL n.°155/92, de 28 de Julho[Aprovou o Regime jurídico da Administração Financeira do Estado, analogicamente aplicável às autarquias locais.], Diploma aplicável in casu, atenta a natureza da dívida exequenda (reposição de remunerações indevidamente pagas a funcionária/agente da Administração Pública) - foi esse, o regime legal, e correlativo prazo, afirmados pela então Requerente, aquando do pedido de pagamento em prestações, dirigido ao Município em 24/04/2009, cujo aditamento à matéria de facto se requereu supra - cfr. o requerimento, de fls. 149 a 154, dos autos);
12.ª Tendo em conta, o disposto nos arts. 304.°, nº1, 301.° e 303.°, todos do CCivil, a aludida norma, que fixa o referido prazo (especial) de prescrição, bem como, que a última quantia foi (indevidamente) recebida pela Oponente, a titulo de remuneração, em Dezembro de 2003, decorridos 5 anos, o prazo de prescrição da divida exequenda ter-se-ia completado em Dezembro de 2008, como aliás considerou a Sentença recorrida;
13.ª A Recorrida, em requerimentos de 8/04/2009 e 24/04/2009, dirigiu-se ao Exequente no sentido de obter autorização para proceder ao pagamento da dívida exequenda em prestações, sendo certo que, não só já tinha decorrido o prazo de prescrição como, ademais, assume plena consciência do mesmo (cfr. o requerimento de 24/04/2009);
14.ª Decorre do art. 302° do CCivil que A renúncia da prescrição só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional (n.°1); A renúncia pode ser tácita e não necessita de ser aceita pelo beneficiário (n.°2); Só tem legitimidade para renunciar à prescrição quem puder dispor do benefício que a prescrição tenha criado (n.°3). Do teor da norma, não decorre a essencialidade do conhecimento da prescrição, sobretudo, com o relevo que a Sentença recorrida lhe imprimiu;
15.ªA interpretação acolhida pela Sentença objeto do presente equivale a negar a possibilidade da renúncia tácita à prescrição, ao invés da sua expressa consagração, no art. 302° do CCivil, do qual não é possível retirar a essencialidade do aludido conhecimento;
16.ªA Recorrida, após o decurso do prazo de prescrição da dívida, veio solicitar o pagamento em prestações; pedido que, configurado na pretensão de efectuar o pagamento da quantia exequenda e solicitando a modalidade de pagamento em prestações, importa, per se, a renúncia, inequívoca (ainda que tácita[Cfr., o art. 217.°, n.° 1, do CCivil.]), à faculdade que lhe havia sido atribuída, pelo decurso do prazo de prescrição da dívida -neste sentido, quanto à prescrição, seus efeitos, alcance e renúncia, vd. António de Menezes Cordeiro[In Direito das Obrigações, 2.° Volume, Edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, reimpressão, 1994, pgs. 155 e ss.], Luís Manuel Teles de Menezes Leitão [In Direito das Obrigações, Vol II, Transmissão e extinção das obrigações, Não cumprimento e garantias do crédito, Almedina, 6ª Edição, 2008, pg.113.], António Macieira [«Renúncia ao direito de prescrição», in Gazeta da Relação de Lisboa, 21.°, pg. 425.] e, na jurisprudência, os, doutos, Assento n.°11/94, do STJ[atualmente com o valor de Acórdão Uniformador de Jurisprudência], Acórdão do STA de 25/05/2011, proferido no Proc. n.°0279/11, ou o Acórdão do TCAN de 9 de Março de 2006[Disponível em www.dgsi.pt.];
17.ªA Recorrida renunciou tacitamente à prescrição, por intermédio da pretensão, que deduziu junto da Exequente, por escrito, não só de efectuar o pagamento da dívida exequenda, como ainda de solicitar que tal pagamento fosse efectuado em prestações, sendo ainda certo que demonstrou conhecimento do correlativo prazo de prescrição e respetivo regime legal, de natureza especial; fez operar em pleno os descritos circunstancialismo e regime legal, ainda que se considere, como a Sentença recorrida, essencial a demonstração do conhecimento da dívida, pois atendendo à prova produzida, teria que ter considerado, pelo menos, que a Recorrida não poderia desconhecer a prescrição;
18.ªSó pode, assim, concluir-se pela verificação dos apontados erros, na fixação da matéria de facto, de julgamento e de direito, e logo, pela revogação da sentença recorrida por outra, que considere que a Oponente e Recorrida renunciou à prescrição, mantendo-se, em consequência, a dívida exequenda e devendo a execução fiscal objeto dos autos prosseguir os seus termos, até que se mostrem integralmente pagos, aquela e os acrescidos.
X
A recorrida, nas suas contra-alegações de fls.312 e ss. (numeração em formato digital – sitaf) pugna pela improcedência do recurso e pela confirmação do julgado sem, no entanto, formular conclusões.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:”
A) Por ofício datado de 26-09-2005 M aria ……………………….. (ora oponente), foi notificada que, por despacho do Vereador dos Recursos Humanos havia sido autorizada a reposição do valor de €127.068,46, em virtude da cessação do vínculo com a Câmara Municipal em 25 de Outubro de 2001 (fls 41, dos autos);
B) Por ofício de 27-11-2007 a oponente foi notificada que, por despacho de 14-11-2007 do Director Municipal dos Recursos Humanos havia sido dada autorização de reposição da quantia de €73.227,98 (fls 43, dos autos);
C) Pelo ofício de 29-09-2008 a oponente foi notificada nos termos seguintes (fls 28, do PEF e fls 47, dos autos):
“(…).
Foi efectuado o recalculo dos vencimentos processados entre Outubro/01 e Dezembro/03, tendo-se verificado que o abono indevido é no valor de €54.274,98 (…). // Tendo sido autorizada a reposição do citado valor, por despacho do Sr. Director Municipal dos Recursos Humanos, datado de 2007-11-04, deverá V. Exa comparecer nesta Divisão, no prazo de 30 dias, contados a partir da data do presente ofício, para restituição à Câmara Municipal do supra indicado montante, podendo fazê-lo através do envio de cheque…
D) Em 31-10-2008 a oponente requereu que fosse dada sem efeito a notificação anterior, uma vez que a decisão e sua fundamentação ainda não lhe havia sido notificada (fls 29 do PEF);
E) Pelo ofício de 06-01-2009 a oponente foi notificada
“Imagem no original”

F) Do despacho a que se refere a notificação anterior consta como segue:
Assunto: Reposição de vencimento indevido // Venho informar V. Exª que foi processado indevidamente a quantia liquida de 54.274,98€ em virtude da cessação do seu vínculo com esta Câmara. // A fim de regularizar a situação junto enviamos a factura nº…………………, que deverá proceder ao pagamento até ao dia 18 de Março de 2009. (…) // Caso V. Exª pretenda efectuar o pagamento em prestações mensais, deverá solicitar o seu pedido por escrito, (…).
G) Por requerimento datado de 08-04-2009 a oponente requereu (fls 127 e 128, dos autos):
a) Se sustenham de imediato os procedimentos conducentes à emissão de certidão de dívida e caso a mesma já tenha sido emitida pela DROR, se promova a sua anulação, a fim de permitir à exponente o pagamento da reposição a que houver lugar sem recurso a meios coercivos e, se possível em prestações, como lhe estava a ser permitido no último ofício que recebeu da CML;
b) E sejam certificados e notificados à exponente: - os Despachos do director dos recursos Humanos datados de 14-11-2007 e 24-07-2007 e o conteúdo integral das informações que lhe serviram de base; - em que qualidade foram proferidos esses despachos, se no âmbito de competência própria ou de delegação de poderes ou subdelegação de poderes, indicando a respectiva identificação e norma habilitante (…).
H) Foi extraída a certidão de dívida de fls 58, dos autos, com vista a ser instaurado processo de execução fiscal, onde consta:

“Imagem no original”

I) Com base na certidão de dívida identificada no ponto anterior foi instaurado o processo de execução fiscal nº ………………543, no âmbito da qual a oponente foi citada, conforme citação de 23-07-2009 (fls 59, dos autos);
J) Em 03-06-2009 a oponente deduziu oposição á execução fiscal com fundamento na falsidade do título executivo e na prescrição da dívida exequenda (fls 28 a 33, dos autos);
K) Por despacho de 25-08-2009 a oposição foi considerada procedente tendo revogado o despacho que mandou instaurar a execução fiscal, identificada no ponto anterior (fls 34, dos autos);
L) Foi extraída nova certidão de dívida que deu origem á execução fiscal nº ………………..012, no âmbito da qual a oponente foi citada em 01-02-2010 (fls 22, dos autos);
M) A oponente deduziu oposição em 03-03-2010.”
X
“Inexistem outros factos provados ou não provados com interesse para a decisão da causa.”
X
Na conclusão 2), o recorrente requer o aditamento à matéria de facto dos quesitos que identifica.
Estão em causa os elementos seguintes:
i) as remunerações cuja reposição estava em causa serem referentes ao exercício, pela Oponente, de funções de Representante da Fazenda Pública, em nome do Município de Lisboa.
ii) o requerimento de 24 de Abril de 2009, junto pela própria Oponente aos autos em 8 de Março de 2012, porquanto em tal requerimento, dirigido pela mesma ao Município, não só reitera o pedido de pagamento em prestações daquela que veio a constituir dívida exequenda, como ademais requer “Esclareçam, se no cálculo dessa Reposição foi observado ou não, o disposto no art.º40º do Decreto-Lei nº155/92, na medida em que a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos 5 anos após o seu recebimento”, denotando claramente o conhecimento da prescrição, considerado faltar, pela Sentença recorrida.
iii) deverá ser aditado que a citação se concretizou por via postal registada e com aviso de rececão (cfr. fls. 4 e 5), facto que põe em causa parte da fundamentação eleita pela Sentença, aquando da apreciação da questão de direito, que se afasta do conteúdo dos autos.
Apreciação.
Considerando os elementos em causa e a sua utilidade para a correcta instrução da causa, impõe-se deferir, em parte, o requerido, passando a constar do probatório os elementos seguintes:
N) As remunerações cuja reposição está em causa são referentes ao exercício, pela Oponente, de funções de Representante da Fazenda Pública, em nome do Município de Lisboa.
O) Através do requerimento de 24 de Abril de 2009, a oponente, solicitou ao recorrente, o seguinte:
«1- No sentido de não ser emitida a certidão de dívida enquanto os serviços da Divisão de Cadastro e Remunerações e o Departamento Municipal de Recursos Humanos não se pronunciarem sobre a pretensão da exponente de que se junta fotocópia; ou
2 - Caso já tenha sido emitida, diligenciar pela sua anulação a fim de permitir à exponente o pagamento da reposição que efectivamente se venha a apurar ser devida, sem recurso aos meios coercivos, e se possível, poder efectuar o seu pagamento em prestações à luz do disposto no art.38° do aludido Decreto-Lei nº 155/92, conforme lhe foi indicado no Ofício n° 27/NR de 13.02.2009, em que era concedido o prazo de 30 dias para o requerer.
3- Caso a Certidão já tenha sido emitida e não sendo anulada dê azo à sua cobrança coerciva, com a consequente instauração do processo de Execução Fiscal, requer a V. Exa.:
a) Se digne ordenar ou providenciar que os serviços do Núcleo de Remunerações da Divisão de Cadastro e Remunerações emitam um Mapa ou Relação especificando quantitativamente os montantes mensais (ou pelo menos anuais) e os respectivos períodos a que reportam, englobados no apuramento da quantia de € 54.274,58. // e //
b) Esclareçam, se no cálculo dessa Reposição foi observado ou não, o disposto no artº 40° do Decreto-Lei n° 155/92, na medida em que a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos 5 anos após o seu recebimento» – doc. junto com o requerimento de 08.03.2012.
Quanto ao mais requerido, concretamente o referido no ponto iii), supra, não se vê como o mesmo acresce ou esclarece a matéria de facto já assente.
Pelo que a presente alegação é julgada parcialmente procedente.
X
Ao abrigo do disposto n artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
P) A dívida referida na alínea H) reporta-se a pagamentos de remunerações alegadamente indevidas ocorridos entre o período de Outubro de 2001 a 31 de Dezembro de 2003 – fls. 80 do pef.
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamentos em que terá incorrido a sentença seguintes:
i) Erro de julgamento na determinação da matéria de facto [apreciado supra].
ii) Erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e enquadramento jurídico da causa.
A sentença julgou procedente a oposição, com a consequente extinção da execução fiscal contra a oponente. Considerou, em síntese, que,
«Importa, por isso, determinar se, de facto, a apresentação pela oponente, em 08-04-2009, de requerimento a solicitar o pagamento do débito em prestações constitui, ou não, renúncia tácita à prescrição. (…) // Ora, em princípio, o devedor de uma obrigação prescrita que expressamente propõe ao credor formas de pagamento abdica, necessária e implicitamente, da prescrição. Na verdade, há renúncia tácita quando o devedor pratica um facto incompatível com a vontade de se socorrer da prescrição: o pagamento da dívida prescrita, o pedido de moratória do pagamento, a promessa de pagar tão depressa quanto possível e o reconhecimento da dívida.” // Para haver renúncia à prescrição é preciso que os actos sejam praticados com conhecimento da prescrição e não estando demonstrado que a oponente sabia, ou não poderia desconhecer, que as dívidas exequendas estavam prescritas, o seu comportamento não pode configurar renúncia tácita à prescrição». // (…) // Na verdade o comportamento da oponente vai precisamente no sentido inverso, uma vez que o requerimento desta data de 08-04-2009 e veio invocar a prescrição logo no articulado da primeira oposição 03-06-2009 (ponto J) dos factos), o que de certo denuncia que não houve qualquer renúncia ao seu direito de invocar a prescrição».
2.2.2. O recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Invoca erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e no enquadramento jurídico da causa.
Apreciação.
Estão em causa dívidas relativas à reposição de pagamentos indevidos título vencimento percebidos pela oponente. O regime da prescrição das dívidas em causa é o que decorre do disposto no artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, nos termos do qual, «[a] obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento» (1). // «O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição» (2).
Não é controvertido que a dívida exequenda se encontra prescrita. A questão que se suscita consiste em saber se a recorrida renunciou à invocação da prescrição.
Determina o artigo 302.º do Código Civil (“Renúncia da prescrição”), que «[a] renúncia da prescrição só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional» (n.º 1). // «A renúncia pode ser tácita e não necessita de ser aceita pelo beneficiário» (n.º 2). // «Só tem legitimidade para renunciar à prescrição quem puder dispor do benefício que a prescrição tenha criado» (n.º 3).
Constitui jurisprudência assente a de que,
i) «Estabelece o artigo 302.º do CC que a renúncia da prescrição, que só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional, pode ser tácita e não necessita de ser aceite pelo beneficiário, tendo legitimidade para renunciar à prescrição quem puder dispor do benefício que a prescrição tenha criado. // Há renúncia tácita quando o devedor pratica um facto incompatível com a vontade de se socorrer da prescrição: o pagamento da dívida prescrita, o pedido de moratória do pagamento, a promessa de pagar tão depressa quanto possível e o reconhecimento da dívida. // Todavia, para haver renúncia à prescrição é preciso que os actos sejam praticados com conhecimento da prescrição, pelo que, não estando demonstrado que o oponente sabia, ou não poderia desconhecer, que as dívidas exequendas estavam prescritas, o seu comportamento não pode configurar renúncia tácita à prescrição».(1)
ii) «Se à data em que os executados/embargantes subscreveram a alteração ao contrato de crédito já se verificasse prescrição de algumas das prestações e respetivos juros, com essa subscrição teriam renunciado à invocação da mesma, já que renuncia tacitamente à prescrição quem, depois de decorrido o prazo prescricional, reconhece a dívida». (2)
iii) «O pedido de pagamento em prestações de uma dívida prescrita, traduz uma renúncia implícita à prescrição». (3)
Dos elementos coligidos no probatório resulta que a recorrida, através dos requerimentos de 08/04/2009 (4) e de 24/04/2009 (5), solicitou ao recorrente a discriminação da dívida em causa, a sua justificação e a eventual prescrição da mesma. «A prescrição é um facto complexo que pressupõe a verificação simultânea de várias realidades: i) a exigibilidade de uma pretensão (i.e., a susceptibilidade de o cumprimento da obrigação poder ser pedido); ii) a não actuação do titular; iii) o decurso do prazo prescricional» (6). No caso, a recorrida procurou, junto dos serviços do recorrente, obter o esclarecimento cabal dos factos relativos à dívida e à sua eventual prescrição. É que os montantes em causa, os meses a que respeitam, a necessidade da sua reposição e a sua eventual prescrição, dado o prazo correspondente de cinco anos a contar do rececimento, estavam por esclarecer como o demonstram os requerimentos de 08/04/2009 (7) e de 24/04/2009 (8). Pelo que, na falta de conhecimento dos termos exactos dos montantes e títulos que os suportam, não se pode assacar à recorrida a renúncia tácita à invocação da prescrição da dívida exequenda.
Ao julgar no sentido referido, a sentença sob recurso não merece censura, devendo ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)

(2.º Adjunto – Vital Lopes)


(1) Acórdão do STA, de 25-05-2011, P. 0279/11
(2) Acórdão do TRCoimbra, 15-12-2020, 6971/18.3T8CBR-A/B.C1
(3) Acórdão do TR Guimarães, de12-04-2018, P. 314/14.2T8BGC-A.G1
(4) Alínea G).
(5) Alínea O).
(6) Joaquim Freitas da Rocha e Hugo Flores da Silva, Teoria Geral da Relação Jurídica Tributária, Almedina, 2017, p. 148.
(7) Alínea G).
(8)Alínea O).