Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2661/10.3BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 12/13/2019 |
Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
Descritores: | DESPACHO DE REVERSÃO FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO PRESSUPOSTOS DE REVERSÃO QUESTÃO NOVA |
Sumário: | I-O despacho de reversão, tem a natureza de ato administrativo, estando sujeito ao dever de fundamentação a eles intrínseco. A validade formal do ato está concatenada com a questão de saber se a Administração Tributária deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, sendo que a validade substancial do ato está relacionada com a questão de saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.
II-O despacho de reversão encontra-se formalmente fundamentado com a alegação do exercício efetivo do cargo e indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao executado revertido, não se exigindo que dele constem os factos concretos nos quais a Administração Tributária fundamenta a alegação relativa ao exercício efetivo das funções do gerente revertido. III-Está vedado ao Tribunal ad quem analisar o pressuposto da reversão concatenado com a gerência de facto se o mesmo nunca foi convocado em sede de petição inicial, sendo aliás, facto reconhecido. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I-RELATÓRIO M......., veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a oposição intentada pelo Recorrente, no âmbito do processo de execução fiscal nº 3……., inicialmente instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8 contra a sociedade “E......., LDA”, e contra si revertido, para a cobrança de dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do ano de 2008, no montante total de € 93.229,42. O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: A) – Entende o recorrente que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento. B) – Daí que, o recorrente entenda que a douta decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em que não pode dar como provada a gerência de facto pelo oponente/revertido (ponto A) da douta sentença recorrida). C) – Desde logo, porque o ónus da prova da gerência de facto não foi cumprido pela AT, sobre quem recai nos termos do disposto no art.º 342º, n.º 1 do C. Civil e art.º 74º da LGT, pois, do despacho de reversão não foram alegados e provados factos concretos a partir dos quais se conclua a gerência de facto pelo oponente. D) – A lei não consagra uma presunção legal da gerência de facto a partir da gerência de direito, inscrita no registo comercial. E) – A partir dos autos (ou seja, da mera inscrição no registo comercial) não é legítimo operar uma presunção judicial, pois para se chegar à conclusão da prova de um facto com base em regras de experiência teriam que ter sido carreados para os autos factos concretos a partir dos quais o M. mo Juiz “a quo” pudesse extrair o exercício da gerência de facto, o que, no caso concreto, não se verifica. F) – Acresce que no despacho de reversão não consta, sequer, a alegação dos factos concretos que provam a gerência efetiva e de facto da devedora originária pelo ora recorrente, e, menos ainda, provas dessa pretensa gerência. G) – Assim, incorre em erro de julgamento a douta sentença recorrida quando entende que não há falta de fundamentação no que respeita ao pressuposto da gerência de facto. H) – Com efeito, se no despacho de reversão apenas se menciona que o revertido foi gerente da devedora originária conforme consta do registo comercial, tal alegação não equivale a factos concretos praticados pelo oponente/recorrente, em nome da sociedade, que integrem a gerência de facto. I) – Pelo que, a douta sentença recorrida não poderia concluir que no despacho de reversão está fundamentado o pressuposto da reversão da gerência efetiva por parte do ora oponente. J) – Concluindo-se, deste modo, que a douta sentença recorrida incorreu em erróneo julgamento de facto e de direito, e violou o disposto no art.º 342º, n.º 1 do C. Civil, art.º 74º da LGT e art.º 24º da LGT. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser anulada a douta sentença recorrida e em consequência ser julgada extinta a execução quanto ao revertido.” *** A Recorrida optou por não apresentar contra-alegações *** A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: “Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados: A) Por deliberação de 13.06.2005, o Oponente passou a ser gerente da sociedade “E……, Lda.”, registada na CRC de Lisboa, constando o mesmo registo a sua renúncia à gerência com efeitos a 19.04.2010 (cfr. fls. 7 a 12 do PEF apenso). B) A sociedade identificada na alínea antecedente apresentou pedido de reembolso de IVA na declaração do período de 2009-02, no montante de 195.286,66€, o qual foi deferido totalmente por despacho de 30.07.2009 (cfr. fls. 92 a 102 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). C) A sociedade identificada em A) apresentou novo pedido de reembolso de IVA na declaração do período de 2009-04, no montante de 192.824,47€, tendo em 22.10.2009 sido elaborada informação pelos Serviços de Inspeção Tributária, com o seguinte teor: “ “(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)” (cfr. fls. 113 e 114 dos autos). D) O pedido de reembolso do montante de 192.824,47€ foi deferido na totalidade por despacho de 22.10.2009 (cfr. fls. 108 dos autos). E) A sociedade “E……, Lda” apresentou em 14.10.2009 declaração de substituição de IVA referente ao período de 2008/12T, da qual resultou imposto a favor do Estado no montante de 89.682,76€, não pago com a entrega da referida declaração (cfr. fls. 115 a 121 dos autos). F) Em 24.10.2009 foi emitida a liquidação adicional de IVA com o nº 0……, referente ao período de 0812T, no montante de 89.682,76€, resultante da declaração de substituição referida na alínea antecedente, e bem assim foi emitida a liquidação de juros compensatórios com o nº 0…….., no montante de 2.358,78€ (cfr. fls. 123 dos autos). G) Em 25.01.2010 foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 8 o processo de execução fiscal nº 3……., para cobrança dos montantes referidos na alínea antecedente (cfr. fls. 1 a 3 do PEF apenso). H) Em 02.08.2010 foi elaborada informação por funcionário do SF de Lisboa 8 com o seguinte teor: “PROCº EXECUÇÃO FISCAL 3……… INFORMAÇÃO1 - Conforme resulta dos autos, E……, LDA., NIPC 5……., é executada neste Serviço relativo ao processo supra identificado, encontrando-se este na fase de mandado de penhora. 2 - A sociedade executada iniciou a actividade em 2005-06-13, conforme resulta da consulta às aplicações informáticas da DGCI. 3 - Verifica-se, ainda, através das aplicações informáticas da DGCI, nomeadamente o SIPA -Sistema Informático de Penhoras Automáticas e o CEAP - Cadastro Electrónico de Activos Penhoráveis, que a empresa não possui bens susceptíveis de penhora que garantam o pagamento da dívida. 4 – Face aos elementos constantes do processo, verifica-se que os activos penhoráveis conhecidos à originária devedora são inexistentes e a dívida dos processos neste projecto de decisão de reversão é do montante total, na presente data, de € 99.615,68. 5 - Verifica-se, ainda, que não são conhecidos responsáveis solidários, pelo que poderá a execução reverter contra os responsáveis subsidiários. 6 - Pela consulta do registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa (certidão permanente) e elementos constantes no processo, verifica-se que eram gerentes ao tempo a que a dívida se reporta os seguintes sujeitos passivos: Nome: R……. NIF: 1……. Cargo: Gerente da devedora originária. Domicílio fiscal: Av……., 338 - 1 C – 2…….Leiria Nome: J…….. NIF: 1…….. Domicílio fiscal: Rua da C……, 351 – R…… - 2……Leiria Nome: M....... NIF: 1…… Domicilio fiscal: Q….. – 7……M…… 7 - Salvo melhor opinião, estão reunidos os condicionalismos para se proceder à preparação do processo para efeitos de reversão da execução contra os referidos gerentes, na qualidade de responsáveis subsidiários pela dívida. 8 - Nestes termos, e atento o disposto nos artºs 22°, 23° e 24° da LGT, conjugado com o artº 153°, nº2 e 160° do C.P.P.T., bem como o disposto no artº 8° do RGIT, proponho que se prepare o processo para efeitos de reversão contra o supra referido gerente, precedida da respectiva notificação para o exercício do direito de audiência prévia, nos termos do disposto nos artºs 23°, n04, e 60° da LGT, bem como do artº 45° do C.P.P.T.” (cfr. fls. 92 e 93 do PEF apenso). I) Em 02.08.2010 foi proferido despacho pela Chefe do SF de Lisboa 8 a determinar a audição prévia do Oponente com vista à reversão do PEF 3….. (cfr. fls. 98 e 99 do PEF apenso). J) Em 24.08.2010 foi proferido despacho de reversão contra o ora Oponente, com o seguinte teor: “FUNDAMENTOS DA REVERSÃO Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art.24°/n° 1/b) LGT].(…) Em anexo: cópias do despacho para audição (reversão), informação e certidões de dívida” (cfr. fls. 58 e 59 do PEF apenso). K) Em 07.09.2010 foi o Oponente citado do despacho de reversão (cfr. fls. 123 a 125 do PEF apenso). L) Em 07.10.2010 foi apresentada a presente oposição (cfr. fls. 59 dos autos). M) A sociedade devedora originária “E……, Lda” procedeu em 09.07.2009 à alienação, a favor da sociedade “P…… & F….. – S….., Lda”, de 50 prédios, pelo valor total de 1.841.070,68€, sendo declarado que os imóveis se destinariam a revenda e que nessa data o preço já se encontrava pago (cfr. doc. de fls. 27 a 52 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). N) No dia 09.07.2009 o representante legal da sociedade “P..... & F......., Lda” efetuou o pagamento de dívidas fiscais da sociedade “E……, Lda” no montante de 379.301,11€ (cfr. fls. 53 a 55 dos autos). *** III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, o Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a oposição deduzida no âmbito do processo de execução fiscal nº 3………, inicialmente instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8 contra a sociedade “E......., LDA”, e contra si revertida, para a cobrança de dívidas de IVA, do ano de 2008, no montante total de € 92.041,54. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença incorreu em erro de julgamento, por ter valorado, incorretamente, a matéria de facto, e bem assim analisar se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por entender que não se verifica falta de fundamentação do despacho de reversão, e por não se encontrarem reunidos os pressupostos da responsabilidade subsidiária quanto à gerência de facto. Apreciando. A Recorrente começa por evidenciar que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em que não pode dar como provada a gerência de facto pelo Oponente conforme resulta da alínea A) da factualidade assente. Vejamos, então. Comecemos por analisar o teor da alínea A), da factualidade assente, a qual apresenta a seguinte redação: “Por deliberação de 13.06.2005, o Oponente passou a ser gerente da sociedade “E..... – S......, Lda.”, registada na CRC de Lisboa, constando o mesmo registo a sua renúncia à gerência com efeitos a 19.04.2010 (cfr. fls. 7 a 12 do PEF apenso).” Ora, compulsado o seu teor e contrariamente ao alegado pelo Recorrente inexiste qualquer erro de julgamento de facto, desde logo, porque da aludida alínea o que se extrai é a data da designação como membro de órgão estatutário, da respetiva renúncia e competente registo, a qual foi fixada através da Certidão da Conservatória do Registo Comercial, documento esse não impugnado. Pelo que, a aludida alínea não comporta qualquer erro na apreciação da matéria de facto, mais não representando que a reprodução fiel do histórico da sociedade devedora originária e dos seus membros de órgãos estatutários. De todo o modo, e conforme analisaremos em sede própria, sempre se impõe referir que a gerência de facto do Recorrente sempre foi um facto assumido e não controvertido. É certo que do teor das conclusões de recurso, infere-se, outrossim, que o Recorrente pretende sindicar os efeitos dimanantes da gerência de direito e respetiva presunção da gerência de facto mas a verdade é que tal questão, a ser suscetível de valoração e ponderação nos presentes autos, poderá, quando muito, redundar em erro de julgamento de direito e não em erro de julgamento de facto. Pelo que face ao exposto, inexiste o apontado erro de julgamento de facto. Atentemos, ora, no erro de julgamento de direito. O Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao entender que inexiste falta de fundamentação do despacho de reversão no que respeita ao pressuposto da gerência de facto. Mais sustenta que se no despacho de reversão apenas se menciona que o revertido foi gerente da devedora originária conforme consta do registo comercial, tal alegação não equivale a factos concretos praticados pelo Recorrente, em nome da sociedade, que integrem a gerência de facto. Conclui, assim, que a douta sentença recorrida não poderia concluir que o despacho de reversão está formalmente fundamentado quanto ao pressuposto da reversão da gerência efetiva. Vejamos, então, se lhe assiste razão. Começando por convocar o discurso jurídico da decisão recorrida. O Tribunal a quo estriba a inexistência da falta de fundamentação formal do despacho de reversão na imputação da culpa do Oponente da seguinte forma: “[s]ão pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária das dívidas em causa nos autos, a fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal (artigo 23º, nº 2 da LGT), bem como o exercício efetivo de funções de administração ou gestão em período relevante (artigo 24º, nº 1 da LGT). Tais pressupostos de facto têm de ser alegados no despacho de reversão, com a indicação das normas legais que permitem a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, sob pena de ocorrer falta de fundamentação do ato (…)” Densifica depois em termos fáticos que: “No caso dos autos, conforme decorre das alíneas H) e J) do probatório, o despacho de reversão, no campo respeitante à sua fundamentação, consigna o seguinte: “Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24°/n° 1/b) LGT].(…) Em anexo: cópias do despacho para audição (reversão), informação e certidões de dívida”, constando da informação anexa a falta de bens penhoráveis da devedora originária. Conclui, depois que, “Verifica-se, assim, que o despacho de reversão faz constar a qualidade pela qual procede à reversão das dívidas contra o Oponente, procede à alegação do exercício efetivo de funções de administração em período relevante e quanto procede à indicação das normas legais que determinaram a imputação da responsabilidade subsidiária ao executado revertido, indicando expressamente a norma do artigo 24º, nº 1, alínea b) de onde resulta a imputabilidade da culpa do Oponente, donde se impõe concluir pela inexistência da falta ou deficiência na externação das razões de facto e de direito que levaram à prática do ato, o que equivale a dizer que o despacho de reversão não incorre no vício de falta de fundamentação formal.” Atenta a aludida fundamentação mais uma vez se entende que a decisão recorrida não merece qualquer censura, visto que a mesma interpretou corretamente o quadro jurídico vigente com a devida transposição fática ao caso vertente. Senão vejamos. O despacho de reversão, embora proferido num processo judicial, tem a natureza de ato administrativo, porquanto terá de obedecer, por um lado, aos requisitos gerais dos atos administrativos, enunciados no, à data, artigo 123.º do CPA, e por outro lado, ao dever de fundamentação a eles intrínseco, consagrado no artigo 124.º do mesmo diploma. O dever de fundamentação do despacho de reversão insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”(1). “[ a] fundamentação há de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do ato, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a atuar como atuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão. Podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que, neste caso, constituirão parte integrante do respetivo ato (fundamentação por adesão ou remissão). Pelo que, em tal caso, o despacho integra nele próprio o parecer, informação ou proposta que, assim, em termos de legalidade, terão de satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma. Por outro lado, é equivalente à falta de fundamentação, a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareça, concretamente, a motivação do ato. A violação destes requisitos da decisão implica a respetiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação, em sede de impugnação judicial da correspondente liquidação – artigo 99.º, alínea c), do Código de Procedimento e Processo Tributário. Assim, a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato, visando responder às necessidades de esclarecimento do administrado, pelo que se deve, através dela, informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do ato, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro. Pelo que um ato está fundamentado sempre que o administrado, como destinatário normal, ficar devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram estando, consequentemente, habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação de ser exaustiva mas acessível, no sentido de explícita”(2) Traduz-se isto em dizer que o contribuinte, no caso o Revertido, ora Recorrente, deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram ao ato de reversão, ou seja, deve ser dado, ainda que de forma sucinta, nota do “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada da decisão, pois só dessa forma pode analisar a decisão e ponderar se a pretende contestar. Neste particular, importa ter presente a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material do ato, sendo que a validade formal do ato está concatenada com a questão de saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, sendo que a validade substancial do ato está relacionada com a questão de saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa. Conforme doutrinado no Aresto do STA, proferido no processo nº 0784/10, de 03 de novembro de 2010: “O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (cfr. Vieira de Andrade - O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02).” In casu, o Tribunal a quo convocou, como visto, a falta de fundamentação formal do despacho de reversão, cuja validade formal do ato está, como visto, dependente do juízo final que se realize quanto a nele terem sido vertidos os pressupostos de que a lei faz depender a sua prática. Com efeito, neste âmbito, importa convocar a Jurisprudência do STA proferida em Plenário da Secção de Contencioso Tributário, proferido no processo nº 0458/13, de 16 de outubro de 2013, segundo a qual o despacho de reversão encontra-se fundamentado com a “alegação do exercício efetivo do cargo e de indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao executado revertido”. Atentando no despacho de reversão, que remete, expressamente, para a informação instrutora e para o respetivo projeto de reversão, encontra-se densificada a alegação do exercício efetivo do cargo e a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao executado revertido, sendo que, contrariamente ao evidenciado pelo Recorrente, não é exigível que dele constem os factos concretos nos quais a Administração Tributária fundamenta a alegação relativa ao exercício efetivo das funções do gerente revertido. No caso dos autos, e no sentido propugnado pelo Tribunal a quo entende-se que no despacho de reversão e bem assim no projeto de decisão e respetiva informação instrutora se encontram vertidos os referidos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária e a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada, como evidenciámos anteriormente, indispensáveis ao reconhecimento da validade formal do ato de reversão, pelo que encontra-se formalmente fundamentado, pelo que a sentença que assim o decidiu não merece qualquer reparo. Aqui chegados, importa atentar na ilegitimidade do responsável subsidiário. Neste particular, sustenta o Recorrente que a Administração Tributária não provou os pressupostos da reversão inerentes à gerência de facto, sublinhando, para o efeito, que não resultam dos autos evidências e provas da efetiva gerência de facto pelo revertido da devedora originária, não bastando a mera alegação da gerência de direito para fundamentar a reversão para o Recorrente. Concretiza, ainda, que a lei não consagra qualquer presunção legal de exercício de facto da gerência pelo Recorrente a partir da inscrição como gerente de direito no registo comercial da devedora originária, sendo imprescindível que se provem os factos que integram a relação real que liga o Recorrente à vida societária e que foram praticados atos em nome da sociedade devedora originária e que foram praticados no exercício de uma gerência efetiva. Enfatiza, a final, que não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efetivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus que recai sobre a Administração Tributária, sendo que da inscrição do registo comercial como gerente não se extrai a consequência inilidível da ocorrência e da prática de atos de gerência de facto praticados em nome da devedora originária pelo Recorrente. Ab initio, importa relevar que não obstante todo o enquadramento jurídico tecido pelo Recorrente se afigure correto em conformidade com o disposto no artigo 24.º da LGT, preceito legal aplicável ao caso vertente, do qual resultam dois regimes distintos da responsabilidade do gestor, classificados de acordo com o fundamento pelo qual o gestor é responsabilizado, a saber, a responsabilidade pela diminuição do património e a responsabilidade pela falta de pagamento. Com efeito, enquanto, a responsabilidade pela diminuição do património se encontra regulada na alínea a), do nº1, do artigo 24º da LGT, a responsabilidade pela falta de pagamento está consagrada na alínea b), do nº1, do artigo 24º da LGT. O citado artigo 24.º da LGT, introduziu nas suas alíneas a) e b), uma repartição do ónus da prova da culpa, distinguindo entre: - as dívidas vencidas no período do exercício do cargo relativamente às quais se estabelece uma presunção legal de culpa na falta de pagamento (cfr. a parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT); - as demais previstas como geradoras de responsabilidade, concretamente, aquelas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do cargo (e não se vençam neste) e aquelas cujo prazo legal de pagamento ou entrega termine já após o termo do exercício do cargo. Nestas situações o ónus da prova impende sobre a Administração Tributária, ou seja, os gerentes ou administradores podem ser responsabilizados desde que seja feita prova de culpa dos mesmos na insuficiência do património social. A verdade é que, no caso dos autos, conforme já evidenciado anteriormente e dimana inequívoco do teor da petição inicial o Recorrente nunca sindicou o exercício efetivo da gerência, nunca contestando a prática de atos efetivos de gestão, apenas e só a inexistência de culpa na falta de pagamento das dívidas tributárias objeto de cobrança coerciva. Neste particular, basta atentar, designadamente, no teor do artigo 8.º da p.i. no qual é evidenciado que “ A E......., LDA e também, o aqui oponente, enquanto gerente, sempre pretenderam efectuar o integral pagamento de todas as dívidas fiscais (…)” e bem assim do artigo 12.º no qual o Recorrente alega que sempre pugnou “[p]or uma atitude responsável, não deixando de preservar na venda do património referido, como sendo a única, embora difícil, solução para honrar as dívidas fiscais conhecidas à data.” Concluindo, depois, que “[c]onsidera o aqui oponente ter agido sempre de forma rigorosa e responsável, rejeitando, veementemente, a culpa que lhe é imputada pela Administração Fiscal nos termos do despacho de reversão.” Pelo que, como é bom de ver, não pode, ora, sindicar a falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária por falta de prova da gerência de facto a qual, como visto, nunca foi controvertida, representando, assim, questão nova. Note-se que, o Tribunal a quo enuncia clara e acertadamente essa questão, relevando, de forma expressa, que “No caso dos autos, não se encontra sequer controvertido o pressuposto do exercício da gerência de facto do Oponente na sociedade devedora originária”, enfatizando aquando da análise da questão da culpa que “[é] ponto assente que o oponente era gerente de facto da sociedade devedora originária, portanto, a sua responsabilidade subsidiária tanto lhe adviria do artigo 24º, nº 1, alínea a) da LGT, como da alínea b) do mesmo normativo legal. E assim sendo, constituindo a alínea b) da LGT uma presunção de culpa pela falta de pagamento das dívidas, era ao Oponente que cabia ilidir essa presunção, através da alegação e prova de factos demonstrativos da não imputabilidade pela falta de pagamento.” Face ao supra aludido, está vedado ao Tribunal ad quem analisar o pressuposto da reversão concatenado com a gerência de facto o qual nunca foi convocado em sede de petição inicial, sendo aliás, como visto, facto reconhecido. É entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, não servindo para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição(3). E por assim ser, comportando um inadmissível ius novarum quanto à questão suscitada pelo Recorrente e não sendo, como visto, de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal emitir qualquer juízo de reavaliação ou reexame, pois, e como já se disse, tal questão não foi, de todo, analisada na decisão recorrida. In casu, em termos de pressupostos da responsabilidade tributária, competia apenas demonstrar o erro de julgamento de direito do Tribunal a quo, relativamente à ilegitimidade por inexistência de culpa na insuficiência do património da devedora originária para a satisfação da dívida fiscal em causa nos autos. Com efeito, por estar assente e ser indisputado que o Recorrente exerceu as suas funções de gerente da sociedade devedora originária, quer no período em que as dívidas cobradas se constituíram, quer no período em que se venceram, competiria ao mesmo ilidir a presunção de culpa que sobre ele recaía nos termos do artigo 24.º, nº1, alínea b), da LGT, da qual resulta ser-lhe assacado o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais, e a verdade é que sobre essa questão o Recorrente nada refutou, sindicou ou contraditou o raciocínio jurídico vertido na decisão recorrida, razão pela qual o mesmo se mantém inalterado. Face a todo exposto, não tendo sido sindicada a questão da culpa, e subsumindo-se a questão no artigo 24.º, nº1, alínea b), da LGT, dimana inequívoco que se mantém os pressupostos da reversão, pelo que a decisão que assim o decidiu deve ser confirmada. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: - NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica. Custas a cargo do Recorrente. Registe. Notifique. Lisboa, 13 de dezembro de 2019 (Patrícia Manuel Pires) (Mário Rebelo) (Anabela Russo) ----------------------------------------------------------------------------- (1).cfr. v.g. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 05431/12, de 5 de junho de 2010; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo nº 00027/10.4, de 14 de março de 2012. (2).In Acórdão do STA proferido no processo n.º 209/08, de 2 de abril de 2008. (3).cfr. Ac. do STA, proferido no processo nº 13331, de 22 de janeiro de 1992; Ac.TCA Sul,2ª. Secção, proferido no processo nº proc.2442/08, de 1 de março de 2011 e Ac.TCA Sul-2ª. Secção, processo nº 6817/13, de 9 de julho de 2013. |