Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:251/22.7BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:09/26/2024
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:RECLAMAÇÃO DO ART. 276º DO CPPT;
PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA EXEQUENDA;
DECLARAÇÃO EM FALHAS.
Sumário:I - A declaração em falhas no processo de execução fiscal tem de respeitar os requisitos previstos no artigo 272º do CPPT
II - Para efeitos de contagem do prazo da prescrição, a declaração em falhas (rectius a ocorrência das circunstâncias que determinam a declaração em falhas) faz cessar o efeito duradouro da citação enquanto causa de interrupção da prescrição, o que significa que se iniciará novo prazo de prescrição, caso se verifiquem as circunstâncias elencadas no art. 272.º do CPPT.
III - Nos casos em que ocorreu a interrupção do prazo de prescrição derivada da citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, sem prejuízo da equiparação da declaração em falhas a essa decisão.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

Vem a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ASSUNTOS FISCAIS DA RAM apresentar recurso jurisdicional contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou procedente a reclamação apresentada nos termos do disposto nos artigos 276.º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por C............., contra o despacho proferido em 22/09/2022 pela Chefe do Serviço de Finanças do Funchal-1, que indeferiu o pedido de reconhecimento da prescrição referente aos processos de execução fiscal n.º 2810200701098152 e apensos, 2810200901121839, 2810201001069500, e 2810201001143573.


A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“I) Vem o presente recurso interposto da douta sentença de 08/05/2024 que julgou procedente, por provada, reconhecendo a prescrição das dívidas subjacentes aos processos de execução fiscal n.ºs 2810200901121839, 2810201001069500 e 2810201001143573
II) A douta sentença ora recorrida incide a sua fundamentação na alegada inexistência de bens penhoráveis da Recorrida e o insucesso das diligências de penhora levadas a cabo pelo OEF, razão pela qual, todos os PEFs deveriam ter sido declarados em falhas em 2014.
III) Salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo ao assim entender fez tábua rasa dos documentos probatórios juntos pelo OEF e que considerou como factos provados, o que o levou a incorrer em erro de julgamento, em clara contradição entre os factos dados como provados e a decisão.
IV) Na verdade, com o devido respeito que a opinião contrária tanto nos merece, parece-nos que o TAFF não cumpriu com o dever de acatamento das decisões proferidas pelos Tribunais Superiores em recurso jurisdicional, nomeadamente, os acórdãos de 30/03/2023 e 15/02/2024 do TCA Sul
V) O TAFF, em sentença de 08/05/2024, acrescentou factos à matéria fixada, tendo dado como provado que “10. Entre 2010 e 2022, o Serviço de Finanças desenvolveu diversas diligências de penhora de vencimentos e contas bancárias, não possuindo ademais a Reclamante bens móveis suscetíveis de penhora (…) 11. O Serviço de Finanças procedeu à penhora em 2019 de uma “cave” registada em nome da Reclamante (…) 12. Posteriormente à informação prestada pelo Serviço de Finanças em 11/05/2023, não se verificou qualquer alteração na tramitação dos processos de execução fiscal (…)”
VI) e manteve, de modo idêntico, a fundamentação das decisões anteriores, declarando sobre a matéria de facto o seguinte: “(…) E sobre isto, o que resulta da matéria de facto é a inexistência de bens penhoráveis e o insucesso das diligências de penhora levadas a cabo pelo Órgão de Execução Fiscal. Com exceção de uma “cave”, com o valor, em 2023, de €801,85. (…) De onde importa concluir que o que os autos demonstram é uma verdadeira situação de falta de bens, pelo que não há razão para os processos de execução fiscal aqui em causa não terem sido declarados em falhas logo em 2014.”
VII) Salvo melhor opinião, parece-nos que, se revela em falta a fundamentação do julgamento efetuado, não conseguindo a FP alcançar a lógica de o TAFF ter dado como provado as diligências efetuadas ao longo destes anos pelo OEF, assim como a penhora da cave em 2019 e, concluir pela inexistência de bens penhoráveis no ano de 2014.
VIII) O cerne da questão coloca-se com as eventuais consequências da declaração em falhas (caso a data seja alterada) e a sua relevância para o apuramento e verificação na contagem do prazo prescricional
IX) A declaração em falhas é decretada pelo órgão de execução fiscal (poder executivo), com a verificação dos pressupostos factuais subjacentes, previstos no artigo 272.º do CPPT
X) Em face de auto de diligência, com inscrição expressa no processo (vide artigos 194.º, n.º 2 e 272.º do CPPT), quando, nomeadamente, se demonstrar a falta de bens penhoráveis do executado, seus sucessores e responsáveis subsidiários
XI) O OEF não elaborou auto de diligências (para posterior declaração em falhas) pois as diligências ainda se encontravam a ser feitas como comprova o mesmo através da sua resposta (referência n.º 94176, de 16/05/2023) aquando do pedido de esclarecimento do TAFF (referência n.º 004164500, de 04/05/2023)
XII) O OEF alega e junta comprovativo, na resposta supra referida, da existência em nome da executada de uma Cave, com inscrição na matriz com o n.º 5651, fração “DL” e duas contas bancárias ativas
XIII) Que o Tribunal a quo considerou como facto provado no ponto 11. da sentença
XIV) Estabelece o Acórdão do STA de 04/05/2022, processo n.º 02030/21.0BEPRT que: “(…) se o devedor tem bens não há fundamento para que o credor não possa ver satisfeito o seu crédito à custa do património do devedor, independentemente do tempo que se leva a cobrar o crédito e que não se verifique a falta de impulso processual por desinteresse do credor, pois que o interesse relevante a tutelar é o interesse do credor na cobrança do crédito e só no caso de falta de impulso na acção de cobrança é que o mesmo pode ser penalizado (…)” (negrito e sublinhado nosso)
XV) Pela existência de bens penhoráveis, considerou o OEF não estarem reunidas as condições para elaborar o auto de diligências e consequentemente declarar em falhas os PEFs, nem em 10/01/2020 e, muito menos em 29/01/2014.
XVI) Contudo e, caso assim não se entenda, deverá ser considerada a data de 10/01/2020 como a data da declaração em falhas para os PEF n.ºs 2810200901121839, 2810201001069500 e 2810201001143573, conforme os factos dados como provados pelo TAFF (crf. Factos julgados provados n.ºs 4, 5 e 6 da referida sentença)
XVII) Os processos de execução fiscal não se encontram prescritos, pois nos termos dos artigos 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1 do CC, ex vi artigo 2.º, alínea d) da LGT, o efeito interruptivo da citação tem duas consequências: (i) um efeito instantâneo, por inutilizar todo o tempo decorrido anteriormente e (ii) cumulativamente, outro efeito duradouro, na medida em que o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo
XVIII) Mantendo-se o efeito interruptivo, desde a citação da Recorrida para os processos de execução fiscal, cessando apenas quando o processo for declarado extinto
XIX) Que poderá ser através da declaração em falhas pois, é considerada uma das causas de extinção da execução fiscal prevista na lei, cfr. artigos 176.º, n.º 1, alínea c), 272.º a 275.º, todos do CPPT
XX) Reitera-se que o OEF não elaborou nenhum auto de diligências por considerar não estarem reunidas as condições para tal, nomeadamente a existência de bens como comprovadamente alega na resposta ao TAFF (requerimento referência n.º 94176, de 16/05/2023) e como julgado provado na matéria de facto.
XXI) A não declaração em falhas, ou caso assim não se entenda, existindo declaração em falhas na data de 10/01/2020, faz com que os processos não se encontrem prescritos devido ao efeito interruptivo instantâneo e duradouro da citação da aqui Recorrida, apenas cessando quando o(s) processo(s) for(em) declarado(s) extinto(s)
XXII) Em suma, salvo o devido respeito, consideramos que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, pois existe uma clara contradição entre os factos dados como provados e a decisão, ao dar como provado as várias diligências realizadas pelo OEF e a penhora da cave em 2019 (demonstração da existência de bens penhoráveis), no entanto decide pela prescrição dos PEFs por considerar que os mesmos deveriam ter sido declarados em falhas em 29/01/2014.
XXIII) Pelo exposto, entende a Recorrente que, se esses factos e o Direito tivessem tido uma valoração diferente, deveriam ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente, à improcedência da reclamação, julgando não prescritas as dívidas subjacentes aos processos de execução fiscal aqui em causa
Nestes termos, e nos mais de direito cujo douto suprimento se invoca, deve ser julgado procedente o presente recurso e a decisão recorrida ser revogada.”.
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal pôs o seu visto.
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Com dispensa de vistos atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado prescritas as dívidas exequendas dos processos de execução fiscal nºs 2810200901121839, 2810201001069500 e 2810201001143573.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Em face da prova carreada para os autos, o Tribunal julga provados os factos e ocorrências processuais seguintes:

1. A Diretora de Finanças da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região
Autónoma da Madeira proferiu despacho de declaração em falhas do processo de
execução fiscal n.º 2810200701098152 e apensos com data de 29/01/2014 (cfr. o
despacho no processo de execução fiscal supra identificado – fls. 155, e sequência de tramitação eletrónica – fls. 181 e 182, em suporte virtual);

2. A Reclamante foi citada em tais autos, na qualidade de devedora subsidiária, em
30/08/2010 (cfr. o aviso de receção no processo de execução fiscal supra identificado – fls. 76 e 77, em suporte virtual);

3. Pelo Serviço de Finanças do Funchal-1 foram instaurados contra a Reclamante, como devedora originária, os processos de execução fiscal n.ºs 2810200901121839, 2810201001069500 e 2810201001143573, com citações a 14/09/2009, 05/06/2010 e 01/11/2010 (cfr. informação oficial de fls. 161 e ss. do processo de execução fiscal n.º 2810200701098152 e apensos, em suporte virtual);

4. Relativamente ao processo de execução fiscal n.º 2810200901121839 foi proferido despacho de declaração em falhas com data de 10/01/2020 (cfr. o despacho no respetivo processo de execução fiscal – fls. 52, e sequência de tramitação eletrónica – fls. 40, em suporte virtual);

5. Relativamente ao processo de execução fiscal n.º 2810201001069500 foi proferido despacho de declaração em falhas com data de 10/01/2020 (cfr. o despacho no respetivo processo de execução fiscal – fls. 15, e sequência de tramitação eletrónica – fls. 13, em suporte virtual);


6. Relativamente ao processo de execução fiscal n.º 2810201001143573 foi proferido despacho de declaração em falhas com data de 10/01/2020 (cfr. o despacho no respetivo processo de execução fiscal – fls. 12, e sequência de tramitação eletrónica – fls. 4, em suporte virtual);

7. Tais despachos de “declaração em falhas” não foram comunicados à Reclamante antes da decisão de indeferimento sindicada através da presente ação (cfr. ofício com a referência Requerimento (94176) Documento(s) (004166098) de 16/05/2023 11:01:13);

8. No dia 30/08/2022, a Reclamante requereu junto do Serviço de Finanças do Funchal - 1 o reconhecimento oficioso da prescrição das dívidas objeto de todos os processos de execução fiscal supra identificados (cfr. documento n.º 1 junto com a p.i.);

9. Notificada do despacho da Sra. Chefe do Serviço de Finanças do Funchal-1 que
indeferiu o requerimento por si apresentado, veio a Reclamante, em 07/10/2022, apresentar a presente reclamação (cfr. documento n.º 2 junto com a p.i. e teor da p.i. de reclamação);

10. Entre 2010 e 2022, o Serviço de Finanças desenvolveu diversas diligências de penhora de vencimentos e contas bancárias, mas sem sucesso, não possuindo ademais a Reclamante bens móveis suscetíveis de penhora (cfr. ofício com a referência Requerimento (94176) Documento(s) (004166098) de 16/05/2023 11:01:13);

11.O Serviço de Finanças procedeu à penhora em 2019 de uma “cave” registada em nome da Reclamante, com inscrição na matriz com o nº 5651, fração “DL”, localizada na Estrada Monumental, n.º 236, cave 2, 9000-100 Funchal, com o valor em 2023 de € 801,85 (cfr. ofício com a referência Requerimento (94176) Documento(s) (004166098) de 16/05/2023 11:01:13);

12. Posteriormente à informação prestada pelo Serviço de Finanças em 11/05/2023, não se verificou qualquer alteração na tramitação dos processos de execução fiscal (cfr. ofício com a referência Ofício (99351) Ofício (004205247) de 17/04/2024 14:59:13).
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Factos não provados:
Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa.
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Motivação:
A convicção do Tribunal assentou na apreciação crítica dos documentos autênticos e particulares juntos, os quais não foram impugnados, conforme referenciado em cada alínea do probatório, tudo fundamentado no n.º 2 do art.º 34.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no n.º 1 dos art.ºs 369.º, 370.º e 371.º, todos do Código Civil (documentos produzidos pela Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira) e no n.º 1 dos art.ºs 373.º, 374.º e 376.º, todos também do Código Civil (documentos particulares).
Relevou-se também o teor da informação oficial constante do processo de execução fiscal n.º 2810200701098152 e apensos, quando referida (cfr. n.º 2 do art.º 115.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).”.
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Vem a Recorrente invocar que a sentença recorrida não atendeu aos documentos juntos aos autos; que a factualidade dada por assente conduz a uma decisão distinta; não entendendo como foram dados por assentes alguns dos factos elencados, invocando falta de fundamentação da sentença.

Salienta-se desde já que a Recorrente não impugnou a matéria de facto nos termos e com os formalismos previstos no art. 640º do CPC, na verdade, da leitura das conclusões de recurso retira-se que a Recorrente não vem impugnar a matéria de facto, mas sim invocar que se verificou uma errada valoração da prova produzida e tida por assente, sendo que essa invocação não configura falta de fundamentação da sentença.

Ora, “Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).” (cfr. Acórdão do TCA Sul de 10/07/2015, proc. nº 08473/15).

Contudo, este Tribunal entende ser de alterar o probatório vertido na sentença recorrida, pelo que, nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por estarem documentalmente provados e serem pertinentes para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, visando uma melhor densificação dos factos dados como provados, acorda-se em alterar a redação dos factos elencados nos pontos 4 e 10 nos seguintes termos:

4) Na resposta apresentada pela Fazenda Pública em 04/11/2022, consta do seu art. 11º o seguinte: “Relativamente aos PEF 2810200901121839, 2810201001069500 e 2810201001143573, a declaração em falhas só foi decretada nesses processos, pela primeira vez, na data de 10-01-2020, pelo que, por esse mero motivo, deverá improceder o alegado pelo reclamante e indeferido o pedido, por ser obvio que desde essa data até à presente, não decorreram 8 anos. – vide despachos de declaração em falhas a fls. 40 e 52 do PEF 2810200901121839; fls 13 e 15 do PEF 2810201001069500; e fls. 412 do PEF 2810201001143573 (constantes de copia integral dos PEF´s remetida aos autos pelo serviço de finanças do funchal)” - (cfr doc. 004784983 04-11-2022 11:39:22 numeração SITAF)

10) Em resposta ao pedido de informação formulado pelo TAF do Funchal, o órgão de execução fiscal emitiu o ofício nº 1932 em 11/05/2023 no qual consta o seguinte:
“(…) Além do referido imóvel que foi doado, a executada tem registado em seu nome uma cave, com inscrição na matriz com o nº 5651, fração “DL”, localizado na estrada monumental, nº 236, cave 2, 9000-100 Funchal, que foi objeto de penhora por este serviço de finanças, cfr. fls. 28 a 32, sendo que, a penhora foi registada na conservatória de registo predial de Lisboa, em 2019 como provisório por dúvidas, conforme informação constante da certidão permanente do imóvel com chave de acesso PP-2698-87695-310307-003201, junta a fls. 31 e 32. Da referida certidão é possível verificar que embora o imóvel esteja inscrito na matriz predial em nome da executada não foi efetuado o registo da aquisição a favor daquela no registo predial.
Foram feitos vários pedidos de penhoras de contas bancárias, desde 2010 até 2022, sendo que das mesmas não resultou saldo penhorável, apesar da executada ter conta aberta em pelo menos dois bancos, conforme resposta apresentada em fls. 43 a 47.
Foi feito pedido de penhora de vencimentos, mas sem sucesso, cfr. fls, 48.
Resultando da base de dados da AT, designadamente da declaração mensal de remunerações- modelo 10, que a executada não possuía rendimentos em 2014 nem nos anos seguintes. Sendo beneficiária de uma prestação social, inferior ao salário mínimo nacional, cfr prints de fls 49 a 59.
Não possuindo outros bens móveis suscetíveis de penhora, designadamente veículos, cfr, print de fls. 60. (…)” (cfr. doc. 004924797 16-05-2023 11:01:13 numeração SITAF).

Decorrente das alterações ora efetuadas, são eliminados do probatório os pontos 5, 6 e 11.

E adita-se ainda ao probatório o ponto 10, após a respetiva renumeração, com a seguinte redação:

“10- No âmbito do processo de execução fiscal nº 2810200701098152 e apensos foi lavrado o auto de diligências com o seguinte teor:
AUTO DE DILIGENCIAS
Processo de execução fiscal n° 2810200701098152 e apensos
Aos quatro do mês de Agosto do ano de dois mil e dez, nesta freguesia da S. Martinho concelho do Funchal e na sede S………… SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA, NIPC 511227809, onde eu, J…………., servindo de escrivão, a fim de dar execução ao mandado de penhora retro, verifiquei não podê-lo cumprir, por não encontrarmos bens móveis, Imóveis ou outros quaisquer bens ou rendimentos susceptíveis de penhora, suficientes para garantir a dívida exequenda, nem nos constar que os possua em qualquer parte, nem seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários.
E para constar lavrei este auto que vai ser assinado por mim,









Funchal, 4 de Agosto de 2010” (cfr. fls. 49 do doc nº 004784979 02-11-2022 11:51:10 numeração SITAF)

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal julgou procedente a reclamação e em consequência julgou prescritas as dívidas exequendas dos processos de execução fiscal nºs 2810200901121839, 2810201001069500 e 2810201001143573, tendo para o efeito vertido a seguinte fundamentação:
“(…) Feita esta delimitação, resta então a este Tribunal apreciar se os processos de execução fiscal n.º 2810200901121839, 2810201001069500 e 2810201001143573 deveriam ter sido declarados em falhas logo em 2014, com isso se reiniciando o prazo de prescrição, o que determinaria, aos dias de hoje, que estivesse verificada o decurso do respetivo prazo prescricional.
Dito de outro modo, aferir se em 2014 já se mostravam verificados os pressupostos legais atinentes à declaração em falhas daqueles processos de execução fiscal.
Porque, de facto, é de difícil compreensão que existindo uma declaração em falhas, assente em idênticos pressupostos, ela não abranja todos os processos em que é executada a Reclamante.
E sobre isto, o que resulta da matéria de facto é a inexistência de bens penhoráveis e o insucesso das diligências de penhora levadas a cabo pelo Órgão de Execução Fiscal.
Com exceção de uma “cave”, com o valor, em 2023, de € 801,85.
Ora, não só não se logra perceber porque tendo o Serviço de Finanças penhorado a dita “cave” em 2019 ainda não procedeu à respetiva venda, com isso acabando por protelar uma “situação de existência de bens”, o que na senda da jurisprudência que vimos acima não é admissível dado que isso acaba por lhe permitir, de alguma forma, controlar o prazo de prescrição, como, por outro lado, estamos perante um valor manifestamente insuficiente para fazer face à dívida exequenda.
De onde importa concluir que o que os autos demonstram é uma verdadeira situação de falta de bens, pelo que não há razão para os processos de execução fiscal aqui em questão não terem sido declarados em falhas logo em 2014.
Logo, andou mal a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira ao ter declarado em falhas apenas em 2020 os processos de execução fiscal aqui sindicados, não podendo tais decisões manterem-se, não se encontrando na verdade razão para o tratamento diferente (isto é, ser emitida uma declaração em falhas relativamente a apenas um processo e não a todos os processos pendentes contra a mesma Executada…), pelo que não se pode deixar de considerar que a declaração em falhas de 2014 projeta os seus efeitos relativamente a todos os processos, havendo assim que concluir que também as dívidas subjacentes aos processos de execução fiscal n.º 2810200901121839, 2810201001069500 e 2810201001143573 se mostram já prescritas, uma vez que dos autos não resulta evidência factual que se enquadre numa das causas suspensivas ou interruptivas do prazo de prescrição (cfr. art.ºs 48.º e 49.º da Lei Geral Tributária), com data posterior àquela data de declaração em falhas.
Sem que, diga-se, a suspensão dos prazos de prescrição em virtude da legislação aprovada na sequência da pandemia Covid-19, imponha decisão diferente.
O que determina a procedência da presente reclamação, como disso se dará nota em sede de dispositivo.

Dissente do assim decidido veio a Recorrente interpor o presente recurso alegando para o efeito e em síntese que a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito, defendendo desde logo que o tribunal a quo não tomou em consideração os documentos probatórios juntos pelo órgão de execução fiscal tendo incorrido em erro de julgamento, em clara contradição entre os factos dados como provados e a decisão. Mais alega falta de fundamentação do julgamento efetuado, porquanto não entende o decidido na medida em que o tribunal a quo deu como provado as diligências efetuadas ao longo destes anos pelo órgão de execução fiscal, assim como a penhora da cave em 2019 e, conclui pela inexistência de bens penhoráveis no ano de 2014.
Afirma que o órgão de execução fiscal não elaborou auto de diligências (para posterior declaração em falhas) pois as diligências ainda estavam a decorrer, tendo sido junto comprovativo da existência em nome da executada de uma cave, com inscrição na matriz com o n.º 5651, fração “DL” e duas contas bancárias ativas, e, perante a existência de bens penhoráveis, aquele órgão considerou não estarem reunidas as condições para elaborar o auto de diligências e consequentemente declarar em falhas os processos de execução fiscal.
Finaliza afirmando que mesmo a entender-se ter ocorrido a declaração em falhas em 10/01/2020 os processos de execução fiscal não se encontram prescritos, face ao efeito interruptivo decorrente da citação da recorrida para os processos de execução fiscal, cessando apenas quando o processo for declarado extinto.
Conclui que, se os factos e o direito tivessem tido uma valoração diferente, deveriam ter conduzido à improcedência da reclamação, julgando não prescritas as dívidas subjacentes aos processos de execução fiscal aqui em causa.

Vejamos então.

Estabilizada a matéria de facto acima mencionada, tomemos em consideração o enquadramento jurídico que releva para o caso em apreço.

A declaração em falhas encontra-se prevista no art. 272º do CPPT e determina que:
“Será declarada em falhas pelo órgão da execução fiscal a dívida exequenda e acrescido quando, em face de auto de diligência, se verifique um dos seguintes casos:
a) Demonstrar a falta de bens penhoráveis do executado, seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários;
b) Ser desconhecido o executado e não ser possível identificar o prédio, quando a dívida exequenda for de tributo sobre a propriedade imobiliária;
c) Encontrar-se ausente em parte incerta o devedor do crédito penhorado e não ter o executado outros bens penhoráveis.”.

A Recorrente invoca que nos processos executivos em causa, não foram elaborados autos de diligência, para posterior declaração em falhas, na medida em que ainda decorriam diligências.

Resulta do ponto 4) do probatório, ora alterado, ter sido a própria Fazenda Pública, na resposta à reclamação, a invocar que, relativamente aos processos em causa, a declaração em falhas foi decretada em 10/01/2020, e que tais factos resultam dos elementos constantes dos respetivos processos executivos a que faz referência expressamente -vide despachos de declaração em falhas a fls. 40 e 52 do PEF 2810200901121839; fls 13 e 15 do PEF 2810201001069500; e fls. 412 do PEF 2810201001143573 (constantes de copia integral dos PEF´s remetida aos autos pelo serviço de finanças do funchal”.

Vindo agora alegar que os processos em questão não foram declarados em falhas por não se encontrarem reunidas as condições para essa declaração. Este argumento não nos parece relevante para afastar o facto, por si confessado na resposta apresentada, de que os processos executivos foram declarados em falhas em 10/01/2020, e que se mostra suportado documentalmente.

Por outro lado sustenta não ser possível a declaração em falhas na medida em que a executada possui um bem imóvel suscetível de penhora, mais concretamente, uma cave com a inscrição matricial nº 5651, fracção “DL” e duas contas bancárias ativas.

Da informação prestada pelo órgão de execução fiscal na sequência de pedido do TAF do Funchal e que consta do ponto 10 do probatório, verifica-se que relativamente à cave inscrita na matriz predial com o nº 5651 fração “DL” resulta que a mesma apenas se encontra registada na matriz predial urbana, mas não se mostra registada na conservatória do registo predial como propriedade da executada, razão pela qual a penhora realizada pelo órgão de execução fiscal foi registada provisória por dúvidas na respetiva Conservatória do Registo Predial.

Mais consta da referida informação que “Foram feitos vários pedidos de penhoras de contas bancárias, desde 2010 até 2022, sendo que das mesmas não resultou saldo penhorável, apesar da executada ter conta aberta em pelo menos dois bancos, conforme resposta apresentada em fls. 43 a 47.
Foi feito pedido de penhora de vencimentos, mas sem sucesso, cfr. fls, 48.
Resultando da base de dados da AT, designadamente da declaração mensal de remunerações- modelo 10, que a executada não possuía rendimentos em 2014 nem nos anos seguintes. Sendo beneficiária de uma prestação social, inferior ao salário mínimo nacional, cfr prints de fls 49 a 59.
Não possuindo outros bens móveis suscetíveis de penhora, designadamente veículos”

Mas a questão primordial invocada pela Reclamante assenta no facto de, em 29/01/2014 ter sido emitida a declaração em falhas no processo nº 2810200701098152 e apensos, sendo certo que, em seu entender, desde aquela data estavam igualmente reunidos os requisitos para a declaração em falhas nos processos nºs 2810200901121839, 2810201001069500 e 2810201001143573, facto que só veio a ocorrer em 10/01/2020.

Atenta a factualidade ora fixada verifica-se que, no âmbito do processo nº 2810200701098152 e apensos, foi elaborado o auto de diligências em 04/08/2010 no qual consta não ter sido possível a execução ao mandado de penhora “(…) por não encontrarmos bens móveis, imóveis ou outros quaisquer bens ou rendimentos susceptíveis de penhora, suficientes para garantir a dívida exequenda, nem nos constar que os possua em qualquer parte, nem seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários”, tendo posteriormente a Reclamante sido citada em 30/08/2010, por reversão e na qualidade de responsável subsidiária. Após diversas diligências realizadas pelo órgão de execução, descritas na informação prestada ao tribunal a quo em 11/05/2023, o órgão de execução fiscal emitiu, naquele processo e apensos, a declaração em falhas em 29/01/2014.

Ora nos processos nºs 2810200901121839, 2810201001069500 e 2810201001143573, a Reclamante foi citada na qualidade de devedora originária em 14/09/2009, 05/06/2010 e 01/11/2010 respetivamente, e das diligências descritas pelo órgão da execução fiscal resulta que:
- Foram feitos vários pedidos de penhoras de contas bancárias, desde 2010 até 2022, não tendo resultado saldo penhorável, apesar da executada ter conta aberta em pelo menos dois bancos;
- Foi feito pedido de penhora de vencimentos, mas sem sucesso;
- Da base de dados da AT, designadamente da declaração mensal de remunerações- modelo 10, a executada não possuía rendimentos em 2014 nem nos anos seguintes;
- A executada era beneficiária de uma prestação social, inferior ao salário mínimo nacional;
- Não possuía outros bens móveis suscetíveis de penhora, designadamente veículos


- Foi registada na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, em 2019, provisória por dúvidas, a penhora da fração “DL”, não se encontrando registada a favor da Reclamante a titularidade deste imóvel.

Desta forma pode concluir-se que, desde 2010 o órgão de execução efetuou diligências no sentido de encontrar bens penhoráveis da titularidade da Reclamante, revelando-se infrutíferas tais diligências, razão pela qual, a declaração em falhas proferida em 29/01/2014 deve abranger igualmente os processos nºs 2810200901121839, 2810201001069500 e 2810201001143573 por se mostrarem preenchidos os requisitos previstos no art. 272º do CPPT.

Ora, a data em que deve ser emitida a declaração em falhas, assume relevância para efeitos de apreciação da prescrição das dívidas exequendas “É por isso, e só por isso, que, no âmbito da indagação sobre a prescrição das dívidas exequendas, admitimos a nível incidental, que no caso se aprecie se ocorreram as causas que determinam a declaração em falhas e, na afirmativa, em que data.” (cfr. Acórdão do STA de 28/02/2024 – proc. 01321/22.7BEPRT).

De acordo com o disposto no nº 1 do art. 49º da LGT, as citações da executada para os processos executivos em causa, ocorreram em 14/09/2009, 05/06/2010 e 01/11/2010, tendo essas citações interrompido o prazo de contagem da prescrição das respetivas dívidas exequendas.

A jurisprudência tem reconhecido que a interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do art. 49.º da LGT) tem um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC). (cfr. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 20/01/2021 – proc. 103/20.5BALSB).

Tendo o prazo de prescrição sido interrompido com as citações, inutilizando-se assim todo o tempo então decorrido (efeito instantâneo), importa verificar se, com a declaração em falhas, cessou o efeito duradouro decorrente da citação.

Como se afirma no Acórdão do STA de 28/02/2024 – proc. nº 01321/22.7BEPRT
(…) para efeitos de contagem do prazo da prescrição, a declaração em falhas (rectius a ocorrência das circunstâncias que determinam a declaração em falhas) faz cessar o efeito duradouro da citação enquanto causa de interrupção da prescrição, o que significa que se iniciará novo prazo de prescrição, geralmente de oito anos, tão-logo se verifiquem as circunstâncias elencadas no art. 272.º do CPPT.
V - Isso em consonância com a jurisprudência pacífica do STA segundo a qual a interrupção da prescrição decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar ou, noutra formulação, que nos casos em que o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, mas sem prejuízo de dever equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas.”.

De salientar que a declaração em falhas deve ser considerada como decisão que põe termo à execução para efeitos de reinício da contagem do prazo prescricional.

Nesse sentido veja-se o Acórdão do STA de 05/04/2017, proc. 0304/17, ao afirmar “(…) quando a interrupção da prescrição deriva de facto associado a um processo de execução fiscal (o novo prazo da prescrição) deve contar-se a partir da decisão que lhe puser termo, considerando-se como tal também a declaração em falhas” (cfr. “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas”, a págs. 61 e 62). E, sendo certo que a execução por dívida declarada em falhas poderá prosseguir nos termos do art. 274.º do CPPT, sem necessidade de nova citação e a todo o tempo, logo que haja conhecimento de que o executado, seus sucessores ou outros responsáveis possuem bens penhoráveis, tal só será viável se a dívida não se encontrar prescrita, prescrição que, em princípio, nunca estaria em causa se o efeito interruptivo duradouro decorrente da citação não cessasse com o termo, ainda que provisório, do processo de execução fiscal, por declaração em falhas (…)”. (sublinhado nosso).

Cumpre destacar que a competência para a declaração em falhas cabe ao órgão de execução fiscal, mas tal como mencionado supra, o tribunal, na apreciação da prescrição da dívida exequenda pode analisar, a título incidental, se os requisitos para a declaração em falhas se mostravam preenchidos, in casu, em 29/01/2014 ou apenas em 10/01/2020.

Das diligências desencadeadas pelo órgão de execução fiscal acima enunciadas concluímos que os requisitos legais para a declaração em falhas proferida a 29/01/2014, estavam igualmente preenchidos em relação aos processos executivos nºs 2810200901121839, 2810201001069500 e 2810201001143573, pelo que, nestes processos cessou o efeito interruptivo duradouro das citações da executada, iniciando-se a 30/01/2014 a contagem de novo prazo de prescrição de 8 anos.

Assim sendo, conclui-se que as dívidas exequendas dos processos nºs 2810200901121839, 2810201001069500 e 2810201001143573 mostram-se prescritas.

Por tudo o que vem exposto julgamos ser de negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença proferida, com a presente fundamentação.
* *
V- DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência as juízas da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, com a presente fundamentação.

Custas pela Recorrente
Lisboa, 26 de setembro de 2024
Luisa Soares
Lurdes Toscano
Isabel Vaz Fernandes