Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 169/16.2BEALM |
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Secção: | CA- 2º JUÍZO |
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Data do Acordão: | 09/21/2017 |
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Relator: | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
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Descritores: | ESTRANGEIROS EXPULSÃO LIMITES |
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Sumário: | i) Na anterior redacção do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), os limites à expulsão e afastamento coercivo não relevavam nos casos de o estrangeiro ter cometido ou poder cometer atentado contra a segurança nacional ou contra a ordem pública, ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português ou dos seus nacionais e no caso de ter cometido actos criminosos graves (proémio do artigo 135.º e as situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 134.º). ii) De acordo com a actual letra do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de Julho, em vigor desde 7 de Agosto, resulta que nas situações em que o cidadão estrangeiro tenha a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira a residir em Portugal e sobre os quais exerça efectivamente responsabilidades parentais e a quem assegure o sustento e a educação, não pode o mesmo ser alvo de decisão de afastamento coercivo ou de expulsão (e desde que não se verifique a suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes). iii) Perante o deficit instrutório existente relativamente à questão assinalada no acórdão (filhos menores efectivamente a cargo), impõe-se a anulação oficiosa da sentença, com vista a ser completada a instrução do processo e ampliada a matéria de facto, proferindo-se então nova decisão em conformidade com o que for apurado (art. 662.º, n.º 2, al. c) do CPC). iv) Na instrução da causa, dispõe o tribunal da faculdade prevista no art. 526.º do CPC, a qual concretiza o princípio do inquisitório, consagrado no art. 411.º do CPC e art. 90.º, n.º 3, do CPTA. |
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Votação: | COM VOTO DE VENCIDA |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório Florindo …………………. (Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Almada que julgou improcedente o pedido por si formulado contra o Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de anulação do acto administrativo de afastamento coercivo do território nacional. Em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões: 1.ª Discute o Recorrente a legalidade do acto proferido pelo Exmo. Sr. Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a 28 de Janeiro de 2014, em que se determina a expulsão do recorrente do território nacional, e interdição de entrada no mesmo por um período de oito (oito) anos. 2.ª O Recorrente propôs a competente acção administrativa na qual pugnou, além do mais pela verificação do vício de violação da lei dada a sua situação factual subsumir-se ao limite previsto na al. b) do art. 135.º do RJEPSAE. 3.ª O ora Recorrente tem em território nacional três filhos menores, um deles de nacionalidade portuguesa, a quem providencia sustento e educação. 4.ª Assim, apenas poderia ser afastado se ''os actos ilícitos praticados se integrassem na excepção do corpo do artigo 135.º, e se a decisão de expulsão tivesse sido tomada por um tribunal como medida autónoma ou como pena acessória devido à sua actuação constituir "atentado à segurança nacional ou à ordem pública" ou, se se integrasse nas alíneas e) e f) do n.º 1do artigo 134.º'' (neste sentido, proc. n.º 0489/14,30.07.2014 Ac.STA). 5.ª Aquando a reclusão da sua companheira e mãe do menor, durante um período de 4 anos, o Recorrente sustentou e educou o seu único filho à data, sozinho, não obstante não deter qualquer contrato de trabalho. 6.ª No caso concreto em apreço, questiona-se por que motivo não se afere, para efeitos de aplicação do proémio do art.º 135.º, outros factores relevantes como o lapso de tempo que decorreu desde a prática do crime, a pena concreta aplicada, a extinção da mesma, reincidência do agente, se houve ou não reabilitação legal? 7.ª No entendimento do Recorrente, o facto da prática dos actos ilícitos remontarem ao ano de 2004, ao facto de ter saído em liberdade no ano de 2008 e desde aí levado uma vida conforme ao Direito, não se integram na excepção do corpo do art .º 135.º do RJEPSAE.. 8.ª A aplicação da medida de expulsão só é possível em casos gravosos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e/ou nas situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 134.º do RJEPSAE. 9.ª Com base na factualidade concreta provada, não se descortina como é que, balanceando estes dois interesses, e atendendo ao facto do tempo já decorrido quer entre a prática do crime, quer o regresso do Recorrente à sociedade civil, 10.ª Se considere existir circunstâncias excepcionalmente graves que justifiquem separar os três menores, um deles de nacionalidade portuguesa, do próprio Pai, que com eles vive, sustenta e educa. 11.º Nesta facticidade, cumpriria sempre ter tido em atenção esta limitação do mencionado art.º 135.º, devendo esta norma limitativa ser interpretada e aplicada à luz do que é garantido pelo artigo 36.º, nº. 6, da CRP, que anuncia o princípio do não afastamento dos filhos dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais. 12.ª Entende o Recorrente estar assim preenchida a previsão da al. b) do artigo 135.º, pelo que o acto impugnado padece do vício de violação da lei por contrariar, designadamente, o art.º 135.º al. b) da Lei 23/2007 de 4 de Julho com a redação da Lei n.º 29/2012 de 9 de Agosto, assim como o art.º 36.º da Constituição da República Portuguesa. O Recorrido não apresentou contra-alegações • Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela improcedência do recurso. • Colhidos os vistos do colectivo, importa apreciar e decidir. • I. 1. Questões a apreciar e decidir: A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduz-se em apreciar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento na apreciação que fez da situação fáctica trazida aos autos e sua subsunção jurídica nos artigos 134.º e 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), concretamente no que respeita às responsabilidades parentais por aquele alegadamente assumidas. • II. Fundamentação II.1. De facto A) O autor, cidadão nacional de Cabo Verde, entrou em Portugal em abril de 2000, com visto de curta duração, emitido a 31.3.2000 – ver docs juntos aos autos, incluindo o processo administrativo apenso. G) A 28.1.2014 o SEF elaborou relatório, junto como doc nº 2 da pi, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, de que se transcreve o seguinte: Com interesse para a proposta a formular, considera-se adquirida e relevante para a decisão a seguinte factualidade: 1. Compulsada a informação mais recente e atualizada no NSIS/ SII, bem como a existência de eventuais inscrições nos arts 88º/ 89º, constata-se que o cidadão alvo do presente: · Que viveu em casa do seu primo durante um ano e três meses; · Que em Portugal sempre trabalhou na construção civil, umas vezes com contrato de trabalho, outras vezes sem contrato de trabalho; · Que em Portugal tem irmãos, primos, uma companheira e um filho, que à data da audição tinha seis anos; · Que foi condenado a pena de prisão efetiva de seis anos e seis meses, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, cometido em 24.1.2004, encontrando-se detido até 13.8.2008, data em que lhe foi concedida liberdade condicional; · Que não pretende regressar a Cabo Verde porque tem o seu filho e companheira em Portugal; · Que não é perseguido no seu país nem tem qualquer problema com as autoridades em Cabo Verde. · Que reincidiu no crime e no âmbito do processo nº 3465/09 foi condenado em cúmulo jurídico na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão efetiva;
III – Dos factos e do direito Da factualidade apurada conclui-se que o cidadão Florindo Augusto de Brito dos Santos se encontra em situação ilegal em território português (não é possuidor de qualquer documento que o habilite a permanecer legalmente em território nacional, nomeadamente, não detém qualquer autorização de residência válida, visto válido e excedeu a sua permanência em Portugal), enquadrando-se tal situação nos pressupostos legais previstos para o afastamento coercivo de território nacional, designadamente no art 134º, nº 1, al a) do RJEPSAE, com as alterações introduzidas pela lei nº 29/12, de 9.8. Conclusão/ proposta Em defluência com a facticidade acima transcrita, ousa-se propor que ao cidadão seja imposta: 1. A medida de afastamento coercivo de Território Nacional para Cabo Verde, ao abrigo das disposições invocadas no ponto III do presente; 4. A sua inscrição no Sistema de Informação Schengen para efeitos de não admissão pelo período de 3 anos, ao abrigo do disposto no nº 3 do art 96º, reapreciável nos termos do art 112º, ambos da Convenção de Aplicação do Acordo Schengen, atendendo ao facto que sobre o cidadão recai uma medida de afastamento acompanhada de uma interdição de entrada. &……….., para Construção Civil ………….o, Lda, para José ………………. – ver docs nº 7 e 8 da pi. Q) No ano de 2011 apresentou declaração de IRS em que o rendimento global foi de €: 1.232,00 – ver doc nº 9 da pi, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. Não foram consignados factos não provados, nem autonomamente exarada a fundamentação da decisão da matéria de facto. • II.2. De direito Vem questionada no recurso a decisão da Mma. Juiz do TAC de Lisboa que julgou a presente acção improcedente, mantendo-se assim o acto impugnado que determinou o afastamento coercivo do ora Recorrente território nacional. Sustenta o Recorrente que o acto que determinou o seu afastamento coercivo do território nacional padece do vício de violação de lei, por entender que a sua situação de facto não se enquadra no disposto no art. 134.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 23/2007, preenchendo antes a situação familiar que se enquadra no art. 135.º, al. b) da Lei n.º 23/2007 e no art. 36.º, n.º 1, da CRP. Como ponto preliminar importa ter presente que a lei em questão sofreu alteração profunda com a entrada em vigor da Lei n.º 59/2017, de 31 de Julho. Vejamos. O artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto (aplicável à data da prolação do acto impugnado), dispunha que: Artigo 135.º Limites à decisão de afastamento coercivo ou de expulsão Com excepção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 134.º, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que: a) Tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente; b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação; c) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente. Estabelecendo-se no art. 134.º do mesmo diploma, sob a epígrafe “fundamentos da decisão de afastamento coercivo ou de expulsão”, o seguinte: 1 - Sem prejuízo das disposições constantes de convenções internacionais de que Portugal seja Parte ou a que se vincule, é afastado coercivamente ou expulso judicialmente do território português, o cidadão estrangeiro: a) Que entre ou permaneça ilegalmente no território português; b) Que atente contra a segurança nacional ou a ordem pública; c) Cuja presença ou atividades no País constituam ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português ou dos seus nacionais; d) Que interfira de forma abusiva no exercício de direitos de participação política reservados aos cidadãos nacionais; e) Que tenha praticado atos que, se fossem conhecidos pelas autoridades portuguesas, teriam obstado à sua entrada no País; f) Em relação ao qual existam sérias razões para crer que cometeu atos criminosos graves ou que tenciona 2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que o estrangeiro haja incorrido. 2 – (…) 3 – (…) Dispondo actualmente o art. 135.º, após a alteração operada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de Julho, que: 1 - Não podem ser afastados coercivamente ou expulsos do País os cidadãos estrangeiros que: a) Tenham nascido em território português e aqui residam; b) Tenham efetivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal; c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, relativamente aos quais assumam efetivamente responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação; d) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam. 2 - O disposto no número anterior não é aplicável em caso de suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes. Assim, da leitura deste normativo legal resultará que apenas nas situações em que o cidadão estrangeiro tenha a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira a residir em Portugal e sobre os quais exerça efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegure o sustento e a educação, não pode o mesmo ser alvo de decisão de afastamento coercivo ou de expulsão (e desde que não se verifique a suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes). Com efeito, a actual redacção do art. 135.º, já plenamente aplicável, não prevê a salvaguarda das situações previstas nas alíneas c) e f) do art. 134.º da Lei n.º 23/2007, enquanto limites à expulsão/afastamento coercivo do território nacional. E tal conclusão é a única que se alcança se olharmos para a exposição de motivos constante do Projecto de Lei n.º 240/XIII/1.ª, que versa precisamente sobre “Reposição de limites à expulsão de cidadãos estrangeiros do território nacional”, onde se pode ler (in www.parlamento.pt): “Qualquer cidadão que cometa um qualquer ilícito em território nacional deve ser punido em conformidade, com as penas previstas na lei penal portuguesa, incluído a pena acessória de expulsão. Porém, não faz sentido que um cidadão nascido em Portugal ou que tenha tido em Portugal a sua formação desde criança, ou que tenha filhos menores em Portugal e que cá permaneçam, possa ser expulso para países com que não têm qualquer ligação, que não têm qualquer responsabilidade por eventuais crimes que tenham sido cometidos, podendo deixar em Portugal filhos menores que serão assim injustamente penalizados. Os cidadãos que têm em Portugal todas as suas raízes familiares devem ser julgados e punidos em Portugal pelos crimes que cometam. Não faz qualquer sentido que, com a invocação discricionária de razões securitárias, o Estado Português se arrogue o direito de expulsar cidadãos para países com que estes não têm qualquer outra relação que não seja um vínculo formal de nacionalidade que não corresponde à realidade da vida. Por outro lado, a expulsão de cidadãos que deixem em Portugal filhos menores faz recair sobre estes uma penalização que não tem qualquer justificação”. Assim, na nossa perspectiva, e tendo presente que o caso julgado é um instrumento que permite atingir um fim prático, real, traduzido na necessidade de definição jurídica da posição substantiva reivindicada pelo autor (o que vai para além da mera impugnação do acto e se atinge pelo pedido condenatório – art. 66.º do CPTA), a factualidade expressa na sentença recorrida não é suficiente para alcançar uma conclusão acerca da alegação oportunamente efectuada na p.i., e reiterada no presente recurso, sobre o facto de ser o ora Recorrente quem providencia sustento e educação aos seus 3 filhos menores. Ou seja, não permite alcançar uma conclusão segura acerca de ter ou não o A. filho(s) menor(es) de nacionalidade portuguesa efectivamente a cargo ou sendo estrangeiros e a residir em Portugal se sobre estes exerce efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegure o sustento e a educação. É certo que não vem requerida prova testemunhal, mas o tribunal tem ao dispor a faculdade prevista no art. 526.º do CPC, a qual concretiza o princípio do inquisitório, consagrado no art. 411.º do CPC e art. 90.º, n.º 3, do CPTA. Neste ponto, a inquirição da mãe dos menores em causa afigurar-se-á certamente como esclarecedora. Tanto basta para afirmar a existência de deficit instrutório e com este fundamento, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, terá que revogar-se a sentença recorrida para a necessária ampliação, após a devida instrução da causa, da matéria de facto e posterior decisão com o que vier a ser apurado. Insuficiência factual a ser suprida no Tribunal recorrido, uma vez que os autos não contêm os elementos necessários para que este TCA possa conhecer de tal questão. • III. Conclusões Sumariando: i) De acordo com a actual letra do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, (regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de Julho, resulta que nas situações em que o cidadão estrangeiro tenha a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira a residir em Portugal e sobre os quais exerça efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegure o sustento e a educação, não pode o mesmo ser alvo de decisão de afastamento coercivo ou de expulsão (e desde que não se verifique a suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes). ii) Perante o deficit instrutório existente relativamente à questão assinalada, impõe-se a anulação da sentença, com vista a ser completada a instrução do processo e ampliada a matéria de facto, proferindo-se então nova decisão em conformidade com o que for apurado (art. 662.º, n.º 2, al. c) do CPC). • IV. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em: - Conceder provimento ao recurso e anular a decisão recorrida; e - Ordenar a baixa do processo ao Tribunal a quo, para que aí se complete a instrução dos autos nos termos supra apontados e se profira nova decisão em conformidade. Sem custas. Lisboa, 21 de Setembro de 2017 ____________________________ Pedro Marchão Marques ____________________________ ____________________________ Voto de vencido: Salvo o devido respeito pelo entendimento que obteve vencimento, negaria provimento ao recurso pelos fundamentos que, sucintamente, seguem: No caso, por despacho de 28.JAN.2014 foi determinado o afastamento coercivo do Recorrente – alínea H do probatório. 1. registo criminal – tráfico de droga; O Recorrente, cidadão estrangeiro natural de Cabo-Verde em permanência ilegal em território português, tem no seu registo criminal duas condenações por tráfico de estupefacientes, sendo a pena aplicada de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão e outra de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão e a sua mulher (dita aqui de companheira) tem no seu registo criminal uma condenação por tráfico de estupefacientes, sendo a pena aplicada de 6 (seis) anos de prisão – alíneas G e M do probatório. O que significa que, no tocante ao Recorrente, estaremos face aos pressupostos formais do ilícito da reincidência (artº 75º C. Penal) ao que acresce a verificação do pressuposto material de que, segundo as circunstâncias do caso concreto, a condenação anterior não serviu ao agente como suficiente advertência relativamente à prática de novos crimes. Tal como escreveu Figueiredo Dias “é no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material – no sentido de «substancial», mas também no sentido de pressuposto de funcionamento «não automático» - da reincidência” (Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora/2005, pág. 268). No que concerne à gravidade dos crimes de tráfico de estupefacientes, diz-nos a jurisprudência da especialidade que “(..) Na verdade, a aplicação da pena não visa apenas a “reintegração do agente na sociedade”, mas também a “protecção de bens jurídicos”. (..) (..) a gravidade e demais circunstâncias do crime cometido e as suas mui graves repercussões na sociedade não só não podem ser escamoteadas como assumem, nesta matéria, importância fulcral e determinante, como vem sendo devidamente salientado pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sua já cimentada jurisprudência, que consideramos uniforme neste ponto e de que são exemplo os acórdãos de 15/11/2007, proferido no Proc. 07P3761 e de 24/10/2007, proferido no Proc. 07P3220 (podendo ambos ser consultados em www.dgsi.pt), entre muitos outros. (..) (..) não constitui novidade a afirmação de que “o sentimento de reprovação social das actividades ligadas ao tráfico de estupefacientes e a necessidade sentida de uma maior e mais eficaz protecção impõem que a repressão de tais actividades seja firme por forma a não defraudar as expectativas e confiança dos cidadãos na eficácia do sistema jurídico e na lei enquanto instrumentos de protecção de interesses individuais e colectivos.”(cfr. acórdão do STJ, proferido no processo 449/09.3JELSB). – cfr. Ac. Tribunal da Relação de Lisboa Procº nº 4661/13.2 de 26.04.2016 (José Adriano). É exactamente por isso que, atenta a necessidade de prevenção especial e geral, - o instituto da suspensão da pena não é adequado, ainda que se trata de réu primário. Referido sucintamente o quadro doutrinário e jurisprudencial do crime de tráfico de estupefacientes, cabe aplicar o exposto ao caso concreto trazido a recurso. 2. afastamento coercivo por cometimento de crimes graves – artº 134º nº 1 f) Lei 23/2007; Dada a realidade registral em matéria de ilícitos penais relativos ao Recorrente, cidadão estrangeiro em permanência ilegal em território português e não entrando na análise directa da questão, controversa, da aplicabilidade das alterações ao artº 135º da Lei 23/2007 de 04.07, introduzidas pela Lei 59/2017 de 31.07 ao citado despacho de 28.JAN.2014, subscrevemos o entendimento sustentado pelo Digno Magistrado do Ministério Público que se transcreve na parte julgada útil “(..) 4. O Ministério Público acompanha, em toda a sua extensão, a fundamentação da Douta decisão ora sob recurso, na justa medida em que a mesma, como se demonstrará, procedeu a uma correcta apreciação dos factos trazidos ao seu conhecimento e bem assim à sua subsunção ao Direito, pelo que não merece qualquer tipo de censura; 5. Desde já, deverá afirmar-se que, como bem se alcança dos Autos, o recorrente permanece ilegalmente em território nacional, onde terá chegado em Abril de 2000, e onde tem permanecido ao arrepio do normativo legal sobre a entrada e permanência de cidadãos estrangeiros em TN; 6. Razão pela qual o SEF instaurou o competente procedimento de cariz administrativo, visando a sua consequente expulsão administrativa do TN, tanto mais que, na pendência da sua permanência em TN, o mesmo praticou um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, na forma agravada; 7. O A., como bem se alcança da motivação de recurso apresentada, sustenta a ilegalidade da decisão de expulsão do TN fundamentado na circunstância de ter a seu cargo filhos menores e sobre os quais exerce efectivamente responsabilídades parentais e a quem assegura sustento e educação, ou seja, preenche os requisitos enunciados na alínea b), do nº l, do artigo 134º, e nº 1, b), do artigo 135º, todos do citado RJE 8. Ora, nos termos do disposto no artigo 134º do «Regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional», aprovado pela Lei nº 23/2007, de 4 Julho, na sua versão actualizada, estipula, sob a epígrafe «Fundamentos da decisão de afastamento coercivo ou de expulsão», o seguinte: «l- Sem prejuízo das disposições constantes de convenções internacionais de que Portugal seja Parte ou a que se vincule, é afastado coercivamente ou expulso judicialmente do território português, o cidadão estrangeiro: a) Que entre ou permaneça ilegalmente no território português; [...] c) Cuja presença ou actividades no País constituam ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português ou dos seus nacionais; [...] f) Em relação ao qual existam sérias razões para crer que cometeu actos criminosos graves ou que tenciona cometer actos dessa natureza, designadamente no território da União Europeia; [...] 2- O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que o estrangeiro haja incorrido». 9. O artigo 135º da mesma Lei, sob a epígrafe «Limites à decisão de afastamento coercivo ou de expulsão», refere: «Com excepção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas c) e f) do n^l do artigo 134S, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que [...] b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação; [...]». 10. O artigo 36º, da CRP, sito no Título (l sobre «Direitos, liberdades e garantias», e no Capítulo l sobre «Direitos, liberdades e garantias pessoais», estipula, sob a epígrafe «Família, casamento e filiação», no seu n%, o seguinte: «Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial». 11. Ao recorrente, foi determinada a expulsão administrativa do território nacional, logo após ter cumprido a 6 anos e 6 meses de prisão, pela prática, sob a forma de autoria material, de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, na forma agravada; 12. A validade desta decisão administrativa que se pretende impugnada coloca-se por causa desse «afastamento coercivo», e interdição de entrar em território português durante um certo período temporal, ou seja, o afastamento do recorrente, pai de três filhos, residente em Portugal; 13. Ora, com esta apontada limitação legal e constitucional ao afastamento coercivo e à expulsão do TN, pretende o legislador conciliar a "legítima autodefesa da ordem jurídica, política, económica e social do Estado" com os direitos, liberdades e garantias pessoais, na justa medida em que o Estado de direito não pode deixar de fundar-se no respeito pelos direitos fundamentais das pessoas; 14.Na base dessa limitação está a «protecção da família», enquanto «elemento fundamental da sociedade», e o «interesse do filho menor», a cujos pais assiste o «direito e o dever de educação e manutenção» - Cfr. artigos 36º, nº 5 e 67º, nº 1, todos da CRP; 15. Tal protecção da família significa, desde logo e em primeiro lugar, a «protecção da unidade familiar», traduzida no chamado «direito à convivência», ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos [J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume l, Coimbra Editora, 2007, página 351;] 16. Compreende-se, pois, que a nossa Lei Fundamental garanta aos filhos menores o direito a não serem separados dos pais, «salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com e/es e sempre mediante decisão judicial» - Cfr. artigo 36º, nº 6, da CRP; 17. Porém, convém sublinhar que a nossa Lei Fundamental não consagra um verdadeiro direito do cidadão estrangeiro entrar e fixar-se em Portugal, como também não goza do direito absoluto de permanecer em território nacional, ao contrário do alegado pelo recorrente, pois pode ser extraditado e, verificadas certas condições, dele expulso; 18. O direito do estrangeiro cinge-se, pois, ao «direito de asilo» e ao direito de «não ser arbitrariamente expulso ou extraditado», como decorre claramente do disposto no artigo 33º da CRP; 19. É sob todo este prisma que deverá ser interpretada e aplicada a norma limitativa que se encontra consagrada na alínea b), do nº 1, do artigo 135º do «Regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional», e que pretende conciliar as razões de interesse e ordem pública que servem de fundamento à expulsão ou ao afastamento coercivo de estrangeiro do território nacional com o interesse na conservação da unidade familiar e na protecção do superior interesse do filho menor residente em Portugal; 20. Dessa norma resulta que, com excepção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do nº 1 do artigo 134º, não poderá ser expulso do território nacional o estrangeiro que, nomeadamente, esteja nesta situação de vida: a) Tenha a seu cargo filho menor residente em Portugal, seja a nacionalidade deste portuguesa ou estrangeira; b) Exerça efectivamente responsabilidades parentais sobre esse filho e lhe assegure o sustento e a educação. 21. Ora, analisados os Autos facilmente se constata que o A. e Recorrente, tem pautado a sua actuação em território nacional por condutas manifestamente contrárias à ordem jurídica, como seja a falta de autorização de residência e a prática de crime de tráfico de substâncias estupefacientes, na forma agravada, e bem assim o consequente cumprimento da respectiva pena de prisão; 22. Desconhece-se, face a este quadro reiterado de condutas ilícitas, se o arguido alguma vez exerceu qualquer actividade de natureza profissional, com carácter de regularidade; 23. Ora, é indiscutível que o crime de tráfico de substâncias estupefacientes, como superiormente fundamentado pelo Mmo. Juiz a quo, acarreta para os destinatários dessas substâncias a submissão a uma dependência física e psíquica que conduz a um verdadeiro flagelo social, não só para os consumidores, mas também para as suas famílias; 24. Implicando também sérios problemas de saúde pública não só para os consumidores como para terceiros; 25. Pondo ainda em risco a segurança dos cidadãos, na justa medida em que, frequentemente, surge associado a esse crime a prática de crimes de roubo; 26. Comprometendo, irremediavelmente, a vida em sociedade e a segurança interna; 27. Face a estas constatações, facilmente se conclui que a actividade ilícita desenvolvida pelo A. constitui evidente fundamento para afastamento do regime de protecção à expulsão, consignado no citado artigo 135º, b), da citada Lei nº 23/2007; 28. Efectivamente, não restam quaisquer dúvidas de que esta conduta do A. preenche a previsão normativa constante das alíneas b), c), e f), todos do artigo 134º da citada Lei nº 23/2007; 29. Pois, não restam dúvidas de que o A, constituí um perigo para a ordem pública, conceito este "intimamente associado a objectivos de segurança interna, de que é a componente mais importante, já que a segurança interna visa exactamente garantir a ordem, segurança e tranquilidades públicas."; 30. Dito de outro modo, verificado que o A., como é o caso, constitui um perigo para a ordem pública, constituindo também uma ameaça para os cidadãos e tendo praticado actos ilícitos graves, não são aplicáveis os limites à sua expulsão do TN consignados no artigo 135º, da já referida Lei nº 23/2007, de 4 Julho, ou seja, afastada a aplicação do citado artigo 135º, é de aplicar, em toda a latitude, o regime consignado no artigo 134º da citada Lei; 31. Regime esse que permite o afastamento do A. do território nacional, nomeadamente, quando este aqui permaneça ilegalmente, como é, manifestamente, o caso; 32. No final, o que significa que, no caso concreto, não tem eficácia jurídica a título de proibição de afastamento coercivo do território nacional a circunstância de o ora requerido manter em território nacional parte significativa da sua família - Cfr. Ac. TCAS, de 10 Março 2016, Processo nº l2.906/16; III Conclusão Termos em que o Ministério Público pugna pela improcedência do recurso. (..)” * Pelo exposto, atenta a fundamentação de direito exarada no Parecer do Digno Magistrado do Ministério Público que, com a devida vénia, fazemos nossa, negaria provimento ao recurso confirmando a sentença proferida. Lisboa, 21.SET.2017 (Cristina dos Santos) ………………………………………………. |