Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 742/13.0BELLE |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 09/30/2019 |
Relator: | CATARINA ALMEIDA E SOUSA |
Descritores: | RECLAMAÇÃO JUDICIAL; PRESCRIÇÃO; INCONSTITUCIONALIDADE; DEVEDOR ORIGINÁRIO. |
Sumário: | 1- As causas de suspensão da prescrição das dívidas fiscais são matéria de garantias dos contribuintes, abrangidas no âmbito da reserva de lei parlamentar (artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i)), quer as respeitantes aos responsáveis subsidiários, quer as respeitantes aos originários devedores, sendo que umas e outras são, nos termos da lei tributária, as mesmas (sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 48.º da LGT), daí que o Governo só possa sobre elas legislar munido de válida autorização legislativa para o efeito, que o Acórdão do Tribunal Constitucional já reconheceu inexistir no que às dívidas tributárias imputadas ao responsável subsidiário no processo tributário respeita. 2- Perante os fundamentos que estão na base do juízo de inconstitucionalidade orgânica, da norma do artigo 100.º do CIRE, formulado pelo Tribunal Constitucional, que, na verdade, em rigor, abrangem toda matéria relativa à prescrição das dívidas fiscais, entende-se que os mesmos e, bem assim, o aludido juízo de inconstitucionalidade que daí deriva, são transponíveis também para o caso do devedor originário. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO A Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé que julgou procedente a oposição deduzida por A…… à execução fiscal nº 1058….., contra si instaurada, com vista à cobrança coerciva de dívida de IRS do ano de 2000, no valor total de € 78.930,85. a) O início da contagem do prazo prescricional ocorreu em 01/01/2001, tendo-se suspendido com a declaração de insolvência, em 17/02/2005; b) O processo de insolvência, atentas as disposições supra referidas do CIRE, dever-se-á considerar encerrado em 12/07/2010, data em que a decisão de encerramento transitou em julgado (cfr. fls. 11 do doc. 2 junto com a contestação); c) Pelo que, deveria ser esta a data a constar da alínea D) da factualidade provada na sentença sob recurso; d) Assim, o prazo prescricional esteve suspenso desde aquela data de 17/02/2005 até 12/07/2010; e) Tendo-se reiniciado novamente a contagem do prazo a partir de 13/07/2010 e até à data em que ocorreu a citação, em 02/08/2013, pois a citação fazia suspender o prazo, nos termos do art° 48º da LGT; f) Feita a contagem de acordo com os factos acima descritos, seria forçoso concluir que a dívida exequenda não se encontrava prescrita, ao contrário do que concluiu a sentença sob recurso. 2. Ao ter decidido no sentido em que o fez, incorreu a Mm° Juíza em errada valoração da prova e não subsumiu esses factos às normas jurídicas aplicáveis. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, requer-se seja dado como provado que o processo de insolvência se considerou encerrado em 12/07/2010, e não em 13/05/2009 como vem fixado na alínea D) no probatório, com a consequente revogação da sentença recorrida, por não ter ocorrido a prescrição da dívida exequenda à data da citação. * O recorrido não contra-alegou. * O Exmo. Magistrado do Ministério Público proferiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. * Colhidos os vistos, vêm os autos à conferência para decisão. * II – FUNDAMENTAÇÃO A) - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos “Dos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão da causa, de acordo com as soluções plausíveis de direito, julgo provada a seguinte factualidade: A) Foi instaurado contra a Oponente o processo de execução fiscal nº 1058……, instaurado para a cobrança coerciva da dívida de IRS de 2000, no valor de €78.930,85. (cfr. fls. 10 dos autos); B) O Oponente foi citado em 02/08/2013 (cfr. fls. 10 e 64 dos autos); C) Em 17/02/2005 foi proferida sentença de insolvência do Oponente e avocados os processos de execução fiscal pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro (cfr. fls. 51 a 57 dos autos); D) Em 13/05/2009 foi encerrado o processo de insolvência referido na alínea precedente (cfr. fls. 62 dos autos); III-2. Factualidade não provada: Não ficou provado que a Administração Tributária tenha notificado o Oponente dentro do prazo de caducidade de 4 anos. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados. Fundamentação do julgamento: Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados cuja genuinidade não foi posta em causa. Quanto aos factos não provados, resulta da falta de prova cujo ónus pertencia à Fazenda Pública, tendo sido impugnados os documentos juntos a fls. 68, 71 e 72 dos autos”. * B) - De Direito Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta claro que são duas as questões que nos vêm dirigidas: (i) uma primeira, relativa ao erro na matéria de facto, concretamente no que respeita à alínea D) dos factos provados; (ii) a segunda, prende-se com a questão de saber se a sentença incorre em erro de julgamento ao ter julgado verificada a prescrição da dívida em cobrança coerciva no processo de execução fiscal nº 105……. Vejamos, então. Entende a Fazenda Pública que o facto constante da alínea D) do probatório se mostra incorrectamente fixado, já que aí, onde consta a data 13/05/09, deveria constar a data de 12/07/10, por ser esta última (e não aquela) a data em que o processo de insolvência se considera encerrado. Lembremos o que consta da referida alínea D): D) Em 13/05/2009 foi encerrado o processo de insolvência referido na alínea precedente (cfr. fls. 62 dos autos); Para assim fixar a data de encerramento do processo de insolvência, em 13/05/09, o Tribunal apoiou-se no documento de fls. 62 dos autos, o qual corresponde à cópia de um despacho judicial, proferido naquela data, no âmbito do processo nº 143/05.4 TBFAR, do Tribunal Judicial de Faro, nos termos do qual consta, além do mais, que “Mostrando-se realizados os pagamentos de acordo com o rateio final, declaro encerrado o presente processo, ao abrigo do disposto no artigo 230º, nº1, al. ) do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas”. Refere a FP que, de acordo com o teor de fls. 11 do doc. 2 junto à contestação, tal data corresponde antes a 12/07/10, por ser esta a data em que a decisão de encerramento transitou em julgado. Ora, a fls. 60 dos autos mostra-se junta cópia de um ofício, datado de 15/11/10, com origem no processo nº 143/05.4 TBFAR, do Tribunal Judicial de Faro, dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Faro, no qual se pode ler, além do mais, que “Com referência ao ofício 463 de 09-11-10, junto remeto as execuções fiscais referentes aos insolventes A…… (…) e cópia da decisão de encerramento, que transitou em julgado no dia 12-07-2010 e da liquidação dos pagamentos, que se encontram juntos nos autos de Insolvência”. De acordo com o mesmo doc. 2 junto à contestação, em concreto a fls. 13, a decisão de encerramento em causa, cuja cópia foi junta também, corresponde precisamente àquela a que se refere originariamente a alínea D) dos factos provados. Assim sendo, é seguro proceder à alteração/ampliação da matéria de facto, reformulando a alínea D) e aditando a alínea E), nos termos que se seguem: D) - Em 13/05/09 foi, no âmbito do processo nº 143/05.4 TBFAR, do Tribunal Judicial de Faro, proferido despacho judicial de declaração de encerramento da insolvência de A…… ,e outra (cfr. fls. 62 dos autos); E) – Através do ofício datado de 15/11/10, com origem no processo nº 143/05.4 TBFAR, do Tribunal Judicial de Faro, foi comunicado ao Chefe do Serviço de Finanças de Faro, o seguinte: “Com referência ao ofício 4….. de 09-11-10, junto remeto as execuções fiscais referentes aos insolventes A…….. (…) e cópia da decisão de encerramento, que transitou em julgado no dia 12-07-2010 e da liquidação dos pagamentos, que se encontram juntos nos autos de Insolvência” (cfr. fls. 60 dos autos). Com esta conformação, mostra-se fixado o probatório. * Estabilizada a matéria de facto, importa avançar, então, para a segunda questão que nos ocupa: saber se a sentença incorre em erro de julgamento ao ter considerado verificada a prescrição da dívida em cobrança coerciva no processo de execução fiscal nº 1058…….. Vejamos, então. Para concluir pela prescrição da dívida de IRS do ano de 2000, o TAF de Loulé alinhou o seguinte discurso, após convocar o quadro legal que considerou aplicável, no caso, os artigos 48º e 49º da LGT e 100º do CIRE. “ Compulsados os autos, verifica-se que o Oponente foi citado em 02/08/2013 - que constitui um facto interruptivo do prazo de prescrição - e o IRS em causa é referente ao ano de 2000. O IRS é um imposto periódico, pelo que a prescrição conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, ou seja, 01/01/2001. Sendo o prazo de prescrição, de 8 anos, o mesmo terminaria, não havendo causas de interrupção ou suspensão, em 01/01/2009. No entanto, resulta da factualidade assente que o prazo de prescrição esteve suspenso desde a sentença a decretar a insolvência do Oponente até ao encerramento deste processo, ou seja, desde o dia 17/02/2005 até dia 13/02/2009 – 4 anos, 2 meses e 26 dias. Ora, desde 01/01/2001 até 17/02/2005, decorreram 4 anos, tendo o prazo prescricional, nessa data, ficado suspenso até dia 13/02/2005. A partir desta data, o prazo deixou de estar suspenso, pelo que, em 02/08/2013, data da citação do Oponente, já tinham decorrido 4 anos e 26 dias e no total, 8 anos e 26 dias. Defende a Fazenda Pública que o prazo de suspensão só terminou no dia 16/11/2010, data da devolução do processo executivo ao serviço de finanças após encerramento do processo no Tribunal Judicial da Comarca de Faro. Não tem razão a Fazenda Pública a este propósito. O art. 100º do CIRE é claro quando refere, “durante o decurso do processo”. A data da devolução do processo executivo à Administração Tributária em nada releva para efeitos do período de suspensão do prazo prescricional, mas tão só a data de encerramento do processo a correr termos no Tribunal Judicial, que, como consta do probatório, ocorreu em 13/02/2005. Deste modo, tendo o Oponente sido citada em 02/08/2013, a dívida exequenda já se encontra prescrita. Termos em que tem de proceder a presente Oposição”. Vejamos, então, desde já se adiantando que efectivamente a dívida se mostra prescrita, sem prejuízo, porém, de não acompanharmos integralmente a fundamentação sufragada na decisão recorrida. Com detalhe, passamos a esclarecer a nossa posição. Como a sentença não deixou de assinalar, o prazo de prescrição aplicável à situação sub judice é o do artigo 48.º, n.º 1, da LGT, uma vez que o facto tributário ocorreu após a entrada em vigor da LGT, que se situa em 1 de Janeiro de 1999, nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que a aprovou. Portanto, sendo a dívida relativa a IRS de 2000, não se suscitam dúvidas quanto ao prazo de prescrição aplicável de oito anos, contado de 01/01/01. Tal prazo terminaria, se tivesse corrido ininterruptamente, no dia 31/12/08. Deverá, então, considerar-se a ocorrência de factos interruptivos e/ou suspensivos do prazo de prescrição, susceptíveis de influir no decurso do mesmo, sendo aplicáveis ao caso dos autos os previstos na lei vigente à data em que os mesmos ocorreram, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, do CC. Para facilitar a exposição, importa considerar, desde já, o teor dos artigos 48º e 49º da LGT, dando conta das diversas alterações sofridas até à redacção actual. Os artigos 48º e 49º da LGT, na sua redacção inicial, dispunham: Artigo 48º «Prescrição 1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu. 2 - As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários. 3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5º ano posterior ao da liquidação.» Artigo 49º «Interrupção e suspensão da prescrição 1 - A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição. 2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação. 3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso.» A Lei nº 100/99, de 26/6, alterou os nºs. 1 e 3 deste artigo 49º, os quais ficaram a ter a seguinte redacção: «1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição. 3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.» Posteriormente, a Lei nº 55-B/2004, de 30/12, alterou o nº 1 daquele artigo 48º da LGT, o qual ficou com a redacção seguinte: «1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.» Por seu turno, a Lei nº 53º-A/2006, de 29/12, veio alterar o citado artigo 49º da LGT, tendo sido revogado o seu nº 2, alterada a redacção do seu nº 3 e aditado o nº 4. Assim, a redacção desse preceito passou a ser a seguinte: «1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição. 2 – Revogado 3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar. 4 - O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.» O artigo 48º da LGT, conta actualmente com o nº 4 (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), nos termos do qual: 4 - No caso de dívidas tributárias em que o respectivo direito à liquidação esteja abrangido pelo disposto no n.º 7 do artigo 45.º, o prazo referido no n.º 1 é alargado para 15 anos. O artigo 49º da LGT conta actualmente com o nº 5, aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro), nos termos do qual: 5 - O prazo de prescrição legal suspende-se, ainda, desde a instauração de inquérito criminal até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença. Em resultado de alterações legais ocorridas em 2016, o artigo 49º da LGT apresenta actualmente a seguinte redacção: 1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição. 2 - (Revogado pelo artigo 90º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12) 3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar. (Redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12) 4 - O prazo de prescrição legal suspende-se: (Redacção da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março) a) Em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizados; (Aditada pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março) b) Enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida; (Aditada pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março) c) Desde a instauração até ao trânsito em julgado da ação de impugnação pauliana intentada pelo Ministério Público. (Aditada pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março) d) Durante o período de impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente. (Aditada pela Lei n.º 13/2016, de 23 de maio) 5 - O prazo de prescrição legal suspende-se, ainda, desde a instauração de inquérito criminal até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença. (Aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro) Visto o quadro normativo em que nos movemos, apliquemos a lei aos factos para, assim, podermos concluir sobre o acerto, ou desacerto, da decisão recorrida. Ora, como dissemos, considerando o prazo de 8 anos e o seu início em 01/01/01 (em cobrança está, relembre-se, IRS de 2000), temos que, se a prescrição corresse sem qualquer interrupção/suspensão, o terminus do prazo coincidiria com o dia 31/12/08. E, na verdade, como veremos, é o que se passa no caso. Com efeito, entre 01/01/01 e a data da citação do executado, em 02/08/13, decorreram mais de oito anos, pelo que a citação, enquanto (primeiro) facto interruptivo da prescrição, ocorreu já depois do decurso integral do prazo prescricional de oito anos, razão pela qual a dívida em causa se mostra prescrita. Vejamos. Não desconsidera este Tribunal o entendimento da FP, ora Recorrente, segundo o qual o prazo de prescrição se suspendeu entre a data da declaração de insolvência (17/02/05) e a data do trânsito em julgado da decisão judicial de encerramento do processo de insolvência, em 12/07/10, considerando o disposto no artigo 100.º do CIRE, nos termos do qual “a sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo”. Aliás, também a sentença recorrida lançou mão do disposto no artigo 100º do CIRE, dando relevo ao período de suspensão da prescrição que, conforme transcrevemos, fixou entre a “sentença a decretar a insolvência do Oponente até ao encerramento deste processo”. Mas a FP não tem razão, como veremos. Para tanto, recuperamos seguidamente um recente (e inovador) acórdão do STA em que foi analisada questão idêntica àquela que aqui se discute, em termos que importa aqui aplicar. Lê-se em tal aresto o seguinte: “(…) A sentença recorrida inaplicou ao caso dos autos a suspensão do prazo de prescrição prevista naquela disposição legal – leia-se, o artigo 100º do CIRE - fundamentando o decidido nos seguintes termos: «(…) a 18.12.2009, foi proferida sentença de declaração de insolvência do Reclamante, verificando-se o seu encerramento em 16.06.2010 (cfr. alínea D) do probatório). Ora, dispõe o artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, que “A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo”. No entanto, a este propósito, como aponta a DMMP, importa considerar o entendimento do Tribunal Constitucional no acórdão n.º 362/2015, de 9 de Julho de 2015, que decidiu julgar inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do CIRE, quando interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, com os seguintes fundamentos que, para o que ao caso interessa, a seguir se transcrevem: “(…) Com efeito, como decorre do disposto no n.º 2, do artigo 165.º da Constituição, as leis de autorização legislativa devem definir o objeto, o sentido e a extensão da autorização. Torna-se a todos os títulos claro que o sentido e extensão significam a «predefinição parlamentar da orientação política da medida legislativa a adotar» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 337). Não sendo obrigatório que «a autorização contenha um projeto do futuro decreto-lei [...], [ela] não pode ser, seguramente, um cheque em branco» (v. idem, ibidem). Ora, do disposto no artigo 1.º, n.º 3, alínea a), da Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto, na parte referente às consequências para o Estado da declaração de insolvência, não decorre a concessão de autorização para legislar em matéria relativa à prescrição das dívidas fiscais. Assim, e uma vez que aquela expressão se encontra, na economia do diploma autorizativo, desligada de qualquer especificação quanto ao seu conteúdo, da mesma não é extraível qualquer sentido útil, face às exigências do disposto no artigo 165.º, n.º 2, da Constituição, para efeitos de credencial parlamentar bastante. Do mesmo modo, também no resto do diploma não se encontra nada que pudesse agora conferir uma fonte útil de credencial legiferante para matérias relacionadas com a prescrição de dívidas tributárias, designadamente do responsável subsidiário. Neste contexto, o artigo 100.º do CIRE, interpretado no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário no âmbito do processo tributário, ao ser editado pelo Governo a descoberto de credencial parlamentar e tendo em conta a matéria que regula, enferma do vício de inconstitucionalidade orgânica. II. Decisão Pelo exposto, decide-se: [j]ulgar inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário” [sublinhado e destaque nossos]. E se é certo que tal aresto incide sobre um caso em que foi discutida a situação de dívidas tributárias revertidas contra o devedor subsidiário, certo é também que, de acordo com tal juízo de inconstitucionalidade, o artigo 100.º do CIRE, enferma de inconstitucionalidade, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, por o governo não ter legislado ao abrigo de autorização legislativa e ser inovadora a causa de suspensão ali prevista em matéria das dívidas tributárias. Assim, perante os fundamentos que estão na base do juízo de inconstitucionalidade orgânica, da norma do artigo 100.º do CIRE, formulado pelo Tribunal Constitucional, que, na verdade, em rigor, abrangem toda matéria relativa à prescrição das dívidas fiscais, entende-se que os mesmos e, bem assim, o aludido juízo de inconstitucionalidade que daí deriva, são transponíveis também para o caso do devedor originário. O que significa que a declaração de insolvência do Executado não tem a virtualidade de suspender o prazo de prescrição, pelo que este período que decorreu entre a declaração de insolvência e a declaração judicial do seu encerramento não deve entrar para o cômputo do cálculo do prazo prescricional, verificando-se, antes, que nesta altura o mesmo se encontrava a correr ininterruptamente.». (fim de citação) O juízo formulado pelo Tribunal “a quo” afigura-se-nos correcto, embora a última palavra sobre a questão seja necessariamente do Tribunal Constitucional, para o qual será obrigatória a interposição de recurso pelo Ministério Público caso este STA confirme o juízo de inaplicabilidade da norma com fundamento em inconstitucionalidade. Ora, é para nós pacífico que as causas de suspensão da prescrição das dívidas fiscais são matéria de garantias dos contribuintes, abrangidas no âmbito da reserva de lei parlamentar (artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i)), quer as respeitantes aos responsáveis subsidiários, quer as respeitantes aos originários devedores, sendo que umas e outras são, nos termos da lei tributária, as mesmas (sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 48.º da LGT), daí que o Governo só possa sobre elas legislar munido de válida autorização legislativa para o efeito, que o Acórdão do Tribunal Constitucional já por duas vezes reconheceu inexistir no que às dívidas tributárias imputadas ao responsável subsidiário no processo tributário respeita (cfr. os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 362/2015, de 9/07/2015 e n.º 270/2017, de 31/05/2017) Como pacífico é, na jurisprudência deste STA, que o artigo 100.º do CIRE, interpretado no sentido da sua aplicabilidade às dívidas tributárias, introduziu uma causa de suspensão da prescrição inovadora, sem antecedente na precedente legislação falimentar, nem sendo lícito buscar no direito comum causas de suspensão da prescrição de dívidas fiscais não especialmente previstas na legislação tributária. Como se consignou no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA de 15 de Outubro de 2014, rec. n.º 0431/14, e aqui se reitera, os prazos de prescrição, como os de caducidade, por contenderem com garantias dos contribuintes, estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária (cfr. o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição e o artigo 8.º, n.º 2, alínea a) da Lei Geral Tributária), encontrando-se abrangidos no âmbito da reserva de lei não apenas a definição dos prazos gerais de prescrição e de caducidade, como também os respectivos factos interruptivos e suspensivos, que os condicionam inelutavelmente. / Daí que (…) , na ausência de norma legal no CPEREF que previsse a suspensão do prazo de prescrição em virtude da avocação dos processos executivos ao processo de falência, a conclusão a tirar, necessariamente, era a de que tal facto não tinha efeitos suspensivos do prazo de prescrição./ E nem se argumente – (…) –, com a aplicação subsidiária do disposto no n.º 1 do artigo 321.º do Código Civil (suspensão por motivo de força maior) pois que esta causa de suspensão prevista na lei comum, se aplicável, apenas determinaria a suspensão da prescrição nos últimos três meses do prazo, e, em qualquer caso, não há que buscar no direito civil causas de suspensão ou interrupção da prescrição não especialmente previstas nas leis tributárias. É que, se o legislador tributário entendeu prever factos especiais a que atribui efeito suspensivo (ou interruptivo), é a esses, apenas, que haverá que reconhecer tal efeito, não sendo lícita a integração de supostas lacunas por via da aplicação subsidiária das normas de direito civil. É verdade que, secundando a lição de JORGE LOPES DE SOUSA, este STA chegou a entender que o artigo 100.º do CIRE era aplicável à prescrição das dívidas tributárias – cfr., entre outros, os Acórdãos de 5 de Dezembro de 2012, rec. n.º 1225/12, de 14/5/2014, rec. n.º 115/14 e de 18/6/2014, rec. n.º 119/14 -, entendimento esse que abandonou após pronúncia do Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 362/2015 e que conduziu, nuns casos, à reformulação da decisão por imposição da declaração de inconstitucionalidade – cfr., por todos, o Acórdão de 7 de Outubro de 2015, proferido no recurso n.º 0115/14 –, quer a adopção do entendimento do Tribunal Constitucional em casos similares - cfr., por todos, o Acórdão de 6 de Dezembro de 2017, rec. n.º 0115/16. Não pode deixar de reconhecer-se, como aliás bem faz o recorrido, que o caso dos autos tem contornos diversos daqueles sobre os quais o Tribunal Constitucional se pronunciou expressamente, pois que em causa estão, não dívidas tributárias imputadas a um responsável subsidiário, mas ao seu originário devedor. E que decorre da fundamentação do referido Acórdão do Tribunal Constitucional que a situação específica do responsável subsidiário foi tida em consideração pelo Tribunal Constitucional, designadamente para rebater os argumentos da anterior jurisprudência do STA no sentido da não inconstitucionalidade do artigo 100.º do CIRE quando interpretada no sentido da sua aplicabilidade ao responsável subsidiário. Parece-nos, contudo, que não obstante a especificidade da situação dos autos – que a sentença também reconhece -, não merece censura a sentença recorrida que decidiu que perante os fundamentos que estão na base do juízo de inconstitucionalidade orgânica, da norma do artigo 100.º do CIRE, formulado pelo Tribunal Constitucional, que, na verdade, em rigor, abrangem toda matéria relativa à prescrição das dívidas fiscais, entende-se que os mesmos e, bem assim, o aludido juízo de inconstitucionalidade que daí deriva, são transponíveis também para o caso do devedor originário” – fim de citação do acórdão de 03/10/18, processo nº 0694/17.8 BEALM. Tudo ponderado, e recuperando o que atrás ficou dito, temos que, in casu, a prescrição correu ininterruptamente desde 01/01/01 e até se completar, em 31/12/08, pois que a citação do executado, corrida em 02/08/13, teve lugar, face ao exposto, já depois do decurso do prazo de oito anos. Como se deixou sublinhado, não constam dos autos quaisquer outras ocorrências com efeitos interruptivos ou suspensivos do prazo de prescrição, importando ter presentes – repita-se – as razões que levam ao afastamento, no caso, da aplicação do disposto no artigo 100º do CIRE. Há, assim, que concluir que a dívida exequenda prescreveu. Nestes ternos, e ainda que com diversa fundamentação daquela que foi acolhida na sentença, confirma-se o seu sentido de decisório de procedência da oposição, com fundamento na prescrição da dívida exequenda. O recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública não merece, pois, provimento. * III- Decisão Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida com a presente fundamentação. Custas pela Recorrente. Registe e Notifique. Lisboa, 30/09/19 (Catarina Almeida e Sousa) (Isabel Fernandes) (Jorge Cortês) |