| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:
I - RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA (ora recorrente) veio recorrer da sentença de revisão proferida em 09.12.2015, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação deduzida por S.............. e SS.............. (anteriormente, SSS.............., G..............), fundos de pensões, sediados e domiciliados na Holanda, (doravante 1ª recorrida e 2ª recorrida), determinando a anulação das liquidações relativas a retenção na fonte em sede de IRC de 2003 e 2004, no total de 1.222.422,50 EUR, por padecerem aqueles atos tributários de vício de violação de lei ao considerarem que a retenção na fonte em IRC dos dividendos distribuídos por sociedades anónimas residentes em Portugal às recorridas, enquanto Fundos de Pensões não residentes, efetuada nos termos do EBF conjugado com os normativos do CIRC (na redação vigente à data dos factos), afrontava o principio da livre circulação de capitais previsto no art.56.º do TCE (atual 63º do TFUE), o princípio da não discriminação e, consequentemente, o artigo. 8.º, nº 4 da CRP.
A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
I-Quanto ao regime legal interno relativo à retenção na fonte à taxa liberatória dos dividendos distribuídos por sociedades residentes a sociedades não residentes e a sua alegada violação do Direito Comunitário, o Tribunal a quo concluiu que os atos tributários impugnados nos presentes autos padecem de vício de violação de lei, por considerar que a retenção na fonte em IRC dos dividendos distribuídos por sociedades anónimas residentes em Portugal as recorridas enquanto Fundos de Pensões não residentes, efetuada nos termos do EBF conjugado com os normativos do CIRC (na redação vigente à data dos factos), viola o principio da livre circulação de capitais previsto no art.56.º do TCE e, consequentemente, o art. 8.º, nº 4 da CRP.
II-Considera a AT que, no caso em apreciação, o diferente regime aplicável aos Fundos de Pensões estrangeiros não lesa os princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais ínsito no Direito Comunitário (artºs 12º e 56º do TCE e atuais 18º e 63º do TFUE), pelo que que a retenção em sede de IRC em discussão não enferma de ilegalidade.
III-A fim de concluir pela ilegalidade dos atos impugnados face às disposições do direito comunitário mencionadas importa atender, em primeiro lugar, aos preceitos internos em vigor na data dos factos tributários e depois à legislação comunitária:
-- Regime dos fundos de pensões plasmado no Decreto-Lei 12/2006, de 20/01, que transpôs para a Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 03/06, relativa às atividades e supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais, designadamente o seu artigo 38.º, n.º 1, al. a), que refere que, entre outros requisitos, as sociedades gestoras de fundos de pensões devem constituir-se sob a forma de sociedades anónimas e ter a sede da administração, em Portugal.
-- EBF que previa que nos exercícios em apreciação “são isentos de IRC os rendimentos dos fundos de pensões e equiparáveis que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”
-- CIRC (vigente à data dos factos) por força dos quais o regime de tributação aplicável aos Fundos de Pensões residentes era diferente do aplicável aos não residentes, na medida em que os rendimentos destes obtidos em Portugal estavam sujeitos a retenção na fonte a uma taxa liberatória.
-- Convenção para evitar Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e a Holanda, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000, de 12-07-2000.
A nível comunitário relevam, além dos artigos 12º e 56º do TCE já acima mencionados, o artigo 58º do mesmo Tratado, na parte que ora se transcreve:
“1. O disposto no artigo 56º não prejudica o direito dos Estados membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontram em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedirem infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança publica.
(…)
3. As medidas e procedimentos a que se referem os nºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 56.º.
(…)”
Refere o citado art.º 58.º do TCE que a proibição de restrições aos movimentos de capitais não constitui um impedimento a que um EM consagre um regime diferente para os contribuintes que não se encontrem em idêntica situação.
IV - Posto isto, antes de concluir pelo carácter discriminatório de uma determinada norma nacional (no caso está em discussão a admissibilidade à luz do direito comunitário e do disposto no EBF) e da existência ou não de causas de justificação que legitimem o carácter discriminatório da mesma, importa determinar, em primeiro lugar, se estamos perante situações comparáveis. Como importa concluir, só existe discriminação quando o direito interno de um EM aplica regras diferentes a situações comparáveis, ou sujeita situações diferentes a um regime idêntico.
V- Assim, é necessário proceder à comparação concreta dos casos em litígio a fim de saber se uma situação caracterizada por um tratamento diferente é ou não constitutiva de discriminação proibida pelo Tratado, colocando os não residentes de outros Estados Membros em desvantagem face aos residentes, como acima se expôs. Ora, tal apreciação não foi considerada na sentença do tribunal de 1ª instância, como supra se expôs.
VI- Salvo melhor entendimento, a sentença em crise limita-se a remeter, neste ponto, para os princípios da não discriminação e liberdade de circulação de capitais previstos, respetivamente, nos arts. 12.º e 56º do TCE (atuais 18º e 63º do TFUE) e para acórdãos do TJUE, nos quais são mobilizados esses mesmos princípios, sem apurar se o imposto retido pelas Recorridas é recuperado no imposto no país do seu domicílio fiscal ou se se encontram sujeitas a um nível de tributação idêntico aos Fundos de Pensões residentes em Portugal.
Não ficando demonstrado se, em concreto, se verifica a violação dos princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais, não se pode concluir sem mais pelo carácter discriminatório da norma interna em discussão no EBF). Neste sentido, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no Acórdão de 29/02/2012, proferido no Processo n.º 01017/11.
VII- A este respeito, importa ter em conta o firmado na Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) entre Portugal e a Holanda, designadamente o seu artº 24º, nº2 e 4, que permite que o imposto pago em Portugal, relativamente a elementos do rendimento ou do capital, seja deduzido na |Holanda, permitindo às ora recorridas recuperar a parte do imposto retido em Portugal e não reembolsado. E os próprios objetivos visados com a CDT — evitar a dupla tributação e evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital — que constituem igualmente fundamentos tidos em conta a nível comunitário, motivo pelo qual o TJUE revela uma maior abertura na aceitação das disposições das convenções de dupla tributação celebradas pelos EM´s.
O que fica dito permite com toda a clarividência concluir que contrariamente ao alegado e em apreciação:
- as Recorridas não se encontram numa situação objetiva comparável à dos Fundos de Pensões constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa;
- a presente situação controvertida não envolve um tratamento discriminatório das Recorridas face às sociedades residentes em Portugal.
VIII - Ora, neste contexto, convém ter em conta que, no plano fiscal, um tratamento diferenciado, de residentes não constitui, em si mesmo, uma discriminação proibida pelo Tratado, uma vez que não existe obrigação de tratamento nacional para os não residentes. Como é reconhecido pelo TJUE, a situação destas duas categorias de sujeitos passivos apresenta diferenças objetivas, quer do ponto de vista da origem dos rendimentos, quer da possibilidade de ter em conta a capacidade contributiva dos contribuintes (v. Acórdão de 14/02/1995, Schumacker, processo C-279/93, Acórdão de 11/08/1995, processo C-80/94, Acórdão de 14/09/199, Gschwind, processo C-391/97)
As Recorridas só se encontrariam em situação comparável às sociedades residentes em Portugal se o estado Holandês consagrasse, em sede de imposto sobre as sociedades, regras de determinação do lucro tributável e demais obrigações fiscais iguais às vigentes em Portugal, o que se desconhece.
IX- No que diz respeito à segunda questão, a mesma advém da circunstância de, não se encontrando as Recorridas numa situação comparável às das sociedades residentes, a não aplicabilidade da isenção prevista no EBF não implicar um tratamento discriminatório em desfavor daquelas.
Para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, as Recorridas teriam que demonstrar que suportaram uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou. Neste sentido, v. Acórdão Gerritse, de 12 de Junho de 2003 (Processo C-234/01).
X - Estamos perante matéria de facto e não apenas de direito cuja demonstração cabia às Recorridas - a necessidade de fazer prova dos factos constitutivos dos direitos por quem os invoca, encontra-se firmada no ordenamento fiscal português, no artº 74.º da LGT, tendo os contribuintes que a cumprir nas variadas situações com relevância fiscal. Não o tendo feito, não é possível invocar o caracter discriminatório da norma em discussão.
Perante tal, não é possível concluir, como faz o Tribunal a quo, que a norma interna em discussão conduz, no presente caso, a um tratamento desvantajoso dos rendimentos de fonte nacional obtidos pelos Fundos de Pensões não residentes e à consequente violação do princípio comunitário da não discriminação, plasmado no art.º 56.º do TCE.
XI - Seguindo de perto a análise crítica de Casalta Nabais, in Introdução ao Direito Fiscal das Empresas, pp. 81 e ss., constata-se que a jurisprudência que vem sendo proferida pelo TJUE, a propósito da fiscalidade dos EM's e da sua comparabilidade com a fiscalidade da União, não é isenta de criticas devido ao seu carácter casuístico e à situação indiferença face aos valores cimeiros que devem presidir às instituições fiscais, como a capacidade contributiva enquanto critério de distribuição dos encargos fiscais e a realização do interesse fiscal do Estado enquanto comunidade política.
XII- Ora, a decisão de direito da presente causa não pode deixar de atender aos valores e aos princípios que presidiram à constituição e aprofundamento da União Europeia — a efetiva integração comunitária, traduzida na aproximação económica e social dos EM's mais pobres aos mais ricos-, bem como ao facto de que a liberdade de circulação de capitais não constitui um fim em si mesmo, mas um meio potenciador do crescimento económico, emprego e desenvolvimento.
XIII- Outro aspeto negligenciado pela jurisprudência comunitária, neste domínio, é que o parâmetro fiscal constitui apenas um dos fatores que os agentes económicos consideram nas suas opções/decisões, daí o Tribunal não poder concluir tout court que determinada medida fiscal por implicar um eventual tratamento discriminatório, contende inevitavelmente com a liberdade de circulação de capitais.
Na verdade, tem a Administração Fiscal que considerar que no processo de elaboração das normas em questão, o legislador terá tido em atenção todo o ordenamento jurídico, quer nacional, quer comunitário, pelo que as normas devem respeitar os mesmos, sendo certo, também, que não cabe à Administração Tributária a sindicância das normas quanto à sua adequação relativamente ao Direito Comunitário.
XIV - Assim, é nosso entendimento que a posição das Impugnantes não tem sustentação legal, tendo em consideração o já acima exposto, designadamente, o facto da diferença de tratamento efetuada pelas normas internas de um EM poder respeitar a situações não comparáveis objetivamente não se pode concluir que aquelas acarretam sempre uma discriminação.
XV - Sem prescindir, tendo em conta que, na sequência do citado Acórdão do TJUE de 06/10/2011, o aditamento do EBF, que isenta de IRC “os rendimentos dos fundos de pensões que se constituam, operem de acordo com a legislação e estejam estabelecidos noutro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, neste último caso desde que esse Estado membro esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia, não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português”, desde que se verifiquem cumulativamente os restantes requisitos aí enunciados, só entrou em vigor no ano de 2012, ex vi, da Lei n.º 64-B/2011, 4 e 30-12, a atuação da Administração não merece qualquer censura.
XVI- Não tendo sido comprovado o carácter discriminatório das normas controvertidas, perde relevância a questão do Primado do Direito Comunitário, por não se verificar qualquer desconformidade entre o Direito Interno e o Direito Comunitário.
E, quanto à condenação pelo Tribunal a quo no pagamento de juros, não se concede por não se verificar uma qualquer ilegalidade que denote o carácter indevido da prestação tributária à luz das normas substantivas, ilegalidade essa que terá de ser necessariamente imputável a erro dos serviços.
XVII - Face a tudo quanto foi exposto, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., a douta sentença do Tribunal a quo enferma de uma errónea aplicação do direito face a deficit instrutório, o que é crucialmente negativo para uma correta e devida decisão da situação sub iudice, pelo que deve a mesma ser revogada.
Termos em que, concedendo provimento ao recurso, farão V.Exas. a costumada JUSTIÇA.
* As recorridas apresentaram contra-alegações, pugnando pelo não provimento do recurso, o que fizeram nos termos seguintes:
A. O presente Recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu julgar procedente a impugnação judicial apresentada pelas ora recorridas dos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2003 e 2004, no montante 1.222.422,50, com fundamento em vício de violação de lei, em particular por violação do principio da liberdade de circulação de capitais previsto no Tratado, em conformidade, aliás, com o acórdão do TJUE, proferido, a 6 de Outubro de 2011, no processo C-493/09.
B. A Fazenda Pública, ora Recorrente, apresentou recurso da sentença proferida pelo Tribunal « quo » alegando, em suma, que as Recorridas não estão numa situação objetivamente comparável face à de um fundo de pensões nacional, invocando ainda que não foi demonstrado o caráter discriminatório das normas nacionais sindicadas face ao Direito Comunitário, nem foi demonstrado, em concreto, pelas Recorridas que estariam numa situação comparável face à dos fundos nacionais.
C. Concluiu o Douto Tribunal a quo que a tributação mais gravosa para as entidades não residentes face às entidades residentes viola a legislação comunitária aplicável, por violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56.º do Tratado, tal como já expressamente determinado pelo TJUE, em acórdão proferido a 06.10.2011, no processo C-493/09, nos termos no qual aquele tribunal declarou expressamente a desconformidade do artigo 14.º do EBF com o Direito Comunitário no que tange à tributação de dividendos auferidos por fundos de pensões residentes num Estado membro da União Europeia.
D. A posição sustentada pela Recorrente não só desconsidera a factualidade dada como assente em 1.º instância e a prova documental efetuada nos autos pelas ora Recorridas, bem como carece de qualquer base legal, violando, de forma frontal e expressa a jurisprudência firmada no processo C-493/09 pelo TJUE e o disposto nos diversos acórdãos proferidos pelo STA em situações de contornos semelhantes à dos presentes autos, pelo que a sentença ora recorrida não merece qualquer censura, requerendo-se a sua confirmação por parte deste Venerando deste Venerando Tribunal.
E. A 7 de Julho de 2014, as ora recorridas foram notificadas do acórdão proferido pelo Venerando STA que concedeu provimento ao recurso de revisão da sentença proferida em 1.º instância em 29 de Outubro de 2008, ordenando a revogação da decisão do Douto Tribunal que não havia admitido o recurso de revisão e que confirmava que o acórdão proferido pelo TJUE no processo C-493/09 constitui fundamento de revisão da decisão objeto dos presentes autos.
F. Assim, como bem referiu o Douto Tribunal a quo na decisão ora recorrida, “a revisão de uma sentença transitada em julgado é admissível sempre que a mesma seja inconciliável com uma decisão definitiva de uma instância internacional de recurso, vinculativa para o Estado Português”, pelo que, “é quanto basta para julgar de revisão (...)”
G. A Recorrente contesta a revisão da sentença nos presentes autos com base num argumento de prescrição, mas sem cuidar de analisar o regime legalmente previsto para a revisão de sentenças transitadas em julgado e ao abrigo do qual o Venerando STA e o Tribunal « a quo julgaram procedente o pedido das ora Recorridas, sendo as alegações completamente omissas quanto a uma alegada intempestividade do pedido de revisão apresentado, padecendo assim de qualquer base factual ou jurídica a invocação da prescrição nos presentes autos
H. Recorde-se que, conforme resulta da factualidade assente nos presentes autos, a questão decidenda consiste em avaliar a conformidade dos normativos internos (concretamente a alínea c) do n.º 1 do artigo 88º e o artigo 80º, n.º 2 do CIRC – e o artigo 14.º - atual artigo 16.º - do EBF) relativos ao regime de tributação dos Fundos de Pensões — com os princípios estabelecidos no Direito Comunitário, mais concretamente com os artigos 12.º e 56.º do Tratado, os quais consagram o princípio da não discriminação e o da livre circulação de capitais, respetivamente
I. É, assim, evidente, a identidade da causa de pedir e do regime jurídico entre as duas decisões, assim se evidenciando, sem necessidade de maiores considerações, a natureza inconciliável da decisão proferida em 1ª instância em 2008 com o Acórdão proferido pelo TJUE no processo n.º C-439/09, tal como bem decorre da decisão ora recorrida.
J. Face ao acórdão do TJUE e à condenação do Estado Português no processo C-493/09, a questão de direito ora controvertida no presente recurso está perfeitamente resolvida, uma vez que a legislação controvertida e que está na origem dos atos tributários sindicados, já foi julgada incompatível com o Direito Comunitário, facto que, lamentavelmente diga-se, a Fazenda Pública, ora Recorrente, parece persistir em ignorar.
K. Facto que assume maior gravidade quando esta questão já foi apreciada nos presentes autos por parte do Venerando STA, que confirmou a inequívoca aplicação do TJUE e que ordenou a remessa do processo à 1.º instância para revisão da sentença em conformidade com a doutrina defendida pelo TJUE.
L. O dever de anulação dos atos tributários ora sindicados não decorre, nem tal nunca foi invocado pelas Recorridas, da necessidade de aplicação retroativa da alteração legislativa introduzida pelo Orçamento do Estado para 2012, mas sim do reconhecimento expresso por parte do TJUE do carácter ilegal do regime fiscal em vigor até à referida data
M. O tratamento discriminatório conferido às Recorridas e a todos os demais Fundos de Pensões constituídos na UE constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.º do Tratado da UE e pelo artigo 1.º da Diretiva 88/3261, conclusão esta a que chegou também o TJUE no acórdão C-493/09 já acima amplamente referido.
N. É também clara a comparabilidade das situações em apreço, sendo igualmente notório que a legislação portuguesa em análise não visa estabelecer qualquer medida antiabuso ou evitar práticas abusivas em matéria fiscal, nem a Recorrente logrou invocar qualquer argumento neste sentido, pelo que o tratamento discriminatório conferido às Recorridas não encontra aqui qualquer justificação, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
O. A norma controvertida do EBF mostra-se contrária ao Direito Comunitário, uma vez que colide com as que do Tratado relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como, com as garantias associadas ao direito de estabelecimento e, dinda, com as disposições relativas à livre circulação de capitais previstas no seu artigo 56.º, tendo como efeito dissuadir os Fundos de Pensões estabelecidos noutros Estados Membros de investirem os respetivos capitais em sociedades com sede em Portugal.
P. Assume extrema relevância referir que a matéria ora em análise é absolutamente pacífica para a própria Administração Tributária, a qual, no dia 7 de novembro de 2013, divulgou o Ofício-Circulado n.º ........../2013, sancionado pelo Gabinete da Subdiretora-geral do IR e das Relações Internacionais, confirmando, de forma clara, a imediata e plena aplicabilidade da jurisprudência do TJUE aos processos pendentes.
Q. Sejamos claros: face ao Acórdão do TJUE e à condenação do Estado português no processo C-493/09, a questão de direito está perfeitamente resolvida, uma vez que a legislação controvertida e que está na origem dos atos tributários sindicados já foi julgada incompatível com o Direito Comunitário, o que esteve na origem, aliás, das alterações promovidas ao artigo 16º do EBF por via da Lei do Orçamento do Estado para 2012.
R. Através dos acórdão n.º 568/13 e 654/13, proferidos nos dias 18 de dezembro de 2013 e 27 de novembro de 2013, respetivamente, o Venerando STA pronunciou-se sobre duas situações cujo enquadramento factual e jurídico e cujas questões materiais controvertidas são idênticas às objeto dos presentes autos, em concreto, processos nos quais as recorridas contestaram os atos de retenção na fonte de IRC dos anos de 2007 e 2008, com base na mesma causa de pedir e concluiu que importa analisar se o tratamento discriminatório conferido pela norma interna — julgada incompatível com o direito comunitário — pode ser neutralizado por via da Convenção celebrada com a Holanda, ou por via do sistema fiscal da residência das Recorridas, ou seja, se o imposto retido na fonte em Portugal pode ser abatido ao imposto sobre as sociedades eventualmente devido na Holanda.
S. Ao contrário do que se sustenta nas alegações de recurso, o Tribunal a quo não deixou de analisar esta questão c foi efetivamente feita prova pelas Recorridas neste sentido, o que motiva desde logo a improcedência do presente recurso.
T. Sobre este tema, refere a Recorrente nas suas alegações que, “A referida Convenção permite, ainda, qui o imposto pago em Portugal, relativamente a elementos do rendimento ou do capital, seja deduzido na Holanda, possibilitando às ora Recorridas recuperar a parte do imposto retido em Portugal e não reembolsado. ”
U. Estamos perante uma conclusão que viola a factualidade dada como assente pelo Tribunal a quo, e em concreto o Ponto 1, pois, conforme demonstrado documentalmente pelas Recorridas em 1.º instância, as mesmas não podem recuperar qualquer imposto no seu Estado de residência,
V. Trata-se de um facto assente, totalmente ignorado pela Recorrente nas suas alegações de recurso e que condiciona irremediavelmente toda a argumentação que sustenta o presente recurso.
W. Ao contrário do que invoca a Recorrente, é evidente que a possibilidade das Recorridas acionarem os mecanismos previstos no ADT não elimina totalmente o caráter discriminatório das normas do CIRC e do EBF ora sindicadas, uma vez que, ao abrigo do ADT, as esmas apenas podem recuperar o imposto suportado em Portugal no valor correspondente à diferença da taxa interna nacional face à taxa prevista no ADT.
X. Da prova documenta! junta aos presentes autos em 1.º instância, é possível concluir que as Recorridas apesar de subjetivamente sujeitas a imposto na Holanda, estão isentas de imposto sobre as sociedades, pelo que o imposto cobrado em Portugal em violação da legislação comunitária, tal como propugnado pelo TJUE é insuscetível de ser recuperado na Holanda.
Y. Constitui, assim, matéria assente nos presentes autos e documentalmente provada que as Recorridas não podem recuperar a qualquer título o imposto suportado no estrangeiro (vide ponto 1) do probatório da sentença no Tribunal a quo).
Z. Em obediência à decisão do STA que ordenou a revisão da sentença anteriormente nos presentes autos, parece inequívoco que a norma constante do atual artigo 16º do EBF padece de manifesto vício de lei, por violação ostensiva dos princípios da e do primado do direito internacional, violando, por conseguinte, os artigos 268.º, 112º e 8º da CRP, bem como 12º, 56º do Tratado, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos de improcedência do presente recurso, requerendo-se a este Venerando Tribunal que se digne confirmar a sentença ora recorrida, reconhecendo o direito da Primeira Recorrida à restituição da quantia de EUR 864.057,46 e da Segunda Recorrida da quantia de EUR 356.365,04, tudo com as demais consequências legais, mormente o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT, a computar desde a data do imposto até emissão do título de crédito.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o gerem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, requerendo-se a este Venerando Tribunal que confirme a sentença recorrida, determinando a consequente anulação dos atos tributários ora sindicados, por vício de violação de lei, tudo com as devidas consequências legais.
Mais se requer a fixação do valor do presente recurso em EUR 275.000 para efeitos de custas, ao abrigo do disposto nos artigos 296.º/3 do CPC e 6.º/1 do Regulamento das Custas Processuais e do princípio constitucional da proporcionalidade.
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, costumada Justiça!
* Os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do art. 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.* Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.*
* II -QUESTÕES A DECIDIR:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT].
Nesta conformidade, cabe a este Tribunal apreciar e decidir se:
(i) A decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito ao ter concluído que a retenção de IRC posta em crise afronta o direito à livre circulação de capitais e a proibição de discriminação com base na residência face à isenção prevista no artigo 14º do EBF (na redação dada pela Lei 32-B/2002, de 30 de dezembro e em vigor a 01.01.2003), de que beneficiam apenas as sociedades, enquanto fundos de pensões, estabelecidos e domiciliados em Portugal, na distribuição de dividendos;
(ii) A decisão recorrida errou no julgamento, ao pressupor que a situação das recorridas, não residentes, era comparável à das sociedades residentes para justificar a discriminação e a restrição à liberdade de circulação de capitais face ao artigo 58º do TCE, e ao não atentar à neutralização daqueles efeitos por via da recuperação do imposto no estado da residência (Holanda);
(iii) A sentença questionada padece de erro de julgamento de direito ao arbitrar juros indemnizatórios às recorridas por inexistência de erro dos serviços e errada interpretação do artigo 43º da LGT.
*
* III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
A sentença recorrida, antes de proceder à revisão da sentença, deu por assente a seguinte factualidade:
Dos documentos juntos aos autos, resulta o seguinte quadro factual:
1. Em processo de impugnação, a que corresponde o n.º 2014/06.8BELSB, deduzido pelas recorrentes em 05/05/2007, foi peticionado a declaração de desconformidade dos artigos 80.º de IRC e do artigo 14.º do EBF, com os artigos 12.º e 56.º do Tratado de Roma, por violação dos princípios da não discriminação e das liberdades de estabelecimento e circulação de capitais e a restituição à aqui 1ª recorrente da quantia de € 866.057,46, e à aqui 2ª recorrente € 356.365,04, referentes a retenções na fonte de IRC sobre dividendos pagos nos anos de 2002 e 2003 (Cfr. fls. 3 a 41 do processo apenso);
2. Em 29/10/2008 foi proferida sentença no processo identificado no número anterior, já transitada em julgado, que julgou improcedente a impugnação e manteve os actos tributários impugnados (cfr. fls. 339 a 349 do processo apenso);
3. Da sentença referida no número anterior foi interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, que declarou a incompetência da Secção do STA, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, por ser o competente para o efeito, o Tribunal Central Administrativo Sul (cfr. fls. 521 a 523 do processo apenso);
4. Por acórdão proferido em 06/11/2011, o Tribunal de Justiça da União Europeia, no processo n.º C-493/09 decidiu «Ao reservar o benefício da isenção de imposto sobre as sociedades apenas aos fundos de pensões residentes no território português a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 63.º TFUE e 40.º do Acordo sobre o Estado Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992.» (cfr. fls. 46 a 55 do processo apenso);
5. Em 06/12/2011, as recorrentes apresentaram o presente recurso de revisão (cfr. fls. 5 dos presentes autos);
* Na apreciação do mérito do recurso de revisão, o Tribunal recorrido fixou a seguinte factualidade considerada provada:
1) As impugnantes são pessoas colectivas, constituídas de acordo com o direito holandês, com sede na Holanda, desenvolvem a sua actividade na área dos Fundos de Pensões e são entidades isentas de impostos sobre o rendimento (cfr. artigos 1.º e 2.º da pi e Doc. n.º 1 da p.i.; e Docs. de fls. 260 a 273 dos presentes autos);
2) Nos anos de 2003 e 2004, as impugnantes na qualidade de accionistas de sociedades com sede em território português, melhor identificadas nos artigos 6.º, 7.º, 8.º e 9.º da p.i., receberam dividendos, dos quais alguns foram sujeitos a tributação em Portugal, a título de IRC, por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, acrescida de 5% correspondente ao imposto sucessório por avença (ISD), numa tributação total por retenção na fonte de 30% sobre o montante bruto dos dividendos e outros foram sujeitos a tributação pela taxa de 10% prevista no Acordo sobre Dupla Tributação (ADT) celebrado entre Portugal, acrescida de 5%, a título de ISD (Cfr. artigos 12.º, 13.º, 15.º, 18.º e 19.º da p.i. e Docs. 1 e segs. da p.i.);
3) A 1ª Impugnante suportou nos anos de 2003 e 2004, imposto por retenção na fonte, nos montantes discriminados nos artigos 13.º e 15.º da p.i., que aqui se dão por integralmente reproduzidos, no montante total de € 866.057,46 (cfr. Docs. n.ºs 1 a 57 da p.i., de fls. 44 a 200);
4) A 2ª Impugnante suportou nos anos de 2003 e 2004, imposto por retenção na fonte, nos montantes discriminados nos artigos 18.º e 19.º da p.i., que aqui se dão por integralmente reproduzidos, no montante total de € 356.365,04 (cfr. Docs. n.ºs 58 a 89 da p.i., de fls. 201 a 232);
5) Em 29/12/2005 as impugnantes deduziram reclamação graciosa da retenção na fonte de IRC e ISD que lhes foi efectuada em virtude da distribuição de dividendos em Portugal por sociedades residentes (cfr. procedimento de reclamação graciosa anexo);
6) Em 31/07/2006, do indeferimento tácito da reclamação graciosa foi deduzida impugnação, a que foi atribuído o n.º de processo 2014/06.8BELSB (cfr. carimbo aposto a fls. 3, do processo n.º 2014/06.8BELSB);
7) Em 29/10/2008 foi proferida sentença que julgou a impugnação a que se refere o número anterior improcedente (cfr. fls. 339 a 249 do processo n.º 2014/06.8BELSB);
8) Em 06/12/2011 as impugnantes deduziram recurso de revisão da sentença a que alude o número anterior (cfr. fls. 2 e 5 dos presentes autos);
9) Por decisão proferida em 09-12-2015 a sentença de 29/12/2005, processo n.º 2014/06.8BELSB, foi revogada (vide supra);* Relativamente à factualidade considerada não provada, o Tribunal a quo, consignou o seguinte:
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
As demais asserções da douta petição integram conclusões de facto ou direito ou meras considerações pessoais da impugnante.* Quanto à motivação da decisão de facto, o Tribunal recorrido consignou que:
Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e que não foram impugnados.* IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
A Fazenda Pública, ora recorrente, começa por imputar à decisão recorrida erro de julgamento de direito ao considerar que as liquidações de IRC retido na fonte, postas em crise, enfermam de ilegalidade por afrontarem o direito comunitário, designadamente a liberdade de circulação de capitais e o princípio da não discriminação a que aludiam os artigos 12º e 56º do TCE, correspondentes aos atuais artigos 18º e 63º do TFUE.
Para a recorrente a diferença de regimes estabelecidos, para tributação de residentes e não residentes na distribuição de dividendos, consagrada pela legislação interna (artigos 88º do CIRC e 14º do EBF na redação vigente à data dos factos) vai ao encontro do consagrado, à data, pelo artigo 58º do TCE, normativo que autorizava os Estados membros a contemplar regimes diversos consoante estivessem em causa residentes e não residentes se em causa estivessem situações não comparáveis, como, em seu entender, sucede com as recorridas.
Salienta que o tribunal a quo não considerou se as situações eram ou não comparáveis para concluir pela discriminação, advogando que a sentença recorrida basta-se em remeter para os princípios da não discriminação e para acórdãos do TJUE, sem apurar se o imposto retido às recorridas é recuperado no país do domicílio ou se é sujeito a um nível de tributação idêntico aos fundos de pensões residentes em Portugal, não se podendo, segundo afirma, concluir pela violação da norma interna do EBF (artigo 14º, atual 16º).
Contrapõem as recorridas, afirmando que a revisão da decisão de 2008 teria de ser atendida, por ser inconciliável com a condenação do Estado Português pelo TJUE em 06.11.2011, no âmbito do processo C-439/09, estando, por isso, a questão de direito controvertida no presente recurso, resolvida.
Entendem ainda as recorridas que existe comparabilidade das situações em apreço nos autos, e que, ao contrário do alegado pela recorrente, as recorridas não podem recuperar o imposto por serem isentas de imposto sobre o rendimento.
Apreciando.
Importa primeiramente notar que a matéria de facto não foi posta em causa, encontrando-se, por isso, estabilizada.
Como se vê do já exposto, na situação trazida, a questão central passa por saber se, efetivamente, os atos de liquidação em causa (IRC retido na fonte na distribuição de dividendos às recorridas enquanto fundos de pensões domiciliados na holanda) afrontam ou não o direito comunitário, hoje, direito da União Europeia.
Ao mesmo passo, aferir se as situações são incomparáveis de modo a poder justificar-se a eventual discriminação sem atentar a liberdade de circulação de capitais à luz do artigo 58º do TCE (atual artigo 65º do TFUE).
E, ainda, se os efeitos da discriminação foram ou não neutralizados.
Vejamos então.
Consultando os factos provados, dos mesmos se colhe, o seguinte:
a) As impugnantes/recorridas são sociedades anónimas sediadas na Holanda, ali isentas de imposto sobre o rendimento.
b) Entre 2003 e 2004 as recorridas receberam dividendos de sociedades residentes em Portugal, de que são acionistas, tendo sido tributados em IRC por via de retenção a uma taxa de 25%, acrescida de 5% de ISD, num total de 866.057,46 EUR e 356.365,04 EUR, cada uma.
c) Em 2005, as recorridas reclamaram graciosamente contra os atos de retenção na fonte em IRC, a qual foi indeferida, decisão que foi mantida por sentença proferida em 29.10.2008 pelo Tribunal Tributário de Lisboa.
d) Em 06.11.2011, o TJUE, no âmbito da ação de incumprimento intentada pela Comissão Europeia contra o Estado Português, a que corresponde o Processo nº C- 493/09, decidiu que o Estado Português, ao reservar o benefício da isenção de IRC- retenção na fonte, apenas aos fundos de pensões residentes no território português, violou as obrigações que lhe incumbiam por força dos artigos 63.º TFUE e 40.º do Acordo EEE.
e) Em 2011 as recorridas pediram a revisão da sentença proferida em 29.10.2008, por afrontar o Direito da União Europeia, a qual atendeu à pretensão das recorridas, em 09.12.2005, tendo julgado procedente a impugnação, anulando os atos tributários de IRC retido em 2003 e 2004.
Alinhada esta factualidade, importa então saber se, com a tributação por via da retenção na fonte de IRC a título definitivo, efetuada às sociedades recorridas enquanto fundos de pensões não residentes, nos dividendos a si distribuídos por sociedades residentes em território nacional, afrontou o direito de livre circulação de capitais e a proibição de discriminação em razão de residência, desde logo em face à isenção prevista, à data dos factos, no artigo 14º do EBF, razão pela qual a sentença datada de 2008 teria de ser revista, tal como o fez a decisão recorrida.
Ou seja, importa dilucidar se, as liquidações controvertidas, relativas à retenção na fonte de IRC de 2003 e 2004, são ilegais por serem liquidadas em nome das recorridas - sociedades anónimas constituídas como Fundo de Pensões, sediadas na Holanda, não residentes em território nacional, e bem assim se lhe assiste o direito à isenção de IRC à luz do artigo 14º do EBF (atual artigo 16º), à semelhança dos fundos de pensões que estejam estabelecidos e domiciliados (residentes) em território nacional, visto à luz do princípio da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63º, n.º 1, do TFUE (anterior artigo 56º do TCE) e da proibição da discriminação face à residência (artigo 18º do TFUE, anterior artigo 12º do TCE).
Ao mesmo tempo, importa aferir se a situação das recorridas é ou não comparável à de um residente para efeitos do estabelecido no artigo 63º e 65º do TFUE (anterior artigo 58º do TCE), por forma a justificar uma restrição à liberdade de circulação de capitais com base na residência e se as recorridas conseguiram neutralizar os efeitos da tributação diferenciada.
A este respeito, considerou o Tribunal a quo, ancorado em jurisprudência do TJUE e do STA, o seguinte:
“(…) Do exposto resulta que, existia à data dos factos uma diferença de tratamento entre entidades detentoras de participações sociais residentes e não residentes em Portugal, bem como, no que aos presentes autos interessa, aos rendimentos de fundos de pensões e equiparáveis que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, sendo o tratamento dispensado aos fundos de pensões residentes mais favorável, não se vislumbrando outra justificação para tal tratamento diferenciado fiscal dos dividendos distribuídos, que não seja o facto de a sociedade não ter sido constituída de acordo com a legislação nacional e não ter residência em Portugal, visto que a situação tributária em causa é idêntica à distribuição de dividendos entre sociedades residentes em Portugal.
Com efeito, um fundo de pensões ou equiparável residente em Portugal, nas mesmas condições das impugnantes, estaria isenta de tributação sobre os rendimentos em causa (cfr. artigo 16.º, n.º 1 do EBF).
O Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu em acórdão proferido em 06/10/2011, no âmbito do processo n.º C-493/09, condenar o Estado português por conferir um tratamento discriminatório aos fundos de pensões residentes na União Europeia, onde se conclui nos seguintes termos: «Ao reservar o benefício da isenção de imposto sobre as sociedades apenas aos fundos de pensões residentes no território português, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 63.º TFUE e 40.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992.»
Aliás, a jurisprudência do TJUE tem vindo a pronunciar-se em diversos acórdãos sobre o princípio da não discriminação.
Em acórdão de 22/11/2010, processo n.º C-199/10, concluiu nos seguintes termos:
«Os artigos 56.º CE e 58.º CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados-Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado-Membro a uma sociedade com sede num Estado-Membro a sua sociedade beneficiária com sede noutro Estado-Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado-Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado-Membro até ao montante da diferença de tratamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio reverificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da Convenção para a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal no domínio dos impostos sobre o rendimento, celebrada em 26 de Outubro de 1993 entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha.»
Em outro acórdão do Tribunal de Justiça de 14/12/2006, proferido no processo C-170/05, que aqui se dá por integralmente reproduzido, declara-se «1) Os artigos 43.º CE e 48.º CE opõem-se a uma legislação nacional que, na medida em que faz suportar o encargo de uma tributação dos dividendos a uma sociedade-mãe não residente, ao passo que isenta quase totalmente desta tributação as sociedades-mãe residentes, constitui uma restrição discriminatória à liberdade de estabelecimento.
2) Os artigos 43.º CE e 48.º CE opõem-se a uma legislação nacional que prevê, unicamente para as sociedades-mãe não residentes, uma tributação através de retenção na fonte dos dividendos distribuídos por filiais residentes, mesmo no caso de uma convenção fiscal celebrada entre o Estado-Membro em causa e outro Estado-Membro, que autorize essa retenção na fonte, prever a possibilidade de imputar no imposto devido neste outro Estado o encargo suportado em aplicação da referida legislação nacional, quando uma sociedade -mãe está impossibilitada, neste outro Estado-Membro, de proceder à imputação prevista na referida convenção.»
Assim sendo, o Tribunal de Justiça aceita um tratamento diferenciado entre residentes e não residentes, restringindo, porém, essa admissibilidade aos casos em que as sociedades não se encontrem em situações objectivamente comparáveis, defendendo o entendimento que «a discriminação consiste na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou na aplicação da mesma regra a situações diferentes.»
Ora, o artigo 58º, nº 1, alínea a) do Tratado CEE prevê que os Estados-membros possam estabelecer uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que respeita ao lugar de residência (vide neste sentido douto Ac. do S.T.A. de 29/02/2012, processo nº 01017/11, in http://www.dgsi.pt/).
Por outro lado, é inequívoco que a retenção na fonte efectuada às impugnantes não respeita a Convenção celebrada entre Portugal e a Holanda para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, visto que, conforme resulta do probatório a retenção foi efectuada em diversos casos à taxa de 25% e de acordo com o disposto no artigo 10º da Convenção a taxa de retenção na fonte não pode exceder 15% do montante bruto desses dividendos.
Do exposto, resulta ainda que a Convenção celebrada entre Portugal e a Holanda para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento não elimina a discriminação resultante do regime jurídico da tributação dos rendimentos/dividendos mais gravosa para os Fundos de Pensões residentes na Holanda do que os residentes em Portugal.
A que acresce o facto das impugnantes serem entidades isentas de imposto sobre as sociedades, pelo que o imposto pago em Portugal não é susceptível de ser recuperado na Holanda.
In casu, as normas legais que estiveram na base dos actos tributários impugnados constituem uma restrição não justificada à livre circulação de capitais ou do direito de estabelecimento ou da proibição de discriminação previstos no Tratado CEE pelo regime jurídico português.
As pretensões das impugnantes merecem, pois, acolhimento.
Importa, assim, concluir que, as retenções na fonte impugnadas enfermam de violação de lei, consubstanciada na violação de norma comunitária, concretamente o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56.º do TCE (cfr. artigo 8º, nº 4 da CRP), pelo que devem ser anuladas”. (O destaque é nosso)
Revisitada a decisão recorrida transcrita, avançamos desde já que a mesma é acertada, inexistindo o apontado erro de julgamento de direito no que tange à apreciação jurídica feita, quer quanto à oposição existente entre o tratamento fiscal conferido à distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a fundos de pensões estabelecidos num estado membro da união (in casu, Holanda), e o tratamento conferido nessa distribuição quando o fundo de pensões é estabelecido e domiciliado em território nacional, sendo aqui isenta (à luz do então vigente artigo 14º do EBF, o qual correspondia ao artigo 16º na redação em vigor previamente à republicação do EBF pelo DL nº 108/2008 de 26/06), ao contrário da situação anterior.
Além disso, cuidou a decisão recorrida de evidenciar que, mesmo à luz do artigo 10º da CDT celebrada entre Portugal e Holanda, os efeitos discriminatórios não foram abolidos, mantendo-se o efeito diferenciador, o que tem eco na jurisprudência do TJUE e STA, conforme mais adiante se verá.
Andou bem ainda a decisão recorrida ao anotar que a discriminação é evidente quando decorre dos autos que as recorridas são isentas de IRC na Holanda, não podendo por isso reaver o imposto retido, o que vai igualmente no sentido da jurisprudência firmada em torno de situações com os mesmos contornos daquela que nos é colocada, como igualmente se verá mais adiante.
Prosseguindo.
Importa consultar, desde já, o quadro jurídico aplicável à situação trazida, vigente em 2003/2004, ocasião dos factos.
Através do DL n.º 12/2006, de 20.01, foi transposta para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de junho, relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais, aprovando o regime da constituição e do funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões, estabelecendo no artigo 38.º nº 1 al. a), que:
“as sociedades gestoras de fundos de pensões devem constituir-se sob a forma de sociedades anónimas e satisfazer os seguintes requisitos: // a) Ter a sede social, e a principal e efectiva da administração, em Portugal (…)”
Ainda à data dos factos tributários, o artigo 80º do CIRC consagrava, como regra geral, que a taxa de IRC era de 25%.
Ao mesmo passo, decorria do artigo 88º, nºs 1, alínea c), 3, 4, alínea b) e 6 do CIRC, que, os dividendos eram objeto de retenção na fonte com carácter definitivo quando o titular dos rendimentos fosse uma entidade não residente que não tivesse estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis (redacão introduzida pela Lei nº 32-B/02, de 30/12 e pelo Dec.-Lei nº 80/03, de 23/04), ocorrendo a obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código de IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código de IRS ou em legislação complementar (cf. nº 6, na redação do Dec.-Lei nº 198/01, de 02/07/2001).
Assim, a retenção na fonte, como a que está em causa nos autos, ocorria, com carácter definitivo, quando os rendimentos eram colocados à disposição, à taxa liberatória de 25% no que ao IRC respeita e à taxa de 5% no que se refere ao Imposto Sucessório por avença, previsto no artigo 182º do CIMSSD, este no que respeita ao ano de 2003, uma vez que foi abolido no ano de 2004, pelo Dec.-lei n.º 287/2003, de 12 de novembro.
Em 2003 e 2004, o disposto no n.º 1 e 2 do artigo 14.º do EBF (em vigor em 01.01.2003 com a redação dada pela Lei 32-B/2002 de 30.12, equivalente ao artigo 16º com a republicação do EBF pelo DL nº 108/2008 de 26/06), isentava de IRC os rendimentos auferidos pelos fundos de pensões e equiparáveis, assim como isentava os mesmos de imposto municipal de sisa e do imposto sobre as sucessões e doações, por avença, “que se constituam e operem com a legislação nacional”.
Só em 2012, com a LOE, o artigo 16º do EBF passou a conter o nº 7, onde se passou a consagrar que:
“7 - São isentos de IRC os rendimentos dos fundos de pensões que se constituam, operem de acordo com a legislação e estejam estabelecidos noutro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, neste último caso desde que esse Estado membro esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia, não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: (…)”
A situação colocada, como é bom de ver, chama à colação a problemática que envolve as liberdades fundamentais acolhidas pelos Tratados da União Europeia, equiparadas que são, por aqueles mesmos Tratados, a liberdades fundamentais.
Uma dessas liberdades é a liberdade de circulação de capitais a que alude o artigo 63º e o 65º do TFUE (anteriormente, os artigos 56º e 58º do TCE), que tem na mira, entre o mais, a liberdade de circulação de capitais, obstando a entraves na captação de investimento em todo mercado interno baseados em critérios de residência.
O artigo 18º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) consagra, como regra geral, a proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.
O artigo 63º, n.º 1, do TFUE (anterior artigo 56º do TCE) estabelece que são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
Não obstante e mercê da apelidada “soberania fiscal” dos estados-membros, preceitua o artigo 65º do TFUE (anterior artigo 58º do TCE) que, o disposto no artigo 63º não prejudica o direito de os Estados-Membros:
“a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
A Mª Juiz a quo entendeu que a discriminação existente para as recorridas, enquanto fundo de pensões não residentes e os fundos residentes, para efeitos de isenção de retenção de IRC destas últimas face ao então artigo 14º do EBF, eram idênticas e comparáveis, pelo que, atento o vertido no artigo 56º do TCE nenhuma justificação haveria para o tratamento diferenciado, considerando que havia sido afrontada a liberdade de circulação de capitais.
O assim decidido não merece a censura que lhe vai infligida, conforme adiantamos.
Como se vê, o litígio que envolve as partes centra-se em torno da liberdade de circulação de capitais, a qual, muitas das vezes é abalada pelas políticas fiscais dos estados-membros, desde logo quando criam barreiras tributárias a essa circulação de capital no mercado interno.
Foi o que sucedeu na situação sob nossa mira quando foram liquidadas as quantias de IRC retido às sociedades recorridas, enquanto fundos de pensões não residentes, relativamente à distribuição de dividendos auferidos por fundos pensões domiciliados e estabelecidos em território nacional.
Em 2003 e 2004, era manifesto o tratamento discriminatório baseado na residência, com a inerente restrição à liberdade de circulação de capitais a que se opõe o direito da União Europeia, mais precisamente os artigos 18º e 63º do TFUE, a que correspondiam os anteriores artigos 12º e 56º do TCE.
Ademais, tal como se consagrou na decisão recorrida e resulta dos autos, posteriormente à instauração do processo de impugnação n.º 2014/06.8BELSB e respetiva sentença proferida em 2008 (objeto de revisão), a Comissão Europeia intentou uma ação por incumprimento contra o Estado Português, com fundamento na incompatibilidade da regulamentação fiscal portuguesa relativa ao tratamento fiscal dos dividendos e dos juros auferidos por fundos de pensões não residentes no território português com os artigos 63.º TFUE e 40.º do Acordo EEE, tendo a final, o TJUE, por Acórdão de 06/11/2011, decido que o Estado Português, ao reservar o benefício da isenção de imposto sobre as sociedades apenas aos fundos de pensões residentes no território português, violou as obrigações que lhe incumbiam por força dos artigos 63.º TFUE e 40.º do Acordo EEE.
Ora, aquela decisão do TJUE é vinculativa para os tribunais nacionais, sendo favorável às recorridas por atestar essa incompatibilidade com a sentença proferida em 29/10/2008 (objeto de revisão de acordo com o artigo 771.º, alínea f) do CPC, atual artigo 696.º, alínea f) do CPC, ex vi artigo 2º al. e) do CPPT) que, inicialmente julgou improcedente a impugnação com o entendimento de que as liquidações questionadas eram legais.
A verdade é que, perante a condenação do Estado português no processo C-493/09, é cristalino que a legislação controvertida, que esteve na origem dos atos de IRC retido, é oposta ao Direito da União Europeia, tanto assim que, nessa sequência, foram feitas alterações ao EBF (artigo 14º, atual 16º) por via da Lei do Orçamento do Estado para 2012, passando a existir um tratamento igualitário, sem discriminação com base na residência na distribuição dos dividendos a não residentes, como se viu supra.
A propósito da legislação em causa nos autos, no já referido acórdão de 06.10.2011, C-493/09, o TJUE afirma o seguinte:
“Quanto à questão de saber se a regulamentação nacional em causa constitui uma restrição aos movimentos de capitais, deve observar-se que, para que o IRC não incida sobre os dividendos distribuídos a fundos de pensões por sociedades estabelecidas em território português, esses dividendos devem preencher dois requisitos. Por um lado, devem ser pagos a fundos de pensões que se constituam e operem em conformidade com o direito português. Por outro, esses dividendos devem ser distribuídos a título de partes sociais que tenham permanecido na titularidade do mesmo fundo de pensões, de modo ininterrupto, durante um período mínimo correspondente ao ano anterior à data da sua colocação à disposição ou que tenham sido mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
Daqui decorre que, devido ao primeiro requisito previsto pela regulamentação nacional em causa, o investimento que pode ser efectuado numa sociedade portuguesa por um fundo de pensões não residente é menos atractivo do que o investimento que poderia ser realizado por um fundo de pensões residente. Com efeito, apenas no primeiro caso os dividendos distribuídos pela sociedade portuguesa são onerados a uma taxa correspondente a 20%, a título de IRC, mesmo que sejam provenientes de partes sociais que tenham permanecido na titularidade desses fundos durante um período mínimo correspondente ao ano anterior à data da sua colocação à disposição. Esta diferença de tratamento tem por efeito dissuadir os fundos de pensões não residentes de investir em sociedades portuguesas e os aforradores residentes em Portugal de investir nesses fundos de pensões.(…) Nestas condições, há que concluir que, no que respeita à tributação dos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em território português a título de partes sociais detidas por um fundo de pensões durante mais de um ano, a regulamentação controvertida constitui uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE”
Por outro lado, consultando o artigo 10º da Convenção para a Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, celebrada entre a República Portuguesa e a Holanda (Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000 Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, assinada no Porto em 20 de Setembro de 1999), dali se colhe que:
“Os dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado” (n.º 1) e que: “esses dividendos podem, no entanto, ser igualmente tributados no Estado Contratante de que é residente a sociedade que paga os dividendos, e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efectivo dos dividendos for um residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não excederá 10% do montante bruto dos dividendos” (n.º 2).
Também aqui as liquidações controvertidas, ao serem efetuadas à taxa de 25% ultrapassaram o limite de 10% estabelecido no artigo 10º da CDT acima transcrito, permanecendo a discriminação e o tratamento desfavorável das recorridas que escapa à neutralização.
Na verdade, o vertido na CDT referida não elimina a discriminação resultante do regime jurídico de isenção, estabelecido pelo EBF, conferido aos residentes, o que havia, e bem, sido anotado pela decisão recorrida.
A propósito de situação semelhante, o STA, no acórdão de 08.02.2017, tirado do processo nº 0678/16, sumariou que:
“II - Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela al. a) do nº 1 do art. 58º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo nº 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação”.
A este respeito, também o TJUE, no acórdão de 22/11/2010, processo n.º C-199/10, citado na decisão recorrida, concluiu nos seguintes termos:
“Os artigos 56.º CE e 58.º CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados-Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado-Membro a uma sociedade com sede num Estado-Membro a sua sociedade beneficiária com sede noutro Estado-Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado-Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado-Membro até ao montante da diferença de tratamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio reverificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da Convenção para a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal no domínio dos impostos sobre o rendimento, celebrada em 26 de Outubro de 1993 entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha.”
No mesmo processo, o TJUE teve também ocasião de afirmar o seguinte (despacho proferido no P. C-199/10, de 22.11.2010) a respeito quer da neutralização dos efeitos discriminatório, quer da existência de situações comparáveis que também nos é colocada, o seguinte:
“Os tratamentos desiguais permitidos pelo artigo 58.º, n.º 1, alínea a), CE [actual artigo 65.º] devem, por isso, ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral.
O Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado-Membro a fim de evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos lucros distribuídos por uma sociedade residente, os accionistas beneficiários residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à dos accionistas beneficiários residentes de outro Estado-Membro. Todavia, a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes.
Com efeito, é o mero exercício, por esse mesmo Estado, da sua competência fiscal que, independentemente de qualquer tributação noutro Estado-Membro, cria o risco de tributação em cadeia ou da dupla tributação económica. Nesse caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação da capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.º CE (actual artigo 63.º), o Estado de residência da sociedade que procede à distribuição deve certificar-se que, em relação ao mecanismo previsto pela sua legislação nacional para prevenir ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades accionistas não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades accionistas residentes.
É certo que não se pode excluir que um Estado-Membro consiga garantir o cumprimento das suas obrigações resultantes do Tratado, celebrando uma convenção destinada a evitar a dupla tributação com outro Estado-Membro.
Contudo, é necessário, para esse efeito, que a aplicação da convenção para evitar a dupla tributação permita compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrente da legislação nacional. Assim, só no caso de o imposto retido na fonte poder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento é que a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros e os dividendos distribuídos às sociedades residentes desaparece totalmente”.
Tal como na situação relatada no acórdão do TJUE, também in casu, como se viu, além das situações serem comparáveis, a CDT não diluiu essas divergências.
Aqui volvidos é, pois, inequívoco que a isenção prevista no então artigo 14º do EBF para as sociedades residentes e não residentes, afronta a livre circulação de capitais consagrada pelos Tratados já que nenhuma razão existe, na situação colocada para tal discriminação que repousa unicamente na “nacionalidade” ou residência do fundo de pensões que aufere os dividendos, tratando-se de situações objetivamente comparáveis, como sublinhou o Tribunal recorrido, que não autorizam tratamento diferenciado em termos de IRC.
Inexiste razão para acolher o entendimento tido pela recorrente quando defende que, por apelo à situação colocada, o regime fiscal nacional pode tratar de modo diferente residentes e não residentes e bem assim tratar de modo diverso a situação da recorrida enquanto não residente, face ao regime de isenção de retenção de IRC dos residentes, em contraponto com a retenção de IRC à taxa aplicada e das críticas que aponta à jurisprudência do TJUE.
Pese embora a recorrente defenda que a situação da recorrida não é comparável à dos residentes em território nacional a verdade é, também que, as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE (anterior artigo 58º do TCE) devem ser distinguidas das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo.
Para que uma regulamentação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento nela prevista diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v. acórdãos do TJUE de 10.04.2014, proc. C-190/12 e o acórdão Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen).
É certo que, de acordo com o artigo 65º, n.º 1, alínea a) do TFUE, o disposto no artigo 63º TFUE não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido. Porém, esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita, não podendo ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado-Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o TFUE.
A derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo, não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º do TFUE.
O que se pretende assegurar é uma igualdade de tratamento para fazer operar a liberdade de circulação de capitais.
Recorda o TJUE, no mesmo processo C-545/19, já referido, que:
“40. Não obstante, segundo o artigo 65º, n.º 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63º TFUE não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido. 41. Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado-Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C-480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].
42. O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.º, n.º 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral (…)”.
Relativamente a esta questão de saber se a situação das sociedades gestoras de fundos de pensões, não residentes, beneficiárias de dividendos gerados em Portugal e a situação das sociedades gestoras de fundos de pensões beneficiárias de dividendos gerados em Portugal residentes em território nacional é comparável também não é nova, como se viu supra, assim como não o é para este TCAS, onde se conclui já, que as situações em causa são comparáveis, contrariamente ao sustentado pela recorrente. É o que resulta, lapidarmente, do acórdão proferido por este TCAS em 24.11.2016, processo 09878/16, em tudo semelhante à situação em análise, onde se discorreu que:
“A tese segundo a qual não existe uma situação comparável entre a retenção na fonte dos dividendos distribuídos às recorridas por sociedades residentes em Portugal e a retenção na fonte dos dividendos distribuídos a fundos de pensões cuja sede assenta em território nacional não se oferece procedente, porquanto ambas as categorias de sociedades percebem a mesma espécie de rendimentos, sendo as sociedades não residentes submetidas a uma taxa de retenção na fonte liberatória de 20% a que são alheias as entidades beneficiárias residentes. Existe efectivo tratamento diferenciado não justificado, porquanto ao rendimento percebido pelas sociedades não residentes, descontada a redução da retenção na fonte imposta pela CDT, sempre é objecto de retenção na fonte, definitiva, à taxa líquida de 10% de IRC à qual o rendimento das sociedades residentes é alheio em virtude do disposto no artigo 14.º/1, do EBF”
Discorreu-se ainda, a respeito, no acórdão do STA, de 14.05.2014, Processo nº 01319/13, que:
“atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela al. a) do nº 1 do art. 58º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo nº 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação”.
Dúvidas inexistem, pois, que as situações trazidas são comparáveis, improcedendo o recurso, também, nesta parte.
Salienta a recorrente, ainda, que, embora exista retenção em IRC quanto aos não residentes/recorridas, podiam ser reembolsadas daquele imposto e assim acautelar a divergência.
A verdade é que, informa o probatório que as recorridas são isentas de imposto sobre o rendimento, o que leva a que o reembolso não opere face à taxa definitiva que pagaram de IRC.
Uma vez que, na Holanda, a recorrida estava isenta de imposto sobre o rendimento das sociedades, o valor de IRC retido na fonte sobre os dividendos distribuídos às recorridas não podia ser imputado, naquele Estado-Membro, às recorridas (crédito de imposto ou reembolso).
Tendo as recorridas residência fiscal na Holanda, ali estando isentas do imposto sobre o rendimento das sociedades nesse Estado-Membro ao abrigo da regulamentação holandesa, esse estatuto fiscal impede as mesmas de recuperar os impostos pagos no estrangeiro sob a forma de crédito fiscal por dupla tributação internacional, ou de formular um pedido de reembolso desses impostos– Vd a respeito o acórdão do TJUE de 17 de março de 2022, proferido no processo n.º C-545/19, acima citado.
Espelham os autos a existência de um efetivo tratamento diferenciador não justificado conferido às recorridas, sem qualquer neutralização da discriminação, também porque, estando as sociedades recorridas isentas de imposto no estado da residência, como se disse, o imposto retido não pode ser recuperado nesse Estado, o que significa que a taxa líquida de IRC de que são sujeitas as recorridas, a título definitivo, ao invés do que sucede com as sociedades residentes, na mesma categoria e posição das recorridas e percebendo a mesma espécie de rendimentos, não pode ser restituída ou reembolsada no Estado da residência daquelas.
Em suma, da demonstração da não neutralização, seja por via da CDT seja pela inexistência de crédito de imposto, a maior tributação dos dividendos percebidos pelas sociedades não residentes, ora recorridas, em face das sociedades residentes, em situação comparável, impera concluir pela existência de tratamento fiscal discriminatório não consentido pelo Direito Europeu.
Aqui chegados, e porque inexistem razões para divergir da jurisprudência quer do TJUE quer do STA que norteou toda nossa apreciação, temos por certo que as conclusões recursivas terão, quanto às duas primeiras questões apreciadas, de naufragar.
Por fim,
Resta apreciar se ocorreu erro de julgamento quanto à atribuição de juros indemnizatórios à recorrida pelo Tribunal a quo.
Vejamos.
Para a recorrente a decisão recorrida andou mal ao entender que existe erro dos serviços e assim concluir que estavam verificados todos pressupostos para arbitrar juros indemnizatórios à recorrida.
Demonstrado que está que as liquidações controvertidas são ilegais por afrontar o direito da União Europeia, mais precisamente a liberdade de circulação de capitais, o vício que as contamina não é formal, mas substancial, tal erro na sua emissão é imputável aos serviços da Administração Fiscal (recorrente), sendo pressuposto de atribuição de juros indemnizatórios.
Diante das liquidações de IRC assim liquidadas, notícia o probatório que tais quantias foram pagas pela recorrida que, deste modo, se viu desapossada daqueles montantes de IRC que pagou.
Deste modo, cabendo à Administração Fiscal repor a legalidade decorrente da anulação dos atos tributários (artigo 100º da LGT e 173º do CPTA), tal importa não só a restituição dos tributos pagos como o pagamento de juros indemnizatórios (artigo 43º da LGT e artigo 61º do CPPT), na medida em que a determinação da anulação das liquidações impugnadas emerge de vícios substanciais (erro nos pressupostos de direito) e não em meros erros formais, como se disse.
Na verdade, o artigo 43º da LGT reporta-se ao Pagamento indevido da prestação tributária, a que acrescem juros indemnizatórios (artigo 61º do CPPT), aquando da sua devolução, se existir erro dos serviços.
Na redação à data dos factos dos autos, estabelecia (e estabelece ainda) aquele normativo que, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (n.º 1).
E assim é na medida em que, com os juros indemnizatórios visa-se compensar o contribuinte pelo prejuízo provocado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária, tratando-se de uma indemnização atribuída com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, de montante legalmente pré-determinado, pelos custos da imobilização do capital indevidamente cobrado, nos dizeres de Saldanha Sanches - cf. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Lex, p. 127.
Nesse sentido, o artigo 100.º da LGT, na mesma linha, estatui que, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, a Administração está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo a liquidação de juros indemnizatórios.
A anulação judicial do ato tributário implica a anulação de todos os seus efeitos ex tunc, pelo que tudo se deve passar como se ele não tivesse sido praticado.
Em sede do direito tributário, o direito à indemnização consagrado no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa encontra-se concretizado no regime resultante da conjugação dos artigos 43º, 100º e 102º da LGT e 61º do CPPT, por via da previsão de juros indemnizatórios.
De acordo com o citado artigo 43º da LGT o direito a juros indemnizatórios implica a verificação cumulativa dos respetivos seguintes:
1° Que haja um erro na liquidação de um tributo;
2° Que tal erro seja imputável aos serviços;
3° Que a sua existência seja determinada em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial e
4° Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
O inconformismo da recorrente, no que tange aos juros indemnizatórios, centra-se no facto de entender que inexiste erro dos serviços.
Como doutrinam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA: “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” – In Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.a edição, 2012, anotação 2 ao art. 43.o, pág. 342.
Ora, foram as liquidações emitidas pela AT, assentes em erro nos seus pressupostos (tornando-as ilegais), que desencadearam o pagamento das quantias de IRC em causa nos presentes autos, pelo que, assalta à evidência que assiste à recorrida o direito ao pagamento de juros indemnizatórios e bem andou o Tribunal a quo ao condenar a recorrente no seu pagamento.
Deste modo, não procede, também, o erro de julgamento infligido nesta parte à decisão posta em crise.
Aqui chegados, assuma a conclusão de que o recurso terá de improceder, por não se verificarem os erros de julgamento imputados à decisão recorrida, a qual será de manter na ordem jurídica.
*
* No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da recorrente por ser parte vencida.
Tendo em conta o valor da ação (1.222.422,50 EUR), e considerando que vai requerida a dispensa do remanescente da taxa de justiça pelas recorridas, o que sempre poderia ser (ou não) dispensada por este Tribunal.
Importa, então, percorrer uma análise sobre o decurso dos autos, atento o disposto no artigo 6º nº 7 do RCP, sendo certo que aquele normativo deve ser interpretada em termos de, ser lícito ao julgador dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, quando o valor da causa exceder o patamar de € 275.000,00, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminado pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
Deve haver proporcionalidade entre o valor da taxa de justiça a pagar por cada interveniente no processo e a contraprestação inerente aos custos deste para o sistema de justiça dada a sua bilateralidade.
A tramitação dos presentes autos, no que respeita à atividade processual, foi longa, com vários articulados, sem produção de prova testemunhal, prolação de sentença em 2008 e revisão em 2015, recursos e prolação de acórdão.
A verdade é que as decisões proferidas quer na primeira quer na segunda instância, como se alcança da sua análise, não implicaram particular especialização jurídica ou técnica.
No que respeita ao critério da conduta processual das partes nada existe a apontar ou a censurar.
Considerando o valor da ação (superior a 275.000 EUR), à simplicidade das questões colocadas, ao comportamento das partes ao longo do todo o processo, será de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Importa, por fim, trazer à colação o discorrido pelo STJ, em decisão singular prolatada em 20/12/2021 (relator Cons. Abrantes Geraldes), processo nº 2104712.8 TBALM.L1S1, disponível em www dgsi.pt, onde se consignou o seguinte:
“Neste contexto, parece mais correta a tese segundo a qual o último órgão jurisdicional que intervém deve apreciar não apenas a dispensa ou redução da taxa de justiça no respetivo grau de jurisdição, mas também nos precedentes, como se reconheceu explicitamente nos Acs. do STJ, de 24-5-18, 1194/14 e de 8-11-18, 567/11, em www.dgsi.pt.
Aliás, esta é a única solução que se harmoniza com o regime da taxa de justiça remanescente que agora emerge do nº 9 do art. 14º do RCP que recentemente foi introduzido, nos termos do qual a parte totalmente vencedora na ação - o que apenas se revela com o trânsito em julgado da decisão - fica desonerada do pagamento da taxa de justiça remanescente.
(…)
Note-se que o art. 6 nº 7 RCP ao definir o critério para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça está a pressupor um juízo de valoração global do processo, logo só pode ser feito com a decisão final, pelo que o argumento da autonomia dos recursos para efeito das custas (arts. 527 nº 1 CPC e 1 nº 2 RCP) não parece ser consistente, pois que uma coisa é a tributação autónoma em cada um dos graus de jurisdição, outra a dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça. É certo que a taxa de justiça integra as custas (art.3 nº1 RCP), mas do que se trata não é da dispensa da taxa em cada um dos graus, mas da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas causas de valor superior a € 275.000,00.
Considerando que a Lei nº 27/2019 de 28/3, alterou o nº 9 do art. 14, dando-lhe a seguinte redacção - “9 - Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final” – daqui resulta agora que dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça já nem sequer está dependente do pedido do interessado, nem sequer da intervenção oficiosa do tribunal, porque a dispensa opera automaticamente (ope legis), e a única condição é obviamente que “não seja condenado a final”.
Assim, face a todo o exposto, considera-se que, in casu, se encontram reunidos todos os pressupostos para que seja decretada a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede o valor de €275.000,00.* V- DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.* Lisboa, 26 de setembro de 2024
Isabel Silva
(Relatora)
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Tânia Meireles
(1ª adjunta)
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Susana Barreto
(2ª adjunta)
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