Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:395/16.4BESNT
Secção:CR
Data do Acordão:12/05/2024
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Descritores:IUC
PROPRIEDADE
PRESUNÇÃO
ILISÃO
Sumário:I – O art. 3.º n.º 1, do CIUC, na redacção vigente em 2012, estabelecia que eram sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, mais acrescentando que se consideravam como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
II - O citado artigo consagrava uma presunção legal de que o titular do registo automóvel era o seu proprietário, sendo que tal presunção era ilidível, por força do art. 73.º da L.G.T.
III – Tendo a Recorrida, a qual tem por actividade, entre outras, o comércio de veículos, juntado aos autos facturas/recibo das vendas dos veículos, bem como os respectivos registos contabilísticos e mapas de apuramento de mais e menos-valias, elementos e documentos que não foram postos em causa pela AT, gozando, por isso, de presunção de veracidade, nos termos do art. 75.º n.º 1 da LGT, considera-se que logrou ilidir a presunção de propriedade de tais veículos.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO
A Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença proferida em 29-03-2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, na qual se julgou parcialmente procedente a impugnação judicial (após convolação da acção administrativa primitivamente instaurada) deduzida por A........., S.A., na sequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, contra as liquidações de Imposto Único de Circulação (IUC), referentes ao ano de 2012, no montante total de €10.898,28.
Nela se determinou:
i. “Anular os actos de liquidação impugnados, excepto os referentes aos veículos matrículas com as matrículas .........66, .........81, .........UP, .........VQ, .........VN, .........88, .......23 e .......RA, e a decisão proferida na reclamação graciosa também impugnada;
ii. Condenar a AT a restituir à Impugnante o imposto pago em excesso, na parte em que foi determinada a anulação dos actos de liquidação, acrescido de juros indemnizatórios, desde a data em que foi efectuado o pagamento do imposto até ao processamento da respectiva nota de crédito.”

Nas suas alegações, a Recorrente concluiu nos seguintes termos:

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos acima identificados na parte que julga procedente a impugnação deduzida pela Impugnante A........., S.A. do despacho de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada das liquidações de IUC referentes ao ano de 2012 e a vários veículos, identificadas nos autos.

B. Contrariamente ao entendimento da douta sentença, entende a Fazenda Pública que a Impugnante não fez prova nos autos de que não era a proprietária dos veículos em causa no período a que respeitam as liquidações, não se mostrando as facturas e elementos contabilísticos a que se refere o probatório, inexistentes aliás no referente a alguns dos veículos, aptos a comprovar a celebração do invocado contrato de compra e venda, por não revelarem por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes, configurando-se a Impugnante como sujeito passivo do imposto em 2012 com referência às viaturas identificadas, porquanto sua legítima proprietária.

C. De facto, incumbindo a prova dos factos alegados à Impugnante nos termos dos artigos 73.º e 74.º da LGT, conclui-se que não logrou a mesma produzir tal prova por intermédio das facturas a que apela a douta sentença.
D. Pois os documentos constantes dos autos, e referidos nas alíneas d), e) e f) do probatório, e apresentados pela Impugnante com vista a comprovar a alegada compra e venda dos veículos em questão nos autos, revestindo um carácter unilateral, por serem meramente elementos constitutivos da contabilidade da Impugnante, não se configuram como documentos capazes de demonstrar a ocorrência da celebração de um concreto negócio jurídico entre concretas partes contratantes tendo como objecto um concreto veículo.

E. E, neste sentido, quanto à ausente força probatória dos documentos juntos pela Impugnante – facturas e notas de débito – refere-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19/03/2015, integralmente consultável em http://www.dgsi.pt, proferido no recurso n.º 08300/14, o qual negou às facturas e notas de débito juntas pela Impugnante a virtualidade de provar qualquer transmissão da propriedade dos veículos.

F. Bem como o entendimento vertido nos acórdãos do TRL de 26-11-2009, proferido no processo n.º 29158/03.5YXLSB.L1-2, de 04-02-2010, proferido no processo n.º 224338/08.7YIPRT.L1-8, e de 05-06-2008, proferido no processo n.º 1586/2008-8, citados na Decisão Arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa e Tributária em 15 de Setembro de 2014, no Proc. 63/2014-T, consultável em https://caad.org.pt/tributario/decisoes, que, debruçando-se sobre o valor probatório de documentos apresentados, afirma “Resumindo, a prova apresentada pela Requerente [leia-se facturas relativas à venda dos veículos em causa e extractos contabilísticos dos lançamentos relativos ao recebimento do preço da venda dos veículos] é constituída, exclusivamente, por documentos particulares, unilaterais e internos, com uma valor insuficiente para, à luz do direito probatório material, negar a validade dos factos – a propriedade dos veículos – sobre os quais existe uma prova legal – presunção legal – que isenta a Requerida de qualquer ónus probatório, e que não é contrariável através de mera contraprova, que lance dúvida sobre os factos provados pela presunção.”.

G. E, no mesmo sentido do entendimento sufragado pelo citado acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, analisando a ilisão da presunção à luz da prova produzida no caso concreto, referem-se os acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 12 de Julho de 2017, no processo n.º 00358/14.4BEVIS, e em 22 de Fevereiro de 2018, no processo n.º 00938/13.5BEPRT, e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Maio de 2018, proferido no processo 0134/14.

H. Estabelece o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”, enquanto o artigo 6.º do Código do IUC prescreve no n.º 1 que “O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional.”, sendo que, da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre, inequivocamente, que só as situações jurídicas objecto de registo geram o nascimento da obrigação de imposto.

I. Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que “o imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no n.º 2 do artigo 4.º”, pelo que, o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação directa com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo; e no mesmo sentido milita a solução legislativa adoptada pelo legislador fiscal no n.º 2 do artigo 3.º do Código do IUC ao fazer coincidir as equiparações aí consagradas com as situações em que o registo automóvel obriga ao respectivo registo.

J. Ora, a entender-se que do artigo 3.º do Código do IUC decorre a presunção ilidível de que a pessoa inscrita no Registo Automóvel é o seu proprietário, e como tal sujeito passivo de IUC, teremos de concluir estarmos perante uma presunção legal, a qual, de acordo com o artigo 350.º do Código Civil constitui prova plena e dispensa a parte a favor da qual a mesma se constitui da prova do facto a que tal presunção conduz, daí resultando necessariamente um ónus probatório a cargo da parte contrária, reconduzido à prova efectiva de que o facto presumido (presunção legal) não é verdadeiro, de modo a que não subsista qualquer dúvida, conforme exigido pelo disposto no artigo 347.º do CC.

K. Mais, o registo automóvel é um registo público, como previsto no n.º 1 do artigo 1.º do Código do Registo Automóvel, pelo que, nos autos em causa está, conforme acima referido, a ilisão de presunção de veracidade de factos que se encontram registados publicamente com o fim de servir interesses públicos e dos quais qualquer pessoa se pode valer, e aos documentos probatórios apresentados pela Impugnante, e considerados pelo Tribunal a quo, não pode, pois, ser atribuído senão um reduzido valor probatório, pois que consubstanciados em documentos particulares, com carácter comercial, e unilaterais uma vez que sem qualquer intervenção do comprador na sua emissão.

L. Por outro lado, quanto à não ilisão da presunção, dever-se-á acentuar que, enquanto entidade que, em virtude da sua atividade, procede com carácter de regularidade à transmissão da propriedade de veículos – como decorre da alínea a) da factualidade assente) – a Impugnante podia, e devia, sendo o caso, ter procedido à actualização do registo na qualidade de sociedade que vendia automóveis, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 25.º do Regulamento do Registo Automóvel, pelo que, não tendo procedido à actualização do registo em conformidade com a alegada ilegitimidade, terá de conformar-se com as liquidações impugnadas, pois poderia ter-lhes obstado apelando à ilegitimidade que alega.

M. Ademais, refira-se que os elementos contabilísticos a que se refere a douta sentença nas alíneas e) e f), ainda que conjugados com as facturas não permitem retirar a conclusão da alienação das viaturas, porquanto se configuram como insuficientes face ao afirmado pelo Tribunal a quo, por facultarem uma visão parcial e redutora.

N. De facto, mostram-se ausentes dos autos registos contabilísticos que permitam fundamentar o juízo do Tribunal, pois que, da análise da conta 21, isoladamente das restantes, não decorre o facto da venda, e dos mapas de mais e menos valias a que apela a douta sentença, não o fazendo aliás quanto a todos os veículos em questão nos autos, não resulta que tenha sido declarado o rendimento subjacente à afirmada venda.

O. Consequentemente, não se mostrando os documentos aptos a comprovar a celebração de contratos sinalagmáticos como a compra e venda, por não revelarem por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes, resulta igualmente dos autos, que todos estes veículos se encontravam registados em nome da Impugnante no mês em que foram matriculados, do ano a que respeita a liquidação, 2012.

P. E, não tendo a Impugnante logrado fazer prova da alegada venda, não pode considerar-se ilidida a presunção em que assentam as liquidações impugnadas, concluindo-se que se mostram devidamente legitimadas as liquidações IUC impugnadas, não padecendo de qualquer vício de violação de lei.

Q. Nestes termos, a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de erro de julgamento de facto, face à errónea apreciação dos factos em face do direito probatório aplicável e à luz do artigo 74.º da LGT, e erro de julgamento de direito com violação das disposições legais dos n.º 1 do artigo 3.º e n.º 3 do artigo 4.º do Código do IUC.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao presente recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento improcedente da impugnação, com as legais consequências;

Sendo que V. Exas., decidindo, farão a Costumada Justiça.”

O Impugnante contra-alegou, concluindo como se segue:

1.ª Na sentença proferida nestes autos em 29 de Março de 2021, a Mma. Juíza “a quo” decidiu julgar parcialmente procedente a Impugnação Judicial, apresentada pelo Recorrido, tendo, então, concluído nos seguintes termos:

Pelo que, face os elementos documentais juntos aos autos pela Impugnante, os quais, repete-se, não foram impugnados pela Exma. Representante da Fazenda Pública, conjugados com as regras de experiência comum, podemos concluir que, antes da data dos factos tributários, a Impugnante efetivamente já tinha transmitido o direito de propriedade dos veículos em questão e, em relação aos veículos acima identificados, não era o sujeito passivo do IUC relativo ao período de tributação de 2012.

Considera-se, por isso, que foi ilidida a presunção prevista no n.º 1 do art.º 3.º do Código do IUC, na redação então em vigor.

Face ao acima exposto, são ilegais os atos de liquidação ora impugnados referentes a estes veículos e, em consequência, não podem subsistir na ordem jurídica, devendo por isso ser anulados, o que a seguir se determinará. Além de que, verificando-se o erro nos pressupostos de facto, pela Impugnante não ser a proprietária dos veículos à data dos factos tributários, estamos efetivamente perante um erro imputável aos serviços, para efeitos de pedido de revisão do ato tributário.

Em relação aos demais veículos (matrículas .........66, .........81, .......UP, .........VQ, .........VN, .........88, .......23 e .......RA), o n.º 4 do art.º 3.º do Código do IUC estabelece que o imposto é devido até ao cancelamento da matrícula ou registo em virtude de abate efetuado nos termos da lei.

Sucede que, nestas situações, o cancelamento foi efetuado depois da data do facto tributário ter ocorrido, não tendo a Impugnante feito qualquer outra prova adicional a respeito da falta de propriedade sobre os citados veículos.

Razões porque, quanto às liquidações de IUC referentes a estes veículos, a Impugnante é o sujeito passivo do IUC e terá de improceder a alegada ilegalidade dos atos de liquidação.”

2.ª Por não se conformar com a douta sentença, a Autoridade Tributária veio dela interpor recurso, por considerar ter existido erro de julgamento de facto e de direito:

“Contrariamente ao entendimento da douta sentença, entende a Fazenda Pública que a Impugnante não fez prova nos autos de que não era a proprietária dos veículos em causa no período a que respeitam as liquidações, não se mostrando as facturas e elementos contabilísticos a que se refere o probatório, inexistentes aliás no referente a alguns dos veículos, aptos a comprovar a celebração do invocado contrato de compra e venda, por não revelarem por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes, configurando-se a Impugnante como sujeito passivo do imposto em 2012 com referência às viaturas identificadas, porquanto sua legítima proprietária.

De facto, incumbindo a prova dos factos alegados à Impugnante nos termos dos artigos 73.º e 74.º da LGT, conclui-se que não logrou a mesma produzir tal prova por intermédio das facturas a que apela a douta sentença.”

3.ª A principal questão a decidir no presente processo é, pois, se os documentos contabilísticos apresentados pela Recorrida no âmbito do processo de Impugnação Judicial são ou não aptos a provar que antes da data dos factos tributários, a Recorrida já tinha transmitido o direito de propriedade dos veículos em questão não sendo o sujeito passivo do IUC relativo ao período de tributação de 2012.

4.ª Entende a Recorrente que as facturas revestindo um carácter unilateral, por serem meramente elementos constitutivos da contabilidade da Impugnante, não se configuram como documentos capazes de demonstrar a ocorrência da celebração de um concreto negócio jurídico entre concretas partes contratantes tendo como objecto um concreto veículo.”

5.ª Ora, salvo o devido respeito não pode a Impugnante, ora Recorrida, concordar com esta argumentação, pelos motivos que expomos:

6.ª A obrigação de emissão de factura resulta do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29º do CIVA. É com base neste documento que o adquirente, quando se trate de um sujeito passivo, procederá à dedução do IVA a que tenha direito e irá contabilizar o gasto inerente à transacção em causa, do mesmo modo que o vendedor deverá contabilizar o rendimento obtido.

7.ª É através da factura que o vendedor comunica ao comprador as condições gerais da transacção realizada, sendo que o recibo é o documento que dá quitação do preço a pagar pelo adquirente.

8.ª Para fundamentar a sua posição a Recorrente cita o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19/03/2015, proferido no recurso n.º 08300/14, o qual, segundo a Recorrente negou às facturas e notas de débito juntas pela Impugnante a virtualidade de provar qualquer transmissão da propriedade dos veículos. Contudo, o referido acórdão excepciona o caso das facturas-recibos:

(…) assim não fazendo prova do pagamento do preço pelo mesmo comprador e, por consequência, prova de que se concluiu a compra e venda (somente a emissão de factura/recibo ou de recibo faz prova do pagamento e quitação - cfr. artº.787, do C. Civil).” (destaque nosso)

9.ª Cabe referir que as facturas apresentadas pela Recorrida são facturas-recibos, pelo que não colhe a argumentação da Recorrente.

10.ª Por outro lado, cabe salientar que de acordo com o n.º 1 do artigo 75º da LGT, “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.

11.ª Sendo assim, perante a relevância que a lei fiscal atribui à factura emitida nos termos legais e considerando a presunção de veracidade da operação que a mesma titula, afigura-se-nos que a factura deverá ser, só por si, prova bastante da aludida operação, situação que dá cobertura ao exposto na decisão recorrida.

12.ª Não obstante, ainda que colhessem os argumentos da Recorrente sobre esta matéria, sempre se dirá que a Recorrida juntou ainda, para além das facturas de venda dos veículos, os seguintes documentos de prova:

(i) Mapa de mais e menos-valias referentes aos anos de venda de cada um dos veículos;

(ii) Extractos dos lançamentos contabilísticos de venda dos referidos automóveis.

13.ª Assim, mesmo numa perspectiva mais exigente, a conjugação das facturas constantes dos autos e dos referidos documentos, que não foram postos em crise, evidenciam de forma inequívoca que a ora Recorrida procedeu à venda do veículo nos termos por si alegados, na medida em que não faz sentido contabilizar proveitos, aumentado a sua base tributável, em sede de IRC, apenas para não pagar IUC, o qual na maioria das vezes é de valor reduzido.

14.ª Tratam-se, pois, de documentos extraídos directamente da contabilidade da Recorrida, os quais, nos termos do supracitado artigo 75º da Lei Geral Tributária se presumem verdadeiros, uma vez que não foram postos em causa pela Autoridade Tributária.

15.ª Por outro lado, não sendo legalmente exigível a forma escrita para a transmissão da propriedade de veículos automóveis, a prova dessa transmissão poderá fazer-se por qualquer meio, nomeadamente por via documental, nesta se incluindo, designadamente, as facturas relativas às vendas dos veículos.

16.ª A Recorrida juntou diversa prova demonstrando sem margem para qualquer dúvida que procedeu à venda dos veículos, tal como identificados no presente processo, em data anterior à da exigibilidade do imposto.

17.ª De salientar que, a Recorrente em momento algum pôs em causa a veracidade daqueles documentos, sendo certo que estes documentos foram aceites para efeitos de tributação da Recorrida em sede de IRC.

18.ª Ora, sendo estes os documentos que servem de base ao apuramento do IRC e não tendo estes sido postos em causa pela Autoridade Tributária, necessário é concluir que deverão ser também suficientes para efectuar a prova de que os veículos foram efectivamente vendidos pela Recorrida e à data do pagamento do IUC já não eram da sua propriedade.

19.ª Conclui-se assim que, andou bem a douta sentença, na medida em que entendeu que a prova documental apresentada pela ora Recorrida e, que não foi impugnada pela Recorrente, era apta a demonstrar que a Recorrida transmitiu o direito de propriedade dos veículos em questão.

TERMOS EM QUE,

E nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso improceder, mantendo-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.

Só assim se decidindo, SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista à Ilustre Magistrada do Ministério Público, nos termos do art. 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de dever ser negado provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública.



***




Colhidos os vistos legais (art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art. 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.


Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a Recorrente remate a sua alegação (art. 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, de facto e de direito, ao ter considerado, com a prova produzida, ilidida a presunção de propriedade dos veículos indicados.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

a) A Impugnante, «A........., S.A.», é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio e aluguer de veículos, ligeiros e pesados, e motociclos, sem condutor, prestação de serviços de gestão de frotas de veículos automóveis e motociclos, compra e venda de automóveis e motociclos, novos e usados, e em geral, a prestação de serviços que se encontrem relacionados com a utilização de veículos automóveis e motociclos (facto não controvertido, alegado no artigo 46.º da petição inicial, e parcialmente confirmado a fls. 6 do processo administrativo tributário, apenso aos autos);

b) À Impugnante foram emitidas liquidações de IUC e dos respetivos juros compensatórios, referentes a 2012, que deram origem a documentos únicos de cobrança, pagos pela mesma, nos seguintes termos:


“(texto integral no original; imagem)”


(provado pelos documentos n.os 2 a 395 juntos à petição inicial e de fls. 16 a 165 e 210, verso, do processo administrativo tributário, apenso aos autos);

c) A Impugnante obteve os documentos únicos de cobrança identificados na alínea anterior através do Portal das Finanças (provado pelos documentos n.os 2 a 395 juntos à petição inicial e de fls. 16 a 165 e 210, verso, do processo administrativo tributário, apenso aos autos);

d) Durante o ano de 2012, a Impugnante emitiu faturas com os seguintes elementos:


“(texto integral no original; imagem)”



(provado pelos documentos n.os 2 a 378 juntos à petição inicial; e no que se refere aos veículos com as matrículas .........ZN e .........50, provado pelas listagens, mapas de mais-valias e de menos valias e extratos de contabilidade da Impugnante relativos ao adquirente acima identificado, a fls. não numeradas do processo administrativo tributário, apenso aos autos);

e) As operações de venda de veículos tituladas pelas faturas identificadas na alínea anterior encontram-se refletidas nos respetivos mapas de mais-valias e de menos-valias elaborados pela Impugnante, dos respetivos períodos em que ocorreu a venda, exceto o veículo com a matrícula .........80, cuja venda foi registada no mapa de 2011, e os veículos com as matrículas .........69, .........13, .........38 e .........18(provado por documento, a fls. não numeradas do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos);

f) As operações de venda de veículos tituladas pelas faturas identificadas na alínea d) do probatório foram registadas pela Impugnante na sua contabilidade, em especial na conta #21, exceto no que se refere às operações relacionadas com os veículos com as matrículas .........13 e .........50 (provado por documento, constante do CD junto ao procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos);

g) Ainda durante o ano de 2012, a Impugnante requereu o cancelamento das seguintes matrículas:


“(texto integral no original; imagem)”

(provado pelos documentos n.os 380 a 396 juntos à petição inicial e fls. 220, verso, a 222, verso, do processo administrativo tributário, apenso aos autos);

h) O veículo com a matrícula .........VN encontra-se refletidos no mapa de mais-valias e de menos-valias elaborado pela Impugnante referente ao período de 2004, o veículo com a matrícula .........VQ encontra-se refletido no mapa de mais-valias e de menos-valias elaborado pela Impugnante referente ao período de 2005, o veículo com a matrícula .........UP encontra-se refletido no mapa de mais-valias e de menos-valias elaborado pela Impugnante referente ao período de 2006, os veículos com as matrículas .........66 e .........81 encontram-se refletidos no mapa de mais-valias e de menos-valias elaborados pela Impugnante referente ao período de 2011 e os veículos com as matrículas …..64, .........88 e .......23 encontram-se refletidos no mapa de mais-valias e de menos-valias elaborado pela Impugnante referente ao período de 2012 (provado por documento, a fls. não numeradas do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos);

i) Em 30-12-2014, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra os atos de liquidação na alínea b) do probatório, o qual correu termos sob o n.º 3522201504000242 (provado pelo documento n.º 397 junto à petição inicial e a fls. 1 do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos);

j) Na petição de reclamação graciosa identificada na alínea anterior, a Impugnante, a título introdutório e além mais alegado, pugnou pela tempestividade da reclamação graciosa, nos termos do n.º 1 do art.º 131.º do CPPT, e, caso assim não se entendesse, «o que apenas por mero dever de patrocínio se concede, deverá a presente reclamação graciosa ser convolada em pedido de revisão do acto tributário, nos termos do n.° do 2 do artigo 78° da LGT, conjugado com o disposto no artigo 52° do CPPT» (provado pelo documento n.º 397 junto à petição inicial, dando-se ainda a petição inicial da citada reclamação graciosa por integralmente reproduzida);

k) Ainda na referida petição inicial de reclamação graciosa, a Impugnante, a final, pediu a «anulação das autoliquidações de Imposto Único de Circulação e juros compensatórios, referentes ao período de 2012, melhor identificadas no quadro acima, no valor total de € 10.898,28», e, em consequência, pediu ainda que fossem «reembolsados à ora Requerente os valores pagos, acrescidos de juros indemnizatórios com as legais consequências» (provado pelo documento n.º 397 junto à petição inicial);

l) Através do ofício n.º 057826, de 30-10-2015, da Direção de Finanças, a Impugnante foi notificada, para exercer o direito de audição prévia, sobre o projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada (provado por documento, de fls. 428 a 433 do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos);

m) A Impugnante exerceu o direito de audição prévia no procedimento de reclamação graciosa (provado por documento, de fls. 436 a 441 do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos);

n) Através do ofício n.º 067075, de 10-12-2015, da Direção de Finanças de Lisboa, a Impugnante foi notificada do despacho de 07-12-2015, proferido pela Chefe de Divisão de Justiça Administrativa, a indeferir do pedido de reclamação graciosa, com os seguintes fundamentos:

«(…)

II -ANÁLISE DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA

A presente reclamação graciosa é legal (art.º 68° do CPPT), mas intempestiva, uma vez que foi apresentada após 120 dias, do inicio do prazo que terminou em 21-11-2013 (n.° 1 do art.º 70° do CPPT), não se tem conhecimento que tenha sido apresentada impugnação judicial onde se discuta a(s) liquidação(ões) reclamada(s), embora o reclamante tenha legitimidade (art.º 65° LGT e art.º 9º do CPPT), é de indeferir o pedido.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, procedeu à liquidação de imposto, resultando a(s) liquidação(ões) (…) efectuada(s) em 03/06/2013, e em função dos elementos constantes deste processo e consultados os dados informáticos através do sistema central de informação, verifica-se que as alegações do reclamante, não têm fundamento, dado que:

Começando por analisar as questões invocadas pela reclamante, nomeadamente a questão da tempestividade, é nosso parecer que não assistem razão aos argumentos invocados. Efetivamente, o artigo 6º do CIUC -Código do Imposto Único de Circulação, refere logo no seu n.° 1 que a competência para a liquidação é da Administração Fiscal. Embora o n.° 2 do mesmo artigo refira que a liquidação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo, a verdade é que, na prática, apesar de a redação assim o poder indiciar, não se trata de "autoliquidação” no verdadeiro sentido do termo, uma vez que todo o cálculo do imposto é feito pela Autoridade Tributária, limitando-se a intervenção do sujeito passivo ao pagamento da guia respetiva, não realizando qualquer operação de cálculo da liquidação.

Assim, é nosso parecer que não estamos aqui perante uma "autoliquidação” e muito menos, no caso em análise, terá existido qualquer erro, uma vez que como se disse, a reclamante se limitou a proceder ao pagamento dos valores liquidados pela Autoridade Tributária. Não nos parece, assim, que a reclamante possa lançar mão do disposto no artigo 131.° CPPT -Código de Procedimento e de Processo Tributário, pois não se verifica a existência nem de erro nem de autoliquidação, pelo que tratando-se de uma reclamação de uma liquidação de imposto, nos termos do artigo 68° CPPT, conjugado com os artigos 70° e 102.º do mesmo Código, o prazo para a apresentação do presente pedido seriam 120 dias contados do termo do prazo de pagamento voluntário.

Ora, sendo que das liquidações reclamadas a data de pagamento mais recente é de 24/07/2013 e tendo em conta que a reclamação foi apresentada em 30/12/2014, fácil é verificar que o prazo de 120 dias para reclamar graciosamente se encontra largamente ultrapassado, pelo que a presente reclamação se encontra intempestiva, razão pela qual o pedido deverá ser indeferido por extemporaneidade, não se procecendo à análise do mérito do mesmo, nos termos do artigo 139.° n.° 3 CPC (aplicável via artigo 2º, alínea e) do CPPT).

Relativamente ao pedido alternativo de convolação do pedido em processo de revisão do ato tributário, nos termos do artigo 52.º CPPT, tal também não nos parece ser de deferir. Tal como disposto no artigo 68° CPPT, o procedimento com vista à anulação total ou parcial dos atos tributários é a reclamação graciosa, logo, o presente procedimento.

A convolação oficiosa prevista no artigo 52.° CPPT apenas poderá ocorrer quando existe erro na forma do procedimento, o que não se verifica no presente processo, pois a reclamação graciosa e, efetivamente, o meio próprio.

Assim, caso a reclamante pretenda a revisão dos atos tributários, nos termos do artigo 78° da Lei Geral Tributária, terá de autonomamente apresentar pedido, caso considere que se encontram preenchidos quaisquer dos requisitos previstos nesse artigo.

Face ao exposto, é nosso parecer que a pretensão da reclamante não poderá ser atendida, pelo que propomos o indeferimento do pedido.

III -EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUDIÇÃO

Assim sendo, e porque se propôs que a presente reclamação graciosa não fosse deferida na totalidade, houve lugar a audição prévia nos termos da alinea b) do n.° 1 do art.º 60° da Lei Geral Tributária, tendo o reclamante apresentado exposição, conforme consta a fl(s). 432 a 437, de onde se retira as seguintes conclusões:

A fim de exercer o direito de audição prévia, foi apresentada no dia 19 de novembro de 2015, nesta Direção de Finanças de Lisboa -Divisão de Justiça Administrativa, entrada GPS com o n.° (…), uma petição onde a reclamante vem referir que não concorda com as conclusões contidas no projeto de decisão.

Contudo, após análise à petição, verifica-se que a reclamante não apresenta dados novos susceptíveis de alterar o projeto de decisão, pelo que se propõe assim que se converta em definitivo o indeferimento do pedido.

IV –CONCLUSÃO

Assim sendo, constata-se que a situação tributária do contribuinte não carece de correção, pelo que se propõe que a presente reclamação graciosa seja INDEFERIDA, pelos motivos antes expostos notificando-se o reclamante desta decisão final.»

(provado pelo documento n.º 1 junto à petição inicial).”

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

II.C. Quanto à motivação da decisão sobre a matéria de facto, consignou-se o seguinte:

Para a formação da convicção do Tribunal na fixação da matéria de facto, provada e não provada, foram determinantes os elementos documentais constantes dos autos, em especial os elementos constantes do processo administrativo tributário apenso aos autos, conforme indicado em cada uma das alíneas, assim como a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados.

Relativamente aos registos de propriedade e às faturas de venda das viaturas a que os mesmos respeitam, os mesmos não são controvertidos, dissentido as partes apenas no seu enquadramento e consequências jurídicas.

Com efeito, a AT não impugna as faturas de venda, admitindo a sua emissão e regularidade, apenas discorre sobre o seu valor probatório para comprovar a realização da venda.


***

Tendo em conta que a decisão sobre a matéria de facto se baseou em prova documental constante dos autos, este Tribunal considera importante para apreciação dos fundamentos do recurso e, bem assim, para clarificação do decidido pelo tribunal recorrido completar e corrigir a factualidade julgada provada no ponto d), nos termos do art. 662.º, n.º 1, do C.P.Civil, já que a indicação apenas do ano de 2012 se deveu a lapso evidente, atendendo ao quadro no qual são elencadas as facturas emitidas durante vários anos, para além da menção expressa em todas as facturas de se tratar de “Factura/recibo”.

Assim, alínea d) do probatório passa a ter o seguinte teor:

d) Durante os anos de 2004 a 2012, a Impugnante emitiu faturas/recibo com os seguintes elementos:

[seguem os quadros constantes do facto original]”

III. DE DIREITO

Na parte que interessa ao presente recurso, a sentença recorrida julgou a impugnação das liquidações de IUC dos vários veículos identificados, relativas ao ano de 2012, parcialmente procedente, anulando as liquidações, com excepção das referentes aos veículos com as matrículas .........66, .........81, .........UP, .........VQ, .........VN, .........88, .......23 e .......RA, e, após exposição do regime legal aplicável, nomeadamente, dos artigos 4.º n.º 1 e 3.º do CIUC, alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, que aprovou o Registo da Propriedade Automóvel e alínea f) do n.º 1 do art. 8.º-B do Código do Registo Predial, decidiu o seguinte:

No entanto, esta norma de incidência subjetiva de IUC contém uma presunção legal ilidível (16-Neste sentido, a jurisprudência é reiterada e uniforme, como se constata pelo entendimento defendido nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 20-03-2019, proferido no processo n.º 0273/18, e de 03-06-2020, proferido no processo n.º 0356/18, acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19-03-2015, proferido no processo n.º 08300/14, e nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 07-12-2017, proferido no processo n.º 00358/14.4BEVIS, de 11-01-2018, proferido no processo n.º 00888/13.5BEPRT, e de 22-02-2018, proferido no processo n.º 00938/13.5BEPRT).

Isto porque, em primeiro, as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário –isto é, são ilidíveis -, como estabelece o art.º 73.º da LGT.

Em segundo, o registo de propriedade não é condição de eficácia do contrato de compra e venda do veículo, tendo somente uma eficácia declarativa (n.º 1 do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro).

(…)

Ora, sendo o registo uma presunção e sendo os efeitos decorrentes do mesmo, em regra, apenas oponíveis aos terceiros acima identificados, não tem sentido a tese de que o n.º 1 do art.º 3.º do Código do IUC consagra uma presunção inilidível, em manifesto sentido contrário às regras de interpretação estabelecidas nos art.os 11.º da LGT e 9.º do Código Civil.

Por último, e não menos importante, o princípio estruturante do IUC é o da equivalência tributária (art.º 1.º do Código do IUC). Ora, deste princípio só poderá resultar que o sujeito passivo do imposto deverá ser o real proprietário do veículo e não o proprietário registado, uma vez que apenas o primeiro é que dará causa aos custos ambientais e outros que o IUC visa compensar.

(…)

E a questão principal que agora se coloca é a de saber se a Impugnante ilidiu a presunção estabelecida no n.º 1 do art.º 3.º do Código do IUC.

(…)

Importa ainda ter presente a informalidade que envolve este tipo de transação, para daí partir para analisar se, no caso dos autos, a Impugnante conseguiu ilidir a referida presunção.

E a respeito da elisão desta presunção, acolhemos o entendimento defendido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 22-02-2018, proferido no processo n.º 00938/13.5BEPRT, aderindo-se totalmente aos seus fundamentos.

(…)

Assim, no caso dos autos, o que a sociedade recorrida tinha de provar, a fim de ilidir a presunção que decorre do art. 3º nº 1 do C.I.U.C., é que ela não era proprietária do veículo em causa no período a que dizem respeito as liquidações impugnadas.

(…)

A factura constitui documento contabilístico elaborado no seio da empresa e que se destina ao exterior, mormente, à AT, que dela extrai todos os efeitos inerentes em sede de valoração para incidência de diversos impostos, o que significa que, a menos que se demonstre a sua falsidade, as facturas presumem-se válidas para todos os efeitos legais, não podendo deixar de o ser, apenas e só, como meio de prova da transacção, relevante para efeitos de incidência de IUC.

A partir daqui, cabe ter presente que, nos termos do art. 75º nº 1 da LGT, “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”, o que envolve também os documentos justificativos, sendo recorrentes as situações em que AT desconsidera as operações tituladas por certas facturas com fundamento no facto de as mesmas não serem o suporte das operações que visam titular -“facturas falsas”.

Sendo assim, perante a relevância que a lei fiscal atribui à factura emitida nos termos legais e considerando a presunção de veracidade da operação que a mesma titula, afigura-se-nos que não será descabido considerar que a factura poderá ser, só por si, prova bastante da aludida operação, situação que se afasta do exposto na decisão recorrida.

Diga-se ainda que estamos perante transacções comerciais, efectuadas por uma entidade empresarial no âmbito da actividade que constitui seu objecto social e, nesse âmbito, a empresa está vinculada ao cumprimento de normas contabilísticas e fiscais específicas, em que a facturação assume especial relevância, pois que, por força de normas fiscais, a entidade transmitente dos bens está obrigada a emitir uma factura relativamente a cada transmissão de bens qualquer que seja a qualidade do respectivo adquirente (CIVA, art. 29.º, n.º 1, alínea b), sendo que a factura deve obedecer a determinada forma, detalhadamente regulada nos artigos 36.º do Código do IVA e artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 198/90, de 19 de Junho.

Ora, na sua contestação, a AT limita-se a dizer que são parcos os elementos documentais juntos até ao momento, não colocando em crise os elementos que constam dos mesmos.

Ora, é com base nesse documento emitido pelo fornecedor dos bens que o adquirente, quando se trate de um operador económico -como é o caso da generalidade das situações a que se refere o presente processo -irá deduzir o IVA a que tenha direito (CIVA, art. 19.º, n.º 2) e contabilizar o gasto da operação (CIRC, arts. 23.º, n.º 6 e 123.º, n.º 2) e é também com base na facturação por si emitida que o fornecedor dos bens deverá contabilizar os respectivos rendimentos, conforme decorre do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 123.º do CIRC.

Assim, desde que emitidas na forma legal e constituam elementos de suporte dos lançamentos contabilísticos em contabilidade organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, os dados que delas constem são abrangidos pela presunção de veracidade a que se refere o artigo 75.º, n.º 1, da LGT, verificando-se que a já referida presunção abrange não só os livros e registos contabilísticos, mas também os respectivos documentos justificativos, sem prejuízo de a presunção de veracidade das facturas comerciais emitidas nos termos legais poder, porém, ser afastada sempre que as operações a que se referem não correspondam à realidade, bastando, para tanto, que a Administração Tributária recolha e demonstre indícios fundados desse facto.

Nesta situação, como se viu, a Recorrida não impugnou, nem suscita qualquer dúvida, quanto às operações tituladas pelas facturas apresentadas pela Requerente, o que significa que em função da relevância atribuída pela legislação tributária às facturas emitidas, nos termos legais, pelas empresas comerciais no âmbito da sua actividade empresarial e a presunção de veracidade das operações por elas tituladas, não pode deixar de considerar-se que as mesmas constituem, só por si, prova bastante das transmissões invocadas pela ora Recorrente.»

(…)

Aqui chegados, voltamos novamente ao caso dos autos.

Resulta dos factos provados que, antes da data em que ocorreu o facto tributário em 2012, a Impugnante havia já sido transmitido o direito de propriedade sobre os veículos em questão, nos termos assim resumidos:

(…)

Conforme resulta dos factos provados, a Impugnante emitiu faturas de venda dos veículos em questão [cfr. alíneas b) e d) dos factos provados, exceto no que se refere aos veículos com as matrículas .........81 e .........UP], registou nas suas demonstrações financeiras as correspondentes operações [cfr. alínea f) dos factos provados, exceto no que se refere os veículos com as matrículas .........13 e .........50] e declarou à AT os rendimentos gerados daquelas vendas, nos respetivos mapas de mais-valias e menos-valias [cfr. alínea e) dos factos provados].

Pelo que, face os elementos documentais juntos aos autos pela Impugnante, os quais, repete-se, não foram impugnados pela Exma. Representante da Fazenda Pública, conjugados com as regras de experiência comum, podemos concluir que, antes da data dos factos tributários, a Impugnante efetivamente já tinha transmitido o direito de propriedade dos veículos em questão e, em relação aos veículos acima identificados, não era o sujeito passivo do IUC relativo ao período de tributação de 2012.

Considera-se, por isso, que foi ilidida a presunção prevista no n.º 1 do art.º 3.º do Código do IUC, na redação então em vigor.

Face ao acima exposto, são ilegais os atos de liquidação ora impugnados referentes a estes veículos e, em consequência, não podem subsistir na ordem jurídica, devendo por isso ser anulados, o que a seguir se determinará. Além de que, verificando-se o erro nos pressupostos de facto, pela Impugnante não ser a proprietária dos veículos à data dos factos tributários, estamos efetivamente perante um erro imputável aos serviços, para efeitos de pedido de revisão do ato tributário.

(…)”

Analisada a decisão recorrida, verifica-se que a mesma considerou que a Recorrida tinha logrado ilidir a presunção de propriedade dos veículos identificados tendo por base os documentos juntos aos autos – facturas de venda e registos contabilísticos – invocando a presunção de verdade de tais elementos, a qual não tinha sido questionada pela AT.

Analisado o recurso apresentado, verifica-se que a FP não impugna a matéria de facto julgada provada, apenas questionando a relevância que dela foi feita na sentença recorrida, imputando-lhe errada apreciação dos factos em face do direito probatório aplicável (art. 74.º da LGT) e erro de direito (violação dos artigos 3.º n.º 1 e 4.º n.º 3 do CIUC).

Com efeito, defende a Recorrente que não se pode concluir, dos factos provados, que a Recorrida tenha feito prova de que não era proprietária dos veículos no período das liquidações, já que as facturas e os elementos contabilísticos não revelam “a inequívoca e imprescindível declaração de vontade dos pretensos adquirentes”; que as facturas e os documentos contabilísticos são documentos particulares, unilaterais e internos; que os factos e) e f), ainda que conjugados com as facturas, são insuficientes para concluir pela alienação das viaturas, pois não estão nos autos os registos contabilísticos que permitam fundamentar a venda, já que a conta 21, isoladamente das restantes, não o permite e dos mapas de mais-valias, que não existem para todos os veículos, não resulta que tenha sido declarado o rendimento subjacente à afirmada venda.

Por seu turno, a Recorrida defende que as facturas são documentos idóneos para demonstrar as vendas, já que é com base nelas que o adquirente procede à dedução do IVA e contabiliza o gasto e o vendedor contabiliza o rendimento obtido. Defende, ainda, que as facturas juntas são facturas/recibo, as quais provam o pagamento do preço e apela à presunção de verdade da contabilidade, já que a AT nunca pôs em dúvida a veracidade dos documentos.

Como bem ficou reflectido na decisão recorrida, dispunha o art. artigo 3.º do CIUC, na redacção vigente à data dos factos tributários, que:

1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.

O n.º 1 do art. 6.º do CIUC dispõe que:

1 - O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional.

O art. 1.º do DL n.º 54/75, 12-02, relativo ao Registo Automóvel (com as alterações do DL 242/82, de 22-06 e DL n.º 178-A/2005, de 28-10) dispõe que “1- O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico.

Finalmente, o art. 7.º do Código do Registo Predial, aplicável subsidiariamente ao registo automóvel, por força do art. 29.º do DL n.º 54/75, estabelece que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”.

Do cotejo das normas acabadas de elencar resulta que o registo automóvel (assim como o registo predial) tem apenas efeitos declarativos, e não constitutivos, presumindo-se que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.

Ou seja, a norma de incidência do art. 3.º do CIUC, na redacção vigente à data, ao dispor que eram sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados, contém em si uma presunção: a de que são proprietários as pessoas em nome de quem os veículos se encontram registados, sendo que o registo, como se viu, contém, também, tal presunção (a de que o direito existe e pertence ao titular inscrito).

Com efeito, segundo noção vertida no art. 349.º do C. Civil, presunções são as ilações que a lei, ou o julgador, tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. As presunções constituem meios de prova, tendo esta por função a demonstração da realidade dos factos (art. 341.º do C. Civil). Assim, quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (art. 350.º, n.º 1, do C. Civil). Todavia, as presunções, salvo nos casos em que a lei o proibir, podem ser ilididas, mediante prova em contrário (art. 350.º, n.º 2, do C. Civil). Tratando-se de presunções de incidência tributária, estas são sempre ilidíveis, conforme expressamente dispõe, o art. 73.º da LGT, o que também é uma exigência dos princípios constitucionais da igualdade e capacidade contributiva. Neste sentido, cfr. Acórdão do TC n.º 343/97, de 29-04-97: "A tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo"

Assente que está a possibilidade da Recorrida poder ilidir a presunção de propriedade, possibilidade essa que, de resto, não foi posta em causa pela Recorrente, vejamos, então, se dos factos provados, se pode retirar a conclusão da sentença recorrida da efectividade de tal ilisão.
Como se viu, está provado nos autos que a actividade da Recorrida é, entre outras, o comércio e aluguer de veículos (a)).
Está, também, demonstrado que, nos anos de 2004 a 2012, a Recorrida emitiu facturas/recibo relativamente às vendas dos veículos ali indicados (ponto d) agora corrigido) e que tais operações de venda se encontravam reflectidas nos mapas de mais e menos-valias em que ocorreram as vendas ou nos períodos ali especificados (alíneas e) e h)). De acordo com o facto f) as operações de venda ali indicadas foram registadas na sua contabilidade, na conta 21 e, no ano de 2012, a Recorrida requereu o cancelamento das matrículas identificadas na alínea g) do probatório.
Ora, perante estes factos, entende este Tribunal que não merece qualquer censura a conclusão da sentença recorrida quanto à ilisão da presunção de propriedade dos veículos indicados.
Com efeito, tal como ficou consignado no Acórdão do TCA Norte, de 01-06-2017, processo n.º 2502/14.2BEPRT (também citado na sentença recorrida), “(…) Com este pano de fundo, quando se tem presente a informalidade que envolve este tipo de transacção, cremos que a factura descrita nos autos merece, à partida, maior crédito do que aquele que a Recorrente lhe pretende atribuir, até porque nada é referido pela mesma no que concerne aos termos em que foi emitida a aludida factura.
Na verdade, a factura resulta do cumprimento do disposto no art. 29º nº 1 al. b) do CIVA, sendo que a factura deve também obedecer aos requisitos previstos no mesmo diploma, até porque será com base neste documento que o adquirente, quando se trate de um operador económico, procederá à dedução do IVA a que tenha direito e contabilizar o gasto inerente à transacção em causa, do mesmo modo que o vendedor deverá contabilizar o rendimento obtido.
A partir daqui, cabe ter presente que, nos termos do art. 75º nº 1 da LGT, “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”, o que envolve também os documentos justificativos, sendo recorrentes as situações em que AT desconsidera as operações tituladas por certas facturas com fundamento no facto de as mesmas não serem o suporte das operações que visam titular - “facturas falsas”.
Sendo assim, perante a relevância que a lei fiscal atribui à factura emitida nos termos legais e considerando a presunção de veracidade da operação que a mesma titula, afigura-se-nos que não será descabido considerar que a factura poderá ser, só por si, prova bastante da aludida operação, situação que dá cobertura ao exposto na decisão recorrida. (…)”
Ou seja, tal como no Acórdão que aqui parcialmente se transcreveu, também na situação dos autos, nem os documentos juntos – facturas/recibo – nem a contabilidade da Recorrida, foram postos em causa pela AT, gozando, por isso, da presunção de verdade, nos termos do art. 75.º n.º 1 da LGT.
Acresce que, com respeito ao consignado no Acórdão do TCA Sul, de 19-03-2015, proferido no processo n.º 08300/14, citado pela Recorrente, apesar de entender que “Tanto a factura como a nota de débito constituem documentos contabilísticos elaborados no seio da empresa e que se destinam ao exterior. (…). Ambos os documentos surgem na fase de liquidação da importância a pagar pelo comprador, assim não fazendo prova do pagamento do preço pelo mesmo comprador e, por consequência, prova de que se concluiu a compra e venda”, ele próprio assume que “somente a emissão de factura/recibo ou de recibo faz prova do pagamento e quitação - cfr.artº.787, do C.Civil
Ora, no caso concreto, como se viu, as facturas eram “Facturas/recibo”, pelo que se tem de entender, também por aqui, estar demonstrada a quitação.
Assim, e em conclusão, conjugando todos os meios de prova aportados para os autos, e acima especificados, entende-se, com a sentença do Tribunal a quo, que a Recorrida demonstrou suficientemente a não propriedade dos veículos nos períodos a que se referem as liquidações, razão pela qual a sentença recorrida, que anulou as respectivas liquidações, não merece censura, a qual deve, por isso, ser confirmada.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso;

Custas a cargo da Recorrente (art. 527.º do CPC)

Registe e notifique.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2024

(Teresa Costa Alemão)

(Maria da Luz Cardoso)

(Vital Lopes)