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Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
♣ I – RELATÓRIO
J …………….. e A ………………, impugnaram judicialmente a liquidação de IRS n.° ……………731 referente ao exercício de 2006.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 11 de Março de 2014, julgou a impugnação improcedente.
Não concordando com a decisão, a Recorrente vem dela interpor recurso.
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Os Recorrentes, nas suas alegações de recurso, formularam as seguintes conclusões:
“IV - CONCLUSÕES
i. Vem o presente Recurso interposto da Sentença proferida, em 21 de fevereiro de 2019, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de IRS n.° …………….731, referente ao IRS de 2006, e a respetiva liquidação de Juros Compensatórios e, bem assim, contra a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra aqueles atos de liquidação;
ii. Desde logo, deverá ser suprido o manifesto lapso de escrita resultante do ponto 1) da matéria de facto dada como provada, pois, do documento n.° 1, apresentado com a petição inicial, resulta, inequivocamente, que a fração autónoma designada pela letra “P” correspondente ao prédio urbano sito na Rua …………., n° 13, 7o andar, freguesia de …………, em Lisboa, a qual foi adquirida em 7 de outubro de 2005 e não como resulta, por manifesto lapso de escrita, no ponto 1. da matéria de facto dada como provada, no dia 7 de maio de 2005;
iii. Aliás, na página 12 da Sentença recorrida, é mencionado que a referida escritura de compra e venda ocorreu em 7 de outubro de 2005, o que demonstra que a referência, na página 3 dos factos dados como provados, de que aquela transmissão ocorreu no dia 7 de maio de 2005 resultou de um erro de escrita que deverá ser suprido, nos termos previstos no artigo 614.°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil;
iv. Conforme resulta dos factos dados como provados, a 2.“ Recorrida procedeu, em 10 de agosto de 2006, à transmissão do imóvel sito na Rua Poço dos Negros, pelo valor de € 287.500,00 (cfr. ponto 2. dos factos dados como provados), o que significa que a transmissão do imóvel sito na Rua ………………. ocorreu 10 meses e 2 dias após a aquisição da fração autónoma designada pela letra “P”, correspondente ao prédio urbano sito na Rua ……………, n° 13, 7º andar, freguesia ……………, em Lisboa;
v. Conforme também resulta dos factos dados como provados (cfr. ponto 21. dos factos dados como provados pela Sentença recorrida), em 10 de agosto de 2006, data da transmissão do imóvel sito na ……………, procedeu-se à liquidação do empréstimo pelo valor de € 127.798,91;
vi. O que significa que o valor a reinvestir era de apenas € 159.871,11 [€ 287.500 - € 127.628,89 = € 159.871,11], valor esse que foi efetivamente investido no estrito cumprimento do disposto no artigo 10.°, n.° 5, alínea b), do CIRS;
vii. Sendo que, conforme ficou demonstrado, inequivocamente, nos autos, os ora Recorrentes procederam a amortizações nos dois anos seguintes à venda dos imóveis - cfr. documentos n.°s 4 e 5 e pontos 19. e 20. dos factos dados como provados - no valor total de € 186.772,33. Com efeito, está provado documentalmente e foi dado como provado pela própria Sentença recorrida que os ora Recorrentes procederam, no ano de 2007, a uma amortização de capital no valor de € 11.966,24 e, em 2008, a uma amortização no valor de € 174.806,09;
viii. Contrariamente ao que resulta da douta Sentença recorrida, o que a lei impõe, no seu artigo 10º, n.° 5, alínea b) in fine, é que a aquisição do imóvel, objeto de reinvestimento, tenha ocorrido nos 12 meses anteriores à transmissão do imóvel no qual foi apurada a mais-valia, o que aconteceu no caso vertente, cumprindo com a obrigação legalmente estabelecida;
ix. Com efeito, foi o próprio Tribunal a quo que integrou na matéria de facto dada como provada que em 7 de outubro de 2005 foi adquirida a fração autónoma designada pela letra “P” correspondente ao prédio urbano sito na Rua …………….., n.° 13, 7.° andar, freguesia ………………. e que em 10 de agosto de 2006 foi outorgada a escritura pública de compra e venda através da qual foi alienada a fração autónoma designada pela letra “C" correspondente ao 1º andar do prédio urbano sito na Rua P …………., n.° 153, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …., da freguesia de …………., concelho de Lisboa, o que significa que o imóvel objeto de reinvestimento foi, de facto, adquirido nos 12 meses anteriores à transmissão do imóvel sito na Rua …………….., n.° 153;
x. É, pois, evidente, que tendo a transmissão do prédio urbano sito na Rua ……………., n.° 153 ocorrido apenas 10 meses e 2 dias após a aquisição do prédio urbano sito na Rua ………………, n.° 13, 7.º andar, freguesia de Santa Isabel, os ora Recorrentes cumpriram inequivocamente com o prazo legal para o reinvestimento que se encontra consagrado no artigo I0.°T n.“ 5, alínea b), do CIRS;
xi. Sendo que, como também resulta da matéria de matéria de facto dada como provada - cfr. pontos 19. a 20. da matéria de facto dada como provada - os ora Recorrentes promoveram amortizações nos anos de 2007 e 2008, amortizações essas que foram, portanto, realizadas nos prazos e nos termos previstos na legislação vigente à data dos factos, nomeadamente, os artigos 10.º, n.º 5, alínea b) e 57.°, n.° 3, do CIRS;
xii. Torna-se, pois, evidente o erro de julgamento do Tribunal a quo ao concluir que o reinvestimento não ocorreu no período de 12 meses legalmente fixado, pois, ficou demonstrado nos autos que, de facto, aquele reinvestimento ocorreu 10 meses e 2 dias antes da transmissão do prédio urbano sito na Rua …………., n.° 153 e, consequentemente, dentro do prazo de 12 meses imposto pelo artigo I0.°, n.° 5, alínea b), do CIRS;
xiii. Do mesmo modo, não podem os ora Recorrentes deixar de se insurgir quando a Sentença recorrida nega provimento ao fundamento da preterição de formalidades legais essencias;
xiv. Com efeito, os ora Recorrentes não dispunham de meios para conhecer a que liquidação de IRS se reportava a Administração Tributária e Aduaneira no projeto de decisão e na decisão da reclamação graciosa, uma vez que, por referência ao ano de 2006, a Administração Tributária e Aduaneira emitiu duas liquidações de IRS, ou seja, a liquidação de IRS n.° …………….055 e a liquidação n.° ……………..481, impossibilitando os Recorrentes de tomar conhecimento, por ausência de indicação, duas liquidações de IRS, ou seja, a liquidação de IRS n.° …………….055 e a liquidação n.° ……………481, impossibilitando os Recorrentes de tomar conhecimento, por ausência de indicação, quer no projecto de decisão, quer na decisão definitiva da reclamação graciosa, a que “liquidação" se referia;
xv. Aliás, no ponto 23. da matéria de facto dada como provada é dado com o provado que existiu a notificação de duas liquidações de IRS referentes ao ano de 2006 - liquidações n° ……………….055 e ……………..481 - as quais foram objeto de reclamação graciosa;
xvi. Ora, se a Administração Tributária e Aduaneira promoveu a emissão, por referência ao ano de 2006, de duas liquidações de IRS e no projeto de decisão da reclamação graciosa e na decisão definitiva não identificam a qual das liquidações se reportam, deverá concluir-se que foi desrespeitado o disposto no artigo 60º, n.° 1, alínea a), da LGT, sendo que a fundamentação dos atos tributários tem de observar o disposto nos artigos 36° do CPPT e 77° da LGT, o que não aconteceu no caso vertente;
xvii. Para além de ter de existir uma fundamentação, que pode ser sucinta mas contendo as disposições legais aplicáveis, bem como a qualificação e quantificação — incluindo operações de apuramento - dos factos tributários, a mesma tem de ser expressa, clara, congruente e suficiente (cfr. “Manual de Procedimento e de Processo Tributário”, Ministério das Finanças e da Administração Pública, Direção Geral de Impostos, Centro da Formação, 2008, página 49, dos autores José António Costa Alves e Jesuíno Alcântara Martins);
xviii. Em face do exposto, é evidente que também nesta parte a Sentença recorrida enferma de uma errada apreciação do fundamento da preterição de formalidades legais essenciais, pelo que deverá também nesta parte ser revogada.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO MERECER PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA A MESMA POR UM ACÓRDÃO QUE DÊ TOTAL PROVIMENTO À PRETENSÃO DOS RECORRENTES, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE, QUE DETERMINE A ANULAÇÃO DA DECISÃO DE DEFERIMENTO PARCIAL DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA, NA PARTE EM ESTA FOI IMPROCEDENTE E, BEM ASSIM, A ANULAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO DE IRS REFERENTE AO ANO DE 2006.”
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal.
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Foram colhidos os vistos legais.
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Delimitação do objeto do recurso
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 639º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.
No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber:
- Se o Tribunal Central Administrativo Sul é competente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso;
- Se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de Direito ao ter considerado que os valores utilizados na amortização ao empréstimo contraído na aquisição do imóvel, nos anos de 2008 e 2009, devem ser considerados para efeitos de apuramento das mais-valias, bem como se o ato se encontra devidamente fundamentado e foi preterida a audiência prévia antes da decisão.
*** II – FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
“Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se provados, os seguintes factos com interesse para a presente decisão:
1. Em 07/05/2005, a impugnante outorga escritura pública de compra e venda, através da qual adquire pelo valor de € 536.500,00 a fração autónoma designada pela letra “P”, correspondente ao prédio urbano sito na Rua ………….., nº 13, 7º andar, freguesia de ………….., em Lisboa – cfr. fls. 20 a 26 dos autos;
2. Em 10/08/2006, a impugnante outorga escritura pública de compra e venda, através da qual aliena, pelo montante de € 287.500,00 a fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao 1º andar do prédio urbano sito na Rua …………., nº 153, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ……, da freguesia …………, concelho de Lisboa – cfr. fls. 32 a 38 dos autos;
3. A impugnante declarara no contrato, referido no ponto 1, que destina a fração adquirida a sua habitação própria e permanente – cfr. fls. 20 a 26 dos autos;
4. A impugnante para aquisição da fração, identificada no ponto 1, solicitou ao banco ………., um empréstimo no valor de € 525.000,00, do qual se confessou devedora – cfr. fls. 20 a 26 e 27 a 31 dos autos;
5. Em 31/08/2007, foi entregue pelos, ora impugnantes, a declaração de rendimentos do ano de 2006, que foi liquidada em 21/09/2007 com o nº …………731, dando origem a imposto a pagar no valor de € 34.769,73 – cfr. 61 a 68 do processo administrativo em apenso aos autos;
6. No anexo “G”, da declaração referida no ponto anterior, foi declarado no quadro 4 e 5, “o valor de realização da fração “C” imóvel da freguesia ………..”, tendo o titular B declarado que pretendia reinvestir (linha 504) o valor de € 287.500,00 e, na linha (505)”Valor reinvestido nos 12 meses anteriores (sem recurso ao crédito) € 100.000,00” – cfr. 61 a 68 do processo administrativo em apenso aos autos;
7. O anexo “G”, da declaração referida no ponto anterior não foi considerado para cálculo da liquidação nº ……………731, por errada identificação do imóvel – cfr. fls. 69 do processo administrativo em apenso aos autos;
8. Em 12/11/2007, os ora impugnantes entregaram declaração de substituição de IRS, corrigindo o quadro 5B, do Anexo “G”, relativo à identificação matricial do imóvel objeto de revestimento, fração “P”, “artigo 1003”, “freguesia ………..”, a qual ficou na situação “não liquidável” e foi convolada em reclamação graciosa a que coube o nº ………….044 - cfr. 71 a 78 do processo administrativo em apenso aos autos;
9. Em 15/01/2010, é emitido pela A.T. ofício nº 00787, sob o assunto “Declaração de Substituição-IRS 2006”, com seguinte teor” Fica V. Exª. Notificado para no prazo de 10 (dez) dias, a contar da data de receção desta notificação, para comparecer neste Serviço de Finanças, todos os documentos que tiveram por base o preenchimento da declaração de IRS do ano de 2006, a fim de se averiguar da viabilidade da validação da mesma.” – cfr. fls. 157 dos autos;
10. O ofício nº 00787, referido no ponto anterior, foi remetido por meio de correio registado RM……………PT, a J ………………., para a morada seguinte: Rua …………….., nº 13, 7º, ……….-……. Lisboa, tendo o objeto sido entregue em 19/01/2010 – cfr. 157 a 158 dos autos e fls. 96 a 98 do processo administrativo em apenso aos autos;
11. Em 19/03/2010, foi realizado “projeto de decisão” da reclamação graciosa nº ……………..044, que proferiu entendimento de que a pretensão do contribuinte merecia provimento parcial, no sentido seguinte: “ (...) Verifica-se através do sistema informático do património que o ora reclamante em 10/08/2006 alienou pelo valor de € 287.500,00, a fração autónoma designada pela letra “C” correspondente ao 1º andar do prédio urbano sito na Rua do ………………, nº 153, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 211 da freguesia de ……….., concelho de Lisboa. Também foi possível aferir que o reclamante adquiriu em 07/10/2005, dentro do limite temporal estabelecido na al. b) do nº 5 do art. 10º do CIRS, pelo valor de € 536.500,00, a fração autónoma designada pela letra “P”, correspondente ao prédio urbano sito na Rua ……………, nº 13, 7º, concelho de Lisboa, devidamente identificado na declaração de substituição entregue. Aparentemente estariam reunidas as condições para beneficiar da exclusão de tributação no valor de € 100.000,00, conforme mencionado em ambas as declarações entregues, no entanto, através da escritura de compra e venda mútuo com hipoteca, foi possível ainda aferir que o montante de empréstimo contraído para aquisição do imóvel foi de € 525.000,00. Sobre esta matéria, o ofício – circulado nº 28361 de 23/11/2000 da DSIRS, da DGCI, veio clarificar que o valor de realização considerado reinvestido para os casos em que na aquisição de novo imóvel houve recurso ao credito, resulta da diferença entre o montante do empréstimo e o valor de aquisição da nova habitação, que no caso em análise é de € 11.500,00. Dado não ter apresentado comprovativos relativos às amortizações do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel objeto de reinvestimento, foi o mesmo notificado, por carta registada, ainda em sede de liquidação através do ofício nº 787 de 15/01/2010, para que viesse esclarecer o assunto. E, uma vez que até à data não compareceu, não é possível avaliar a sua pretensão. (...) Projeto de Decisão: Pelo exposto, salvo melhor opinião, julgo ser de deferir parcialmente a presente reclamação, no sentido de alterar a identificação do imóvel objeto de reinvestimento, no entanto, proceder à correção do valor reinvestido (...) Quadro 5, anexo G, da declaração mod. 3, relativa ao ano de 2006:
- Valor reinvestido nos 12 meses anteriores (sem recurso a crédito) € 11.500,00;
- Identificação matricial do imóvel objeto de reinvestimento: 110617-1003P (...)” – cfr. fls. 23 a 24 do processo administrativo em apenso aos autos;
12. Em 30/03/2010, os ora impugnantes são notificados para exercer, em dez dias o direito de audição prévia, não tendo exercido tal direito – cfr. fls. 24 e 25 do processo administrativo em apenso aos autos;
13. Em 28/06/2010, em resultado da apresentação, pelos impugnantes, de declaração de substituição para os rendimentos para o ano de 2006, a A.T. à reliquidação ………….061, que apurou o valor de € - 49.647,10, com diferença de imposto a pagar relativamente à liquidação ……………731 (€ + 34.769,73) tendo resultado no valor de € - 16.524,86 – cfr. fls. 81 a 83 do processo administrativo em apenso aos autos;
14. Em 10/11/2010, em resultado da decisão proferida em sede de reclamação graciosa que obteve despacho de deferimento parcial, foi efetuada a liquidação com nº ………………..090 e, reliquidada pela liquidação ……………055 com valor de imposto final total (com J.C.) de € 59.094,65 – cfr. fls. 94 e 95 do processo administrativo em apenso aos autos;
15. Em 31/12/2010, os impugnantes, apresentaram requerimento ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-2, solicitando a passagem de certidão que contivesse os fundamentos da liquidação de IRS nº ……………090, respeitante ao ano de 2006 no valor de € 34.393,64 – cfr. fls. 113 dos autos;
16. Em 10/01/2011, o Serviço de Finanças de Lisboa-2 emite “Certidão” que refere o seguinte:
« Texto no original»
17. Em 31/12/2010, os impugnantes, apresentaram requerimento ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-2, solicitando a passagem de certidão que contivesse os fundamentos da liquidação de IRS nº ………………055, respeitante ao ano de 2006 no valor de € 59.094,65 – cfr. fls. 117 dos autos;
18. Em 10/01/2011, o Serviço de Finanças de Lisboa-2 emite “Certidão” na qual declara o seguinte:
« Texto no original»
19. Em 20/01/2008, relativamente ao ano de 2007, o Banco B........... emite declaração à impugnante, com seguinte teor:
« Texto no original»
20. Em 20/01/2009, relativamente ao ano de 2008, o Banco B…. emite declaração à impugnante com o seguinte teor:
« Texto no original»
21. Em 07/04/2010, o Banco B........... emite declaração sob assunto: Empréstimo Hipotecário nº ………………. (2ª Via) “ De acordo com as instruções de V. Exª. Procedemos no dia 2006/08/10 à liquidação do empréstimo em epígrafe pelo montante de € 127.798,91” – cfr. fls. 39 dos autos;
22. Em 16/09/2010, foi remetida por meio de correio registado, para este tribunal p.i. que consubstancia a presente impugnação judicial – cfr. fls. 2 a 59 dos autos.
23. Em 03/03/2011, os ora impugnantes deduzem reclamação graciosa quanto às liquidações nº ………….055 e …………481, ambas do IRS de 2006 – cfr. fls. 199 a 206 dos autos;
24. Em 30/12/2011, após o exercício do direito de audição prévia pelos impugnantes, a reclamação obtém despacho de indeferimento – cfr. 252 a 268 dos autos.” * Ficou consignado na decisão recorrida, no que a factos não provados respeita, o seguinte:
“II. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.”
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A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:
“A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra.”* Defendem os recorrentes que a sentença padece dum lapso de escrita quando no ponto 1 do probatório indicou com data da aquisição o dia 07/05/2005 e não o dia 7/10/2005, como resulta dos documentos que suportam este facto.
Ora, compulsados os autos, verifica-se que o documento que sustenta este facto faz menção ao dia 7/10/2005 pelo que se impõe a correção requerida.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC, corrige-se o ponto 1 do probatório supra, passando o mesmo a possuir a seguinte redação:
1 - Em 07/10/2005, a impugnante outorga escritura pública de compra e venda, através da qual adquire pelo valor de € 536.500,00 a fração autónoma designada pela letra “P”, correspondente ao prédio urbano sito na Rua …………….., nº 13, 7º andar, freguesia …………, em Lisboa – cfr. fls. 20 a 26 dos autos;* Ainda ao abrigo do mesmo preceito, oficiosamente corrige-se o ponto 11 do probatório supra, passando o mesmo a possuir a presente redação:
11 - Em 19/03/2010, foi realizado “projeto de decisão” da reclamação graciosa nº ……….044, que proferiu entendimento de que a pretensão do contribuinte merecia provimento parcial, no sentido seguinte: “
« Texto no original»
(...)
Verifica-se através do sistema informático do património que o ora reclamante em 10/08/2006 alienou pelo valor de € 287.500,00, a fração autónoma designada pela letra “C” correspondente ao 1º andar do prédio urbano sito na Rua do ………….., nº 153, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 211 da freguesia ……….., concelho de Lisboa. Também foi possível aferir que o reclamante adquiriu em 07/10/2005, dentro do limite temporal estabelecido na al. b) do nº 5 do art. 10º do CIRS, pelo valor de € 536.500,00, a fração autónoma designada pela letra “P”, correspondente ao prédio urbano sito na Rua ……………, nº 13, 7º, concelho de Lisboa, devidamente identificado na declaração de substituição entregue. Aparentemente estariam reunidas as condições para beneficiar da exclusão de tributação no valor de € 100.000,00, conforme mencionado em ambas as declarações entregues, no entanto, através da escritura de compra e venda mútuo com hipoteca, foi possível ainda aferir que o montante de empréstimo contraído para aquisição do imóvel foi de € 525.000,00. Sobre esta matéria, o ofício – circulado nº 28361 de 23/11/2000 da DSIRS, da DGCI, veio clarificar que o valor de realização considerado reinvestido para os casos em que na aquisição de novo imóvel houve recurso ao crédito, resulta da diferença entre o montante do empréstimo e o valor de aquisição da nova habitação, que no caso em análise é de € 11.500,00. Dado não ter apresentado comprovativos relativos às amortizações do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel objeto de reinvestimento, foi o mesmo notificado, por carta registada, ainda em sede de liquidação através do ofício nº 787 de 15/01/2010, para que viesse esclarecer o assunto. E, uma vez que atá à data não compareceu, não é possível avaliar a sua pretensão. (...) Projeto de Decisão: Pelo exposto, salvo melhor opinião, julgo ser de deferir parcialmente a presente reclamação, no sentido de alterar a identificação do imóvel objeto de reinvestimento, no entanto, proceder à correção do valor reinvestido (...) Quadro 5, anexo G, da declaração mod. 3, relativa ao ano de 2006:
Valor reinvestido nos 12 meses anteriores (sem recurso a crédito) € 11.500,00;
Identificação matricial do imóvel objeto de reinvestimento: 110617-1003P (...)” – cfr. fls. 23 a 24 do processo administrativo em apenso aos autos; * Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:
25. Em 16/06/2010, foi elaborada uma informação no âmbito da reclamação graciosa melhor identificada no ponto 11 deste probatório, que mereceu despacho de concordância do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, com o seguinte teor:
“
« Texto no original»
(cfr. doc. de fls. 54 e 55 dos autos);
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III . Da Fundamentação De Direito
Nos presentes autos discute-se a legalidade da liquidação de IRS referente ao exercício de 2006, com incidência sobre a questão das mais-valias enquadráveis na Categoria G de IRS.
A primeira questão que importa dirimir no presente recurso é a de saber se este Tribunal é competente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, sendo que o Digno Procurador-Adjunto junto deste Tribunal considera que a competência pertence ao Supremo Tribunal Administrativo por estarmos perante uma questão de Direito.
Apreciemos.
A questão da competência em razão da hierarquia é de ordem pública e prioritária em relação a qualquer outra [cf. art. 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro]. Cumpre, designadamente, aferir da incompetência em razão da hierarquia, que determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cf. art. 16.º do CPPT).
Como é sabido, nos termos do disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e no art. 280.º, n.º 1, do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário, compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma exceção à competência generalizada dos tribunais centrais administrativos, aos quais cabe conhecer “dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º” (art. 38.º, alínea a), do ETAF), na versão aplicável aos autos.
Deste modo, por forma a aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo, temos de atender às conclusões da alegação de recurso e verificar se as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva atividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto, quer estas se prendam com questões de insuficiência, excesso ou erro da matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se argua que os factos levados ao probatório não estão provados, ou porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, seja porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, seja, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (cfr. Acórdãos do STA de 16/12/2009, proc. nº 738/09; de 21/04/2010, proc. nº 189/10, bem como de 09/04/2014, no proc. 161/14).
Como é afirmado pelo STA, no seu Aresto de 18/11/2020, proc. 02169/05.9BELSB: “o critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma de facto, emergente de diversas disposições legais, passa por saber se o recorrente faz apelo, na causa de pedir, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na decisão recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação ou se também à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso. Nessa óptica, o que é verdadeiramente determinante é o efeito que o recorrente pretenda retirar de tais asserções cujo conhecimento envolva a elaboração de um dado juízo probatório que não se resolva por meio de uma simples constatação sobre se existiu ofensa de uma disposição legal expressa que implique uma dada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de certo meio de prova, caso em que a competência caberá já não ao tribunal de revista, mas ao Tribunal Central Administrativo por força do artº 41º, nº 1, al. a) do ETAF.”
No caso aqui em apreço discute-se não apenas a questão de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de Direito ao ter considerado que o ato de liquidação de IRS não enferma de vício de violação de lei, por violação do disposto no artigo 10º, nº 5, al. c) do CIRS, como também por falta de fundamentação do ato e preterição da audiência prévia antes da liquidação.
Tal circunstância obriga a uma apreciação da prova produzida, à correção e adição de matéria de facto relevante para a decisão, pelo que não se impõe um mero conhecimento de Direito, mas também aferir da conformidade da matéria de facto.
Ora, sendo certo que o conhecimento dessas questões impõe uma apreciação da prova e conformidade da mesma com a decisão, é de considerar que o recurso não tem por fundamento exclusivo matéria de Direito, pelo que a competência pertence a este Tribunal.
Assim sendo, improcede a alegação do DMMP, sendo este Tribunal Central Administrativo Sul competente para conhecer do presente recurso.
Prosseguindo.
O Tribunal a quo considerou que a impugnação teria de ser julgada improcedente por não se verificar qualquer dos vícios procedimentais que os agora apelantes imputam ao ato, bem como por o mesmo não se encontrar ferido do vício de violação de lei.
Os Recorrentes dissidem do ali decidido por entenderem que a decisão aqui criticada padece de erro de julgamento de Direito, por várias ordens de razões já acima devidamente elencadas.
Comecemos por apreciar o invocado erro de julgamento em virtude de terem sido violado o direito de audiência prévia antes da liquidação.
Se bem entendemos as suas alegações, sustentam os Recorrentes que em face da existência de duas liquidações de IRS relativamente ao ano em dissidio e porque nem o projeto de decisão, nem a decisão final, indicam a que liquidação a decisão reporta, não lhe foi conferido, verdadeiramente, um direito de audição prévia.
Vejamos.
Este princípio da audiência prévia, encontra consagração constitucional no artigo 267º, nº 5 da CRP, no qual se reconhece que os cidadãos têm o direito de participar na formação das decisões e deliberações que lhes digam respeito. Podemos afirmar que estamos perante uma tutela preventiva contra eventuais lesões dos direitos ou interesses dos administrados.
No seu artigo 8º, na redação do antigo Código do Procedimento Administrativo (atual 12º do CPA) concretiza este direito em sede de Direito Administrativo, ao estabelecer que os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respetiva audiência. Os termos em que esta audiência se realiza vêm estabelecidos os artigos 121º a 125º daquele diploma legal.
Em sede de Direito Tributário, o artigo 60º da Lei Geral Tributária vem estabelecer os princípios gerais em que essa audiência prévia deve ocorrer, concedendo aos contribuintes a possibilidade de participarem nas decisões que lhes digam respeito em matéria tributária.
O próprio CPPT, no seu artigo 45º, nº 1, vem também reconhecer este direito à participação dos contribuintes na formação das decisões.
Por força do disposto no artigo 59º do antigo CPA (atual artigo 121º do CPA), o direito de audiência prévia deve ser concedido quando esteja concluída a instrução do processo e antes de ser tomada a decisão final do procedimento administrativo.
Nesse momento, é concedido o direito aos particulares de se pronunciarem sobre uma determinada proposta de decisão, deve ser-lhes concedida a possibilidade de conhecerem todos os aspetos relevantes para a decisão, quer no que respeita aos factos, quer no que respeita ao direito aplicável, bem como sobre as provas produzidas no procedimento administrativo.
Desde logo, e em conformidade com o acima exposto, apenas haverá lugar à audiência prévia quando exista uma instrução do procedimento administrativo.
Voltando ao artigo 60º da LGT, estabelece o mesmo o seguinte:
“1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2 - É dispensada a audição:
a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;
b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria.
7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.”
Em obediência ao comando constitucional, este preceito vem estabelecer em que situações deve ser concedido o direito de audiência prévia, determinando-se no seu nº 1 as situações em que o mesmo deve ser observado e nos seus nºs 2 e 3 as situações em que o mesmo é dispensado.
Exposto, brevemente, o Direito baixemos ao caso dos autos por forma a aferir do bem julgado pelo Tribunal a quo no que a este vício respeita.
Resulta do probatório que os Recorrentes apresentaram, em 31/08/2007, uma primeira declaração Modelo 3 de IRS para o exercício de 2006, que foi liquidada em 21/09/2007 tendo dado origem à liquidação com o nº ………………731. Mais tarde, em 12/11/2007, os Recorrentes apresentaram uma declaração de substituição (cfr. pontos 5 e 8 do probatório). Essa declaração de substituição foi objeto de convolação em reclamação graciosa.
Ora, como aliás decorre do probatório por nós aditado oficiosamente, a única liquidação a que se poderia referir a aludida reclamação graciosa seria à primeira liquidação e única que existia à data em que é apresentada a declaração de substituição que é convolada em reclamação graciosa. No entanto, e se dúvidas existissem, no próprio texto, quer do projeto de decisão, quer da decisão final, resulta claro qual a liquidação a que a mesma se reporta.
Acresce que, sendo a liquidação nº …………….055 datada de 10/112010, ou seja, de data muito posterior à decisão da reclamação graciosa, pela natureza das coisas, nunca poderia ser a ela que se poderia reportar a aludida decisão. O mesmo acontece relativamente à compensação nº ……………481, datada de 22/11/2010, a mesma não só não constitui uma liquidação, como também ela possui uma data muito posterior à decisão da reclamação graciosa, como decorre do probatório por nos aditado.
Assim sendo, e tendo a decisão recorrida decidido nesta conformidade, nenhuma censura merece, pelo que improcedente terá de ser julgado o presente recurso, nesta parte.
Aduzem ainda os Recorrentes que a liquidação não contém a fundamentação necessária de molde a permitir-lhes conhecer as razões que estão na origem da liquidação.
Ora, também aqui não conseguimos acompanhar os apelantes.
Senão vejamos.
A fundamentação dos atos administrativos, em geral, constitui uma imposição constitucional, porquanto a Constituição da República Portuguesa, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.
No que concretamente respeita aos atos tributários, a obrigação de fundamentar estes atos, encontra-se consagrada no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:
“1 ‐ A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 ‐ A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada, 4ª Edição, 2012, Encontros da Escrita, pág. 675 “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber‐se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente”.
Como é consensual na jurisprudência, que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de ato e as circunstâncias concretas em que este foi proferido. O ato estará suficientemente fundamentado quando o sujeito passivo, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artigo 487.º n.º 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir‐lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efetivo controle da legalidade do ato, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspetos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do ato.
In casu, o ato de liquidação decorre duma reclamação graciosa apresentada pelos apelantes, pelo que a sua fundamentação será a que decorre da apreciação da reclamação graciosa.
Ora, no caso sub judice e como facilmente decorre do probatório por nós aditado, verifica-se que o ato se encontra devidamente fundamentado.
Na verdade, dele constam as razões que levaram a AT a considerar que o valor a considerar para efeitos de apuramento da mais-valia em sede de IRS. O discurso fundamentador da decisão é claro, congruente e suficiente, permitindo aos seus destinatários compreender os motivos que estão na origem do indeferimento parcial.
Senão vejamos.
A AT, depois de ter identificado os imóveis alienados e adquiridos e os respetivos valores, explica que tendo o imóvel adquirido sido objeto dum mútuo no valor de € 525.000,00 e tendo como valor de aquisição a quantia de € 536.500,00, muito embora, em termos abstratos fosse possível beneficiar do regime instituído na alínea b) do nº 5 do artigo 10º do CIRS, por a alienação ter ocorrido há menos de um ano, face à aquisição, apenas se poderia considerar reinvestida a quantia decorrente da diferença entre o valor da aquisição e do mútuo, ou seja, a quantia de € 11.500,00. Posto isto, e não obstante os apelantes tenha indicado como valor reinvestido a quantia de € 100.000,00, consideraram que a mesma não poderia ser ponderada, invocando não apenas o aludido preceito, mas também um ofício-circulado.
Assim sendo, concordando-se ou não com a fundamentação espelhada no ato, este encontra-se devidamente fundamentado.
Nestes termos, e por assim ter decidido o Tribunal a quo, a sentença recorrida deve manter-se na ordem jurídica, embora com a presente fundamentação.
Avançando.
Arguem ainda os Recorrentes que a sentença aqui criticada enferma de erro de julgamento ao não decidido que o ato impugnado não padecia do vício de violação de lei que estes lhe assacavam.
Sustentam a sua argumentação na circunstância de terem sido efetuadas por si diversas amortizações ao mútuo inicialmente contratado, pelo que estas devem ser refletidas no valor da mais-valia a calcular para efeitos de IRS.
O Tribunal a quo, convocando as normas aplicáveis ao caso, julgou improcedente a impugnação quanto a este vício, tendo ancorado a sua argumentação da seguinte forma:
“In Casu, não está em discussão o destino dado ao imóvel, i.e., a afectação do ganho obtido em novo imóvel destinado à habitação própria e permanente.
É, pois, dado assente que tanto o imóvel vendido, como o adquirido se destinaram, ambos, a habitação própria e permanente dos impugnantes.
Em causa está, apenas, a questão da exclusão de tributação dos ganhos obtidos pelos impugnantes provenientes da transmissão onerosa do imóvel em 2006, sabendo que os impugnantes manifestaram a intenção de reinvestir em imóvel adquirido anteriormente, em 07/10/2005, para o mesmo fim.
Como transparece da lei supra enunciada, à data dos factos, apenas era permitido que o valor de realização fosse utilizado no pagamento da aquisição de imóvel, desde que efetuada nos doze meses anteriores.
E, tal situação fática não resulta dos autos tal como é alegado pelos impugnantes
Com efeito, o valor de realização (leia-se, valor deduzido de eventual empréstimo contraído para a aquisição do novo imóvel), a que aludem os impugnantes, teria de ser apurado até 07/10/2006.
Ora, em 10/08/2006 os impugnantes venderam a casa da Rua …………….. pelo valor de € 287.500,00, tendo nessa data feito amortização do empréstimo contraído para adquirir esse imóvel no valor de € 127.628,89 (ponto 22 do probatório).
Restava o valor de € 159.871,11, para reinvestir.
Para a prova do valor supostamente reinvestido, trouxeram os impugnantes aos autos, duas declarações emitidas pelo Banco (B...........) que atestavam que no ano de 2007 e no ano de 2008, os impugnantes tinham procedido à amortização de valores no âmbito do empréstimo efetuado para a aquisição da habitação onde residem e que adquiriram em 07/10/2005.
Os documentos (declarações bancárias) atestam a amortização de valores durante os anos de 2007 e 2008, portanto, reportam-se à amortização do empréstimo em data posterior a 07/10/2006 e, atento o disposto na al. b) do nº 5 do art. 10º do CIRS, tal significa que tais amortizações já não cabem no âmbito da exclusão da tributação.
Note-se que, a aquisição em data anterior à venda do imóvel donde derivam os ganhos não é impeditiva da exclusão tributária, simplesmente, à data dos factos, a lei previa um prazo de apenas doze meses para o reinvestimento o que, in casu, foi ultrapassado.
A previsão legal da al. b) do nº 5 do art. 10º do CIRS, em vigor à data dos factos em presença tem como pressuposto que o valor da realização deduzido do empréstimo se tenha concretizado dentro dos 12 meses anteriores à aquisição do novo imóvel, neste sentido, v.g. acórdão do TCA Norte, de 10/03/2005, proc. 315/04 (in www.dgsi.pt).
Com efeito, da al. b), decorre que o valor de realização possa ser utilizado na aquisição de outro imóvel adquirido nos 12 meses anteriores, só isso. E, note-se, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2 do art. 9º do Código Civil).
Efetivamente, o legislador veio mais tarde a alargar tal prazo, através da Lei nº 64-A/2008, de 31/12, para vinte e quatro meses. Porém, o prazo de vinte e quatro meses só poderá aplicar-se aos factos tributários posteriores à entrada em vigor da lei, em observância ao disposto no art. 12º da Lei Geral tributária e, não à situação sub judicie, porque anterior.
De tudo o exposto, conclui-se que a tributação que é agora impugnada encontra-se em conformidade com o disposto no art. 10º, nº 5 al. b) do CIRS, com redação em vigor à data dos factos, pois os meios de prova apresentados pelos impugnantes denunciam que o reinvestimento não foi feito no tempo legal, e assim, o ato tributário sindicado deve manter-se na ordem jurídica, porque legal.”
Ora, nenhuma censura merece o aqui decidido, senão vejamos.
Comecemos por convocar o quadro legal aplicável.
De acordo com o disposto no artigo 10º do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, e na parte que aqui releva, consideram-se mais-valias os ganhos obtidos que resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
Acontece, porém, que o legislador consagrou exclusões dessa tributação. Assim, quando estejamos perante a alienação de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas determinadas condições estabelecidas no nº 5 do aludido preceito, as mesmas estão excluídas de tributação. Para que tal ocorra é necessário que:
- No prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em território português; [alínea a)]
- O valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior, desde que efetuada nos doze meses anteriores [aliena b)].
No caso da aplicação da alínea a), impende sobre o sujeito passivo a obrigação de manifestar, na sua declaração Modelo 3 de IRS do ano da alienação, a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o valor que tenciona reinvestir.
Decorre do regime exposto que tudo depende de a alienação ter ocorrido antes ou depois da aquisição do imóvel cujas mais-valias se pretendem reinvestir. Caso a alienação seja feita anteriormente, o prazo do reinvestimento é de dois anos (24 meses) contados da data da alienação do imóvel gerador de mais-valias; já se o imóvel que gerou as mais-valias foi alienado em momento posterior à aquisição da nova habitação permanente do sujeito passivo, é necessário que entre ambas não tenha mediado mais de 12 meses.
Vertendo para o caso dos autos, facilmente se retira do probatório fixado que estamos perante uma situação enquadrável na alínea b) do nº 5 do mencionado artigo 10º.
Efetivamente a aqui apelante adquire um imóvel que passou a constituir a sua habitação própria permanente no exercício de 2005, mais concretamente em 07/10/2005, pelo valor de € 536.500,00. Para fazer face a essa aquisição celebrou um contrato de mútuo com o Banco B........... no valor de € 525.000,00.
Mais tarde, em 10/08/2006, a mesma apelante aliena um imóvel que havia constituído a sua habitação própria permanente pelo valor de € 287.500,00.
Não é controvertido nestes autos, que ambos os imóveis se destinavam à habitação própria e permanente da mencionada apelante.
Do mesmo recorte probatório resulta que os apelantes pretendem beneficiar da exclusão de tributação das mais-valias resultantes da alienação do imóvel.
Acontece, porém, que tendo imóvel gerador de mais-valias sido alineado após a aquisição do imóvel onde as pretendem alocar, o regime legal aplicável será o constante da aliena b) do nº 5 do artigo 10º do CIRS, ou seja, necessário se torna que as mais-valias geradas seja aplicadas no prazo de doze meses na aquisição doutro imóvel, sendo que o prazo se conta da data da alienação.
Revertendo para o caso dos autos, e uma vez que a aquisição do novo imóvel ocorreu no dia 7/10/2005, o valor de realização (ou seja, o valor da alienação) teria de ter sido aplicado, designadamente para amortização do empréstimo contraído para a aquisição, até ao dia mesmo dia do ano de 2006.
O Tribunal a quo considerou que os Recorrentes não efetuaram a prova da aplicação daquele montante na aquisição.
Já os Recorrentes defendem que provaram terem efetuado amortizações ao aludido mútuo dentro dos prazos legais, mas sem razão.
Na verdade, e como vimos, essas amortizações do mútuo teriam de ter sido efetuadas até ao já aludido dia 07/10/2006. Ora, do probatório supra tal não resultou provado.
Senão vejamos.
Salienta-se que os Recorrentes não impugnaram a matéria de facto pelo que a mesma se tem por estabilizada.
Do confronto dos pontos 19, 20 e 21 resulta que os apelantes possuíam dois créditos hipotecários, um com o nº ………… e outro com o nº …………. No que respeita ao crédito hipotecário nº ………….– resulta assente que foi efetuada uma liquidação daquele empréstimo no valor de € 127.798,91 no dia 10/08/2006 (ponto 21 do probatório). Já no que respeita ao crédito hipotecário nº ………….resultou provado que nos anos de 2007 e de 2008, os Recorrentes procederam a amortizações do aludido crédito, através da mobilização de saldo de uma conta poupança-habitação, no montante de € 35.415,25 e € 196.542,96, respetivamente.
A primeira observação a fazer é que estamos perante dois créditos hipotecários, desconhecendo-se qual dos dois respeita ao crédito hipotecário contraído no momento da aquisição do imóvel sito na Rua …………….., nº 13. Por outro lado, do que resulta das alegações de recurso, como aliás já resultava do libelo inicial, nunca os Recorrentes fazem menção a tal facto, e muito menos esclarecem qual o crédito que respeita à aquisição do imóvel melhor identificado no ponto 1 do probatório.
A segunda observação que cumpre fazer é que no que respeita ao crédito hipotecário nº ………….. aquele ficou liquidado com o pagamento da quantia mencionada o que não teria ocorrido quanto ao crédito hipotecário contraído para efeitos da aquisição do imóvel sito na Rua …………., nº 13.
Por outro lado, e mesmo admitindo que as amortizações efetuadas ao crédito hipotecário nº …………… nos anos de 2007 e 2008, se reportavam ao mútuo contraído quando da aquisição do imóvel melhor identificado no ponto 1 do probatório, sempre as mesmas haviam sido efetuadas fora do prazo de 12 meses consagrado na alínea b) do nº 5 do artigo 10º do CIRS.
Ora, sendo certo que o ónus da prova dos factos alegados impende sobre os Recorrentes, nos termos do disposto no artigo 74º da LGT, tal como também já resultava do artigo 342º do Código Civil e não tendo os Recorrente efetuado a prova que sobre si impendia, tendo a decisão recorrida assim decidido, a mesma deverá manter-se na ordem jurídica e, consequentemente, improcedente terá de ser julgado o presente salvatério.
* CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo ao total decaimento dos Recorrentes, as custas são da sua responsabilidade. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
***
III- Decisão
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto confirmando-se a sentença recorrida.
Custa pelos Recorrentes.
Lisboa, 26 de Junho de 2025
Cristina Coelho da Silva (Relatora)
Teresa Costa Alemão
Rui A.S. Ferreira |