Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:111/18.6BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:12/13/2019
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL;
INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL
Sumário:I.O conceito de “pronúncia indevida” previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT abrange as situações de incompetência do tribunal arbitral.
II.O artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO
V.........., S.A., inconformada com a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo nº 229/2018-T, que julgou procedente a excepção dilatória de incompetência daquele Tribunal em razão da matéria, e em consequência, absolveu a Autoridade Tributária da instância, dela vem apresentar impugnação ao abrigo do preceituado nos artigos 26º e 27º, do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante apenas designado por RJAT).

Nas suas alegações, a Impugnante, V.........., S.A, formulou as conclusões seguintes:
«A) No acórdão do TCAS de 27 de Abril de 2017, proferido no processo n.º 08599/15 (Doc. n.º 3), recordou-se justamente a conclusão do Tribunal Constitucional de que “haverá de reconhecer-se que as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem deixar de estar submetidas a reapreciação por um tribunal do Estado”.
B) E no citado acórdão, n.º 177/2016, do Tribunal Constitucional (Doc. n.º 4), julgou-se inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, se interpretada no sentido de que não autorizaria a impugnação de decisão arbitral sobre a questão da própria competência do Tribunal Arbitral.

C) Se o conceito de pronúncia indevida constante da citada alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT é e tem sido interpretado (incluindo pela AT) como abrangendo as decisões em que o Tribunal Arbitral se declara competente, simétrica e coerentemente o conceito de omissão de pronúncia (constante da mesmíssima alínea) é de interpretar como abrangendo as decisões em que o Tribunal Arbitral se declare incompetente.
D) Se assim não se entender, no que não se concede, será então de concluir mutatis mutandis, na esteira do Tribunal Constitucional e do TCAS, no sentido da inconstitucionalidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na interpretação normativa de que o conceito de «omissão de pronúncia» não abrangeria a possibilidade de impugnação de decisão arbitral que declare a incompetência material do próprio tribunal arbitral, por violação concomitante dos artigos 20.º e 209.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
ii) Da ilegalidade da declaração de incompetência fundada no facto de o procedimento administrativo prévio ter sido o da revisão oficiosa
E) Sobre a incompetência suscitada pela AT nos casos em que a autoliquidação seja previamente submetida ao procedimento de revisão oficiosa, pronunciou-se já o TCAS, no processo n.º 08599/15 (Doc. n.º 3):
“Considerando aqueles preceitos legais a decisão arbitral [proferida no processo n.º 630/2014-T] concluiu pela viabilidade de apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, julgando não verificada a excepção de incompetência suscitada. Concordamos na íntegra com todo o discurso fundamentador da decisão arbitral, cuja a fundamentação aqui transcrevermos apenas em parte [pág 28]
(...)
Pelo exposto, não se verifica o fundamento "pronúncia indevida", previsto na 1.ª parte da alínea c) do art. 28.°, n.° 1 do RJAT, porquanto o tribunal arbitral" tem competência em razão da matéria para conhecer da legalidade de acto de autoliquidação que tenham sido precedido de pedido de revisão oficiosa [pág. 33]
(...)
não é pelo facto de estarmos perante um normativo de uma portaria de vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que não se poderá proceder à interpretação das normas dele constantes, por outras palavras, não ofende o princípio da legalidade tributária a interpretação de normativo da portaria de vinculação.
É que ao contrário do que alega a Impugnante não se trata de ampliar a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais, mas antes de interpretar uma norma da portaria que exclui essa vinculação [pág.36]”.
F) E o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 244/2018 (Doc. n.º 5), confirmou já que nenhuma inconstitucionalidade existe na interpretação, neste sentido, da norma do artigo 2.º, alínea a), da Portaria (n.º 112-A/2011) de vinculação. A interpretação generalizada da mesma, que foi também a do TCAS.
G) E mais acrescentou o Tribunal Constitucional, citando e subscrevendo o referido acórdão do TCAS:
“Ora, como é referido na decisão a quo, «ao contrário do que alega a Impugnante não se trata de ampliar a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais, mas antes de interpretar uma norma da portaria que exclui essa vinculação», pelo que «não se verificando uma exclusão expressa, não se poderá dizer que estamos perante uma ampliação da vinculação, mas tão-somente perante interpretação de norma de exclusão de vinculação (...)» (cfr. p. 36 do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de Abril de 2017, fls. 136).”.
H) Desenvolvendo o tema, a norma na alínea a) do artigo 2.º da Portaria de vinculação nenhuma inovação pretendeu consagrar. Limita-se a acolher a solução praticada em sede de processo judicial tributário/impugnação judicial, vertida no artigo 131.º do CPPT, através de expressa remissão para aí: sempre que se esteja perante uma autoliquidação, antes de ir para tribunal, tem de se dar oportunidade à AT para apreciar essa autoliquidação e ilegalidades que lhe sejam apontadas.
I) Este objectivo (de apreciação prévia pela AT) é aliás textualmente assumido na alínea a) do artigo 2.º da Portaria de vinculação: não se pode recorrer a Tribunal Arbitral com respeito a pretensões contra autoliquidações “que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa”.
J) O facto de o artigo 131.º do CPPT dizer que no caso da autoliquidação a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa, jamais, em décadas de aplicação desta norma, levou os Tribunais tributários a entenderem ser de excluir a apreciação de impugnações de autoliquidações precedidas de procedimento administrativo de revisão oficiosa. E a AT aceita pacificamente esta interpretação deste quadro legal para o qual remete a Portaria de vinculação.
K) Aceita, pois, a AT e toda a comunidade jurídica que lida com esta norma, o entendimento equilibrado dos Tribunais tributários de que o objectivo perseguido por esta norma é, quando se está perante autoliquidações, dar oportunidade à AT para se pronunciar previamente à impugnação judicial.
L) Donde que, para efeito da satisfação deste, e único, objectivo da norma, seja indiferente (espírito da norma) se essa pronúncia prévia da AT se dá em sede de procedimento administrativo de revisão oficiosa ou de procedimento administrativo de reclamação graciosa stricto sensu.
M) Sendo este o entendimento, velho de anos, em sede de impugnação judicial, e sendo este entendimento de há muito respeitado pela AT, não se percebe por que razão defende a AT o contrário (com a adesão da decisão arbitral que se impugna) em sede do meio alternativo da impugnação de actos de liquidação (substituto desta) que é a arbitragem tributária.
N) A arbitragem tributária é do tipo institucional. É um substituto, organizado e permanentemente disponível, do recurso aos tribunais tributários. É, pois, um regime legal de resolução alternativa de conflitos no campo dos impostos, paralelo ao processo judicial tributário. E como regime legal que é está sujeito às mesmíssimas regras interpretativas a que estão sujeitas todas as leis e normas jurídicas.
O) E uma Portaria, como um qualquer outro diploma legal, é certamente um acto de vontade e informado pela vontade do órgão competente para o emitir; mas a voluntariedade acaba aí; mal conclui a sua formação, o diploma atinge automaticamente e de imediato a maioridade plena libertando-se da tutela do seu criador e ficando sujeito às normais regras de interpretação de normas jurídicas; acresce, se por absurdo assim não se entendesse, que num sistema jurídico como o nosso, mesmo em sede de direito privado o significado dos contratos ou de negócios jurídicos unilaterais está longe de ser uma função do império da letra e dos dicionários, concorrendo aí também considerações sobre o equilíbrio dos resultados, boa-fé, abuso de direito, perspectiva sistemática, finalidade discernível das disposições, etc.
P) Não se pode, pois, tratar a Portaria n.º 112-A/2011 como propriedade da AT, imune às regras gerais de interpretação das normas jurídicas. Não o é, nem o que ali está é menos normativo do que o que se pode encontrar no CPPT ou no RJAT.
Q) Mais ainda, a Portaria de adesão à arbitragem tributária é ela própria um acto normativo, formal e substancialmente (as suas disposições são gerais e abstractas, compostas de previsão e estatuição), e no ponto que interessa aqui faz sua o que é, inquestionavelmente, mais uma norma jurídica, a constante do artigo 131.º, n.º 1, do CPPT. Pelo que são as regras de interpretação das normas jurídicas que se lhe hão-de aplicar.
R) Acresce que, como já se referiu, a questão da interpretação do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, não é privativa desta norma. Ela é muito mais antiga, e data, pelo menos, da aprovação do CPPT, onde consta o artigo 131.º do CPPT, para o qual remete o preceito da Portaria aqui em causa.
S) Donde que se tenha dificuldade em compreender como, em face do meio paralelo à impugnação judicial que é a arbitragem tributária, e perante remissão pela Portaria de vinculação à arbitragem tributária para o artigo 131.º do CPPT, se pretenda, como não podia deixar de ser, receber esta norma na arbitragem, mas rejeitar o acquis jurisprudencial que a seu propósito se formou, e que nos diz que não obstante a sua formulação não é inimpugnável o acto de liquidação precedido do procedimento administrativo de revisão oficiosa.
T) Ou seja, tendo a Portaria em causa remetido para a solução do artigo 131.º do CPPT, trazendo para a arbitragem essa norma, a AT (com a adesão da decisão arbitral que se impugna) pretende que, não obstante, não seria de acolher o acquis jurisprudencial que se formou a seu propósito e que entende que a mesma não exclui a impugnabilidade caso o procedimento administrativo prévio tenha sido o da revisão oficiosa. Não se percebe este corte: vem a norma, diz a AT, mas não vem a jurisprudência, e prática generalizada, sobre a norma.
U) A pretensão da AT, sufragada pela decisão arbitral que se impugna, contraria todo o entendimento dos nossos Tribunais Superiores (e primeiras instâncias) em face do preceito, para o qual remete a Portaria n.º 112-A/2011, constante do citado artigo 131.º do CPPT.
V) Tal pretensão, em coerência, afastaria o recurso ao próprio meio “impugnação judicial”, uma vez que mal se compreenderia que um mesmo preceito (o artigo 131.º do CPPT, directamente, e o artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, que o recepciona / que para ele remete), incluindo na sua função, tivesse interpretações opostas.
W) Esta é, pois, literalmente, uma questão de unidade do sistema jurídico.
X) E é-o não só por um prisma jurídico-formal, mas também por um prisma jurídico-material. Com efeito, atendendo-se à unidade do sistema jurídico não faz sentido que o processo matriz, o judicial tributário, possa ser usado para discutir a legalidade de actos de autoliquidação na sequência de indeferimentos de pedidos de revisão oficiosa (ou de reclamações graciosas), e o processo arbitral tributário, que tem por objectivo constituir uma opção ou alternativa paralela ao processo matriz, não possa ser usado quando em sede de autoliquidações o procedimento administrativo prévio tenha sido de um tipo (pedido de revisão oficiosa) e não de outro (reclamação graciosa).
Y) Também do ponto de vista da unidade do sistema jurídico num prisma jurídico-material, no prisma da coerência e da presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (presunção de que o legislador tem recta intenção e é justo, por oposição a arbitrário), esta exclusão não faz qualquer sentido, não se apoia em qualquer fundamento racional, antes constitui uma solução arbitrária ou, se se quiser, caprichosa. E é de presumir que o Estado, designadamente o Estado legislador, não age caprichosamente.
Z) E a interpretação pretendida pela AT contraria os objectivos da arbitragem tributária: “por um lado, reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, por outro lado imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo e, finalmente reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais”, são tudo objectivos e funções queridas pelo legislador para a arbitragem tributária (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).
AA) É incompatível com os objectivos supra referidos o entendimento de que em reacção a um indeferimento de pedido de revisão oficiosa se possa recorrer aos tribunais administrativos e fiscais para que apreciem o acto de (auto)liquidação controvertido mas já não à arbitragem tributária. Especialmente (coerência do sistema) num contexto em que perante um acto administrativo de indeferimento de uma reclamação graciosa que discuta essa mesmíssima (auto)liquidação as duas vias estão reconhecidamente abertas.
BB) Acresce que em sede de Lei de autorização legislativa em matéria de arbitragem tributária se prescreve que o processo arbitral tributário “deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial” (cfr. o artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), desiderato que ficará parcialmente amputado se se der à alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, o sentido que a AT pretende (que para ela olha como uma ilha isolada de tudo o resto, incluindo da jurisprudência que se formou a propósito de norma idêntica no CPPT) e que a decisão arbitral impugnada sufragou.
CC) É de referir que acresce ainda que o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que fez uso da referida autorização legislativa, não distinguiu [cfr. o seu artigo 2.º e 10.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b)], em consonância com o espírito e a letra da lei de autorização legislativa, entre reacção a actos administrativos de indeferimento em sede de procedimento de reclamação graciosa e em sede de procedimento de revisão oficiosa: ambos podem desencadear o recurso à arbitragem, o que está alinhado com a prescrição de que a arbitragem seja um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.
DD) E do ponto de vista da materialidade subjacente faz todo o sentido que assim seja: o que realmente se discute é a legalidade de um acto de (auto)liquidação que não deixa de ser o que é independentemente do procedimento administrativo (de apreciação do mesmo) prévio a que tenha sido sujeito.
EE) Em sentido contrário ao deste entendimento da AT e da decisão arbitral que ora se impugna, se pronunciaram já incontáveis decisões arbitrais e respectivos Senhores Árbitros, que supra se deixaram referenciadas, não se percebendo de que modo este entendimento contrário ao da AT consubstanciaria a violação dos preceitos constitucionais que vem sendo suscitada pela AT.
FF) Como se referiu supra, também o TCAS e o Tribunal Constitucional intervieram já nesta questão, nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade tendo vislumbrado na interpretação de que o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar autoliquidações precedidas de procedimento administrativo de revisão oficiosa.
GG) Conforme acima desmontado e aqui não se repetirá, é falha de sentido a acusação de violação dos princípios da legalidade, do Estado de direito, da separação de poderes, do direito de acesso à justiça e da indisponibilidade dos créditos tributários (misturada com referências ao âmbito limitado dos recursos na arbitragem tributária), caso não seja acatada a interpretação da AT (sufragada pela decisão arbitral que se impugna de que na sequência da apreciação pela AT de autoliquidação de imposto em procedimento de revisão oficiosa, não é depois possível recorrer à arbitragem tributária.
HH) Custa particularmente a engolir a acusação de violação do direito de acesso à justiça, sabendo a AT perfeitamente que o estado calamitoso da justiça nos tribunais tributários, com delonga de décadas na resolução final de qualquer caso (que a arbitragem tributária procura precisamente atenuar, conforme Lei de autorização legislativa e Decreto-Lei de execução), a favorece brutalmente a si, atribuindo-lhe na prática o exclusivo da primeira e última palavra em matéria de lei fiscal.
II) Finalmente e adicionalmente, o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, ao modificar o âmbito de aplicação da arbitragem tributária, viola a Lei habilitante (lei de autorização legislativa), e viola o artigo 112.º, n.º 5, da Constituição.
JJ) O artigo 4.º do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/2011), ao permitir que Portaria, no caso a Portaria n.º 112-A/2011, modifique o âmbito material de aplicação da arbitragem tributária por si (RJAT) delimitado (nos seus artigos 2.º e 10.º), viola a Lei habilitante, e viola o artigo 112.º, n.º 2 e n.º 5, da Constituição.
KK) Atenta a sua antinomia quer com o âmbito material de aplicação da arbitragem tributária estabelecido no RJAT, quer com o âmbito projectado na Lei de Autorização Legislativa (deve [a arbitragem tributária] constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial)], o artigo 2.º, designadamente na sua alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, deve ser interpretado de modo a fazer o menor dano possível a estas prescrições de nível hierárquico superior e seus prescritos objectivos.
LL) A redacção introduzida pela Lei n.° 64-B/2011 ao artigo 4.º do RJAT, no sentido de que a Portaria de vinculação “estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”, não pode ser interpretada como conferindo, através do uso da expressão designadamente, um cheque em branco para a Portaria em causa fazer o que quiser da delimitação material do âmbito da arbitragem tributária consagrado nos actos normativos hierarquicamente superiores, designadamente no RJAT, artigos 2.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1. Pois isso viola o artigo 112.º, n.º 5, da Constituição.
MM) Donde que, por mais esta razão, no máximo dos máximos a chamada Portaria de vinculação poderá modificar o âmbito aplicável da arbitragem tributária por referência ao tipo de litígio ou ao seu valor, não também por referência ao facto de o litígio ter sido precedido de procedimento de reclamação graciosa ou, pelo contrário, de procedimento de revisão oficiosa (com afastamento, neste último caso, da arbitragem tributária pela Portaria, na interpretação da alínea a) do seu artigo 2.0 pretendida pela AT), ou por referência a quaisquer outros factos que, por capricho ou outro motivo, a Portaria resolvesse eleger.

TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER ANULADA A DECISÃO ARBITRAL QUE, EM DESCONFORMIDADE COM A LEI, DECLAROU A INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL OMITINDO A LEGALMENTE DEVIDA PRONÚNCIA SOBRE A QUESTÃO DE MÉRITO, COM BAIXA DOS AUTOS AO CAAD PARA QUE O TRIBUNAL ARBITRAL SE PRONUNCIE PELA PRIMEIRA VEZ SOBRE O MÉRITO DO PEDIDO ARBITRAL.»

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Respondeu a Impugnada (Autoridade Tributária e Aduaneira) pugnando pela manutenção da Decisão Arbitral, nos seguintes termos:
«A. A impugnante fundamenta o seu recurso alegando que a decisão arbitral recorrida incorreu no vício de oposição dos fundamentos com a decisão previsto na alínea c) do n.º 1, do art.º 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto- Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
B. Porém, em bom rigor a AT não descortina a imputação que a ora impugnante aqui tenta, em vão, fazer à decisão em dissídio,
C. A decisão em causa decidiu procedente a excepção dilatória de incompetência daquele Tribunal em razão da matéria invocada pela Requerida,
D. Ficando prejudicado o conhecimento da questão de mérito. Com efeito,
E. A Impugnante pretendia que o douto Tribunal aderisse à sua tese assentando a mesma na chamada à colação de um acórdão deste douto Tribunal Central.
F. Acórdão esse do TCA citado onde estamos perante uma situação de pronúncia indevida.
G. O que não é aqui o caso - na situação ora em apreço apenas estamos perante uma claríssima e inelutável pronúncia de mérito, devida, e que não obnubila, ao contrário do que a Impugnante quer fazer crer, qualquer argumento.
H. Note-se que a ora Impugnante nunca fez, ao longo dos presentes autos, dos seus alvitrados argumentos uma questão, e nesse sentido já se pronunciou profícua e lapidarmente este Tribunal Superior, vide, a título meramente exemplificativo o acórdão n.º 09421/16 de 09-06-2016:
«…uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir(…) Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr. Prof. Alberto dos Reis, C.P. Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).»
I.A doutrina, já citada naquela decisão deste Tribunal, continua,
«As questões a resolver são as que constituem os fundamentos autónomos da acção e, como tal, poderão conduzir à procedência do pedido (ou dos pedidos) e as que tenham sido alegadas pela defesa como facto extintivo, impeditivo ou modificativo do direito que o autor se pretende arrogar. (…) Não pode falar-se, porém, em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não tome em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido da procedência ou da improcedência da acção; (…).» in ALMEIDA, Mário Aroso de, e CADILHA, Carlos Alberto – Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2007, p. 569.
J. Por alguma razão o Ilustre Mandatário da Requerente não se decidiu por um recurso de uniformização de jurisprudência, dada a manifesta falta de similitude factual e de direito.
K. Está patente que o que a Requerente aqui é a impugnação do mérito de uma decisão arbitral
L. Situação que, tal como é por demais consabida, não é objecto de impugnação. Com efeito,
M. Na liberdade de conformação do seu juízo, decidiu a árbitro do centro de arbitragem dar procedência à excepção invocada pela AT, aliás,
N. Em consonância com várias outras decisões exaradas naquele centro de arbitragem, por diversos árbitros, nomeadamente, aquela árbitro.
O. Ademais, sempre se relembre pedagogicamente a ora impugnante que nenhuma das decisões dos Tribunais Superiores por si trazidas à colação, têm força obrigatória geral.
P. No que concerne em concreto ao acórdão do Tribunal Constitucional continuando a didactologia, sempre se diga, finalizando, que o Tribunal Constitucional não emite pronúncias de constitucionalidade de normas e/ou interpretações jurídicas, o mesmo limita-se a declarar a inconstitucionalidade e nunca a constitucionalidade.
Q. O que significa que, per si, a decisão do Tribunal Constitucional ora junta pela impugnante, sem força obrigatória geral – sublinhe-se, não é um ratificar do entendimento da daquela e, bem assim, não é sequer uma questão.
R. Sem que aqui se vislumbre aqui qualquer omissão de pronúncia ou pronúncia indevida.
S. Chegados aqui, apenas nos apraz referir que não existiu qualquer omissão, tão só e apenas que o que sucedeu foi que as expectativas da impugnante não se concretizaram.
T. O que é por demais evidente que não consubstancia fundamento de impugnação.
U. Com efeito, mais não nos oferece dizer porquanto nem tão pouco vislumbra a AT quais os fundamentos do inexistente vício imputado à decisão sub juditio.
V. De onde se conclui que a impugnante não tem qualquer razão no fundamento que invoca, sendo claro que a decisão arbitral objecto de recurso não padece do alegado vício.
W. Sem que aqui se vislumbre aqui qualquer omissão de pronúncia ou pronúncia indevida.
X. Chegados aqui, apenas nos apraz referir que não existiu qualquer omissão ou pronúncia indevida, tão só e apenas que o que sucedeu foi que as expectativas da impugnante não se concretizaram.
Y. O que é por demais evidente que não consubstancia fundamento de impugnação.

Nestes termos, e nos demais que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser julgado totalmente improcedente a presente impugnação, mantendo-se na ordem jurídica a decisão arbitral impugnada e absolvendo-se, em conformidade, a entidade impugnada do pedido.»
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), nada disse.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. OBJECTO DA IMPUGNAÇÃO
Atentas as alegações vertidas na petição da presente Impugnação de Decisão Arbitral e, em especial, as conclusões aí formuladas, conclui-se que, no caso concreto, a questão a decidir é a de saber se o Tribunal Arbitral é materialmente competente para o conhecimento do pedido de pronúncia arbitral objecto da presente Impugnação.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na decisão impugnada fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A) A Requerente entregou no dia 31 de Maio de 2012 a sua declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2011, tendo inscrito, no campo 365 dedicado às tributações autónomas, o valor de €58.624,48;
B) O sistema informático da AT impede que se inscreva o valor relativo às taxas de tributação autónoma em IRC, deduzido, dentro das forças da colecta de IRC resultante da aplicação destas taxas, dos montantes de pagamentos especiais por conta ainda disponíveis (a começar pelos mais antigos) para abate à colecta do IRC;
C) O acto de liquidação (autoliquidação) sub judice não foi efectuado de acordo com quaisquer instruções genéricas emitidas pela AT;
D) A 3 de Fevereiro de 2016, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa contra o acto de autoliquidação de IRC acima identificado, pugnando pela aceitação da dedução do montante suportado a título de pagamento especial por conta em sede de IRC, ao montante da colecta apurado em sede de tributações autónomas;
E) A 8 de Março de 2018, a Requerente foi notificada do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado.

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.°, n.° 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Este Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos pelas Partes.»
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B. DO DIREITO
Como ponto prévio sublinharemos que o regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo Decreto-Lei n°10/2011, de 20 de Janeiro do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artigo 2º, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artigo 2º, nº.2, do RJAT).
Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artigo 16º, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.
No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.
Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.
Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artigo 25º, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.
Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço.
Este recurso é endereçado à Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artigo 152º, do CPTA.
Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in)constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.
Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artigos 27º e 28º, do RJAT) .

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artigo 6º, nº.2, al.b), do RJAT.
Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; 2-Oposição dos fundamentos com a decisão; 3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia; 4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16º, do diploma. Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artigo 27º, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artigo 28º, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artigo 125º, nº.1, do CPPT com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artigo 615º, nº.1, do CPC.
Em sede de regime da arbitragem tributária e levando em consideração a jurisprudência mais recente do Tribunal Constitucional, enquadrar-se no fundamento de pronúncia indevida consagrado no citado artigo 28.º, nº.1, al.c), do RJAT, a impugnação da decisão arbitral também com base na alegada incompetência material do Tribunal arbitral (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional 177/2016, II série do D.R. de 3/5/2016).
No caso vertente, a Impugnante apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro RJAT, com o objectivo de obter a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado e, consequentemente, do acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2011, na medida correspondente à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta efectuado em sede de IRC, no montante de €58.624,48, ou, subsidiariamente, na medida em que é indevida a liquidação de tributação autónoma.
A Administração Tributária e Aduaneira respondeu, apresentando a sua defesa por excepção e impugnação. Excepcionado invocou a excepção de incompetência material do tribunal.
O Tribunal Arbitral julgando verificada a arguida excepção dilatória, absolveu a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância. Para assim decidir, sublinhou o seguinte: «(…) tendo em conta que a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa quanto ao acto de autoliquidação de IRC e não reclamação administrativa, não se pode deixar de entender que, por força do disposto no artigo 4.° do RJAT, a AT não se encontra vinculada ao tribunal arbitral no caso em análise.
Donde, “ (...) a falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao tribunal arbitral traduz-se na imediata impossibilidade de eficácia subjectiva de um julgado que, se fosse proferido por este tribunal nas matérias excluídas, não produziria quaisquer efeitos sobre a parte que haveria de o executar, consubstanciando, portanto, falta de jurisdição, a qual é delimitada em função da matéria e, portanto, consubstancia a incompetência material deste tribunal (...) e a falta de jurisdição do tribunal para dirimir o litígio configura efectivamente a excepção dilatória da incompetência do tribunal para qualquer outra, fazendo-se, atenta a natureza arbitral do tribunal, uma leitura integrada do n.° 1 do artigo 2.° do RJAT, com o n.° 1 do seu artigo 4.° e, ainda, com o mencionado artigo 2.º da Portaria de Vinculação."
Em suma: entende-se que o artigo 2 ° da Portaria só pode ser objecto de uma interpretação literal, uma vez que se configura como uma declaração unilateral de vontade por parte da AT.
Tendo em conta os princípios gerais de interpretação constantes do artigo 9o do Código Civil, não nos parece possível interpretar o artigo 2.° da Portaria, de modo a incluir o artigo 78.° da LGT
Tal como resulta das conclusões da alegação da presente impugnação, a questão a decidir é a de saber se o Tribunal Arbitral é materialmente competente para o conhecimento do pedido de pronúncia objecto da presente Impugnação.
A questão, nestes termos suscitada, é em tudo idêntica à que foi apreciada pelo Tribunal Central Administrativo no seu Acórdão de 27.04.2017, proferido no âmbito do processo n.º 08599/15, cuja fundamentação se acolhe, pelo que se acompanhará a argumentação jurídica aí aduzida por economia de meios e tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr.artigo 8.º n.º 3 do CC).
Como se escreveu naquele aresto:
«Conforme resulta do art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta [alínea a)] e a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais [alínea b)].
Por outro lado, a competência dos tribunais arbitrais depende dos termos da vinculação da Autoridade Tributária (AT) à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos do RJAT. Com efeito, o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
Nos termos da alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011 ficam excluídas do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
Considerando aqueles preceitos legais a decisão arbitral concluiu pela viabilidade de apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, julgando não verificada a excepção de incompetência suscitada. Concordamos na íntegra com todo o discurso fundamentador da decisão arbitral, cuja a fundamentação aqui transcrevermos apenas em parte:“A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.
No caso em apreço, é pedida a anulação do acto de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2010, bem como a anulação do acto de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa.
Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.º do RJAT.
Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».
No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.
Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.
Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa.
(Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06)
A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação.
Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».(…)
A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.
É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.
Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.
Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.
Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. (Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07)
Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.
Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.
Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.
Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».
Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto e a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.
Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.
E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a soluça mais acertada.
É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa(disponível em texto integral em www.dgsi.pt)
Foi esta também a posição acolhida por este Tribunal Central Administrativo nos seus Acórdãos n.ºs 44/18.6BCLSB e 147/17.4BCLSB, respectivamente de 25.06.2019 e 11.07.2019 (ambos disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt).
Tanto basta, portanto, para que se tenha de reconhecer a competência em razão da matéria do Tribunal Arbitral para conhecer da questão que lhe foi colocada - legalidade de acto de autoliquidação que tenha sido precedido de pedido de revisão oficiosa-.
Assim, não se afigurando necessárias mais considerações, é de concluir pela procedência da impugnação.

IV.CONCLUSÕES
I.O conceito de “pronúncia indevida” previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT abrange as situações de incompetência do tribunal arbitral.
II.O artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.
V.DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo em conceder provimento à impugnação, declarar nula a decisão arbitral impugnada e ordenar a remessa dos autos ao Tribunal Arbitral para prolação de decisão de mérito, se nenhuma outra questão a tal obstar.

Sem custas.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2019

Ana Pinhol

Isabel Fernandes

Catarina Almeida e Sousa