Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 234/19.4BECTB |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 03/30/2023 |
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Relator: | ISABEL FERNANDES |
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Descritores: | IRS FACTURAÇÃO FALSA INDÍCIOS SÉRIOS |
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Sumário: | I – Nas situações em que a liquidação adicional de IRS tem por fundamento a não aceitação de custos declarados pelo contribuinte, por se considerar que as facturas em que este os pretende suportar não correspondem a operações realmente efectuadas, compete à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO
A…, melhor identificado nos autos, veio impugnar judicialmente a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto do indeferimento da reclamação graciosa da liquidação adicional de IRS do ano de 2012, na sequência da qual foi apurado imposto a pagar no valor de € 25.968,74 O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, por decisão de 23 de Novembro de 2021, julgou parcialmente procedente a impugnação judicial. Não concordando com a decisão, a Representante da Fazenda Pública, ora Recorrente, interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo que, por decisão sumária de 5 de Maio de 2022, decide julgar verificada a exceção de incompetência absoluta em razão da hierarquia, determinando que a competência para conhecer do presente recurso pertence à secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul. Nessa conformidade, a Representante da Fazenda Pública, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões: «1. Ora o alegado fornecedor J…., NIF 1…, declarou, perante duas inspetoras da DF de Évora, que as faturas emitidas ao aqui impugnante, que todas as de 2012 são falsas. onde se inclui as de A…. (cfr. a fls. 44 e verso e sgts.PAT). 2. Tais declarações prestadas de livre e espontânea vontade perante duas inspetoras da DF de Évora é um indicio bastante sério de aquelas faturas puderem não corresponder a operações a que as mesmas se reportam. 3. Mais, tendo o alegado fornecedor J…referido em auto de declarações em 13-08-2013 perante os Inspetores Tributários da Direção de Finanças de Évora (anexo I) que “As faturas emitidas são faturas de favor, falsas”. Assim, aquele fornecedor pelo que se pode verificar pela leitura do documento designado do Anexo I do RI, encontra-se fortemente indiciado como emitente de faturas falsas, porquanto mais declara que lhe roubaram do veiculo em Beja dois livros de faturas, e que foi entregue um livro de faturas ao inspector J… da Policia Judiciária de Faro e que todas as faturas de 2012 são falsas (cfr. Anexo I ao RI a fls 57 a 73 do PAT). Não é um indicio sério a que se deva dar relevância? Certamente que sim. 4. E que analisados os documentos de suporte aos registos contabilísticos e fiscais, e concluiu-se que não existir qualquer acordo prévio, na forma escrita, entre o prestador de serviços e o destinatário dos mesmos. Pelos montantes das faturas e pelo tipo de serviços descrito nas mesmas, a DF Évora concluiu que o prestador de serviços não disponha de adequada estrutura empresarial suscetível de exercer aquelas vendas e serviços. Não é indicio sério? Claro que sim. 5. Por outro lado, sujeito passivo, ora recorrido, não possui conta bancária afecta à sua atividade, nos termos do n.º 1 do art.º 63º-C da LGT (Anexo III do RI a fls. 53 verso a 59 do PAT). 6. Obrigando a lei a que o impugnante, ora recorrido, possua uma conta bancária afeta à sua atividade para controle das entradas e saídas dos seus fluxos financeiro e não a possuindo, não se controlando tais fluxos não é um indício sério? É evidente que sim. 7. Assim, afigurasse-nos que tais factos recolhidos pela AT consubstanciam indícios consistentes de que as transmissões constantes das faturas, não têm correspondência com realidade e assim sendo não se pode deixar de concluir que a AT fez prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a correção que efetuou ao desconsiderara os gastos. Isto é, a AT demonstrou, como lhe competia que, factos que conjugados entre si e apreciados à luz das regras da experiência comum, constituem indícios sérios e credíveis dos pressupostos que legitimaram a correção com fundamento de que as operações económicas tituladas pelas faturas em causa não tinham correspondência com a realidade com intuito de ficar numa situação de não pagadores ou credores de imposto, cabendo aos impugnantes, ora recorrentes, produzir prova de que tais operações efetivamente estiveram subjacentes às ditas faturas (art.º 23º do IRC, ex vido art.º 32º do CIRS) não são simuladas. (cfr. neste sentido, entre muitos outros, o Ac. TCAN de 1-3-2007, Proc. 00027/00). 8. Importando chamar à colação um excerto do Ac. do TCAS de 20-12-2011 que nesta matéria esclarece o que deveremos entender por indícios: “Deve ter-se presente que não é imperioso que a administração tributária efetue prova direta da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indireta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com auxílio das regras da experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo relacionação normal entre o indício e o tema da prova” Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência”. (negrito nosso). 9. Pelo que em face dos apontados elementos recolhidos pela AT, mormente, nas declarações de J…, em auto de declarações em 13-08-2013 perante as Inspetoras Tributárias, da Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Évora (anexo I do RI) que “As faturas emitidas em 2012 ao impugnante, são faturas de favor. E que aquele fornecedor pelo que se pode verificar pela leitura do documento designado do Anexo I do RI, encontra-se fortemente indiciado como emitente de faturas falsas e porquanto mais declara J…“que lhe roubaram do veiculo em Beja dois livros de faturas, e que foi entregue um livro de faturas ao inspector J… da Policia Judiciária de Faro e que todas as faturas de 2012 são falsas” (o que vai muito para além do caso em discussão nos presentes autos) resulta evidente que tais elementos da AT oferecem uma credibilidade inabalável, de grande consistência probatória, a que não resiste qualquer documento incoerente e inconcludente e mesmo a prova testemunhal contrariada por aqueles elementos recolhidos pela a AT (cfr. neste sentido Ac. TCAN de 11-03-2010, Proc. 02794/04). 10. Pelo que decidindo como decidiu a sentença errou de direito, errou na análise critica da prova, dos factos provados, o que deixa a mesma sem fundamentação de direito, a verdadeiro um erro de julgamento de direito, violando, a nosso modesto ver, em linha como a esmagadora maioria da jurisprudência da jurisdição tributária e aqui citada, os art.º 74º n.º 1, 75º n.º 2 da LGT e n.º 4 do art.º 607º do CPC, devendo ser revogada com as legais consequências. 11. Reafirmando-se, no plano da análise critica das provas, das ilações tiradas de factos instrumentais e da especificação os demais fundamentos decisivos para formar a sua convicção e compatibilizando toda a matéria de facto adquirida por parte do tribunal este haveria que extrair dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência, conforme decorre do n.º 4 do art.º 607º do CPC, resultando, como se disse, violado este preceito. Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida com as legais consequências com o que farão Vossas Excelências, Excelentíssimos Juízes Conselheiros, JUSTIÇA» * O Recorrido, A…, apresentou contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes: «1. O recurso em causa centra-se na questão de saber se o Tribunal “a quo” errou na análise critica da prova, e nas ilações que devem ser extraídas da matéria de facto através das regras da experiência, conforme a Recorrente assinala nas conclusões 10º e 11º o que constitui matéria de facto, de acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo. 2. Embora a Recorrente também alegue que o Tribunal “a quo” violou os arts. 74º e 75º, nº 2 da LGT, não concretiza em que medida terá ocorrido tal violação, tanto mais que a jurisprudência invocada pela Recorrente não é, no essencial, dissonante daquela em que em que se estriba a douta sentença recorrida. 3. De facto, na sentença recorrida consta expressamente o seguinte “ Conclui-se assim que a Administração Tributária não recolhe factos-índice suficientes para considerar que as transacções tituladas pelas facturas emitidas por J…, fornecedor do Impugnante, não correspondem à realidade. Logo, não é sequer de exigir que o Impugnante demonstre a veracidade das facturas.” 4. Pelo que, o que está em causa é matéria de facto e não qualquer divergência na interpretação ou aplicação dos arts. 74º e 75º da LGT. 5. Ainda que assim se não entenda, o certo é que sempre estará em causa matéria de facto: erro na análise critica da prova, e ilações que devem ser extraídas da matéria de facto através das regras da experiência. 6. Pelo que, não estando em causa, exclusivamente matéria de direito, salvo melhor opinião, o recurso deveria ter sido interposto no Tribunal Central Administrativo. QUANTO AO MÉRITO DO RECURSO 7. Tendo a Recorrente declarado nas suas alegações reproduzir a douta sentença recorrida, o certo é que na alegada reprodução suprimiu parte substancial da mesma e precisamente aquela que contém o essencial do discurso fundamentador da decisão. 8. A douta sentença recorrida explicou, ponto por ponto, as razões pelas quais os factos constantes do Relatório de inspeção tributária não constituem indícios fundados idóneos a afastar a presunção de veracidade dos documentos e registos contabilísticos do contribuinte. 9. Ora, verificou-se, como bem demonstrou a douta sentença que os alegados indícios não são consistentes, objetivos, credíveis ou sérios, como a douta sentença, ponto por ponto, reconheceu e demonstrou. 10. Na verdade como é referido na douta sentença: 1)O relatório de inspecção evidencia que a administração deu especial relevo às declarações que o sujeito passivo J…prestou no âmbito da acção inspectiva que lhe foi dirigida. Para o relatório de inspecção só foram transcritas duas afirmações que, além de não terem total correspondência literal com o teor do auto, foram ainda retiradas do seu contexto. Acresce que se desconhece quais as questões que em concreto foram colocadas pelos inspectores ao referido declarante ou sequer se lhe foram exibidas facturas, designadamente as que estão em causa nos presentes autos. A verdade é que aquelas declarações, prestadas por J…, são genéricas e não se conhece o contexto exacto em que as mesmas foram prestadas. Ademais, o declarante não é ajuramentado no âmbito do procedimento administrativo. Do próprio relatório de inspecção consta que a acção inspectiva realizada ao Impugnante visa “(…) a análise das “declarações proferidas” pelo fornecedor J… (…), no que respeita às facturas emitida em nome do Sr. A…, (…) em 2012” (cfr. ponto 8 do probatório). Ou seja, a Autoridade Tributária reconhece que esta acção inspectiva ao Impugnante tem por objectivo aquilatar da veracidade daquelas declarações relativamente às facturas emitidas em nome do Impugnante. Sendo assim, tais declarações, por si só, não têm força probatória suficiente para sustentar indício consistente de que as facturas emitidas pelo declarante ao Impugnante não têm correspondência com a realidade. 11.2) Do relatório de inspecção consta uma suposta incongruência nas facturas nos termos que que aqui se reproduzem: “Podemos observar que o valor descrito no campo “Quant.” das facturas, não coincide com o valor das toneladas descrito no campo “Designação” das mesmas facturas. O valor das toneladas no campo “Quant.” Perfaz o montante de cerca de 1450 toneladas, enquanto o valor total do campo “Designação” perfaz o montante de 2444 toneladas.”
Porém, compulsado o probatório o que se verifica é que as quantidades constantes das facturas totalizam 1306 toneladas e 444 kilogramas de lenha (cfr. pontos 1 a 5 do probatório). De facto, ao contrário do vertido no quadro constante do relatório de inspecção tributária (cfr. ponto 8 do probatório): a factura n.º 202 não se reporta à venda de 300 toneladas de lenha com cortiça mas de apenas 261,300 toneladas; a factura n.º 203 não se reporta à venda de 400 toneladas de lenha de sobro com cortiça mas de apenas 376,400 toneladas, a factura n.º 204 não se reporta à venda de 800 toneladas de lenha de sobro com cortiça mas de apenas 324,800 toneladas; a factura n.º 205 não se reporta à venda de 800 toneladas de lenha de sobro com cortiça mas de apenas 343,800 toneladas. Deste modo, considerando as quantidades que constam de cada factura e o preço por tonelada não se vislumbra qualquer incongruência nas facturas (o valor total da factura tem correspondência com os demais elementos que da mesma constam). 12.3) Consta ainda do relatório de inspecção que “Pelos montantes das facturas e pelo tipo de vendas descritas nas mesmas, concluímos que o Sr. Júlio não dispunha de capacidade técnica e de adequada estrutura empresarial susceptível de vender todos aqueles bens no final do ano de 2012 (Anexo II, fls. 1 a 5)” - cfr. ponto 8 do probatório. Ora, este indício, nos termos expostos no relatório de inspecção, configura uma mera conclusão. 13.4) Note-se que a fundamentação da liquidação tem de constar de forma expressa do próprio relatório de inspecção dado que é aí que está vertida a fundamentação do acto que é objecto de impugnação (fundamentação contextual), não sendo admitida qualquer fundamentação a posteriori. Mais, a transcrita afirmação/conclusão parece suportar-se em fls. do Anexo II ao relatório de inspecção. Porém, tais folhas respeitam apenas às facturas que foram emitidas por J… ao ora Impugnante e que foram vertidas nos pontos 1 a 5 do probatório. Embora na apreciação da audiência prévia seja mencionado no relatório que o “Sr. J… não detém qualquer propriedade para vender a sua própria lenha, não declarou à AT qualquer relação laboral com trabalhadores ou colaboradores, bem como não tinha qualquer meio de transporte de mercadorias” a verdade é que tais afirmações não estão sustentadas em qualquer suporte documental ou outro que seja parte integrante do processo inspectivo. Deste modo, tal conclusão da administração tributária carece em absoluto de pressupostos de facto. 14.5) Acresce que, tendo a administração por referência o tipo de venda e os montantes facturados para concluir pela ausência de adequada estrutura empresarial, não se pode ignorar que partiu de pressupostos de facto errados. Isto porque, como já analisado, a administração considerou quantidades de lenha vendidas que não têm qualquer correspondência com as quantidades que constam das facturas. 15.6) Outro dos indícios em que a administração suportou a sua convicção consiste na inexistência de “(…) qualquer acordo prévio, na forma escrita, entre o prestador de serviços e o destinatário dos mesmos.” (cfr. ponto 8 do probatório). Em face das regras da experiência comum, não se afigura verosímil que, neste ramo de actividade, seja uso ou prática comum a celebração de qualquer acordo escrito para a venda de lenha. 16.6) Aliás, resultou provado nos autos que ao estaleiro do Impugnante, com frequência, se deslocam pessoas para vender lenha (cfr. ponto 24 do probatório). Esta exigência de acordo escrito não se compatibiliza com o modus operandi da actividade do Impugnante, motivo pelo qual não se pode considerar este um indício de que as facturas não têm correspondência com a realidade. 17.7) De resto, a própria administração, em sede reclamação graciosa admite a pouco relevância deste indício (cfr. ponto 15 do probatório). 18.8)Por fim, a administração tributária detectou que o Impugnante não dispunha de conta bancária afecta à sua actividade, nos termos do estipulado no n.º 1 do artigo 63.º-C da LGT, e que “não efectuou o pagamento respeitante às referidas facturas nos termos do estipulado no n.º 3 do artigo 63.º-C da LGT” (cfr. ponto 8 do probatório). Decorre do n.º 3 do artigo 63.º-C da LGT (na redacção em vigor à data): “Os pagamentos respeitantes a faturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a (euro) 1000 devem ser efetuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respetivo destinatário, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto.”. De facto, esta obrigação não foi cumprida. Não obstante, este facto tal como vertido no relatório de inspecção não constitui indício de que as facturas não têm correspondência com a realidade. Se assim fosse, todos os gastos da actividade do Impugnante, de valor igual ou superior a EUR 1000,00, teriam de ser desconsiderados porquanto o respectivo pagamento não foi feito com recurso a transferência bancária, cheque nominativo ou débito directo proveniente de uma conta bancária afecta aos pagamentos e recebimentos da actividade empresarial desenvolvida pelo sujeito passivo. O verdadeiro facto indiciador de que as facturas não têm correspondência com a realidade seria a não comprovação do pagamento das facturas em apreço nos autos. 19.9) Porém, o relatório não faz qualquer referência a eventuais diligências que tenham sido feitas no sentido de verificar se mesmo não tendo o pagamento sido feito nos termos do n.º 3 do artigo 63.º-C da LGT, o pagamento tenha sido efectuado de outro modo. Só então poderia a administração concluir que o pagamento não foi efectuado (este sim verdadeiro indício de falsidade das facturas). 20.10) Tudo ponderado, constata-se que a administração tributária desconsiderou as facturas emitidas por J… em nome do Impugnante essencialmente por aquele fornecedor ter declarado que as facturas emitidas em 2012 seriam falsas, o que, como analisado não constitui indício consistente ou suficiente de que as facturas em apreço nos autos não têm correspondência com a realidade. 21.11) Conclui-se assim que a Administração Tributária não recolhe factos-índice suficientes para considerar que as transacções tituladas pelas facturas emitidas por J…, fornecedor do Impugnante, não correspondem à realidade. Logo, não é sequer de exigir que o Impugnante demonstre a veracidade das facturas. 22. Sobre todas estas observações críticas ao relatório inspetivo e à sua fundamentação, a recorrente só se pronúncia sobre alguns dos pontos sobre que tais observações incidiram (questão do depoimento de J…, e da estrutura empresarial deste e questão da conta bancaria), mas sem apreciar verdadeiramente, sopesar e ponderar os argumentos expostos na sentença que conduziram à conclusão de que no caso, a Administração Tributária não recolheu factos-índice suficientes para considerar que as transacções tituladas pelas facturas emitidas por J…, fornecedor do Impugnante, não correspondem à realidade. 23. A Recorrente Insiste no “depoimento de J….”, mas sem abordar as suas contradições, fragilidade formal, transcrição apenas parcial no RIT, impossibilidade do recorrido ter exercido o contraditório, já para não referir a falta de credibilidade e coerência da pessoa em causa. 24. É também de observar, no que respeita à alegada “testemunha” J…, em que se louva a AT, que atenta a idiossincrasia do seu carácter e as particularidades do seu depoimento, tinha a Recorrente o especial dever, caso tivesse alguma convicção na credibilidade do seu depoimento de a arrolar como testemunha no processo (esse sim verdadeiro depoimento perante o tribunal e sujeito a contraditório). 25. Seguramente que tal depoimento não resistiria ao confronto com os depoimento das testemunhas do impugnante e do impugnante e esposa, pessoa simples, de escolaridade básica que passam a vida “duro” mas cuja honestidade e sinceridade não passou despercebida a ninguém que tenha presenciado o seu depoimento prestado perante o tribunal. 26. Por outro lado, em substância, as alegadas declarações de J… não merecem qualquer credibilidade. 27. Do RIT consta a parte do auto de declarações de J…, em que a AT [Direção de Finanças de Portalegre] fundou a sua posição relativamente à imputação de que as faturas em causa seriam simuladas, que é do seguinte teor: “Em resumo, à excepção das faturas emitidas a Carnes M…. Lda, todas as outras são de favor. Mais declara que, no início de 2012 lhe roubaram do veículo ligeiro, em Beja, dois livros de faturas. Foi entregue um livro de facturas ao inspetor J… da polícia Judiciária de Faro. Todas as facturas de 2012 são falsas.” 28. Note-se que estas declarações não nomeiam expressamente as faturas em causa como falsas. Essa imputação é feita por via indireta: resulta da afirmação de que “Todas as facturas de 2012 são falsas” (donde resulta que o trecho “Em resumo, à excepção das faturas emitidas a Carnes M… Lda, todas as outras são de favor se refere a exercício anterior”), afirmação que vem na sequência da afirmação precedente de que “Mais declara que, no início de 2012 lhe roubaram do veículo ligeiro, em Beja, dois livros de faturas.” 29. Face a este texto, que é o que consta da fundamentação do ato (RIT) a única interpretação plausível é que J… quis dizer (na sua fértil criatividade inventiva) que lhe roubaram as faturas do carro e que alguém se aproveitou de tal para emitir faturas falsas. É a única leitura que faz sentido e é reforçada para de falar de faturas falsas, distinguindo-se desta forma de “faturas de favor” expressão usada acima para se referir, presumivelmente a faturas emitidas pelo próprio J… sem correspondência com a realidade para intencionalmente “favorecer” o destinatário. No sentido desta interpretação vai também a ausência de explicação para a emissão destas faturas a favor do impugnante (Foi a pedido do impugnante? Em que circunstâncias? Quando? Onde? Porquê?) 30. Só que, a tese de faturas falsas emitidas em seu nome por alguém que as “roubou” do veículo não joga com a clara correspondência entre a letra usada no preenchimento das mesmas e a letra da assinatura de J… no autos de declarações. São iguais, letra a letra. 31. Assim, é patente que o alegado “depoimento” de J…, não é verdadeiro, o que não surpreende vindo do seu autor mentiroso assumido, cujas declarações não se podem colocar -de modo algum- no mesmo patamar de credibilidade de relatos de pessoas honestas. 31. Mas, se se admitir que a interpretação que aqui se defende das declarações de J… não são as mais acertadas, o certo é que as mesmas são pelo menos uma possível interpretação das declarações em causa e louvando-se a AT nas mesmas, tinha o ónus de apresentar as declarações completas para que as mesmas pudessem ser cabalmente e sem dúvidas esclarecidas e/ou apresentar a pessoa em causa como testemunha, o que não fez. 32. Por todas as razões expostas, analisados ponto por ponto exaustivamente todos os alegados indícios fundados invocado pela AT, verifica-se que, um por um e todos no seu conjunto, se desmoronaram como um castelo de cartas. 33.Bem andou a douta sentença recorrida ao considerar que: “a Administração Tributária não recolhe factos-índice suficientes para considerar que as transacções tituladas pelas facturas emitidas por J…, fornecedor do Impugnante, não correspondem à realidade.” 34. Por outro lado, fugindo da apreciação concreta das certeiras observações críticas da douta sentença ao relatório inspetivo como o diabo da cruz, a recorrente não diz uma palavra sobre o alegado indício de suposta incongruência das faturas que a sentença de mostra não existir. 35. Do mesmo modo e nesta sequência, não se pronúncia sobre a falta de fundamentação no RIT do alegado indício consistente na ausência de capacidade técnica e de adequada estrutura empresarial do Sr. J… para fornecer os bens em causa. 36. Nem pela invalidade de tal alegado indício à luz da AT ter considerado quantidades de lenha vendidas que não têm qualquer correspondência com as quantidades que constam das faturas. 37. Cabe pois questionar a Recorrente qual a razão porque, entendendo que o Tribunal errou na “análise crítica da prova” (cfr. nºs 10º e 11º das conclusões de recurso), não apresenta, em substância, qualquer argumentação crítica às conclusões da sentença sobre os alegados indícios constante do relatório que considere e pondere as razões indicadas na sentença para chegar às conclusões a que chegou. 38.Porque não refuta a recorrente, os erros, ilegalidade e insuficiências, concretamente apontados ao relatório inspetivo? 39. Tal só pode dever-se a não ter qualquer argumento válido que questione, com consistência, as razões apontadas na douta sentença, que é sábia, ponderada e está devidamente fundamentada. 40. E claramente por não ter tais argumentos nesta sede de “análise critica da prova”, a recorrente enveredou pela via de aparente discussão de matéria de direito, matéria sobre a qual, na realidade, não existe qualquer discórdia. 41. Sem prejuízo do que se expôs sempre se dirá que não ocorreu qualquer violação dos arts. 74º e 75º da LGT e das regras do ónus da prova, uma vez que o que emerge da sentença é que tendo em conta a prova produzida e o que consta do relatório, bem como o que dele não consta e não consta, (porque à AT não conviu que constasse ) o tribunal concluiu, corretamente, pela inexistência de indícios fundados, a que se refere o art. 75º, nº 1, al. a), da LGT. 30. A sentença é correta, justa e sábia, quer na apreciação da prova produzida, quer na aplicação do direito, não merece qualquer reparo e deve manter-se, assim de fazendo, JUSTIÇA.»
* O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer de improcedência do recurso.* Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão. * II – FUNDAMENTAÇÃO - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «Com interesse para a decisão da causa dão-se como provados os seguintes factos: 1. Em 27.09.2012, J… emitiu a factura n.º 202, referente à venda de 261.300 toneladas de lenha com cortiça, pelo preço de EUR 10.452,00 acrescido de IVA no montante de EUR 2.403,96 - cfr. factura de fls. 131 do processo em suporte informático. 2. Em 02.11.2012, J… emitiu a factura n.º 203, referente à venda de 376.400 toneladas de lenha de sobro com cortiça, com o preço unitário de EUR 40,00, pelo valor total de EUR 15.056,00 acrescido de IVA no montante de EUR 3.462,88 - cfr. factura de fls. 133 do processo em suporte informático. 3. Em 16.11.2012, J… emitiu a factura n.º 204, referente à venda de 324.800 toneladas de lenha de sobro com cortiça, com o preço unitário de EUR 40,00, pelo valor total de EUR 12.999,00 acrescido de IVA no montante de EUR 2.988,16 - cfr. factura de fls. 131 do processo em suporte informático. 4. Em 30.11.2012, J... emitiu a factura n.º 205, referente à venda de 343.800 toneladas de lenha de sobro com cortiça, com o preço unitário de EUR 40,00, pelo valor total de EUR 13.752,00 acrescido de IVA no montante de EUR 3.162,96 - cfr. factura de fls. 134 do processo em suporte informático. 5. Em 23.11.2012, J... emitiu a factura n.º 206, referente à venda de 144 toneladas de lenha de azinho, com o preço unitário de EUR 40,00, pelo valor total de EUR 8.640,00 acrescido de IVA no montante de EUR 1.987,20 - cfr. factura de fls. 134 do processo em suporte informático. 6. Em 13.08.2013 J... prestou declarações junto dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Évora, tendo declarado, além do mais, o seguinte: “Em resumo à excepção das facturas emitidas a Carnes M…, Lda, todas as outras são de favor. Mais declara que no início de 2012 lhe roubaram do veículo [ilegível], em Beja, dois livros de facturas. Foi entregue um livro de facturas ao Inspector João [ilegível] da polícia judiciária de Faro. Todas as facturas de 2012 são falsas.” - cfr. auto de declarações de fls. 117 e 118 do processo em suporte informático. 7. Em 13.06.2016 o Impugnante apresentou, na Direcção de Finanças de Portalegre, requerimento pelo qual se pronunciou em audiência prévia tendo arrolado oito testemunhas - cfr. requerimento de fls. 176 a 180 do processo em suporte informático. 8. Em 13.06.2016 a inspectora responsável dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Portalegre elaborou o “Relatório de Inspecção Tributária”, cuja cópia aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente: (…) (IMAGEM, original nos autos)
(…) (IMAGEM, original nos autos)
(…)” - cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 101 a 112 do processo em suporte informático. 9. Em 29.07.2016 o Director de Finanças de Portalegre exarou o seguinte despacho sobre o relatório identificado no ponto anterior do probatório: “Concordo, com o teor da informação que antecede, bem como com o parecer que sobre ela recaiu, pelo que, com os mesmos termos e fundamentos, fixo o rendimento colectável, do exercício em apreço em EUR 103.912,05, de harmonia com o disposto no art.º 65.º, do CIRS. (…)” - cfr. despacho exarado na primeira página do relatório de inspecção de fls. 101 a 112 do processo em suporte informático. 10. Em 09.08.2016 foi emitida, em nome do Impugnante, a liquidação adicional de IRS, do ano de 2012, no valor de EUR 35.640,70, pela qual, após acerto de contas, foi apurado imposto a pagar no montante de EUR 25.968,74 - cfr. liquidação adicional, demonstração de liquidação de juros e demonstração de acerto de contas de fls. 197, 198 e 199 do processo em suporte informático. 11. Em 11.01.2017 o Impugnante apresentou relamação graciosa da liquidação adicional de IRS do ano de 2012 - cfr. reclamação de fls. 185 a 195 do processo em suporte informático. 12. Em 17.04.2017 o Director da Direcção de Finanças de Portalegre exarou o seguinte despacho sobre a informação elaborada pelo técnico responsável em 12.04.2017: “Concordo, notifique-se para efeitos do exercício do direito de participação, previsto no art.º 60.º da LGT.” - cfr. despacho exarado na primeira página da informação de fls. 219 a 231 do processo em suporte informático. 13. Em 17.04.2017 foi enviado, em correio postal registado, o ofício destinado a notificar o Impugnante para se pronunciar em sede de audiência prévia - cfr. ofício e registo postal de fls. 232 a 234 do processo em suporte informático. 14. Em 05.05.2017 deu entrada na Direcção de Finanças de Portalegre o requerimento pelo qual o Impugnante se pronuncia em sede de audiência prévia - cfr. comprovativo de entrega e requerimento de fls. 235 a 237 do processo em suporte informático. 15. Em 09.05.2017 o técnico responsável da Direcção de Finanças de Portalegre elaborou, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, a informação que aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente: (…) Ora, verifica-se que a IT recolheu indícios ponderosos no sentido de que as facturas não titulam compras efectivamente realizadas, o que foi devidamente evidenciado no relatório de inspecção. 16. Em 11.05.2017 o Director da Direcção de Finanças de Portalegre exarou o seguinte despacho sobre a informação identificada no ponto anterior do probatório: “Concordo, com o teor da informação em anexo, bem como com o parecer que sobre ela recaiu, pelo que, com os mesmos termos e fundamentos, determino o indeferimento do presente procedimento gracioso de reclamação, na medida em que o relatório da IT demonstra que as facturas em causa não titulam compras efectivamente realizadas e o interessado não juntou qualquer documento comprovativo do contrário. (…)” - cfr. despacho exarado na primeira página da informação de fls. 238 a 247 do processo em suporte informático. 17. Em 11.05.2017 foi enviado, em correio postal registado, o ofício destinado a notificar o Impugnante do despacho de indeferimento proferido no âmbito do procedimento de reclamação graciosa - cfr. ofício e registo postal de fls. 249 e 250 do processo em suporte informático. 18. Em 09.06.2017 deu entrada na Direcção de Finanças de Portalegre o recurso hierárquico apresentado pelo Impugnante - cfr. recurso hierárquico de fls. 253 a 272 do processo em suporte informático. 19. Em 19.02.2019 o técnico responsável da Divisão de Administração da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares elaborou, no âmbito do procedimento de recurso hierárquico, a informação n.º 150/19, que aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente: “(…) 16. No âmbito do referido procedimento inspectivo, em sede de IRS destacaram-se as seguintes situações: a. As facturas emitidas pelo fornecedor Sr. J… respeitam a venda de lenha de sobro com cortiça e lenha de azinho (não estando o fornecedor enquadrado nesta actividade) conforme quadro infra: b. Constatou-se que não existiu qualquer acordo prévio na forma escrita entre o prestador de serviços (Sr. J…) e o destinatário dos mesmos (o recorrente), houve omissão de meios de pagamento e de documentos de transporte de talões de pesagem. 21. Em 19.02.2019 foi enviado, em correio postal registado, o ofício destinado a notificar o Impugnante do despacho de indeferimento do recurso hierárquico - cfr. ofício de fls. 286 e 287 do processo em suporte informático. 22. Em 11.05.2019 o Impugnante apresentou neste Tribunal, via SITAF, a petição inicial dos presentes autos - cfr. comprovativo de entrega de fls. 1 a 3 do processo em suporte informático. 23. A actividade do Impugnante consiste na compra de lenha para posterior revenda em bruto ou cortada em sacos (para venda em superfícies comerciais) e para transformação em carvão e venda do mesmo - cfr. depoimento das testemunhas A…, A…, V…, E… e declarações de parte do Impugnante. 24. É frequente a deslocação de pessoas (particulares ou empresários) ao estaleiro do Impugnante para negociar a venda de lenha - cfr. depoimento das testemunhas A…, Ana M…, V…, E…. e declarações de parte do Impugnante.» * Factos não provados «Não existem quaisquer factos com relevo que importe fixar como não provados.» * Motivação da decisão de facto «A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada assentou na análise da documentação constante do processo administrativo e dos autos conforme discriminado supra no probatório. A matéria de facto provada constante dos pontos 1 a 5 do probatório resulta da análise das facturas que constam a fls. 131, 133 e 134 do processo em suporte informático. Compulsadas as referidas facturas verifica-se que a linha que separa as colunas referentes à quantidade e à designação foi utilizada pelo emitente como se de uma vírgula se tratasse, referindo-se os três dígitos que constam do campo “Quant.” a toneladas e os três dígitos imediatamente seguintes, que constam do campo “Designação” a quilogramas. Tanto assim é que o preço unitário multiplicado pelas quantidades assim consideradas resulta no preço total da factura. A factualidade assente nos pontos 23 e 24 do probatório resulta da prova testemunhal produzida nos autos. A…, que exercia as funções de motorista para o Impugnante no período em apreço nos autos (desempenhou tais funções no período compreendido entre os anos de 2008 a 2017), prestou depoimento de forma espontânea e objectiva. Em sentido coerente com aquele, também E… que trabalhou no período em análise nos autos para o Impugnante (trabalho que desempenhou até há cerca de dois anos), prestou depoimento de forma clara e sem hesitações. Por sua vez a testemunha V…, empresário na área da agricultura e florestas, relatou o conhecimento que tem da actividade do Impugnante por já ter negociado com o mesmo há cerca de 10/15 anos. Por fim, a testemunha A…prestou depoimento que, no referente à factualidade provada, foi considerado credível. Pese embora a referida testemunha seja cônjuge do Impugnante e por isso tenha um natural interesse no desfecho dos presentes autos, a verdade é que quanto ao modo de funcionamento da actividade do marido, a mesma foi coerente com as demais testemunhas (relativamente às quais inexiste qualquer vínculo de dependência com o Impugnante). No que concerne às declarações do Impugnante foram as mesmas consideradas e valoradas na parte vertida no probatório já que se mostram também coerentes com os demais depoimentos prestados em juízo e, por isso, consistentes.»
- De Direito Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Está em causa, nos presentes autos, a legalidade da liquidação adicional de IRS efectuada pela AT na sequência de procedimento inspectivo referente ao ano de 2012. A Fazenda Pública, ora Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou procedente a impugnação judicial e anulou a liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2012. Lidas as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente verifica-se que vem invocado erro de julgamento de direito e erro na apreciação crítica da prova. A liquidação impugnada resultou de acção inspectiva efectuada ao Recorrido na sequência de declarações proferidas, perante a AT, pelo fornecedor J…, no sentido de que todas as facturas por si emitidas no ano de 2012 eram falsas. As facturas em causa respeitam ao fornecimento de lenha e foram consideradas pela AT como sendo falsas, por não corresponderem a operações efectivamente realizadas, pelo que foi efectuada correcção aos gastos correspondentes e declarados pelo Recorrido. A sentença recorrida deu razão ao Impugnante na medida em que entendeu que a AT não recolheu factos-índice suficientes para considerar que as transacções tituladas pelas facturas emitidas por J…, fornecedor do Recorrido, não correspondem à realidade, pelo que anulou a liquidação impugnada, na parte correspondente à matéria colectável proveniente da correcção das facturas falsas. Vejamos, então. A Fazenda Pública, ora Recorrente, assaca à sentença recorrida erro de julgamento de direito, o qual, no seu entender, se reconduz ao erro na análise crítica da prova, já que entende, contrariamente ao decidido, que os factos recolhidos pela AT consubstanciam indícios consistentes de que as transmissões constantes das facturas não têm correspondência com a realidade e assim sendo não se pode deixar de concluir que a AT fez prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a correcção que efectuou ao desconsiderar os gastos. Não se descura que a Recorrente invoca a violação, por parte da sentença recorrida, dos artigos 74º e 75º nº2 da LGT, porém, da leitura das conclusões recursivas e das respectivas alegações, não se descortina em que medida entende a Recorrente que tenham sido violadas tais normas legais. A discordância da Recorrente prende-se, apenas, com a circunstância de a sentença recorrida ter considerado não ter a AT recolhido factos-índice suficientes para considerar que as transacções tituladas pelas facturas emitidas por J…, fornecedor do Recorrido, não correspondiam à realidade. Vejamos, então. Comecemos por dizer que não vem impugnada a matéria de facto, pelo que se encontra a mesma estabilizada. Como supra vimos, as correcções efectuadas pela AT, e que estiveram na origem da liquidação adicional de IRS impugnada, prendem-se com a desconsideração de um conjunto de facturas emitidas por J…, fornecedor do Recorrido, em virtude de aquele ter declarado, perante a AT, que as facturas por si emitidas no ano de 2012 eram falsas. O Tribunal a quo entendeu que a declaração do fornecedor era insuficiente para que se considerasse indício de que as facturas em causa não tinham correspondência com a realidade. A sentença recorrida, depois de fixar a factualidade relevante, enquadrou o regime legal pertinente, tendo concluído que a AT, para desconsiderar as facturas em apreço, não se encontra obrigada a provar a falsidade das mesmas mas, somente, a recolher indícios fundados de que as facturas não espelham a realidade – alínea a) do nº1 do artigo 75º da LGT. Mais referiu que, por aplicação das regras do ónus da prova previstas no artigo 74º da LGT, incumbe à Administração Tributária demonstrar que estão preenchidos os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de provar a existência de factos que de forma coesa e com uma probabilidade elevada indiciam que as operações tituladas pelas facturas não correspondem à realidade. Uma vez feita tal prova, incumbirá ao sujeito passivo a prova efectiva de que as operações são reais. Dissente a Recorrente da sentença recorrida por entender que, contrariamente ao ali decidido, a Administração Tributária fez prova dos pressupostos da tributação uma vez que a sua actuação se baseou na existência de indícios sérios de que as facturas constantes da contabilidade do Recorrido não consubstanciam quaisquer operações reais. Na óptica da Recorrente, a sentença recorrida errou na análise crítica da prova, já que considera que os indícios recolhidos no RIT, e cuja realidade subjacente foi dada como provada, são mais do que suficientes, sérios e fundados, traduzindo uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais, pelo que o ónus da prova da materialidade das operações recai sobre o impugnante. Sustenta a Recorrente, em abono da sua tese, que o fornecedor J… declarou, perante duas inspectoras da DF de Évora, que as facturas emitidas ao Recorrido, que todas as de 2012 são falsas, onde se inclui as de A…. E que a circunstância do dito fornecedor ter declarado que as facturas emitidas são facturas de favor, são falsas, constitui indício sério a que se deve dar relevância. Mais refere que, da análise efectuada aos documentos de suporte aos registos contabilísticos e fiscais se concluiu não existir qualquer acordo prévio, na forma escrita, entre o prestador de serviços e o destinatário dos mesmos. E acrescenta que, pelos montantes das facturas e pelo tipo de serviços descrito nas mesmas, a DF de Évora concluiu que o prestador de serviços não dispunha de adequada estrutura empresarial, susceptível de exercer aquelas vendas e serviços. Refere, por outro lado, o facto de o Recorrido não possuir conta bancária afecta à sua actividade, nos termos da lei, constitui indício sério. Relativamente à falta de inquirição das testemunhas arroladas pelo sujeito passivo em sede de audiência prévia, entende que a AT não estava obrigada a realizar essa diligência, uma vez que o ónus da prova cabia ao Recorrido. É sabido que, em sede de procedimento administrativo tributário, incumbe à Administração Tributária a prova dos factos constitutivos do acto administrativo, ou seja, compete à entidade fiscalizadora aquilatar e indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, porquanto, o procedimento só pode dar origem a uma liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a plena convicção da existência e conteúdo do facto tributário. Tenhamos, por isso, presente o princípio da verdade material, ínsito nos artigos 50.º, do CPPT e nº1 do artigo 58.º da LGT. Com efeito, na medida em que o contribuinte goza da presunção de verdade da sua declaração, nos termos do preceituado no nº1 do artigo 74.º da LGT, compete à Administração Tributária, no caso de com aquela não concordar, o ónus da prova dos pressupostos legais da sua actuação, in casu a demonstração de que os indícios por si recolhidos no decurso da acção inspectiva são sérios e suficientes para concluir pela inexistência ou simulação de uma relação económica que sustente as facturas em apreço. Nessa medida, tem a Administração Tributária o dever de averiguar e reunir indícios conducentes ao afastamento da declaração apresentada pelo contribuinte, ou melhor, factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. Saliente-se que não é exigível que a Administração Tributária efectue uma prova directa da simulação. O que significa que, cumprindo a Administração Tributária aquele ónus, e ilidindo, desse modo, a presunção de veracidade da declaração do sujeito passivo consagrada no referido artigo 74.º, n.º 1 da LGT, passa a competir a este o ónus da prova da realidade subjacente à factura, por forma a infirmar os indícios recolhidos pela entidade fiscalizadora. Como vimos, a sentença recorrida fundamentou a sua decisão de procedência da impugnação judicial na falta de recolha, pela AT, de factos-índice suficientes para considerar que as transacções tituladas pelas facturas emitidas por J…, fornecedor do Recorrido, não correspondiam à realidade. Para tanto, a sentença recorrida procedeu a uma análise pormenorizada dos indícios elencados pela AT, no RIT, nos seguintes termos: Quanto ao teor do depoimento prestado pelo fornecedor J…, referiu que, para além de no RIT não constar o teor integral do mesmo, a verdade é que aquelas declarações são genéricas e não se conhece o contexto exacto em que as mesmas foram prestadas. Ademais, o declarante não é ajuramentado. A AT reconhece que esta acção inspectiva (efectuada ao ora Recorrido) tem por objectivo aquilatar da veracidade daquelas declarações relativamente às facturas em nome do Impugnante. Sendo assim, tais declarações, por si só, não têm força probatória suficiente para sustentar indício consistente de que as facturas emitidas pelo declarante ao Impugnante não têm correspondência com a realidade. Em sede recursiva a AT não logra rebater a conclusão a que se chegou na sentença, no que toca ao depoimento prestado pelo fornecedor F… . Pelo contrário, limita-se a afirmar, mais uma vez, que a mera existência do depoimento em causa é indício suficiente. No entanto, não podemos acompanhar a sentença recorrida quanto ao facto de o declarante/fornecedor não estar ajuramentado. É que tal circunstância não releva tendo em conta o tipo de depoimento prestado – perante a AT -, já que não tinha que o ser. Diferente seria se o depoimento tivesse sido prestado perante o Tribunal. No mais, concordamos com a posição assumida na sentença recorrida, relativamente ao referido depoimento. Efectivamente, analisado o teor do depoimento do fornecedor, como consta no ponto 6) do probatório, verifica-se que no mesmo não se referem, em concreto, as facturas emitidas ao ora Recorrido. Apenas se faz menção, genericamente, ao universo de facturas relativas ao ano de 2012, sem nenhuma referência ao Recorrido, ou às facturas emitidas em seu nome. Acresce que não há notícia nos autos de ter o fornecedor F… sido confrontado com as facturas emitidas ao Recorrido, ou que lhe tenha sido perguntado quanto às transacções de lenha com aquele. O que se constata é que foi um depoimento genérico, sem concretização alguma no que respeita ao ora Recorrido. Isto significa que o depoimento em causa, por si só, é insuficiente como indício sério e objectivo capaz de abalar a presunção de veracidade dos elementos e registos contabilísticos do Recorrido. Ou seja, sem outros indícios, o depoimento do fornecedor não se pode considerar relevante e apto à prova a cargo da AT. Prossigamos. Invoca, por outro lado, a Recorrente, que não foi encontrado nenhum acordo escrito, nos documentos de suporte aos registos contabilísticos, referente ao conteúdo das facturas reputadas como falsas. A sentença recorrida, relativamente a este aspecto, considerou o seguinte: “Em face das regras de experiência comum, não se afigura verosímil que, neste ramo de actividade, seja uso ou prática comum a celebração de qualquer acordo escrito para a venda de lenha. Aliás, resultou provado nos autos que ao estaleiro do Impugnante, com frequência, se deslocam pessoas para vender lenha (cfr. ponto 24 do probatório). Esta exigência de acordo escrito não se compatibiliza com o modus operandi da actividade do Impugnante, motivo pelo qual não se pode considerar este um indício de que as facturas não têm correspondência com a realidade. De resto, a própria administração, em sede (de) reclamação graciosa admite a pouca relevância deste indício (cfr. ponto 15 do probatório). Recordemos que as facturas em questão, reputadas como falsas pela AT, dizem respeito à compra e venda de lenha. Para a sentença recorrida, a actividade de compra e venda de lenha, concretamente o tipo de negócio do Recorrido, não se compatibiliza com a existência de acordo escrito, asserção que levou à desconsideração de tal omissão como indício de que as facturas não tinham correspondência com a realidade. Ora, a Recorrente nada vem dizer que permita colocar em causa esta conclusão da sentença, limitando-se a afirmar, de modo conclusivo, que a falta de acordo escrito constitui indício suficiente. Assim sendo, não logrando a alegação de recurso abalar o decidido, e por concordarmos com o entendimento preconizado na sentença recorrida, improcede este concreto fundamento do recurso. Alega a Recorrente que a DF de Évora concluiu, pelos montantes das facturas e pelo tipo de serviços descrito nas mesmas, que o prestador de serviços não dispunha de adequada estrutura empresarial capaz de exercer aquelas vendas e serviços. Quanto a este aspecto, a sentença recorrida entendeu que: “(…) este indício, nos termos expostos no relatório de inspecção, configura uma mera conclusão – note-se que a fundamentação da liquidação tem de constar de forma expressa do próprio relatório de inspecção dado que é aí que está vertida a fundamentação do acto que é objecto de impugnação (fundamentação contextual), não sendo admitida qualquer fundamentação a posteriori. Mais, a transcrita afirmação/conclusão parece suportar-se em fls. do Anexo II ao relatório de inspecção. Porém, tais folhas respeitam apenas às facturas que forma emitidas por J...ao ora Impugnante e que forma vertidas nos pontos 1 a 5 do probatório. Embora na apreciação da audiência prévia seja mencionado no relatório que o “Sr. J… não detém qualquer propriedade para vender a sua própria lenha, não declarou à AT qualquer relação laboral com trabalhadores ou colaboradores, bem como não tinha qualquer meio de transporte de mercadorias” a verdade é que tais afirmações não estão sustentadas em qualquer suporte documental ou outro que seja parte integrante do processo inspectivo. Deste modo, tal conclusão da administração tributária carece em absoluto de pressupostos de facto.” Não vislumbramos razões para alterar o assim decidido. A Recorrente mais não faz do que repetir a afirmação, conclusiva, que consta do RIT, o que não é suficiente para colocar a conclusão a que chegou a sentença recorrida, pelo que improcede a alegação recursiva. E a verdade é que o Anexo II ao RIT, em que se alicerça a conclusão de que o fornecedor não tinha adequada estrutura empresarial, apenas contém cópia das facturas emitidas ao Recorrido, não se descortinando como, da mera análise das facturas, se possa concluir que inexistia adequada estrutura empresarial. Mas mais, da análise da documentação junta aos autos e constante do PAT, nenhum documento ou diligência permite a conclusão de que o fornecedor em causa não possuía terrenos em seu nome, como afirmado pela AT. Sendo certo que, mesmo que se comprovasse tal asserção, sempre poderia o fornecimento ter origem em propriedades arrendadas, ou alvo de comodato, ou mesmo ser o fornecedor mero intermediário. A Recorrente afirma que o facto de o Recorrido não possuir conta bancária afecta à actividade constitui indício sério. Não tem razão. Por um lado, consta do RIT, a que corresponde o ponto 8) do probatório, que o Recorrido regista as operações de compra e venda na conta “SNC 514- Conta Particular”, o que significa que é possível controlar as operações. Embora tal situação possa não estar de acordo com o regime legal (nº3 do artigo 63º-C da LGT), não significa que se possa considerar indício sério de utilização de facturação falsa, pois que os movimentos se encontram registados contabilisticamente. Por outro lado, referiu a sentença recorrida o verdadeiro facto indiciador de que as facturas não têm correspondência com a realidade seria a não comprovação do pagamento das facturas em apreço nos autos. Porém, o relatório não faz qualquer referência a eventuais diligências que tenham sido feitas no sentido de verificar se mesmo não tendo o pagamento sido feito nos termos do nº3 do artigo 63º-C da LGT, o pagamento tenha sido efectuado de outro modo. Só então poderia a administração concluir que o pagamento não foi efectuado (este sim o verdadeiro indício de falsidade das facturas). Comecemos por dizer que não acompanhamos a sentença na afirmação de que o verdadeiro facto indiciador de que as facturas não têm correspondência com a realidade seria a não comprovação do pagamento das facturas em apreço nos autos. É que nem sempre a demonstração do pagamento afasta a caracterização de determinada factura ou transacção como sendo falsa. Casos há em que se prova todo o circuito documental do pagamento entre o contribuinte e os seus fornecedores e, ainda assim, não se pode extrapolar para a demonstração do fluxo comercial e financeiro inerente às transacções postas em causa. Isto dito, de notar que, no RIT, não se considerou que o pagamento das facturas em causa não tenha sido efectuado pelo Recorrido. O que ali se disse, e que é bem diferente, é que o pagamento não tinha sido efectuado de acordo com o preceituado no nº3 do artigo 63º-C da LGT. Por outro lado, convém referir que o Recorrido, em sede de audiência prévia no âmbito da inspecção, arrolou testemunhas para demonstrar a veracidade das suas afirmações, as quais não foram ouvidas pela AT. Do que nos parece, é a esta diligência, de inquirição das testemunhas, que a sentença faz referência, quando afirma “o relatório não faz qualquer referência a eventuais diligências que tenham sido feitas no sentido de verificar se mesmo não tendo o pagamento sido feito nos termos do nº3 do artigo 63º-C da LGT, o pagamento tenha sido efectuado de outro modo”. Ou seja, diligências requeridas pelo sujeito passivo, que se destinavam a fazer prova das suas declarações. Não foi, assim, dada a possibilidade ao Recorrido, de demonstrar a veracidade das suas declarações, nomeadamente de que os pagamentos tinham sido realizados em dinheiro, sendo que era ao sujeito passivo que cabia este ónus e não à AT, contrariamente ao que se disse na sentença recorrida. Mais uma vez se verifica que a Recorrente nada vem dizer que permita colocar em causa o decidido, pelo que improcede a sua argumentação. Concluímos, pois, como a sentença, que não foram reunidos, pela AT, indícios sérios e suficientes para abalar os registos contabilísticos do Recorrido, não logrando a alegação recursiva infirmar o entendimento ali vertido. Atento o supra exposto, deve ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, que bem decidiu. III – DECISÃO Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. Registe e notifique. Comunicações necessárias. Lisboa, 15 de Março de 2023 Isabel Vaz Fernandes Catarina Almeida e Sousa Maria Cardoso |