Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:617/08.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/30/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRS
ADIANTAMENTO POR CONTA DE LUCROS
SUPRIMENTOS
PROVA
Sumário:I - Não é admissível a junção, em sede de recurso, de documento relativo a facto ocorrido antes da propositura da impugnação, nunca antes invocado, que não é de conhecimento oficioso e que não resulta de qualquer decisão não expectável proferida pelo Tribunal a quo, ainda que tal documento tenha sido emitido depois da prolação da sentença.
II - Perante a aplicação do disposto no n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, compete, num primeiro momento, à AT, demonstrar os pressupostos da sua atuação.
III - Demonstrados tais pressupostos, cabe ao contribuinte o ónus da prova de que os valores em causa não corresponderam a lucros ou seu adiantamento, dado que a presunção constante da referida disposição legal é uma presunção iuris tantum.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

J… e A… (doravante 1.ºs Recorrentes ou Impugnantes) e a Fazenda Pública (doravante 2.ª Recorrente ou FP) vieram recorrer da sentença proferida a 15.02.2022, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada pelos primeiros, que teve por objeto o ato de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), referente ao ano de 2003.

Nas suas alegações, os 1.ºs Recorrentes concluíram nos seguintes termos:

“A. O presente recurso tem por objeto reagir contra a decisão proferida nos autos de impugnação judicial identificados à margem, na parte em que decidiu no sentido da não anulação do ato liquidação adicional de IRS nº 2007 50…………. e juros compensatórios, que vem impugnado, mantendo a qualificação como adiantamentos por conta dos lucros, os montantes pagos ao Recorrido, de € 798.623,54 e € 117.323,68, recebidos da I…. e da QUINTA DO M…..

B. Com o fundamento de que o ora recorrente não ilidiu a presunção constante do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, tendo ficado demostrado que, embora existindo contrato de suprimento entre aquele e as sociedades I… e da QUINTA DO M…, os montantes recebidos têm a natureza de rendimento, ao abrigo do artigo 5.º, n.º 1, alínea h) do CIRS.

C. Não pode o ora recorrente conformar-se com o assim decidido, por ter sido inequivocamente provado que não se encontram preenchidos os pressupostos para acionamento da presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, subsumindo-se os montantes ao artigo 5º, nº 1, alínea h) do CIRS.

D. Para o efeito, a sentença recorrida conclui que, neste caso, estamos perante “mútuos não comprovados" pese embora ter sido comprovado que os suprimentos foram efetivamente prestados, ainda que o hajam sido mais tarde.

E. Neste sentido, embora estejam documentalmente provadas nos autos as entradas de valores provenientes das contas bancárias dos anteriores sócios, e hajam todas as testemunhas ouvidas confirmado essas entradas, ainda assim, conclui erradamente, com a devida vénia, a sentença recorrida pela procedência da correção, o que não se pode aceitar face à prova documental e testemunhal produzida e aos factos provados quanto a ambas as empresas I… e QUINTA DO M….

F. Com feito, a sentença recorrida reconhece expressamente que em 21.05.2002, foi outorgada escritura pública de cessão de quotas, nomeação de gerentes e alteração parcial do contrato, onde intervieram J…, R… e o Impugnante na qual, designadamente, o ora recorrente adquiriu juntamente com o seu irmão, as quotas representativas do capital social da sociedade “I…, LDA.” tendo cada um adquirido uma quota no valor de € 2.500,00, pelo preço igual ao respectivo valor nominal (cfr. Doc. 3 junto com a p.i.);

G. Que, na mesma data, por escrito particular, foi celebrado “Contrato de Cessão de Suprimentos” entre os antigos sócios e os novos sócios da sociedade I…, através do qual os primeiros declararam transmitir aos segundos o direito à totalidade dos suprimentos por si efetuados na sociedade, no montante global de € 1.797.247,08, na proporção de 50% para cada um (€ 898.623,54) (cfr. Doc. 4 junto com a p.i.);

H. Que nessa mesma data, foi também outorgada escritura pública de cessão de quotas, nomeação de gerentes e alteração parcial do contrato, com os mesmos intervenientes – J…, R… e o ora recorrente, na qual, designadamente, o ora recorrido, como segundo outorgante, adquiriu a totalidade das quotas representativas do capital social da sociedade “QUINTA DO M…, LDA.”, no valor de € 5.000,00, tendo passado a ser titular de uma quota de € 2.500,00, pelo preço igual ao respectivo valor nominal (cfr. Doc. 3 junto com a p.i.);

I. E que na mesma data, por escrito particular, foi celebrado “Contrato de Cessão de Suprimentos” entre os antigos sócios, J… e R…, e os novos sócios da sociedade QUINTA DO M…, através do qual os primeiros declararam transmitir aos segundos o direito à totalidade dos suprimentos por si efectuados na sociedade, no montante global de € 1.995.440,00, na proporção de 50% para cada um (€ 997.720,00) (cfr. Doc. 4 junto com a p.i. e prova testemunhal);

J. Mais considera provado Tribunal a quo que os anteriores sócios receberam dos novos sócios o pagamento das participações sociais e dos suprimentos a que se referem as alíneas anteriores (prova testemunhal – depoimento de J…);

K. E que em 23.05.2002, J… emitiu o cheque nº 32092……. à ordem da I…, no montante de € 2.081.678,00, o que foi depositado no dia seguinte (cfr. Doc. 7 junto com a p.i.);

L. E que em 24.05.2002, foram emitidos à ordem de J…, os cheques nº 800……. e 98…….. do BPN, no valor respectivamente de € 2.493.989,49 e € 897.836,21, perfazendo o montante de € 3.391.825,70, montante que foi depositado na mesma data (cfr. Docs. 5 e 6 juntos com a p.i.);

M. E que em 24.05.2002, J… emitiu cheque nº 2309….. à ordem da I…, pelo valor de € 1.212.697,68, o qual foi depositado no Crédito Predial Português, na mesma data (cfr. Doc. 7 junto com a p.i.);

N. Tendo sido registados na contabilidade da I…, nas contas #25.5.01 e #25.5.02 – Accionistas J… e R…, movimento a crédito, em 31.05.2002, de € 898.623,54 em cada um, e em 31.12.2002, movimento a débito no mesmo valor (cfr. fls. 343 a 346 do PA apenso);

O. Ficou também provado que em 31.12.2002, foi registado na contabilidade da I…, a crédito, na conta #25.5.1.03 (A…) e #25.5.1.04 (J…), as quantias de € 898.623,54 cada (cfr. fls. 344 a 346 do PA apenso);

P. Tendo sido emitido o cheque nº 2814247523, sore a conta nº 14645664101, do BPN, de que era titular a sociedade I…, à ordem do Impugnante, datado de 22.12.2003, no valor de € 798.623,54, valor por este recebido (cfr. fls. 340 e 341 do PA apenso).

Q. Toda esta prova está em consonância com o facto de o anterior sócio se haver obrigado efetivamente a prestar suprimentos, havendo-o feito posteriormente, é certo, mas em cumprimento de uma estrita obrigação jurídica por si anteriormente assumida, sendo que tal dever não se extinguiu quando cedeu esses direitos, antes permanecendo na sua titularidade passiva o dever legal de os prestar e na das sociedades em causa, o direito legal de os receber.

R. Pelo que provado fica que em ambas as sociedades foram depositados cheques, registados depósitos e efetuados movimentos financeiros a crédito nas sociedades I… e QUINTA DO M…, relevados nas contas #25.5.1.03 e #25.5.1.04 e nas contas #25.5.01 e #25.5.02 – Acionistas, com plena evidência de que os suprimentos do sócio J… e do ora recorrente foram efetivamente prestados e regularizados saldos de caixa de cada sócio e transferidos para a conta de Suprimentos.

S. No caso, ficou provado, quanto à sociedade I…, que nada na lei impede que haja uma dilação entre o momento em que ocorre a constituição do dever de realizar a prestação suprimentícia e o momento da sua realização / transferência efetiva, pelo que não constitui óbice ao dever de prestar o facto de ele ter sido realizado pelo antigo sócio J… no espaço e no tempo em que o permitiram as suas forças económicas, isso é, quando teve, ele mesmo, as correspondentes disponibilidades financeiras ou patrimoniais para fazer esse reforço.

T. De tudo o que antecede se demonstra que os suprimentos pelo sócio J… foram efetivamente prestados na sociedade I… e que, a não se aceitar essa prestação, como erradamente o decidiu a sentença recorrida, alcança-se um resultado ainda mais iníquo do que aquele que resulta do decidido, quando é certo que o referido cheque do sócio J… nº 230……. emitido à ordem da I…, pelo valor de € 1.212.697,68, mais não é do que a entrega da prestação suprimentícia.

U. Erra, pois, a Douta sentença recorrida ao não aceitar a prova documental do depósito bancário para entrega de prestações suprimentícias anteriormente assumidas pelo sócio J… da sociedade I…, e feita adicionalmente a prova testemunhal desse facto – por todas e cada uma das testemunhas inquiridas a este respeito.

V. No que especificamente respeita à sociedade QUINTA DO M… provou - se que estão registados na sua contabilidade, nas contas #25.5.01 e #25.5.02 – Accionistas J… e R…, movimento a crédito, em 31.05.2002, de € 997.720,00 cada, e em 30.11.2002, movimento a débito no mesmo valor (cfr. fls. 250 e 251 do PA apenso);

W. E que em 30.11.2002 foi registado na contabilidade desta empresa, nas contas #25.5.1.03 (A…) e #25.5.1.04 (J…), a crédito, as quantias de € 997.720,00 cada, e a débito, as quantias de 872.896,32, apurando-se um saldo de € 124.823,68 (cfr. fls. 251, 252, 258 do PA apenso);

X. E que em 29.11.2002, foi efetuada transferência bancária pela sociedade QUINTA DO M… a favor do Impugnante, pelo montante de € 872.896,32 (cfr. fls. 266 do PA apenso);

Y. Tendo em 31.12.2003, sido registado, na contabilidade da QUINTA DO M…, o movimento a débito da conta #25.5.1.04 (José Santos), no valor d e € 117.323,68 (cfr. fls. 277 do PA apenso);

Z. E emitido cheque, em dezembro de 2003, de conta bancária de que era titular a sociedade QUINTA DO M…, à ordem do Impugnante, no valor de € 117.323,68 (cfr. fls. 280 do PA apenso).

AA. De facto, é dado como provado pela sentença recorrida haver a testemunha A… dito que a prática contabilística das sociedades passava por registar na conta Caixa as despesas em que os sócios incorriam em nome das sociedades e, em determinado momento, o saldo de cada sócio era regularizado ou transferido para a conta de Suprimentos, afiançou que os acertos quanto aos suprimentos estavam bem identificados e declarando que os suprimentos, no âmbito das sociedades I… e QUINTA DO M… foram transferidos dos anteriores para os novos sócios.

BB. Mais deu como provado a sentença recorrida que a testemunha J… evidenciou prova documental de algumas transferências bancárias entre as contas particulares destes, que sustentam as suas declarações – prova documental essa que a sentença ignorou.

CC. Foi pelas testemunhas ainda dito que o facto de o Impugnante e o seu Pai, V… serem accionistas/sócios de diversas sociedades, e procederem a diversos pagamentos em nome das mesmas, e em diferentes momentos e montantes, motivou que entre eles existisse uma conta-corrente, tendo sido efetuadas diversas transferências bancárias entre as suas contas pessoais, sendo o saldo, a 21.03.2003, de € 1.417.195,56 a favor do Impugnante (cfr. Doc. 10 junto com a p.i.; fls. 145 a 153 dos autos; ver ainda a prova testemunhal de V…).

DD. Em reforço do que foi provado, que se refere à sociedade QUINTA DO M…, junta-se agora prova adicional por DECLARAÇÃO do NOVO BANCO, emitida a 18 de Março de 2022 (que se junta como Documento nº 1) , pelo qual se demonstra (aliás confirma) a realização pelo ora recorrente no início de 2003 de uma prestação suprimentícia a favor desta sociedade, no valor de um milhão de euros , pelo que, para além da prova já produzida nos autos, comprova-se plenamente a prestação de suprimentos para fazer face a necessidades financeiras da sociedade, para realizar investimentos.

EE. Por outro lado, não deve sobrepor-se à prova produzida o facto circunstancial de que os créditos dos anteriores sócios para com as sociedades I… e QUINTA DO M… se encontrarem incorretamente registados nas respetivas contabilidades, facto prontamente declarado pelas testemunhas M…, A….

FF. As quais também relevaram que estas dívidas se encontravam efetiva e devidamente registadas na conta #26 – Outros devedores e credores).

GG. Com efeito, ao desprezar-se a prova documental e testemunhal adicionalmente produzida, fica - se sem motivação nem racional para compreender qual seria, então, a finalidade dessa entrega, quando, nessa data, o sócio era devedor de suprimentos àquela sociedade.

HH. Com efeito é desprezada a prova documental de que:

. Foram simultaneamente celebrados na data de realização dos contratos de aquisição das quotas pelo sócio ora recorrente, contratos de cessão de suprimentos entre os anteriores e os novos sócios das citadas sociedades;

. Esta cessão de suprimentos foi devidamente liquidada através de cheques emitidos pelo contribuinte e seu irmão (doc n.º 5), que serviram para, após depósito na conta de um dos sócios anteriores (doc n.º 6), estes liquidarem os empréstimos pessoais bancários que os anteriores titulares das quotas haviam contraído no CPP e no BPN (doc n. º 7);

. Estes factos foram todos corroborados por prova testemunhal, conforme depoimento das várias testemunhas ouvidas.

II. Pelo que deve considerar-se que foi efetuada a elisão da presunção estabelecida, tal como a Doutrina e a Jurisprudência dos Tribunais superiores o tem entendido pacífica e reiteradamente. Esta elisão deve considerar-se satisfeita quando seja feita prova documental, reforçada com movimentações financeiras apropriadas, eventualmente coadjuvada por prova testemunhal de pessoas qualificadas.

JJ. Neste sentido preciso tem-se pronunciado o TCA em diversos arestos, como é o caso do Acórdão proferido no proc. n.º 8082/14.1BCLSB, Secção de CT, de 13-05-2021, em cujo sumário se pode ler: “I) A correcção do rendimento tributável, como rendimento de capitais em sede de IRS, com base na presunção “júris tantum” de que se trata de adiantamentos por conta de lucros, ao abrigo do disposto no nº4, do art.º 7º, do CIRS, não se aplica caso tais movimentações da conta de sócios e assim escriturados na sociedade, se traduzam em mútuos concedidos pelos accionistas à empresa (cfr conta 25 e respectiva subconta 25x1.2., do POC); II) A elisão de tal presunção pode resultar, nos termos do nº5, do mesmo preceito legal, de decisão judicial (impugnação judicial), e por qualquer meio de prova, designadamente a testemunhal, ao abrigo do disposto no art.º 13º e 114º e segs, do CPPT, que ateste a existência de um empréstimo concedido pelo respectivo detentor do capital a favor da sociedade; III) Nesse caso, não se exige uma especial prova que a sustente, máxime a comprovação do mútuo por contrato assinado pelas partes, atento a consagração em sede tributária, do princípio da prevalência da “substância económica do negócio”, sobre a forma.” Neste sentido, ver também o Ac. do TCA Sul, n.º 07918/14, CT. 2.º Juízo, de 19.2.2015.

KK. No caso dos presentes autos a prova produzida no tribunal a quo é uma prova direta, documental e testemunhal, isto é, nada se interpõe entre o juiz e o facto a apurar.

LL. Tanto mais que, segundo o Ac. do TCA - Sul de 26-06-2014, processo 07148/131, “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória [apenas] se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

MM. Estando provado que foram efetuados os lançamentos em conta corrente de sócios que tinham a natureza de prestações suprimentícias diretas ou de despesas em que os sócios incorriam em nome das sociedades, regularizadas por transferência para a conta de suprimentos, os adiantamentos recebidos devem qualificar-se como reembolso de valores que não podem configurar nem lucros nem adiantamento dos lucros (n.º 4, in fine, do art.º 7.º do CIRS) (com o mesmo raciocínio, embora concluindo em sentido oposto, por falta de prova, veja - se o Acórdão do TCA - Sul de 11.01.2011, proferido no processo 04357/10).

NN. Pelo que, no caso dos autos, a prova feita de que a respetiva "causa" jurídica foi expressamente declarada” (Xavier de Basto, in Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, 2007, págs.221 e seg.), não pode deixar de se considerar que o ora recorrente cumpriu a obrigação legal de elisão prevista no n.º 2 do art.º 350.º do C.C., própria para as presunções legais - as quais, para serem destruídas (nos casos em que a lei o permite) têm de ser ilididas mediante prova em contrário - cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos desta Secção do TCA de 16.12.1997 e de 3.2.1998, recursos n.ºs 65 229 e 39/97, respetivamente.

OO. Feita que foi a prova das prestações suprimentícias / transferências a favor das sociedades, bem se vê que só em ilegalidade por vício de violação de lei consubstanciado em erro sobre os pressupostos de facto e de direito e dos princípios da justiça material, da igualdade fiscal e da capacidade contributiva é que a tributação destes valores se pode manter, como erradamente o decidiu a sentença recorrida, uma vez que não há nenhum acréscimo patrimonial na sua esfera jurídica.

PP. Esta prova é até reconhecida pela AT, lendo-se no relatório de exame, conforme referido na sentença recorrida que: V) Foram registados na contabilidade da QUINTA DO M…, nas contas #25.5.01 e #25.5.02 – Accionistas J… e R…, movimento a crédito, em 31.05.2002, de € 997.720,00 cada, e em 30.11.2002, movimento a débito no mesmo valor (cfr. fls. 250 e 251 do PA apenso).

QQ. Há um manifesto erro de julgamento por ter o tribunal a quo erradamente valorado a prova produzida, pois tendo a natureza de levantamento ou devolução de suprimentos os valores movimentados a favor do sócio ora impugnante, não podem os mesmos ter, ao mesmo tempo, a natureza de "Adiantamentos por Conta de Lucros".

RR. A não se aceitar essas prestações, como erradamente o decidiu a sentença recorrida, alcança-se um resultado absolutamente iníquo, violador dos princípios da justiça material, igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade, porquanto, ao desprezar-se a prova documental e testemunhal adicionalmente produzida, fica-se sem motivação nem racional para compreender qual seria, então, a finalidade dessas entregas ou regularizações, quando está provado que, nessa data, os sócios em causa eram devedores de suprimentos à I… e à QUINTA DO M…, estando provado que foram feitas as movimentações contabilísticas relatadas por todas as testemunhas ouvidas.

SS. Sendo como são de ponderar e valorar todos os meios de prova admitidos em sede de impugnação judicial – cfr. o Acórdão n.º 452/2003 do Tribunal Constitucional — Processo n.º 273/2003 a propósito do n.º 4 do art.º 6.º do CIRS – sendo que esta presunção legal não é uma presunção juris et de jure, pelo que pode muito bem ser ilidida com base em testemunhas e documentos e, como tal, qualquer outra interpretação seria inconstitucional por ofensa do princípio da capacidade contributiva com assento nos artigos 104.º, 12.º, 13.º e 1.º da CRP.

TT. Pelo que não se encontram preenchidos os pressupostos para a presunção prevista no artigo 6º, nº 4 do CIRS e sujeita de acordo com o artigo 5º, nº 1, alínea h), do CIRS.

UU. Com efeito, a própria AT reconhece a existência de cheques emitidos sobre as contas bancárias dos sócios e as transferências bancárias destas para a conta das sociedades I… e QUINTA DO M…, respetivos registos na conta #26, os quais, conforme provado, não podem deixar de ser aceites como consubstanciando a prova de efetivos suprimentos dos anteriores sócios a estas sociedades.

VV. Uma vez que os documentos apresentados e os depoimentos prestados constituem prova bastante para afastar a presunção do nº 4 do artigo 6º do CIRS – Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional supra identificado.

WW. Ao decidir em sentido contrário, a sentença aqui sob recurso incorreu em erro de julgamento, por errónea valoração da prova produzida e errada interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 6º, nº 4 e 5º, nº 1, alínea h), ambos do CIRS, impondo-se a sua revogação neste concreto segmento decisório.

XX. Erra, pois, a sentença recorrida na decisão que neste respeito toma, ao não aceitar a prova produzida, pois se provou que foram efetivamente prestados suprimentos pelos sócios e bem assim efetuadas entregas efetivas de valores a título de prestações suprimentícias às sociedades I… pelos anteriores sócios, nos exercícios anteriores a 2003 ou em momento anterior à cessão de suprimentos a que se referem as alíneas L) e N) do probatório, a fls. 13.

YY. Tanto mais que pela DECLARAÇÃO do NOVO BANCO, emitida a 18 de Março de 2022 (que se junta como Documento nº 1) se deixa inequivocamente demonstrado que o ora recorrente efetuou a favor da sociedade QUINTA DO M…, para que esta pudesse prosseguir a sua atividade económica de investimento imobiliário, uma transferência adicional no início de 2003 no montante de um milhão de euros e cuja valoração como meio de prova se requer.

ZZ. Numa vertente tributária, nuclearmente o princípio que releva para o direito fiscal, é o apuramento da efetiva realidade, relevante para efeitos de tributação, que não a mera forma do negócio jurídico concretamente utilizado [ou a falta dela] e o princípio da prevalência da substância sobre a forma dos factos jurídicos (cfr. por todos, Ac. TCA Sul, proferido no Proc. 637/09.2BELRS, Secção do CT, de 23.02.2017).

AAA. Pelo que, com fundamento em ilegalidade por vício de violação de lei consubstanciado em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e dos princípios da justiça material, da igualdade fiscal e da capacidade contributiva é que a tributação destes valores se pode manter, como erradamente o decidiu a sentença recorrida, pelo que, o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado pleno provimento ao presente recurso e, em consequência, ser nesta parte revogada a douta sentença recorrida, e substituída por outra que determine a procedência total da impugnação judicial.

Termos em que, com o mui D outo suprimento de V. Exas., e com fundamento na motivação e nas conclusões supra enunciadas, deve ser dado pleno provimento ao presente recurso e, em consequência, ser nesta parte revogada a douta sentença recorrida, e substituída por outra que determine a procedência total da impugnação judicial, pois só assim se fará a costumada”.

A FP não contra-alegou.

Já no recurso apresentado pela 2.ª Recorrente, foram formuladas as seguintes conclusões:

A) Visa o presente recurso reagir contra a decisão proferida nos autos de impugnação judicial melhor identificados em epígrafe, na parte em que sentenciou a anulação do ato liquidação adicional de IRS nº 2007 5004596131 e juros compensatórios, que vinha impugnado, na parte relativa às correções promovidas pela AT, em sede de ação inspetiva, que qualificaram como adiantamentos por conta dos lucros, os montantes pagos ao Recorrido, de: i) € 1.748.395,91, pela sociedade “W…, Lda” e ii) € 144.576,25, pela sociedade “I…, SA”.

B) Considerou o Tribunal a quo que o Recorrido, logrou ilidir a presunção constante do nº 4 do artigo 6º do CIRS, tendo ficado demostrado que, embora não existindo qualquer contrato de suprimento entre aquele e as sociedades “W…” e “I…, LDA.”, os montantes recebidos não têm a natureza de rendimento, constituindo antes reposição/reembolso de suprimentos e não adiantamento por conta dos lucros.

C) Neste conspecto, concluiu a sentença recorrida que, não era possível subsumir o montante total recebido € 1.892.972,16, ao artigo 5º, nº 1, alínea h) do CIRS, requalificando-os, como fez a AT, em adiantamentos por conta de lucros.

D) Não pode a Fazenda Pública, com o devido respeito, que é muito, conformar-se com o assim decidido, por ser seu entendimento que se encontram preenchidos os pressupostos para acionamento da presunção prevista no artigo 6º, nº 4 do CIRS, subsumindo-se os montantes de € 1.748.395,91 e € 144.576,25, recebidos pelo Recorrido e pagos pelas sociedades “W…” e “I…, LDA.”, respetivamente, ao artigo 5º, nº 1, alínea h), do mesmo diploma.

E) Como decorre do relatório de inspeção, junto aos autos, o Recorrido recebeu da “W…”, os montantes de € 1.600.000,00 por transferência bancária e € 148.395,91, através de cheque.

F) Aduz a sentença recorrida que, a Administração Tributária apresentou como fundamento para a consideração dos montantes em apreço, como “mútuos não comprovados" o facto de não ter existido entrada real e efetiva de dinheiro na "W…, Lda", mas que não se vislumbra qual o fundamento desta conclusão, pois como demonstra o relatório de inspeção tributária efetuado àquela empresa, tal entrada de fundos existiu.

G) Neste sentido, cita uma parte do aludido relatório, acrescentando que isso prova que em 2000 foram efetuadas na "W…, Lda" entradas de valores provenientes das contas bancárias dos sócios e que está assim comprovada documentalmente e legitimada a entrada dos valores financeiros correspondentes aos suprimentos efetuados.

H) As conclusões a que a sentença aqui sob recurso chegou, não podem, porém, proceder, porquanto, salvo o devido respeito, fazem uma interpretação enviesada do relatório de inspeção tributária efetuado à sociedade 'W…, Lda", na medida em que extraem deste um conjunto de factos, fazendo-o, porém, de uma forma descontextualizada.

I) Não resulta, a nosso ver, do relatório de inspeção efetuado à sociedade “W…”, que as transferências bancárias e os depósitos de cheques da conta particular dos sócios para a conta bancária da sociedade, provam a entrada de valores financeiros correspondentes aos suprimentos efetuados.

J) Da leitura integral e integrada do aludido relatório resulta inequívoca e expressamente o seguinte:

"Uma vez que na contabilidade a estas entradas [de valores das contas particulares dos sócios para a conta da sociedade] apenas estão adstritas folhas com a simples menção aos valores, folhas estas elaboradas pela própria empresa, coloca-se a questão de saber se é possível atestar que os valores que a contabilidade regista como entradas correspondem a entradas reais e efectivas de dinheiro na empresa. Ora, é do conhecimento geral que de acordo com os usos e costumes comerciais carece de qualquer credibilidade que montantes tão elevados possam efectivamente ser transportados em notas e moedas para a caixa duma empresa (pois a acreditar no que a contabilidade revela é disso que se trata), num contexto actual em que existe uma multiplicidade de modos de efectuar pagamentos, como um simples cheque ou uma transferência bancária.

Assim e continuando a descrever a situação tal como os registos contabillsticos a espelham, pelas operações de aquisição das propriedades foi debitada a conta de Compras e creditada a conta de Caixa; como esta não tinha qualquer saldo que pudesse suportar aquelas aquisições, foi a mesma debitada por crédito da conta de Sócios, sendo que o objectivo do registo destes suprimentos visou contrabalançar no passivo do balanço na conta de Sócios as aquisições das propriedades registadas no activo do mesmo, de modo a evitar um saldo de Caixa que de outro modo seria negativo, razão pela qual a validade do registo de entradas na conta Caixa se afigura como sendo meramente formal e não substancial, por carecer de qualquer consistência em termos do respectivo documento de suporte que lhe está adstrito (sublinhado e realce nossos).”.

K) Detetaram os serviços de inspeção tributária que sempre que o saldo da conta Caixa era suscetível de apresentar saldos credores (negativos), o que era notório aquando da compra de uma propriedade, era efetuado um lançamento na mesma por contrapartida das contas de sócios.

L) Tendo concluído que estes lançamentos mais não constituiriam do que pseudo empréstimos de sócios que não tiveram outra finalidade senão evitar que a conta Caixa exibisse nos períodos em questão saldos credores (negativos), até porque, a haver reforços, não seria verosímil que estes tivessem sido efetuados em dinheiro, dado estar-se em presença de montantes demasiado elevados.

M) Ou seja, ao contrário do que pretendem fazer crer os Recorridos, resulta expressamente do relatório de inspeção a conclusão, por estes extraída, de que os registos contabilísticos, por si só, não permitem atestar que os saldos exibidos pelas contas de sócios traduzem na realidade, e por parte destes, um direito real sobre a sociedade.

N) É ainda referido no aludido relatório que, os lançamentos no Caixa são feitos à medida das necessidades de cobertura de saldos negativos, utilizando como contrapartida a conta de suprimentos dos sócios, pelo que é de concluir que os mesmos constituíram meros movimentos contabilísticos destinados a anular o saldo credor da conta Caixa, indiciando que a contabilidade não reflete a verdadeira situação patrimonial da empresa, e consequentemente, não oferece credibilidade (não se retira de Caixa aquilo que esta não contém!).

O) Assim, por um lado constata-se que a conta de sócios serviu para colmatar as falhas de documentação justificativa dos registos contabilísticos nas contas Caixa e Bancos, ao mesmo tempo que coloca dúvidas sobre a origem da totalidade dos movimentos nelas efetuado, bem como, e consequentemente, da veracidade da extensão dos saldos das mesmas.

P) Ora, a utilização deste expediente contabilístico exacerba até que ponto as denominadas entradas de sócios não passariam de pretensas entregas de dinheiro que se efetuaram consoante a necessidade de evidenciar saldos de natureza consentânea com a característica típica da conta Caixa, ou seja, saldo devedor ou nulo.

Q) Esta contabilização (nomeadamente de valores tão elevados) efetuada sem suporte documental, legalmente aceite, viola as mais elementares regras estabelecidas no Plano Oficial de Contabilidade, aprovado pelo Decreto-Lei nº 410/89, de 21 de novembro, na normalização contabilística e, consequentemente, viola o artigo 17º, nº 3 do CIRC, pelo que, para além de não ser merecedora de crédito coloca em causa a contabilidade no seu todo, por não refletir efetivamente a realidade.

R) Assim sendo, ao contrário do que invocam os Recorridos e considerou a sentença recorrida, não resulta do relatório de inspeção que as transferências bancárias e os depósitos de cheques da conta particular dos sócios para a conta bancária da sociedade, provam a entrada de valores financeiros correspondentes aos suprimentos efetuados, razão pela qual, somos por concluir que se mantém válido o entendimento perfilhado pelos serviços de inspeção tributária de que se encontram preenchidos os pressupostos para a aplicação da presunção consagrada no nº 4, do artigo 6º do CIRS, não tendo o Recorrido trazido prova que refutasse tal entendimento.

S) Encontram-se, assim, preenchidos os pressupostos para acionamento da presunção prevista no artigo 6º, nº 4 do CIRS, subsumindo-se o montante de € 1.748.395,91, recebido pelo Recorrido e pago pela “W…”, ao artigo 5º, nº 1, alínea h), do mesmo diploma.

T) Igual conclusão se impõe, relativamente à correção promovida pela AT, respeitante ao pagamento efetuado ao Recorrido, através de cheque, da quantia de € 144.576,25, pela sociedade “I… LDA”.

U) Aduziram os Recorridos que a sociedade I…, Lda. reembolsou no ano em causa suprimentos ao seu sócio V… no montante de € 144.576,25 e que sendo o senhor V… devedor do ora Recorrido, ordenou à sociedade a emissão do cheque diretamente à ordem do aqui Recorrido, visando ressarci-lo de parte do seu crédito.

V) Acrescentaram que, tais factos se encontram provados através de um resumo dos movimentos financeiros realizados entre o Recorrido e o sócio da "W…, Lda", V… (doc. nº 10 junto com a P.I.)

W) Concluiu, a sentença aqui sob recurso que, “Resulta demonstrado, por um lado, a existência de uma dívida da sociedade I… perante o sócio V…; e, por outro, embora não se tenha apurado, com exatidão, a proveniência dos créditos/débitos que constituem a conta-corrente, demonstrada fica a existência dessa conta-corrente entre V… e o Impugnante, com saldo devedor de V….

Face ao exposto, não é possível negar que o montante recebido pelo Impugnante tem a natureza de amortização ou reembolso de um crédito.”

X) Também aqui, dissente a Fazenda Pública do assim decidido.

Y) A este respeito, é inequívoco que o doc. n.º 10, que foi junto à PI, não faz qualquer prova dos factos alegados, ao contrário do que pretendem os Recorridos.

Z) Uma simples folha impressa informaticamente da qual constam valores inscritos sob o título "Tranferências entre J.S. e V.S." é, manifestamente, inidónea para a prova dos factos alegados, ou seja, de que os montantes recebidos consubstanciam efetivos empréstimos do Recorrido marido à sociedade "W…, Lda".

AA) Com efeito, a relevância fiscal da contabilidade determina que esta obedeça a determinadas regras com vista à determinação do lucro tributável das empresas e, nessa medida, por força do disposto no artigo 115.º, n.º 3 do CIRC, todos os lançamentos efetuados devem suportar-se em documentos idóneos para a prova dos factos registados.

BB) Ora, os Recorridos não fazem prova da existência de qualquer divida do senhor Vítor Santos ao Impugnante marido, nem da sua origem ou natureza, nem sequer da efetiva liquidação da mesma.

CC) Assim, conclui-se que o documento nº 10 junto à PI não faz qualquer prova de que o recebimento de € 144.576,25 não afasta a presunção do nº 4 do artigo 6º do CIRS.

DD) Para além de todos os factos supra descritos que, por si só, se nos afiguram suficientes para afastar os factos alegados pelos Recorridos, importa salientar ainda que, entre os anos de 1996 e 2003, aqueles não declaram, em sede de IRS (Modelo 10), rendimentos suscetíveis de efetuar nem uma ínfima parte dos alegados suprimentos. Como poderia, então, o Recorrido ter efetuado suprimentos de tão avultado montante, face aos rendimentos auferidos pelo seu agregado familiar?

EE) Tais factos vêm ainda reforçar a prova de que os avultados valores em causa não podem ter consubstanciado efetivos suprimentos do sócio às sociedades.

FF) Ainda assim, e sempre sem conceder, não podemos deixar de referir que não ignoramos a existência de cheques emitidos sobre as contas bancárias dos sócios e as transferências bancárias destas para a conta das sociedades, porém, face aos fundamentos supra explicitados, relativos à metodologia de contabilização utilizada, estes não constituem prova de efetivos suprimentos do sócio às sociedades, demonstram isso sim, uma prática reiterada e ilegal de confusão de patrimónios: o pessoal e o societário.

GG) Ora, as sociedades comerciais são instituições personalizadas, isto é são revestidas pelo Direito de uma personalidade jurídica própria e distinta da de cada um dos seus sócios: "(...) a sociedade comercial é, em si mesma, um sujeito de direito." (Cfr. CORREIA, Miguel J. A. Pupo, "Direito Comercial", 5ª edição, SPB Editores, 1997, Lisboa, pág. 498 a 503). É o que decorre do artigo 5º do Código das Sociedades Comerciais, segundo o qual as sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica. Sendo que a personalidade jurídica das sociedades é "(...) uma individualidade jurídica própria, que não se confunde com a dos sócios." (Cfr. obra citada supra)

HH) Consequência e pressuposto da personalidade jurídica das sociedades comerciais é a autonomia patrimonial, ou seja, a circunstância da sociedade ter um património próprio e independente dos patrimónios dos respetivos sócios.

II) No caso em apreço, ficou inequivocamente demonstrada a violação do disposto neste preceito, o que, a acrescer aos factos supra descritos a respeito da prática contabilística das sociedades em questão, coloca em causa as características contabilísticas da relevância e fiabilidade, bem como, dos princípios contabilísticos da consistência e materialidade.

JJ) Razão pela qual, os documentos apresentados não constituem prova bastante para afastar a presunção do nº 4 do artigo 6º do CIRS.

KK) Ponderados todos os elementos constantes do processo, as respetivas disposições e princípios legais aplicáveis, conclui-se que, também, os montantes recebidos pelo Recorrido, da “I…, LDA.”, devem ser qualificados como adiantamentos por conta dos lucros, subsumindo-se, pois, no artigo 5º, nº 1, alínea h), do CIRS.

LL) Ao decidir em sentido contrário, a sentença aqui sob recurso incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 6º, nº 4 e 5º, nº 1, alínea h), ambos do CIRS, impondo-se a sua revogação neste concreto segmento decisório.

MM) Sequentemente, a procedência do presente recurso, implicará, também, a reforma da sentença recorrida em matéria de custas processuais. O que se requer.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, e substituída por outra que determine a improcedência total da presente impugnação judicial.

Requer-se, ainda, V.Exas., a dispensa da Fazenda Pública do pagamento da taxa de justiça correspondente ao valor que extravasa o montante de € 275.000,00, no caso de este Tribunal vir a entender que, no caso em apreço, se verificam os pressupostos suscetíveis de fundamentar a aplicação da faculdade prevista na norma do art.º 7º, nº 6 do RCP”.

Os Impugnantes apresentaram contra-alegações, nas quais formularam as seguintes conclusões:

“A. A representação da Fazenda Pública na Direção de Finanças de Lisboa não assaca à atividade determinadora dos factos relevantes, nem à atividade probatória, nem bem assim à subsunção do direito aos factos, vícios que procedentemente coloquem em crise a atividade do Douto Tribunal a quo, limitando-se a tecer considerandos genéricos sobre a vida do Recorrido, das pessoas que o rodeiam, amigos e familiares, trazendo ao conhecimento do Tribunal ad quem pretensos factos ou comportamentos que ao caso não relevam, nem foram por ela, Fazenda Pública / AT, trazidos ao processo pelas partes, que não integram o objeto direto ou indireto do litigio nem foram suscitados pelo tribunal no quadro dos princípios processuais como o do inquisitório e das diligências adicionais de prova que poderia ter determinado;

B. E não invoca, concreta e precisamente, erros na articulação ou na bondade da prova produzida nos autos ou da articulação desta com as convicções extraídas pelo julgador, ou na aplicação do Direito;

C. O que ela faz é trazer uma evidente reinterpretação dos factos, distorcendo a prova produzida no RIT visando inverte-los em abono da sua tese, e gerar dúvidas sobre a honorabilidade do Recorrente e das pessoas com quem se relaciona, procurando criar um sentimento de desconfiança geral acerca da sua personalidade e da ética dos seus comportamentos face às variadas circunstâncias da vida e bem assim, à dos seus amigos ou pessoas relacionadas aduzindo factos novos, irrelevantes ou meras suspeições gerais, afrontadoras da estabilidade da instância;

D. Fica ainda provado que a AT continua a confundir movimento financeiro com rendimento tributável para efeitos de IRS e / ou capacidade financeira ou valores monetários com capacidade contributiva real e efetiva;

E. É pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que a prova tem uma função primordial dentro do ordenamento jurídico, em todo o desenvolvimento do processo (desde a entrega da petição inicial até a elaboração da sentença), fornecendo ao juiz os dados ou elementos necessários para controlar a veracidade das correspondentes afirmações das partes;

F. A prova traduz os elementos estruturantes da convicção interior do Julgador e da evidenciação exterior - psicológica, reportada às realidades resultantes do foro psíquico, e objetiva, atinente aos factos decorrentes das ocorrências do mundo exterior, v. g., experiências, costumes, indícios sociais, realidade atual do tempo e do lugar, etc.

G. Foi feita a prova de que foi registado, na contabilidade da sociedade W…, o saldo credor na conta #25.5.1.03 (J…) no montante de € 1.748.395,91 (cfr. fls. 451 do PA apenso); foram ainda registados, na contabilidade da sociedade W…, na conta #25.5.1.03 (J…), os movimentos a débito de € 1.600.000,00, a 31.10.2003, e € 148.395,91, a 31.12.2003 (cfr. fls. 451 do PA apenso); em 24.10.2003, foi efectuada transferência bancária da sociedade W… para a conta bancária do Impugnante, no valor de € 1.600.000,00 (cfr. fls. 432 e 452 do PA apenso); foi emitido, em 22.12.2003, pela sociedade W…, o cheque nº 15……, à ordem do Impugnante, no valor de € 148.395,91 (cfr. fls. 434 e 453 do PA apenso).

H. Para qualificação da natureza destes movimentos a Douta sentença recorrida socorreu-se em primeira linha do RIT, de acordo com o qual ela considera ficarem demonstradas, além do pagamento ao Impugnante dos valores já referidos, no total de € 1.748.395,91, as entradas na sociedade de vários montantes / transferências efetuadas a partir das contas particulares dos sócios, aí se concluindo que tais montantes se destinaram a financiar a compra de propriedades.

I. Fica provado, c0nforme resulta do mencionado RIT que estes pagamentos aos sócios saldaram as respetivas contas e fecharam o ciclo que se iniciou no exercício de 2000, em que as mesmas tinham sido creditadas para financiamento da compra de diversas propriedades, incluindo a citada Quinta da M….

J. Pelo que decorre da fundamentação nele expressa que a própria AT assumiu e reconheceu que o Impugnante e os demais sócios financiaram uma série de aquisições de imóveis, e que os montantes reembolsados em 2003 respeitam ao pagamento de tais importâncias, "fechando o ciclo" de financiamento.

K. Mais se demonstra que bem andou a Douta sentença recorrida ao relevar como facto substanciador da convicção formada pelo Tribunal de que, ainda que os montantes entregues pelos sócios tenham sido destinados diretamente à compra das propriedades imobiliárias, e que haja erros nos registos contabilísticos, essas compras foram em nome da sociedade W…, tendo tais propriedades integrado o património societário, o que a AT teve, no processo, a oportunidade de confirmar.

L. Pelo que não pode agora a representação da Fazenda Pública na Direção de Finanças de Lisboa pretender forçar uma conclusão contrária ao que concluíram os serviços inspetivos da AT, defendendo agora ignobilmente que não houve entrada efetiva dos valores na sociedade W….

M. No que respeita à sociedade I…, bem andou a Douta sentença ao decidir no sentido de que, uma vez mais com fundamento no próprio argumentário constante do RIT, ficou provada a contabilização na conta 26.8.03*9 – “Devedores e Credores Diversos – V…” do valor de € 144.576,25 a título de “Pagamentos do valor em dívida”.

N. E bem assim que dada a antiguidade desta dívida e pelos documentos que nos foram exibidos tudo indica que a mesma respeite a pagamentos feitos por conta da contribuinte [i.e., a sociedade I….

O. Assim como ficou provada a cessão de créditos entre V… e o atual sócio, não sendo possível negar que o montante recebido pelo ora Recorrido tem a natureza de amortização ou reembolso de um crédito, comprovado pelo movimento correspondente de redução do saldo credor do sócio V…, através do débito da conta #26.08.03 (V…) pelo montante de € 144.576,25, e de redução do saldo devedor de V… na conta-corrente detida com o Impugnante, pelo que falece a tese da AT na requalificação do montante auferido como adiantamento de lucros.

P. O teor do próprio relatório de RIT, que a representação da Fazenda Pública agora insiste por em crise, o teor da prova produzida, o teor das movimentações contabilísticas comprovadas, assim como o teor dos movimentos financeiros do sócio ora recorrido e o teor da prova testemunhal concordante produzida, todos constituem um todo coerente que evidencia o mal fundado da tese da AT que vem, de novo pretender por em crise a convicção formada pelo Tribunal a quo, sem razão.

Q. Com efeito, limitando-se a representação da Fazenda Pública a tecer considerandos genéricos sobre a vida do Recorrido, das pessoas que o rodeiam, amigos e familiares, trazendo ao conhecimento do Tribunal ad quem pretensos factos ou comportamentos que ao caso não relevam, nem foram pela AT, ao tempo valorados.

R. No afã de recorrer, a representação da Fazenda Pública na Direção de Finanças de Lisboa erra e confunde factos estruturantes, não estando realmente inteirada da realidade dos factos, do processo, que leu apressadamente, se é que o leu, como é o caso do arrazoado que articula nos pontos 52,54, 55, 56, onde a AT se refere, reiteradamente à sociedade W…, Lda, quando se deveria referir à sociedade I…, Lda.

S. No ponto 63 das suas alegações de recorrente, a representação da Fazenda Pública aceita a prova de que existem vários cheques emitidos sobre as contas bancárias dos sócios, do seu depósito em contas das duas sociedades e bem assim das transferências financeiras / bancárias destes (sócios) para tais contas, pelo que não podem deixar de configurar como meros reembolsos de capitais mutuados.

T. Mas, ao contrário do que sucedeu com os técnicos inspetores no RIT, a representação da Fazenda Pública não os aceita.

U. O que constitui uma manifestamente inadequada utilização do meio processual que é o recurso, extravasando o propósito e o fim dos recursos jurisdicionais, pois, lançando dúvidas gerais para alcançar o que não consegue através de fundamentação direta, a saber a demonstração da (pretensa) ilegalidade da decisão impugnada, procura obter a reapreciação geral de uma Sentença que está firmada em factos, em prova plena e bastante e nos documentos idóneos juntos aos autos e, nesta medida, a representação da Fazenda Pública na Direção de Finanças de Lisboa abusa das prerrogativas processuais de parte, incorrendo em abuso processual, transformado o processo num instrumento que serve, não para administrar a justiça, mas para dar vitória ao mais astuto.

V. Por outro lado, fica provado que não faz qualquer sentido a representação da Fazenda Pública invocar no seu recurso a “falta de causa jurídica”, como se os valores e movimentos financeiros em causa tivessem uma origem desconhecida ou pudessem até provir da prática de factos ilícitos ou obscuros.

W. Com a agravante de que essa origem não só é conhecida como está determinada no próprio RIT!, onde se provam transferências dos sócios para estas sociedades, devidamente relevadas nas respetivas contabilidades, não havendo sequer razão para invocar a presunção do n.º 4 do art.º 5.º do CIRS.

X. Pois que, conforme bem demonstrado na Douta sentença recorrida, não cabe estabelecer qualquer presunção na medida em que o pressuposto das presunções é o de que haja factos desconhecidos cuja evidenciação tenha que ser feita e só possa sê-lo a partir de “um facto conhecido” (art.º 342.º CC).

Y. Ora, no caso, essa aptidão não se verifica pois, no caso subjudice e para ambas as empresas, não há sequer facto desconhecido – conhecem-se e estão identificadas as transferências do sócio a favor das sociedades, com indicação do número dos cheques, da conta e do Banco da origem, assim como são conhecidos os precisos montantes assim transferidos para cada uma destas empresas.

Z. Cita-se como meio de demonstrar a bondade da sentença recorrida, neste respeito, o RIT, por ser lapidar o que nele a este respeito se refere: "Estes pagamentos aos sócios saldaram as respectivas contas e fecharam o ciclo que se iniciou no exercício de 2000, em que as mesmas tinham sido creditadas para financiamento da compra de diversas propriedades, incluindo a citada Quinta da M…".

AA. Decorre dela que ao passo que AT já assumiu e reconheceu que o ora recorrido e os demais sócios financiaram uma série de aquisições de imóveis, e que os montantes reembolsados em 2003 respeitam ao pagamento de tais importâncias, "fechando o ciclo" de financiamento, a representação da Fazenda Pública toma-se de uma vontade autónoma e contesta esses factos.

BB. Teve ainda a representação da Fazenda Pública a oportunidade de confirmar que foi emitido um cheque pelo Impugnante de conta bancária sua e vários outros cheques da conta bancária de que o ora Recorrido é cotitular, juntamente com o seu Pai V… e o irmão A… e que esse capital foi usado na aquisição de propriedades imobiliárias.

CC. Pelo que bem conclui a Douta sentença recorrida ao concluir que ao requalificar um reembolso de suprimentos em adiantamento por conta de lucros em ambas as sociedades, a AT incorreu em ilegalidade, por vício de violação de lei, consubstanciado em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo que tal correção deve ser anulada.

DD. No que à sociedade I… se refere, bem andou o Tribunal a quo ao concluir que nada tem de anómalo que a testemunha V…, que possuía um crédito sobre esta sociedade, haja solicitado que a devolução/reembolso do montante de € 144.576,25 de que era credor fosse diretamente feito ao ora recorrido, de quem era devedor, no âmbito de uma conta-corrente que com ele detinha [cfr. alínea CC) do probatório], servindo tal montante para reduzir o saldo em seu desfavor.

EE. Toda esta prova evidencia que o recurso ora interposto pela representação da Fazenda Pública na Direção de Finanças de Lisboa carece de fundamento, contradiz de forma direta o que a própria AT deu como provado no seu próprio RIT (!!), como se a representação da Fazenda Pública quisesse agora “emendar” o que os serviços de Inspeção Tributária deram como provado.

FF. Fica assim demonstrado que a representação da Fazenda Pública não pode, neste recurso, vir invocar argumentos novos ou desenvolver uma fundamentação não contextual, invertendo, distorcendo ou dando aos factos provados no RIT uma nova interpretação, como se pudesse agora vir dizer ao Tribunal de recurso que o que os “seus colegas” inspetores, que visitam as empresas, nele consideram provado, afinal não é para ser dado por provado, mas deve ser considerado rendimento tributável!

GG. No caso, demonstra-se que a Douta sentença recorrida não incorre em erro na apreciação ou valoração da prova, a qual, segundo os critérios gerais, no sentido que é dado pelos Tribunais portugueses, só ocorre quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade.

HH. Sendo que, em qualquer dos casos, a diferente valoração da prova não se confunde com o erro de julgamento.

II. O ora Recorrido fez prova plena e direta, prova real, e ainda prova testemunhal, pela qual gerou a plena convicção do Digmo. Juiz acerca dos factos invocados, de que não houve rendimento sujeito a tributação e que, por isso, não é devido o imposto ilegalmente liquidado pela AT quanto às duas correções por ela efetuadas (fls. 12 a 14 da Douta sentença recorrida);

JJ. Em relação às quais o Tribunal a quo, em face dos factos e da prova plena, documental, e testemunhal produzida, entendeu reconhecer razão ao então Impugnante e ora Recorrido, fazendo uso da sua prerrogativa de livre apreciação da prova e à luz dos princípios da aquisição processual, do inquisitório e da proporcionalidade;

KK. Como é manifestamente aqui o caso das convicções geradas pelo Tribunal a quo, em que o Julgador deu como provados os factos segundo as provas produzidas e a sua convicção íntima, o seu juízo crítico, a sua convicção pessoal, a sua visão racional, objetiva e crítica, fundada ainda nas regras comuns da lógica, da razão, nas máximas de experiência e dos conhecimentos científicos;

LL. De modo que assim se conclui que não se verificam os alegados vícios da sentença recorrida, pelo que improcede a alegado erro na apreciação da prova e erro na interpretação e aplicação da lei, invocados pela Fazenda Pública / AT recorrente;

MM. Assim como não se encontram preenchidos os pressupostos para a presunção prevista no artigo 6º, nº 4 do CIRS e sujeita de acordo com o artigo 5º, nº 1, alínea h), do CIRS, uma vez que os documentos apresentados e os depoimentos prestados constituem prova bastante para afastar a presunção do nº 4 do artigo 6º do CIRS – Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional supra identificado.

NN. Ao decidir neste sentido, a sentença aqui sob recurso não incorreu em erro de julgamento, não incorreu numa errónea valoração da prova produzida nem errou na interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 6º, nº 4 e 5º, nº 1, alínea h), ambos do CIRS, impondo-se a sua manutenção nesta parte, com todas as consequências legais.

OO. Pelo que, conforme se demonstrou, não tem razão a representação da Fazenda Pública ao assacar à Douta Sentença recorrida os vícios de erro na apreciação da prova e erro na interpretação e aplicação da lei, que lhe imputa e, nessa medida, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, com todas as legais consequências, ficando demonstrado que o ora recorrido fez plena prova dos factos que invocou, a qual, sopesados pelo Digmo. Juiz do Tribunal a quo, foram considerados adequados à demonstração desses factos e, nessa medida, justificou plenamente o sentido da decisão tomada.

PP. Sendo, por consequência, o presente recurso totalmente improcedente por não provado e ainda por abuso de processo, o que desde já se invoca para todos os legais efeitos.

Termos em que, com o Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pela AT, confirmando-se integralmente a Mui Douta decisão recorrida.

Assim se fazendo

JUSTIÇA”.

Os recursos foram admitidos, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento a ambos os recursos.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

No recurso apresentado pelos 1.ºs Recorrentes:

a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) Há erro de julgamento, em virtude de ter ficado demonstrada a efetividade dos suprimentos, no caso das correções relativas aos pagamentos efeitos pelas sociedades I…, Lda (doravante, I…) e Quinta do M…, Lda (doravante, Quinta do M…)?

No recurso apresentado pela 2.ª Recorrente:

c) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

d) Há erro de julgamento, em virtude de ter não ficado demonstrada a efetividade dos suprimentos, no caso da correção relativa ao pagamento feito pela sociedade W…, Lda (doravante, W…)?

e) Há erro de julgamento, em virtude de ter não ficado demonstrado que, inerente ao pagamento efetuado pela sociedade Investimentos D…, SA (doravante, Investimentos D…), estava uma dívida do pai do Impugnante marido para com este?

II. DA ADMISSIBILIDADE DA JUNÇÃO DE DOCUMENTO

Cumpre, antes de mais, aferir da admissibilidade da junção de documento na presente instância, com as alegações de recurso, por parte dos 1.ºs Recorrentes.

Vejamos.

Nos termos do art.º 651.º do CPC, aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT:

“1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.

Assim, de acordo com esta disposição legal, é admissível a apresentação de documentos com as alegações de recurso ou nos casos em que a sua apresentação não tenha sido possível em momento anterior (v. a remissão expressa para o art.º 425.º do CPC) ou quando tal junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.

Quanto ao alcance desta última situação, trata-se da admissibilidade da junção de documentos quando o julgamento em 1.ª instância seja “de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo” (1), não sendo admissível a junção de documentos para prova de factos que já se sabia estarem sujeitos a prova (2).

In casu, os 1.ºs Recorrentes juntaram, com as suas alegações, um documento, que, apesar de ter data ulterior à da prolação da sentença, se refere a factos anteriores mesmo à data da propositura da presente ação (concretamente, a factos ocorridos em janeiro de 2003). Mais: trata-se de documento apresentado para sustentar um facto inteiramente novo, nunca antes suscitado, a saber a alegada realização de suprimentos pelo 1.º Recorrente marido, na sociedade Quinta do M…, em data anterior, mesmo, ao momento em que o mesmo se tornou sócio da referida sociedade.

A junção dos documentos em causa não se poderá enquadrar no âmbito da 1.ª parte do n.º 1 do art.º 651.º, dado tratar-se de documento que se refere a facto relativo a momento anterior sequer à propositura da impugnação e que, por esse motivo, podia ter sido apresentado no momento oportuno, ou seja, com a petição inicial (não tendo sido alegada qualquer circunstância impeditiva de tal apresentação oportuna). Ademais, como referimos, refere-se a facto inteiramente novo, nunca antes suscitado, representando uma ampliação da causa de pedir inoportuna (cfr. art.ºs 260.º, 264.º e 265.º, todos do CPC).

Resta aferir se a sua junção se enquadra no âmbito da 2.ª parte da mencionada disposição legal.

Desde já se adiante que a resposta é negativa.

Com efeito, a sentença não tem qualquer tipo de apreciação com o qual a parte não podia contar, atento o pedido e a causa de pedir formulados.

Face ao exposto, não se admite a junção do referido documento.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

III.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Os Impugnantes são casados e, no ano de 2003, encontravam-se abrangidos pelo regime geral de tributação em sede de IRS (factos não controvertidos);

B) Por referência ao exercício de 2003, os Impugnantes apresentaram declaração de rendimentos nos seguintes termos: categoria A - € 11.310,53; categoria E - € 1.043,06; categoria F - 94.881,58, no total de rendimentos de € 107.235,17 (cfr. RIT junto com Doc. 2 à p.i. e a fls. 78 e seguintes do PA apenso);

C) Na sequência do mencionado em B), foi emitida a liquidação de IRS nº 2004.5003855846, na qual foi apurado imposto a pagar no montante de € 11.597,16 (cfr. Doc. 1 junto com a p.i. e fls. 182, 201 a 203 do PA apenso);

D) Em 25.10.2004, os Impugnantes procederam ao pagamento do Imposto a que se refere a alínea antecedente (cfr. fls. 205 do PA apenso);

E) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI200706107, de 03.08.2007, o Impugnante marido foi objecto de uma acção inspectiva externa, de âmbito parcial, incidente sobre o exercício de 2003, com vista a controlar o cumprimento das obrigações tributárias no âmbito do IRS (cfr. RIT junto com Doc. 2 à p.i. e a fls. 78 e seguintes do PA apenso);

F) Em 29.10.2007, foram elaboradas as conclusões do relatório final de inspecção tributária (“RIT”), do qual se extrai, designadamente, o seguinte:

“(…) III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL/IMPOSTO

3.1 Análise às Empresas Participadas

Atendendo às relações do sujeito passivo às empresas com as quais tem ligação (accionista, sócio, gerente, administrador) e, sabendo-se que algumas delas foram objecto de acções inspectivas, analisámos os respectivos relatórios, visando aferir da existência ou não de factos com eventual relevância na situação patrimonial e tributária do sujeito passivo.

Na fiscalização efectuada à empresa “I…, Lda.”, com o NIPC 504.651.668, ao abrigo da Ordem de Serviço n° 01200400598, verificámos que foi comprovadamente pago ao Sr. José Domingos Santos a importância de 798.623.54 €, através do Cheque n° 2814247523 da Conta n° 14645644101 do BPN, ….

No entanto não houve a correspondente entrada real e efectiva de dinheiro na empresa.

Assim sendo, concluímos que os “alegados” reembolsos de suprimentos não são mais do que mútuos não comprovados, conforme relatado nas folhas 11 e 12 do relatório da referida fiscalização, folhas estas que anexamos, Anexo I de 24 folhas, a fls. 1 e 2.

Na fiscalização efectuada à empresa “Quinta do M…, Lda”, com o NIPC 50…………, ao abrigo da Ordem de Serviço n° 01………….. de 04/11/2004, verificámos que foi comprovadamente pago ao Sr. J… a importância de 117.323,68 €, através da Conta n° DO 0150…………. do BIC, Anexo I de 24 fls. a fls. 12 e 13.

No entanto não houve a correspondente entrada real e efectiva de dinheiro na empresa.

Assim sendo, concluímos que os “alegados" reembolsos de suprimentos não são mais do que mútuos não comprovados, conforme relatado nas folhas 10 e 11 do relatório da referida fiscalização, folhas estas que anexamos, Anexo I de 24 folhas, a fls. 5 a 13.

Na fiscalização efectuada à empresa “Investimentos D… SA”, com o NIPC 501……., ao abrigo da Ordem de Serviço n° 0120…….. de 04/11/2004, verificámos que foi comprovadamente pago ao Sr. J… a importância de 144.576,25 € através do cheque nº 281……. da Conta nº 15………. do BPN. Anexo I de 24 folhas a II 18.

No entanto não houve a correspondente entrada real e efectiva de dinheiro na empresa.

Assim sendo, concluímos que os “alegados" reembolsos de suprimentos não são mais do que mútuos não comprovados, (…).

Na fiscalização efectuada à empresa “W…, Lda.", com o NIPC 50……, ao abrigo da Ordem de Serviço n° 01200400580, verificámos que foi comprovadamente pago ao Sr. José Domingos Santos a importância de 1.600.000,00 € por transferência bancária para a sua conta n° 158 232 7610 001 do BPN, através da Conta n° 186 15518851 10 001 do BPN, …, e a importância de 148.395,91€ através de cheque.

No entanto não houve a correspondente entrada real e efectiva de dinheiro na empresa.

Assim sendo, concluímos que os “alegados” reembolsos de suprimentos não são mais do que mútuos não comprovados, conforme relatado nas folhas 9 e 10 do relatório fiscalização, folhas estas que anexamos, Anexo I de 24 folhas, a fls. 19 a 24.


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3.2. Correcções técnicas

3.2.1. Devolução de “suprimentos”

Como já foi referido, na fiscalização efectuada às empresas “I… Lda.", “Quinta do M…, Lda.", “Investimentos D… SA" e “W… Lda.", ..., verificou-se que:

O Sr. J… é detentor de parte do capital nas empresas referidas.

> Foi comprovadamente pago (cheque n° 2814247523 da Conta 14645644101 do BPN) o reembolso de suprimentos no montante de 798.623,54 €, montante transferido para a conta pessoal do Sr. J…, proveniente da empresa Impulsimo.

> Foi comprovadamente pago (por cheques da Conta DO0150 0980 0177 do BIC) o reembolso de suprimentos no montante de 117.326,68 €, montante transferido para a conta pessoal do Sr. J…, proveniente da empresa Quinta do M….

> Foi comprovadamente pago (cheque n° 2815545206 da Conta 15550593101 do BPN) o reembolso de suprimentos no montante de 144.576,25 €, montante transferido para a conta pessoal do Sr. J…, proveniente da empresa Investimentos Dominiais.

> Foi comprovadamente pago (por transferência bancária da Conta n° 1551885110001 do BPN) os reembolsos de suprimentos no montante de 1.748.395,91 € (1.600.000,00 € em Outubro e 148.395,91 € em Dezembro de 2003), montante transferido para a conta pessoal do Sr. J…, proveniente da empresa W….

3.2.2. Esclarecimentos dados pelo contribuinte

Em resposta à Notificação, Ofício n° 75491 de 13/09/2007, o Sr. J… veio informar por escrito, conforme se transcreve textualmente parte da carta, entregue nesta D. F. de Lisboa em 03/10/2007, o seguinte:

... "Todos os valores recebidos, aconteceram a título de reembolso de suprimentos, com pontos particulares a cada uma das empresas"...

"... pelo que não se aceita que as verbas em causa possam ser consideradas como mútuos não comprovados, uma vez que se tratou de puro reembolso de suprimentos, matéria essa que não se elenca como facto constitutivo da criação e da quantificação da matéria colectável.

3.2.3. Determinação das correcções

Na resposta à notificação, o contribuinte não anexa qualquer prova documental que comprove o que veio alegar, pelo que, tendo-se verificado que não houve a correspondente entrada real e efectiva de dinheiro nas empresas aquando da constituição dos suprimentos em exercícios anteriores, os "alegados" reembolsos de suprimentos não são mais que "mútuos não comprovados", conforme descrito nos relatórios elaborados para cada uma das empresas acima indicadas, das quais anexamos fotocópias, Anexo I de 24 folhas.

Considera-se que os valores pagos pelas empresas “Quinta do M…, Lda”, “I… Lda", “I… SA" e “W… Lda", empresas nas quais o Sr. J… era sócio são de facto "Adiantamentos por Conta de Lucros", os quais estão sujeitos à tributação em sede de IRS Categoria E, nos termos do n° 1 e da alínea h) do n° 2 do art° 5º, n° 4 do art° 6º e n° 1 do art° 7º todos do CIRS.

Os "alegados” reembolsos de suprimentos que não são mais do que "mútuos não comprovados”, conforme descrito nos relatórios elaborados para cada uma das empresas atrás indicadas, totalizaram 2.808.919,38 €.

Estes Rendimentos, Adiantamentos por Conta de Lucros, de acordo com o disposto no Artº 40º -A do CIRS, são englobados em 50%.

Os rendimentos a englobar são no montante de 1.404.459,69€. (…)” (cfr. RIT junto com Doc. 2 à p.i. e a fls. 78 e seguintes do PA apenso);

G) O RIT antecedente foi notificado aos Impugnantes através do ofício nº 092265, de 09.11.2007, remetido através de carta registada com A/R, o qual foi assinado em 15.11.2007 (cfr. fls. 188 a 190 do PA apenso);

H) Na sequência da acção inspectiva, em 21.11.2007, foi emitida em nome dos Impugnantes, por referência ao ano de 2003, a liquidação adicional de IRS nº 200………, e respectivos juros compensatórios, no valor total de € 651.813,01, nos seguintes termos:

(Cfr. Doc. 1 junto com p.i. e fls. 183, 206 e 207);

I) Em 23.11.2007, foi efectuada compensação e emitida a demonstração de acerto de contas nº 2007.00001331978, com valor a pagar no montante de € 640.215,85, com data limite de pagamento a 02.01.2008 (cfr. Doc. 1 junto com p.i.);

J) A presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 2, em 31.03.2008 (cfr. fls. 2 dos autos).

Mais se provou que:

K) Em 21.05.2002, foi outorgada escritura pública de cessão de quotas, nomeação de gerentes e alteração parcial do contrato, onde intervieram J…, R…, o Impugnante e seu irmão, A…, na qual, designadamente, o Impugnante e o seu irmão adquiriram as quotas representativas do capital social da sociedade “I…, LDA.” (doravante I…), no montante de € 5.000,00, tendo cada um adquirido uma quota no valor de € 2.500,00, pelo preço igual ao respectivo valor nominal (cfr. Doc. 3 junto com a p.i.);

L) Na mesma data, por escrito particular, foi celebrado “Contrato de Cessão de Suprimentos” entre os antigos sócios, J… e R…, e os novos sócios da sociedade I…, através do qual os primeiros declararam transmitir aos segundos o direito à totalidade dos suprimentos por si efectuados na sociedade, no montante global de € 1.797.247,08, na proporção de 50% para cada um (€ 898.623,54) (cfr. Doc. 4 junto com a p.i.);

M) Na mesma data, foi também outorgada escritura pública de cessão de quotas, nomeação de gerentes e alteração parcial do contrato, com os mesmos intervenientes – J…, R…, o Impugnante e A… –, na qual, designadamente, os segundos outorgantes adquiriram a totalidade das quotas representativas do capital social da sociedade “QUINTA DO M…, LDA.” (doravante QUINTA DO M…), no valor de € 5.000,00, tendo cada um passado a ser titular de uma quota de € 2.500,00, pelo preço igual ao respectivo valor nominal (cfr. Doc. 3 junto com a p.i.);

N) Na mesma data, por escrito particular, foi celebrado “Contrato de Cessão de Suprimentos” entre os antigos sócios, J… e R…, e os novos sócios da sociedade QUINTA DO M…, através do qual os primeiros declararam transmitir aos segundos o direito à totalidade dos suprimentos por si efectuados na sociedade, no montante global de € 1.995.440,00, na proporção de 50% para cada um (€ 997.720,00) (cfr. Doc. 4 junto com a p.i. e prova testemunhal);

O) Os anteriores sócios receberam dos novos sócios o pagamento das participações sociais e dos suprimentos a que se referem as alíneas anteriores (prova testemunhal – depoimento de J…);

P) Em 23.05.2002, J… emitiu o cheque nº 3……… à ordem da I…, no montante de € 2.081.678,00, o que foi depositado no dia seguinte (cfr. Doc. 7 junto com a p.i.);

Q) Em 24.05.2002, foram emitidos à ordem de J…, os cheques nº 800… e 980….. do BPN, no valor respectivamente de € 2.493.989,49 e € 897.836,21, perfazendo o montante de € 3.391.825,70, montante que foi depositado na mesma data (cfr. Docs. 5 e 6 juntos com a p.i.);

R) No dia 24.05.2002, J… emitiu cheque nº 23…….. à ordem da I….., pelo valor de € 1.212.697,68, o qual foi depositado no Crédito Predial Português, na mesma data (cfr. Doc. 7 junto com a p.i.);

S) Foram registados na contabilidade da I…, nas contas #25.5.01 e #25.5.02 – Accionistas J… e R…, movimento a crédito, em 31.05.2002, de € 898.623,54 em cada um, e em 31.12.2002, movimento a débito no mesmo valor (cfr. fls. 343 a 346 do PA apenso);

T) Em 31.12.2002, foi registado na contabilidade da I…, a crédito, na conta #25.5.1.03 (A…) e #25.5.1.04 (J…), as quantias de € 898.623,54 cada (cfr. fls. 344 a 346 do PA apenso);

U) Foi emitido cheque nº 2814247523, sore a conta nº 14645664101, do BPN, de que era titular a sociedade I…, à ordem do Impugnante, datado de 22.12.2003, no valor de € 798.623,54, valor por este recebido (cfr. fls. 340 e 341 do PA apenso);

V) Foram registados na contabilidade da QUINTA DO M…, nas contas #25.5.01 e #25.5.02 – Accionistas J… e R…, movimento a crédito, em 31.05.2002, de € 997.720,00 cada, e em 30.11.2002, movimento a débito no mesmo valor (cfr. fls. 250 e 251 do PA apenso);

W) Em 30.11.2002, foi registado na contabilidade da QUINTA DO M…, nas contas #25.5.1.03 (A…) e #25.5.1.04 (J…), a crédito, as quantias de € 997.720,00 cada, e a débito, as quantias de 872.896,32, apurando-se um saldo de € 124.823,68 (cfr. fls. 251, 252, 258 do PA apenso);

X) Em 29.11.2002, foi efectuada transferência bancária pela sociedade QUINTA DO M… a favor do Impugnante, pelo montante de € 872.896,32 (cfr. fls. 266 do PA apenso);

Y) Em 31.12.2003, foi registado, na contabilidade da QUINTA DO M…, o movimento a débito da conta #25.5.1.04 (J…), no valor de € 117.323,68 (cfr. fls. 277 do PA apenso);

Z) Foi emitido cheque, em Dezembro de 2003, de conta bancária de que era titular a sociedade QUINTA DO M…, à ordem do Impugnante, no valor de € 117.323,68 (cfr. fls. 280 do PA apenso);

AA) Os créditos dos anteriores sócios para com as sociedades I… e QUINTA DO M… encontravam-se incorrectamente registados nas respectivas contabilidades (prova testemunhal – depoimento de M…);

BB) No seio do grupo de sociedades pertencentes à família do Impugnante, era frequente os sócios efectuarem o pagamento de despesas, o que era registado na conta #11 – Caixa e, posteriormente, o saldo da aludida conta era regularizado e transferido para a conta #25.5.1 – Accionistas / Suprimentos (prova testemunhal – depoimento de A…);

CC) O facto de o Impugnante e o seu Pai, V… serem accionistas/sócios de diversas sociedades, e procederem a diversos pagamentos em nome das mesmas, e em diferentes momentos e montantes, motivou que entre eles existisse uma conta-corrente, tendo sido efectuadas diversas transferências bancárias entre as suas contas pessoais, sendo o saldo, a 21.03.2003, de € 1.417.195,56 a favor do Impugnante (cfr. Doc. 10 junto com a p.i.; fls. 145 a 153 dos autos; prova testemunhal – depoimentos de M… e V…);

DD) Do relatório de inspecção tributária efectuada à sociedade “W…, Lda.” (doravante W…), extrai-se, designadamente, o seguinte:

"Os movimentos efectivamente realizados conforme resultaram do que foi possível apurar da análise conjugada dos registos contabilísticos da conta bancária do BIC de que a sociedade é titular e das contas bancárias particulares dos sócios V…, A… e J… tinham sido os seguintes:

1 – Entradas provenientes das contas bancárias dos sócios, e registadas quer no extracto bancário da conta da empresa no BIC, quer como tal nas contas dos sócios - 2.300.000$00 (1.800.000$ para o sócio A… e 500.000$00 para o sócio J…)

(…)

3- Transferência bancária para a conta bancária da empresa no BIC oriunda da conta bancária particular dos sócios V…, A… e J…, no montante de 624.750.000$00 para pagar o terreno denominado Quinta da M…, movimento este que não se encontra registado na contabilidade (apenas nos extractos bancários da empresa e dos sócios);

4 - Emissão do cheque n° 8108442251 de 20.07.2000 sobre a conta bancária particular dos sócios V…, A… e J…, no montante de Esc. 20.000.000$00, com valor e data coincidentes com o constante na escritura de aquisição do prédio urbano sito na Rua Campo de O…, n° 1… e 1…, artigo matricial n° 4…, que não se encontra registado nem na conta bancária da W… no BIC nem na contabilidade.

5 - Emissão do cheque n° 36………….. de 11.12.2000 sobre a conta bancária particular dos sócios V…, A… e J…, no montante de 35.682.000$00, valor e data coincidentes com o constante na escritura de aquisição da parcela de terreno para construção sito na Ajuda, omissa na matriz, que não se encontra registado nem na conta bancária da W… no BIC nem na contabilidade;

(…) Também fora referido que não tinha sido possível apurar até à data do relatório qual o meio de pagamento utilizado para pagar a aquisição do prédio urbano sito na Rua Campo de O… por 30.000.000$00. Excluindo os 30.000.000$00, aqueles valores totalizam 691.139.501$00 e destinaram-se a financiar a compra das referidas propriedades, sendo que os cheques emitidos sobre as contas bancárias dos sócios independentemente de estarem ou não registados na contabilidade ascendem a 689.639.501$00 (2.300.000$00 + 624.750.000$00 + 20.000.000$00 + 35.682.000$00 + 6.907.501$00). (…)

Tendo sido estas e em resumo as observações feitas a propósito das contas dos sócios, relativamente ao exercício de 2000, analise-se agora a evolução dos respectivos movimentos para o exercício de 2001, 2002 e 2003, conforme resulta dos elementos contabilísticos que se juntam …:

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Os pagamentos aos sócios no exercício de 2003 foram realizados ou por emissão de cheques ou por transferências da conta bancária (…).

Estes pagamentos aos sócios saldaram as respectivas contas e fecharam o ciclo que se iniciou no exercício de 2000, em que as mesmas tinham sido creditadas para financiamento da compra de diversas propriedades, incluindo a citada Quinta da M… (…)" (cfr. Doc. 8 junto com a p.i. e fls. 415 e seguintes do PA apenso);

EE) Foi registado, na contabilidade da sociedade W…, o saldo credor na conta #25.5.1.03 (J…) no montante de € 1.748.395,91 (cfr. fls. 451 do PA apenso);

FF) Foram ainda registados, na contabilidade da sociedade W…, na conta #25.5.1.03 (J…), os movimentos a débito de € 1.600.000,00, a 31.10.2003, e € 148.395,91, a 31.12.2003 (cfr. fls. 451 do PA apenso);

GG) Em 24.10.2003, foi efectuada transferência bancária da sociedade W… para a conta bancária do Impugnante, no valor de € 1.600.000,00 (cfr. fls. 432 e 452 do PA apenso);

HH) Foi emitido, em 22.12.2003, pela sociedade W…, o cheque nº 1……, à ordem do Impugnante, no valor de € 148.395,91 (cfr. fls. 434 e 453 do PA apenso);

II) Do relatório de inspecção tributária efectuada à sociedade “INVESTIMENTOS D…, SA” (adiante INVESTIMENTOS D…), resulta, designadamente:

(…) 2.4.1.8 – Foi contabilizado na conta 26.8.03*9 – “Devedores e Credores Diversos – V…” o valor de € 144.576,25 a título de “Pagamentos do valor em dívida”. Dada a antiguidade desta dívida e pelos documentos que nos foram exibidos tudo indica que a mesma respeite a pagamentos feitos por conta da contribuinte. Acresce que, para além de não ser visível qualquer relação comercial entre o Sr. V… e a empresa, verifica-se ainda que o documento de suporte do lançamento é um cheque passado à ordem de J… (…). O referido valor em vez de ter sido pago a V… foi pago ao seu filho J… o que reflecte a evidente promiscuidade entre património financeiro da empresa e património familiar. (…)” (cfr. fls. 365 e seguintes do PA apenso);

JJ) V… solicitou à sociedade INVESTIMENTOS D… que o cheque para reembolso do seu crédito, no montante de € 144.576,25, fosse passado directamente ao seu filho, aqui Impugnante, entrando na conta-corrente a que se refere a alínea CC) supra (prova testemunhal – depoimento de V…);

KK) Em 22.12.2003 foi emitido o cheque nº 2…….., sobre a conta nº 15……. de que é titular a INVESTIMENTOS D…, no montante de € 144.576,25, à ordem do Impugnante (cfr. fls. 405 do PA apenso);

LL) A 31.12.2003, foi registado na contabilidade da INVESTIMENTOS D…, a débito na conta #26.8.03 (V…), o montante de € 144.576,25 (cfr. fls. 403 do PA apenso)”.

III.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“FACTOS NÃO PROVADOS:

Não se provou, designadamente, que foram feitas efectivas entregas de valores às sociedades I… e QUINTA DO M… pelos anteriores sócios, J… e R…, nos exercícios anteriores a 2003 ou em momento anterior à cessão de suprimentos a que se referem as alíneas L) e N) supra”.

III.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise da prova documental constante dos autos e do PA apenso.

Para fixação dos factos constantes nas alíneas O), AA), BB), CC) e JJ) supra, foram ainda relevantes os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Impugnante, que depuseram de forma espontânea, a saber:

¾ J…, identificado nos documentos mencionados nos factos K) a N), ex-sócio das sociedades I… e QUINTA DO M…, que confirmou a cessão de quotas e suprimentos das referidas sociedades ao Impugnante e seu irmão, A…; afirmou peremptoriamente que pelo referido negócio – aquisição de quotas e suprimentos - receberam os respectivos montantes;

¾ A..., contabilista das sociedades do grupo familiar, inclusive, da I…, QUINTA DO M… e W…, explicitou o “modus operandi” das sociedades, em termos contabilísticos, especialmente no que se referia aos sócios, e que passava por registar na conta Caixa as despesas em que os sócios incorriam em nome das sociedades e, em determinado momento, o saldo de cada sócio era regularizado ou transferido para a conta de Suprimentos; reconheceu que existia uma má prática contabilística, porquanto o “sistema de caixa” podia gerar alguma confusão e não ser o correcto, mas afiançou que os acertos quanto aos suprimentos estavam bem identificados; declarou ainda que os suprimentos, no âmbito das sociedades I… e QUINTA DO M… foram transferidos dos anteriores para os novos sócios; explanou e confirmou ainda a existência de contas-correntes entre o Pai do Impugnante, V… e o Impugnante, e mesmo entre o Pai e o irmão do Impugnante, A…, demonstrando-se ainda documentalmente algumas transferências bancárias entre as contas particulares destes, que sustentam tais declarações;

¾ M…, consultor fiscal da família e das empresas, que confirmou a deficiente contabilização das dívidas das sociedades I… e QUINTA DO M… perante os antigos sócios (que se encontravam registadas na conta #26 – Outros devedores e credores); mais referiu que os aludidos montantes serviram para compra de imóveis, tal como o havia referido a primeira testemunha (no entanto, a referida declaração, desprovida de outro meio de prova, não comprova a proveniência dos fundos nem é demonstrativa da “entrada” dos fundos nas respectivas sociedades). Confirmou também a existência de conta-corrente entre o Pai do Impugnante, V… e os filhos;

¾ Por fim, V…, Pai do Impugnante, empresário, que declarou de forma peremptória que conhecia os anteriores sócios das sociedades I… e QUINTA DO M…, tendo negociado a cessão das respectivas quotas e suprimentos para os seus filhos e à semelhança da testemunha M…, referiu que as sociedades contraíram um empréstimo bancário, tendo em vista os reembolsos dos suprimentos, a favor dos novos sócios. Asseverou que detinha com os seus filhos contas-correntes – respeitantes às contas pessoais de cada um – e que, para reduzir o seu saldo devedor face ao saldo do filho Impugnante, solicitou/ordenou à sociedade INVESTIMENTOS D… que o reembolso do seu crédito de € 144.576,25 fosse pago directamente a este.

No que concerne aos factos não provados, não foi carreada para os autos prova suficiente que demonstre a “transferência” de montantes da esfera patrimonial dos anteriores sócios da I… e da QUINTA DO M… para a esfera destas sociedades.

Como adiantado supra, as testemunhas J… e M… referiram nos seus depoimentos que os suprimentos em causa foram constituídos para a compra de terrenos no Linhó e Alto do Cacém, mas tal não ficou inequivocamente demonstrado. Era exigível, para o efeito, a apresentação das escrituras de compra e venda dos aludidos terrenos, a prova de disponibilização do capital pelos anteriores sócios e, bem assim, o registo contabilístico correcto e oportuno dos suprimentos, o que não se verificou.

Também os cheques emitidos pelo anterior sócio, J…, à ordem da I…, a que se referem as alíneas P) e R) supra, emitidos em data posterior aos documentos de “Cessão de suprimentos”, não são igualmente aptos a comprovar a constituição dos suprimentos em apreciação, por parte dos anteriores sócios nas sociedades I… e da QUINTA DO M…, além de os referidos montantes em causa não corresponderem entre si (ou seja, o montante dos cheques emitidos à I… por J… são em montante inferior aos pagamentos que lhe foram efectuados pelos novos sócios, não correspondendo, assim, aos “suprimentos” cedidos)”.

III.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

III.D.1. Por parte dos 1.ºs Recorrentes

Ao longos das suas alegações, os 1.ºs Recorrentes vão imputando erro de julgamento de facto à sentença recorrida, considerando que a prova produzida, maxime a testemunhal, foi no sentido por si propugnado.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (3).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (4).

In casu, verifica-se que os 1.ºs Recorrentes não cumpriram com o exigido pelo disposto no art.º 640.º do CPC, não sendo claro que factos pretendem ou não aditar e com base em que prova, sendo que, concretamente quanto à prova testemunhal, a menção à mesma não obedece minimamente às exigências especificamente definidas para esse meio de prova no mencionado art.º 640.º do CPC.

Quanto ao documento ora junto, não tendo a sua junção sido admitida, pelos motivos já referidos, o mesmo não pode sustentar qualquer alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Como tal, rejeita-se nessa parte o recurso.

III.D.2. Por parte da 2.ª Recorrente

Por seu turno, também a 2.ª Recorrente faz menção à força probatória de um concreto meio de prova (documento n.º 10, junto com a petição inicial).

Ora, essa menção per se não é suficiente para considerarmos cabalmente impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, desde logo por nem ser indicado que facto ou factos a 2.ª Recorrente pretende atacar.

Ainda que se faça um exercício de análise da decisão proferida sobre a matéria de facto, decorre que apenas o facto CC) se motiva, em parte, no referido documento n.º 10, sustentando-se, no entanto, noutros meios de prova, sobre os quais a Recorrente nada diz.

Face ao exposto, não foi cabalmente impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, rejeitando-se nesta parte o recurso apresentado pela FP.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

As correções que estão na origem da presente impugnação têm todas, como denominador comum, o facto de a administração tributária (AT) ter considerado que um conjunto de pagamentos feito por quatro distintas sociedades ao Impugnante marido correspondiam a adiantamentos por conta de lucros.

Em sede impugnatória, o Impugnante alegou, em três dos casos, estar-se perante pagamento de suprimentos e, no restante, estar-se perante pagamento de dívida do pai para consigo.

Antes de passarmos à apreciação de ambos os recursos, cumpre fazer um breve enquadramento em torno da questão jurídica ora em apreciação.

Sobre os adiantamentos por conta de lucros, dispunha o então art.º 5.º do Código do IRS (CIRS) que:

“1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 - Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente:

(…) h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20º”.

Por sua vez, nos termos do então n.º 4 do art.º 6.º do CIRS:

“Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”.

Daqui resulta que, atento o disposto no n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, reunidos que estejam os seus pressupostos (ou seja, a existência de lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais), presume-se que estamos perante lucros ou adiantamento dos lucros, presunção essa que, tendo presente o disposto no art.º 73.º da Lei Geral Tributária (LGT), é passível de prova em contrário.

Assim, nestes casos, compete, num primeiro momento, à AT demonstrar os pressupostos da sua atuação [cfr., v.g., a este respeito o Acórdão deste TCAS de 24.03.2022 (Processo: 1955/09.5BELRS) e jurisprudência no mesmo citada].

Demonstrados tais pressupostos, caberá ao sujeito passivo a prova de que os valores em causa não corresponderam a lucros ou seu adiantamento.

Cumpre ainda, no presente caso, atentar no conceito de suprimento, sendo de abordar o mesmo em paralelo com outros institutos do direito societário.

O nosso ordenamento prevê, no Código das Sociedades Comerciais (CSC), diversos institutos a considerar.

Assim, temos:

¾ Prestações acessórias, previstas nos art.ºs 209.º e 287.º do CSC, cuja exigibilidade depende de previsão no pacto social que as imponha, “desde que fixe os elementos essenciais desta obrigação e especifique se as prestações devem ser efetuadas onerosa ou gratuitamente”. Podem ser reconhecidas em rubricas de capital próprio;

¾ Prestações suplementares, previstas no art.º 210.º do CSC, cuja exigibilidade depende da sua previsão no pacto social e de deliberação dos sócios para que a obrigação de as prestar se torne efetiva, podendo ser exigidas a qualquer momento. São sempre realizadas em dinheiro (ao contrário das acessórias) e não vencem juros. O seu reembolso depende do cumprimento dos requisitos previstos no art.º 213.º do CSC. Também são reconhecidas em rubricas de capital próprio da sociedade;

¾ Suprimentos, previstos no art.º 243.º do CSC, cujo n.º 1 os define como “o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência”, podendo os mesmos ser retribuídos com juros quando tal seja estipulado (5).

Os suprimentos consubstanciam um verdadeiro empréstimo dos sócios à sociedade, integrando e influindo no passivo desta (6), detendo, pois, o sócio a posição de credor perante a sociedade.

Assim, contabilisticamente, os suprimentos são reconhecidos no passivo da sociedade.

A efetividade da existência do suprimento implica a evidenciação da entrada do dinheiro ou outra coisa fungível na esfera jurídica da sociedade.

Feito este enquadramento, passemos então à apreciação da pretensão dos recorrentes.

IV.A. Do erro de julgamento alegado pelos 1.ºs Recorrentes

Consideram os 1.ºs Recorrentes que o Tribunal a quo laborou em erro, no que toca ao decidido quanto às correções decorrentes dos pagamentos efetuados pelas sociedades I… e Quinta do M…, na medida em que, na sua perspetiva, ficou provada a realização de suprimentos.

Vejamos então.

In casu, foi referido no relatório de inspeção tributária (RIT) que:

a) Foi transferido pela Impulsimo, ao 1.º Recorrente, o valor de 798.623,54 Eur., sem que exista demonstração de entrada de dinheiro na sociedade;

b) O mesmo ocorre relativamente a pagamento feito pela Quinta do M…, no valor de 117.323,68 Eur.;

c) Logo, trata-se de mútuos não comprovados;

d) É de lançar mão da presunção de rendimentos da categoria E (capitais), constante do n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, que previa que os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais, que não resultassem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumiam-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros;

e) A AT fundou o seu entendimento no facto de não ter resultado demonstrado que tenha havido efetivas entregas em exercícios anteriores, não obstante a respetiva contabilização.

A este respeito, o Tribunal a quo secundou o entendimento da AT, considerando que, não obstante ter ficado provado que, com a aquisição das quotas das referidas sociedades, o 1.º Recorrente declarou ter adquirido alegados suprimentos, a montante nunca ficou demonstrada a existência de efetivas entregas pelos anteriores sócios em exercícios anteriores.

Desde já se adiante que se acolhe este entendimento.

Com efeito, é certo que foram celebrados, em 21.05.2002, os contratos mencionados em L) e N) do probatório. No entanto, é igualmente certo que não resultou provado que os anteriores sócios (J… e R…) tenham efetuado efetivas entregas de valores às ditas sociedades, nos exercícios anteriores a 2003 ou em momento anterior à designada cessão de suprimentos.

Exclusivamente quanto à Impulsimo (dado inexistir qualquer facto provado paralelo relativamente à Quinta do M…), e atentando nos cheques mencionados em P) e R) do probatório, não há qualquer prova atinente ao título a que os mesmos foram passados, sendo os mesmos são de data ulterior à dos contratos mencionados em K) e L) e de valor que nem sequer corresponde ao valor em causa.

O entendimento dos 1.ºs Recorrentes, no sentido de os suprimentos terem sido escriturados, mas realizados já depois de cedidas as quotas e transmitidos esses mesmos suprimentos, não se revela verosímil.

Primeiro, não resulta provado que tenham sido depositados quaisquer valores para pagamento de eventuais suprimentos, em qualquer uma das sociedades, como já deixamos mencionado. Ademais, o ora alegado, no sentido de, afinal, os suprimentos terem sido realizados em momento ulterior ao referido em L), é questão factual inteiramente nova (dado que, da leitura da petição inicial, resulta que os Impugnantes sempre alegaram ter adquirido suprimentos já realizados) e que não encontra qualquer respaldo na prova produzida, da qual, reiteramos, decorre não provada a efetiva entrada dos valores transacionados como suprimentos.

Face ao exposto, os 1.ºs Recorrentes não lograram ilidir a presunção constante do n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, em nenhum dos casos, dado não ter ficado demonstrada a efetivação, a montante, dos suprimentos alegadamente objeto de realização pelos anteriores sócios.

Não se alcança de que forma este entendimento é violador dos princípios da justiça material, da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade, violação alegada de forma não consubstanciada. Sempre se diga que a questão aqui se prende exclusivamente com a prova (não) produzida e seus reflexos em termos de decisão proferida sobre a matéria de facto.

O disposto no n.º 4 do art.º 6.º do CIRS não se trata efetivamente de uma presunção iuris et de iure, mas de uma presunção iuris tantum, que cabia aos Recorrentes afastar, mediante prova em contrário. O que não sucedeu.

Face ao exposto, não assiste razão aos 1.ºs Recorrentes.

IV.B. Do erro de julgamento, no que respeita à correção atinente à sociedade Wagenbild

Insurge-se, por sua vez, a 2.ª Recorrente, quanto ao decidido, no que respeita à correção no valor de 1.748.395,91 Eur., atinente aos pagamentos efetuados pela sociedade W…, considerando que não foi demonstrado que o pagamento efetuado tenha sido a título de suprimentos, sustentando o seu entendimento na circunstância de o Tribunal a quo ter efetuado uma leitura descontextualizada do RIT relativo a tal sociedade.

Vejamos então.

Como resulta de F) do probatório, a sustentação da correção em causa reside no RIT atinente à sociedade W…, mencionado em DD).

De acordo com o referido relatório, está demonstrado o pagamento ao Impugnante dos valores em causa, estando explanadas as entradas de vários valores e concluindo-se que os mesmos se destinavam a financiar a compra de propriedades.

De acordo com o referido RIT, atenta a contabilidade daquela sociedade e as verificações efetuadas pela AT, e especificamente quanto ao Impugnante marido, desde 2001 que vinha transitando um saldo de 1.748.395,91 Eur., que lhe foi pago em 2003 e que está na origem da correção.

É expressamente referido no RIT: “[e]stes pagamentos aos sócios saldaram as respectivas contas e fecharam o ciclo que se iniciou no exercício de 2000, em que as mesmas tinham sido creditadas para financiamento da compra de diversas propriedades, incluindo a citada Quinta da M…”.

Ora, tal como refere o Tribunal a quo, esta posição assumida pela AT reflete que própria reconhece que o Impugnante marido e os demais sócios financiaram uma série de aquisições, respeitando os valores em causa ao pagamento de tais importâncias, “fechando o ciclo” de financiamento.

Como tal, resulta que a conclusão retirada no RIT mencionado em F) se encontra em contradição com o RIT da sociedade em causa, sendo que é neste último que, por força da remissão efetuada no primeiro, reside a fundamentação da correção.

Ainda que os valores tenham sido destinados diretamente à compra das propriedades, tais propriedades destinaram-se à sociedade em causa, o que a AT teve a oportunidade de confirmar e afirmar, pelo que não se pode considerar que não houve entrada efetiva da totalidade dos valores que estão na base da correção em causa.

Do RIT da sociedade decorre que foram emitidos cheques sobre conta bancária de vários sócios, incluindo o Impugnante marido, resultando ainda que tais valores foram utilizados na compra de propriedades.

Ou seja, a afirmação, constante do RIT mencionado em F), no qual se refere globalmente que não está demonstrada a entrada de dinheiro na esfera da sociedade encontra-se em contradição com o apurado em sede de ação inspetiva à sociedade Wagenbild, no qual, não obstante as observações efetuadas em termos de uma menor correção contabilística, se conclui que, repetimos, os pagamentos efetuados saldaram as contas dos sócios e fecharam o ciclo iniciado em 2000, motivado pela compra de diversas propriedades.

Saliente-se que, no mesmo sentido, se decidiu nos autos n.º 1160/08.8BELRS [cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03.12.2020 (Processo: 1160/08.8BELRS)].

Face ao exposto, carece de razão a 2.ª Recorrente, nesta parte.

IV.C. Do erro de julgamento, no que respeita à correção atinente à sociedade Investimentos Dominiais

Considera, por outro lado, a 2.ª Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, no que respeita à correção atinente ao pagamento de 144.576,25 Eur., efetuado pela sociedade Investimentos D…, entendendo que não resulta provado o alegado pelos Impugnantes, no sentido de ter ocorrido um reembolso de suprimentos a V…, pai do Impugnante, que ordenou a emissão do cheque a este, por lhe dever dinheiro.

Vejamos então.

Cumpre, a este respeito, sublinhar que, nos termos já referidos supra (cfr. ponto III.D.2), a decisão proferida sobre a matéria de facto não foi cabalmente impugnada pela FP, motivo pelo qual é atendendo à mesma, tal como foi proferida pelo Tribunal a quo, que iremos fazer a nossa apreciação.

Compulsado o RIT referido em F) do probatório, verifica-se que a sustentação da correção radica no facto de ter sido emitido cheque, pela Investimentos D…, pago ao Impugnante marido, verificando-se, paralelamente, uma correspetiva falta de correspondência em termos de entrada real e efetiva de dinheiro na mencionada sociedade.

Por seu turno, da análise do RIT relativo à Investimentos D… [cfr. facto II)], verifica-se que ali é afirmado que o pai do Impugnante surgia, do ponto de vista contabilístico, como credor da referida sociedade, o que rigorosamente nunca é posto em causa, afirmando-se que “tudo indica que a mesma [dívida] respeite a pagamentos feitos por conta da contribuinte”.

No entanto, a AT entendeu que, uma vez que o cheque para pagamento foi passado à ordem não do pai do Impugnante, mas do Impugnante, tal reflete uma “evidente promiscuidade entre património financeiro da empresa e património familiar”.

Sucede, porém, que ficou provado que, perante o reembolso de parte do crédito que detinha sobre a Investimentos D… [reembolso esse com reflexos na contabilidade da sociedade – cfr. facto LL)], foi o pai do Impugnante quem pediu que o cheque fosse passado diretamente ao seu filho [cfr. facto JJ)], por força da conta-corrente que entre eles existia e que, por referência a 21.03.2003, tinha um saldo favorável ao Impugnante na ordem dos 1.417.195,56 Eur. [cfr. facto CC)].

Ora, atenta a factualidade provada, não se pode deixar de acompanhar o entendimento do Tribunal a quo.

Com efeito, como já referimos, nunca foi, de forma efetiva, posta em causa a existência de uma dívida por parte do pai do Impugnante a este (sendo, por isso, irrelevante o alegado sobre a capacidade ou incapacidade de os Impugnantes terem rendimentos suficientes, questão nunca colocada e que não consubstancia a fundamentação do ato tributário) – cfr. CC) do probatório, não impugnado cabalmente. Estando, assim, demonstrado que V…, pai do Impugnante, lhe devia dinheiro, tendo sido o cheque em causa emitido em nome deste, justamente para saldar parte dessa dívida, decorre que o pagamento efetuado está cabalmente justificado e não é um adiantamento por conta de lucros.

Como refere o Tribunal a quo, acabamos por ter aqui subjacente uma situação de cessão de créditos (cfr. art.ºs 577.º e ss. do Código Civil), por parte do pai do Impugnante. Refere-se na sentença recorrida, em termos que acompanhamos:

“A situação em causa consubstancia, em rigor, uma cessão de créditos, admissível nos termos do artigo 577.º do Código Civil, segundo o qual "o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor".

Nos termos do nº 1 do artigo 583º do Código Civil, "a cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite - artigo 583.º, n.º 1 do CC."

O facto de ter sido emitido cheque da sociedade à ordem do Impugnante, mais não constitui do que a aceitação da devedora — a INVESTIMENTOS D… — nessa cessão. Além disso, como resulta da alínea LL) do probatório, embora o pagamento tenha sido dirigido ao Impugnante, J…, facto é que na contabilidade da sociedade foi reduzido o saldo credor do sócio V…, através do débito da conta #26.08.03 (V…) pelo montante de € 144.576,25.

Por outro lado, foi reduzido o saldo devedor de V… na conta-corrente detida com o Impugnante”.

Acompanha-se igualmente o entendimento do Tribunal a quo no sentido de que, efetivamente, do ponto de vista contabilístico havia imprecisões. No entanto, independentemente dessas imprecisões, que são sempre de evitar, o certo é que a prova produzida permitiu a demonstração da situação real subjacente, sendo forçoso concluir não estarmos perante qualquer adiantamento por conta de lucros.

Face ao exposto, carece de razão a 2.ª Recorrente.

Vencidos todos os Recorrentes são os mesmos responsáveis pelas custas dos respetivos recursos (art.º 527.º do CPC).

Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.05.2014 (Processo: 01953/13): “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade” (sublinhado nosso).

Ora, considera-se que o valor de taxa de justiça devido (considerando o valor de cada um dos recursos), calculado nos termos da tabela I.b., do RCP, é excessivo. Assim, não obstante se entender que, face à complexidade das questões envolvidas e à tramitação dos autos, não deve haver dispensa total do pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda os 275.000,00 Eur., ao contrário do defendido pela 2.ª Recorrente, entende-se ser adequado e proporcional, face às caraterísticas concretas dos autos e à atuação das partes, dispensar o pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda 350.000,00 Eur.

V. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Não se admitir o documento junto com as alegações recurso apresentadas por J… e A…, determinando-se o respetivo desentranhamento e devolução aos Recorrentes;

b) Custas do incidente pelos Recorrentes J… e A..., fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC;

c) Negar provimento a ambos os recursos;

d) Custas de cada um dos recursos pelo respetivo Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 350.000,00 Eur.;

e) Registe e notifique.


Lisboa, 30 de junho de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


__________________________
(1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 242.
(2) António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 786.
(3) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos …, cit., p. 169.
(4) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
(5) Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial – Volume II – Das sociedades, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2007, p. 340.
(6) António Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades – II – Das Sociedades em Especial, 2.ª Ed., 3.ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 293 a 300.