Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:54/21.6BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/26/2024
Relator:MARIA DA LUZ CARDOSO
Sumário:I - Sempre que o Tribunal deixe de se pronunciar sobre um dos vícios assacados ao ato, e desde que o seu conhecimento não tenha ficado prejudicado pelo conhecimento das demais questões suscitadas pelas partes, ocorre a nulidade da decisão.
II - A alegação, feita por uma das partes no processo, de que uma determinada interpretação do preceito é inconstitucional, configura uma questão de tem de ser objeto de apreciação por parte do Tribunal, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, al. d) do CPC.
III - Consequentemente, tendo a parte arguido a inconstitucionalidade duma determinada interpretação efetuada pela outra parte, se o Tribunal a quo não a conhece, ocorre nulidade de pronúncia que impõe a declaração de nulidade da decisão, com a consequente baixa dos autos a esse Tribunal.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tibutária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO


BANCO S...................PORTUGAL, SA, doravante abreviadamente designado por Impugnante, vem deduzir impugnação, ao abrigo dos artigos 27º e 28º, nº1, alínea c), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, de decisão arbitral proferida no processo nº 410/2020-T que correu termos no CENTRO DE ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA (CAAD) e que julgou totalmente improcedente o pedido de anulação dos atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC), relativos ao ano de 2019, bem como dos correspondentes Juros Compensatórios (JC), que perfazem o valor global de € 4.407,49.

A Impugnante termina a sua impugnação formulando as seguintes conclusões:

III. CONCLUSÕES

Sem prejuízo da argumentação supra aduzida, para a qual se remete, da análise à decisão arbitral impugnada resultam as conclusões que sucintamente se expõem:


A. A questão decidenda e seus antecedentes do processo arbitral giram em torno da discussão da (i)legalidade – imediata ou mediata – de 41 (quarenta e um) atos de liquidação de IUC identificados no ANEXO A, junto na p.i., relativamente a 41 (quarenta e um) veículos automóveis, respeitantes aos anos de 2019.


B. Os veículos automóveis em causa foram, através da celebração de contratos de locação financeira («LSG») e de aluguer de longa duração (ALD), cedidos pela Impugnante aos respetivos clientes, os quais adquiriram, no termo de cada contrato, as viaturas sobre as quais incidiam esses contratos, mediante o pagamento residual dos bens locados, acrescidos de despesas e de IVA.


C. Conforme se arguiu no pedido de pronúncia arbitral, apesar de a Impugnante constar como proprietária registada na CRA, após a transmissão dos veículos para os anteriores locatários ou no caso das matrículas XX-XX-PU, 73-XX-XX, XX-XX-87 e XX- ED-XX que, ao contrário do percurso normal, por indiciação expressa do locatário ou por cedência da respetiva posição contratual ou ter ocorrido um sinistro com perda total, o sujeito que veio a adquirir a viatura não coincide com aquele que originariamente celebrou o contrato, não podendo a Impugnante ser considerada sujeito passivo, enquanto anterior proprietária e entidade locadora dessas viaturas automóveis no momento da exigibilidade de cada imposto; juntando, para tanto, contratos e documentos comprovativos das correspondentes transmissões (designadamente, faturas de venda).


D. O n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC seria, na ótica da Impugnante, uma presunção ilidível, sem se deter, todavia, nas alterações legislativas sentidas nesta matéria.


E. Tendo o processo arbitral seguido os seus trâmites normais, o Tribunal Arbitral proferiu decisão no dia 10 de Maio de 2021, nos termos da qual julgou «totalmente improcedente o pedido de declaração da ilegalidade dos actos de indeferimento das reclamações graciosas, e dos quarenta e um actos de liquidação de IUC que lhe subjazem»– i.e., os atos de liquidação de IUC respeitantes ao ano de 2019.


F. É este segmento decisório que peca, com o devido respeito, por ter sido concebido e construído com total e manifesto desrespeito formal e material pelos deveres de pronúncia do Tribunal e pelos princípios da tutela jurisdicional efectiva e do acesso aos tribunais, ambos com assento constitucional e intrínsecos à administração da justiça [cfr. n.º 2 do artigo 608.º do CPC ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, n.º 1 do artigo 9.º da LGT, artigo 20.º e n.º 4 do artigo 268.º, ambos da CRP].


G. Isto porque relativamente à questão da inconstitucionalidade da interpretação normativa que a Impugnante submeteu à apreciação do Tribunal Arbitral – a de que o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC quando aplicado de acordo com o entendimento de que o proprietário registado na CRA é, sem exceções, o sujeito passivo do imposto, independentemente de ser o seu proprietário jurídico e económico, v.g., causador do prejuízo ambiental e viário que este tributo visa justamente (onerar ou) compensar, viola brutalmente o princípio da equivalência ínsito no artigo 13.º da CRP.


H. QUESTÃO ESTA QUE O TRIBUNAL A QUO SIMPLESMENTE NÃO SE PRONUNCIOU.


I. Com efeito, perscrutado o segmento decisório que aqui se impugna, constatamos que o mesmo é completamente omisso quanto à eventual inconstitucionalidade suscitada pela Impugnante, o qual, o Tribunal tinha o poder-dever de conhecer –, pelo que se instaura o presente pedido de impugnação da decisão arbitral, com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT.


VEJAMOS, ENTÃO, ESTE FUNDAMENTO DE IMPUGNAÇÃO:


J. De acordo com o n.º 2 do artigo 608.º do CPC inteiramente aplicável ao processo arbitral, «[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».


K. Decorre do exposto que, por um lado, o Tribunal Arbitral só poderá conhecer das questões suscitadas pelas partes, salvo as de conhecimento oficioso, e, por outro, tem de conhecer de todas as questões suscitadas, salvo aquelas que se encontrem em relação de prejudicialidade com outras já decididas – vide Acórdão do TCAS de 18- 09-2014, proferido no processo n.º 07647/14.


L. Assim sendo, bem se vê que a omissão de pronúncia – que vem sindicada nos presentes autos – ocorrerá sempre que o Tribunal Arbitral não aprecie de questões que devesse conhecer, porque suscitadas pelas partes – vide, por todos, o Acórdão do TCAS de 05-03-2015, proferido no processo n.º 08065/14.


M. Jorge Lopes de Sousa, vai mais longe, porquanto «mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela».


N. Em jeito de conclusão, e por sintetizar tudo o que vem dito, vide o Acórdão do TCAS de 19-07-2017, proferido no processo n.º 9499/16 e para o qual se remete.


O. No caso sub judice, salvo o devido respeito, é por demais evidente que nos encontramos perante uma flagrante omissão de pronúncia - é assim porque a Impugnante peticionou a declaração de ilegalidade dos atos tributários por entender que o n.º 1 do artigo 3.º do Código da IUC consagra (e sempre consagrou) uma presunção ilidível; e caso se entendesse que o sujeito passivo do imposto deveria ser necessariamente a pessoa em nome da qual se encontre registada a propriedade do veículo automóvel junto da CRA, incluídas as entidades locadoras, mesmo quando ocorrida a transmissão daquele para outrem, sem admitir prova em contrário, então esta interpretação normativa, nesses exatos termos, contrariaria frontalmente o princípio da equivalência, violando, portanto, o postulado no artigo 13.º da CRP.


P. Em rigor, e no que respeita às liquidações referentes ao ano de 2019, o Tribunal Arbitral somente se pronunciou quanto à primeira questão, na medida em que, percorrido o iter argumentativo do segmento decisório impugnado, concluiu somente que o artigo 3.º do Código do IUC, após a alteração legislativa operada pelo DecretoLei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, «não contempla uma presunção», cuja ilisão a afaste da incidência do imposto.


Q. Já quanto à segunda questão, não tendo o segmento decisório impugnado dedicado uma singela palavra à potencial inconstitucionalidade da aplicação e da interpretação daquele preceito legal – convencido de que a alteração legislativa motivada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, teve o intuito de afastar a presunção ilidível que existia até então –, incorreu, com o devido respeito, em manifesta omissão de pronúncia, pois esquivou-se de apreciar uma das questões levantadas pela Impugnante, quando sobre ele impendia um acrescido dever de pronúncia.


E NEM SE DIGA QUE NÃO TINHA ESTE DEVER PELA SEGUINTE ORDEM DE RAZÕES:


R. Em primeiro lugar, porque, assinaladas as diferenças entre factos e questões, e bem sabendo que só a falta de apreciação das segundas é que constitui a nulidade da decisão arbitral de omissão de pronúncia, segundo cremos, não restam dúvidas de que a desconformidade constitucional trazida à colação pela Impugnante se trata, efetivamente, de uma questão – e não apenas um novo argumento no sentido da inconstitucionalidade.


S. Em segundo lugar, muito embora a inconstitucionalidade até se reconduza a uma questão de conhecimento oficioso, a verdade é que, em todo o caso, a Impugnante suscitou expressamente esta problemática na sua petição inicial, não valendo, por isso, a construção argumentativa de que, não tendo o Tribunal Arbitral se pronunciado sobre a mesma, este entendeu implicitamente que a sua resolução não seria relevante para a boa decisão da causa.


T. Em terceiro lugar, importa não olvidar que esta questão foi suscitada «durante o processo», tal como prescrevem a alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP e a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro – vide, por exemplo, Acórdão do TCAS de 15-09- 2016, proferido no processo n.º 09210/15.


U. Em quarto lugar, porque não se trata de uma questão cuja apreciação devesse (ou pudesse sequer) ser precludida por motivos de alegada prejudicialidade.


V. Tanto que do exame do segmento decisório impugnado é forçoso concluir que, na fundamentação de tal segmento, o Tribunal Arbitral não faz qualquer menção, e muito menos, analisa e aprecia a questão de inconstitucionalidade invocada pela Impugnante na sua petição inicial, sendo que o conhecimento da mesma não se encontra prejudicado pela resolução das demais questões escrutinadas pelo Tribunal – vide, por todos, Acórdão do TCAS de 22-10-2015, proferido no processo n.º 08101/14.


W. Chegados aqui, e tendo presente que é nula, por omissão de pronúncia, a sentença que não se pronuncie sobre questão de inconstitucionalidade, questão essa que além de ser de conhecimento oficioso foi expressamente suscitada pela Impugnante na sua petição inicial, cabe-nos concluir que a conduta omissiva do Tribunal a quo desrespeitou os seus poderes cognitivos, i.e., de conhecer todas as questões suscitadas pelas partes e que se mostram relevantes e úteis para a boa decisão da causa.


X. O segmento decisório que se impugna enferma, assim, de nulidade insanável, exatamente com o alcance previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT que deverá ser lida conjugadamente com as demais disposições legais acima citadas, tais como o n.º 1 in fine do artigo 125.º do CPPT e a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.


IV. DO PEDIDO


NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL SER JULGADA TOTALMENTE PROCEDENTE, POR PROVADA, E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVE SER ORDENADA A ANULAÇÃO DO PROCESSO ARBITRAL QUE ANTECEDE O SEGMENTO DECISÓRIO IMPUGNADO, POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA, NOS TERMOS PREVISTOS NA ALÍNEA C) DO N.º 1 ARTIGO 28.º DO RJAT, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.”



*

Foi ordenada a notificação da AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante Impugnada) para alegar, nos termos consignados no art.º 144.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 27º, n.º 2, do RJAT, tendo sido apresentadas contra-alegações, nas quais foram formuladas as seguintes conclusões:

Termos em que formulamos as seguintes conclusões:
21º.

A Recorrente não tem qualquer razão nos fundamentos que invoca, sendo claro que a decisão arbitral objecto de recurso não padece do alegado vício de omissão de pronúncia.
22º.

Aliás, o que a A. realmente impugna – não o podendo fazer -, é o sentido da decisão arbitral, que lhe foi desfavorável, procurando, de alguma maneira, para atingir este objectivo, identificar o vício típico que poderia justificar, face à lei, a possibilidade de impugnação da decisão.
23º.

Não existe qualquer vício de violação do princípio do inquisitório, que aliás é de alegação dificilmente compreensível. As partes tiveram as mesmas oportunidades ao longo


de todo o processo, tendo a A. apenas descoberto que existia uma alegada violação do princípio do inquisitório quando foi notificada da decisão desfavorável.
24º.

É assim evidente que o Tribunal Arbitral explicitou com exactidão todos os fundamentos de facto e de direito da sua decisão, tendo decidido em função de todos os elementos de prova de que dispunha.
25º.

Todos os factos considerados provados e não provados, bem como os testemunhos prestados, foram devidamente ponderadas na decisão arbitral.
26º.

A decisão considera que o art.º 3.º, n.º 1, do CIUC, consagra uma presunção ilidível, simplesmente que a A. foi incapaz de fazer a suficiente provar de contrariar os elementos constantes do registo automóvel da propriedade dos veículos em seu favor.

Nestes termos, e nos demais que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser julgado totalmente improcedente o presente recurso, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade recorrida do pedido.”
*

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, te Tribunal Central Administrativo Sul teve vista dos autos, nos termos do artigo 146º do CPTA.



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Delimitação do objeto do recurso

Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (artigo 639º do Código de Processo Civil (CPC)) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

Assim, atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se:

- A decisão arbitral padece de nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que não se pronunciou sobre a inconstitucionalidade arguida na petição inicial e reiterada nas suas alegações finais.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De facto

A decisão arbitral impugnada apresenta o teor que infra se transcreve:


I - Relatório

1. BANCO S...................PORTUGAL, SA., sociedade anónima matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva 50.........., com sede na Rua C....................-073 Lisboa, apresentou, em 05.02.2020, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos art.s 2.º, 10.º e seguintes do DL 10/2011, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), em conjugação com o artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade de 41 (quarenta e um) actos de liquidação de imposto único de circulação (IUC), relativos aos anos de 2019, no valor global de € 4.407,49, acrescido de juros compensatórios, bem como do acto de indeferimento de reclamação graciosa daqueles actos de liquidação e do respectivo reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06.02.2020.

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 6.º/2 a) e 11.º/1 b) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

5. Em 29.09.2020 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

6. Em conformidade com o preceituado no art. 11.º/1 c) do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 29.10.2020.

7. O Tribunal Arbitral encontra-se, portanto, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.



8. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

a. A Requerente é uma instituição de crédito especializada no financiamento ao sector automóvel, sendo que parte substancial da sua actividade se reconduz à celebração – entre outros – de contratos de locação financeira e de aluguer de longa duração destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis.

b. Os veículos automóveis a que se referem as liquidações objecto do pedido arbitral foram dados em locação financeira (LSG) e aluguer de longa duração ALD.

c. Quase todos os clientes naqueles contratos adquiriram, no termo do respectivo contrato, o veículo automóvel sobre o qual o mesmo incidia, mediante o pagamento do valor residual do bem locado, acrescido de despesas e IVA.

d. No que se refere aos veículos com as matrículas XX-XX-PU e 73-XX-XX, não se verificou essa aquisição pelo cliente no respectivo termo do contrato por ter havido cessão da posição contratual, ou por ter sido emitida factura em nome de terceiros – o que fez com que os sujeitos que vieram a adquirir aquelas viaturas não coincidem com aqueles que originariamente celebraram o contrato (ou seja, com o anterior locatário).

e. Relativamente aos veículos automóveis com as matrículas XX-XX-87 e XX-XX-46 ocorreu a perda total do mesmo na sequência de sinistros ocorridos antes do término do contrato, pelo que não foram transmitidos para os correspondentes locatários, mas antes para a esfera das Seguradoras com quem tinha sido celebrados os contratos de seguro.

f. Assim sendo, nos meses relevantes dos anos a que reportam os actos tributários em análise, a propriedade de cada um dos veículos automóveis em causa havia sido transmitida para os seus anteriores locatários ou (por ocorrência de um sinistro, cedência da posição contratual ou por indicação expressa do locatário) para terceiros.

g. A Requerente não pode, por isso, ser responsável pelo pagamento do IUC, pois já não era proprietária dos veículos a que se reportam as liquidações de imposto, já que a propriedade de cada um dos veículos havia sido transmitida para os seus anteriores locatários ou, em alternativa, por ter havido cessão da posição contratual, para um terceiro.

h. Não obstante, a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento dos IUC (o que veio a fazer) sabendo, ou devendo saber, que os veículos em causa não eram propriedade desta no momento em que os impostos deveriam ser pagos.

i.O fundamento invocado pela AT nos procedimentos graciosos assenta no facto de a propriedade dos veículos automóveis em causa estar ainda registada na CRA em nome da Requerente nos anos em que se tornaram exigíveis aqueles IUC (apesar de os mesmos já terem sido alvo de transmissão) pelo que a falta de registo dos novos proprietários no momento da exigibilidade dos IUC determina que estes sejam assacados à Requerente.


j. Ora, se a jurisprudência arbitral tem maioritariamente realçado que nem mesmo durante a vigência de um LSG ou de um ALD deve a entidade locadora ser considerada sujeito passivo de IUC, por maioria de razão menos ainda deve ser atribuída a incidência subjectiva desse imposto quando, após o término do contrato, o locatário exerce o seu direito a adquirir o bem locado pelo valor residual, acrescido de despesas e IVA.

k. O sujeito passivo do IUC não deve ser aquele que consta como proprietário no registo automóvel à data do facto tributário do imposto se essa não é a realidade de facto, por ter havido uma transferência de propriedade.

l. Não pode, assim, aceitar-se que o n.° 1 do artigo 3. ° do Código do IUC estabelece uma presunção inilidível de incidência subjectiva porque os efeitos do registo automóvel e o princípio da equivalência não apontam nessa direcção e porque esta proposta hermenêutica não se coaduna com os elementos gerais da interpretação das leis, nos termos dos artigos 11.º da Lei Geral Tributária e 9.° do Código Civil.

m. De facto, o registo de propriedade automóvel não é condição de eficácia do contrato de compra e venda do veículo, mas tem somente de eficácia declarativa por estarmos no domínio dos contratos com eficácia real, ou seja, contratos cuja celebração desencadeia um efeito real (a transmissão, constituição, modificação ou extinção de um direito real) que, de acordo com o art. 408.°, n.° 1, do Código Civil, se produz por mero efeito do contrato.

n. A sujeição dos veículos automóveis a registo persegue objectivos de publicidade da situação jurídica dos mesmos estabelecendo uma dupla presunção: por um lado de que o direito existe nos precisos termos em que o registo o define, e por outro, de que aquele direito pertence ao titular a favor de quem o mesmo está registado.

o. Estas presunções são ilidíveis mediante prova em contrário, como resulta expressamente do art. 350.º/2 do Código Civil.

p. O registo da aquisição da propriedade por parte dos locatários tem, portanto, um valor meramente declarativo e não constitutivo, isto é, a inscrição da compra do veículo no registo por parte do novo proprietário não é condição de validade nem da produção do efeito translativo típico do contrato de compra e venda.

q. Embora a lei estipule que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo (art. 5.º/1 do Código do Registo Predial), terceiros, para efeitos de registo são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si (art. 4.º/4 do mesmo diploma) – ou seja, a falta de registo gera uma (mera) ineficácia relativa, tornando essa aquisição inoponível a um terceiro que venha a adquirir do mesmo vendedor um direito total ou parcialmente incompatível com o direito inicialmente adquirido pelo primeiro comprador (que não efectuou o registo); esta ineficácia relativa da aquisição não prejudica, todavia, a efectiva transmissão do direito de propriedade para a esfera jurídica do comprador (ainda que parcialmente inoponível a certas pessoas), o qual se tornou proprietário por efeito da celebração do respectivo contrato de compra e venda.


r. Assim sendo, uma vez celebrado o contrato de compra e venda do veículo locado a favor do locatário, este adquire a propriedade do mesmo por mero efeito do contrato, e, concomitantemente, a qualidade de sujeito passivo do IUC (agora já não como locatário titular de uma opção de compra, mas como proprietário de pleno direito). Se o proprietário não proceder de imediato ao registo da propriedade a seu favor, presume-se que a propriedade continua a pertencer ao vendedor (art. 7.º do CRP), mas esta presunção é relativa, ou seja, pode ser afastada mediante prova em contrário.

s. Administração Fiscal não preenche os requisitos legais do conceito de terceiro para efeitos de registo, pelo que não pode exigir ao vendedor o pagamento do imposto devido pelo comprador (proprietário) a partir do momento em que a presunção do art. 7.º seja afastada mediante a prova da respectiva venda (artigo 73º da LGT).

t. Acresce que o princípio da equivalência consubstanciado no art. 1.º CIUC impõe que o sujeito passivo do imposto seja o real proprietário do veículo e não o proprietário registado, uma vez que será o primeiro que causa os custos ambientais e viários que este tributo comutativo visa compensar.

u. Deve ainda ter-se em consideração o facto de o legislador sempre ter consagrado a presunção dos sujeitos passivos do imposto serem as pessoas em nome das quais os veículos automóveis se encontravam registados, mas com carácter ilidível,

v. Até porque retirando-se um facto desconhecido de um facto conhecido – como é o caso – se está necessariamente perante uma presunção (349.º CC), a qual, no plano tributário, admite sempre prova em contrário (art. 73.º LGT).

w. Nesse sentido, a conjugação do n.° 1 do artigo 3.° com o n.° 1 do artigo 6.° do CIUC, explicita que o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional.

x. Por tudo isso, tem de concluir-se que o n.° 1 do artigo 3.° do CIUC configura uma presunção ilidível, permitindo a apresentação de elementos de prova com vista a demonstrar que o titular da propriedade é diverso da pessoa inscrita no registo como tal, constituindo as facturas de venda dos veículos automóveis a prova bastante para tal ilisão.

y. Este entendimento tem sido sufragado pela jurisprudência arbitral (proc. 33/2018-T, 236/2019-T, mesmo após a alteração legislativa introduzida pelo DL 41/2016 de 1.8 (cf. proc. 333/2018-T, 236/2019-T e 283/2019-T)

9. Conclui, por isso, a Requerente pela ilegalidade das liquidações objecto do pedido arbitral, bem como dos aludidos despachos de indeferimento, reclamando ainda o direito a juros indemnizatórios (nos termos do art. 43.º da LGT) e à responsabilização da Requerida pelas custas do processo.

10. Por seu turno, a Requerida veio, em resposta, alegar, em síntese:



a. Até á alteração introduzida pelo DL 41/2016 de 1.8 (autorizado pela L 7-A/2016 – Orçamento de Estado para 2016) a jurisprudência arbitral entendia que, á luz do art. 3.º do CIUC, o contribuinte podia demonstrar que, ainda que constasse do registo automóvel como titular do direito de propriedade sobre o veículo em causa, não era efectivamente o titular desse direito à liquidação.

b. O legislador fiscal entendeu, todavia, alterar aquela norma, esclarecendo definitivamente, que a tributação incide sobre o titular do direito de propriedade do veículo automóvel, tal como se encontra no registo automóvel.

c. Essa alteração decorreu do DL 41/2016 de 1.8 que explicita no seu preâmbulo tal intenção e introduz no referido art. 3.º/1 do CIUC uma nova redacção determinando agora serem sujeitos passivos as pessoas singulares ou colectiva de direito público ou privado em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.

d. Deixou, por isso, de se estabelecer qualquer presunção legal, fixando-se a incidência sobre a pessoa que detém o registo da propriedade automóvel.

e. Ora, no caso, as liquidações de IUC reportam-se ao período de 2019 – posteriores à alteração em causa, que retirou da norma em questão a expressão considerando-se como tal, sobre a qual assentava a presunção.

f. Os termos actuais do artigo 3.º/1 do CIUC são peremptórios: a incidência do IUC recai sobre a pessoa cujo nome figura no registo automóvel, sendo, por conseguinte, indiferente para efeitos de tributação se tal pessoa é, ou não, o proprietário de facto.

g. A incidência apenas pode, portanto, ser afastada através das entidades competentes e pelos meios legais previstos, ou seja, junto do Instituto da Mobilidade Terreste e do Instituto dos Registos e Notariado, mediante a regularização da realidade registral – tal como o tribunal arbitral tem decidido (cf. proc.os 462/2019-T, 557/2019-T, 821/2019-T e 61/2020-T).

h. Não colhe também o argumento da Requerente no sentido de existir qualquer falta de fundamentação, sendo que a necessidade da mesma varia consoante o tipo legal de acto administrativo em concreto, e, a existir deveria ter solicitada pela Requerente a emissão da certidão prevista no art. 37.º do CPPT.

i. Não tendo a Requerente usado daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que os actos sub judice continham, e contêm, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que padecia ficou sanado.

j. Por outro lado, os documentos que a Requerente junta para ilisão de pretensa presunção não provam de forma clara e inequívoca que ocorreu a transmissão do veículo e consequentemente da propriedade do mesmo, não sendo junto um único extracto financeiro ou cheque que prove que as facturas foram pagas ou que os contratos foram cumpridos a


que acresce o facto de as facturas não serem aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático.

k. A interpretação da Requerente mostra-se contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação se traduz na violação do princípio da confiança, do princípio da segurança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade, na medida em que desvaloriza a realidade registral em detrimento de uma realidade informal e insusceptível de um controlo mínimo por parte da AT.

l. Os actos tributários em crise são, por isso, válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, pelo que, não ocorreu in casu qualquer erro imputável aos serviços, não estando, em qualquer circunstância, reunidos os pressupostos legais que conferem o direito peticionado a juros indemnizatórios.

11. Em 16.03.2021 o tribunal arbitral dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT bem como a bem como a apresentação de alegações escritas.

II. Saneamento

12. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

13. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (art. os 4.º e 10.º/2 do RJAT e art. 1.º da Port.ª 112-A/2011, de 22.3).

14. A cumulação de pedidos é legal (art. 3º/1 do RJAT).

III. Matéria de facto

Factos provados

15. Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos – tendo presente que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado (cfr.artos . 596.º/1 e 607º/2 a 4, do CPC, na redacção da L 41/2013, de 26.6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. art. 123.º, nº.2, do CPPT)] – consideram-se, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas e provados os seguintes factos:

A. A Requerente é uma instituição de crédito, assumindo especial relevância, na sua actividade comercial, o financiamento ao sector automóvel, designadamente através da celebração de contratos de locação financeira e de aluguer de longa duração.

B. A Requerente foi notificada de quarenta e um actos de liquidações de IUC, relativos ao ano de 2019, no montante global de € 4.407,49 conforme Anexo A, junto ao pedido inicial, tendo apresentado reclamações graciosas contra os mesmos que foram parcial ou totalmente indeferidas (Anexo B).


C. A Requerente emitiu facturas de venda relativamente a todas as viaturas automóveis a que respeitam as liquidações objecto do presente processo, antes da data a que as mesmas respeitam.

D. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto a que respeitam os presentes autos.

16. Os factos foram dados como provados com base no processo administrativo remetido pela Requerida, na análise crítica dos documentos juntos ao processo.

Factos não provados

17. Não há factos relevantes para esta decisão arbitral que não se tenham provado.

III. Matéria de Direito

18. A questão de fundo a apreciar no presente processo reside na interpretação a dar ao art. 3.º/1 do CIUC no sentido de apurar se a norma de incidência subjectiva nele contida estabelece uma presunção legal juris tantum – susceptível de ilisão – ou se, pelo contrário, contém uma definição expressa e intencional da incidência pessoal, no sentido de que é necessariamente sujeito passivo do imposto aquele em nome de quem o veículo automóvel está registado como proprietário.

19. A todas as liquidações se aplica a actual redacção da referida norma (art. 3.º/1 CIUC), que entrou em vigor em 02.08.2016 (DL 41/2016 de 1.8).

20. Dispõe essa norma que [s]ão sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.

21. Sustenta a Requerente que ao retirar um facto desconhecido de um facto conhecido a nova redacção estabelece necessariamente uma presunção, ao passo que a AT considera que a nova recção deixou de consagrar qualquer presunção legal, impedindo os aqueles que constam no registo como proprietários de afastarem a incidência do IUC alegando a transmissão da propriedade.

22. Esta questão já foi objecto de várias decisões do CAAD (cf. proc.os 256/2020-T, 90/2020- T, 557/2019-T, 658/2018-T).

23. Parece claro que a alteração dos termos do art. 3.º do CIUC visou determinar que a incidência subjectiva do IUC recai sobre a pessoa em nome da qual está registada a propriedade do veículo, seja ela ou não o seu proprietário e/ou possuidor (Ac. TCA Norte de 21.2.2019, proc. n.º 00611/13.4BEVIS).

24. De facto, o legislador ao alterar o art. 3.º CIUC pelo DL 41/2016 de 1.8 não tinha a intenção de introduzir uma presunção legal, mas, antes, uma ficção legal, através da qual estabelece que o facto ou situação a regular é ou se considere (como se

juridicamente fosse) igual àquele facto ou situação para que já se acha estabelecido um regime na lei. Trata-se da assimilação fictícia de realidades factuais diferentes, para efeito de as sujeitar ao mesmo regime jurídico (Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra: Almedina, 1983, p. 108).

Assim sendo, acolhendo-se a jurisprudência que se vem firmando nos Tribunais superiores e no CAAD quanto à incidência subjectiva do imposto na nova redacção do n.º 1 do art. 3.º do CIUC (redacção que se aplica às liquidações aqui em causa), não pode deixar de concluir-se pela legalidade das ora questionadas liquidações de IUC bem como das decisões de indeferimento das correspondentes reclamações graciosas.

26. Nestes termos, mostra-se inútil proceder à apreciação das questões suscitadas pela Requerente relativas à prova de que, à data da ocorrência do facto gerador e exigibilidade do imposto, as viaturas a que este respeita já lhe não pertenciam por terem sido transmitidas a terceiros; ficando, também, prejudicada a apreciação do pedido de juros indemnizatórios.

IV. Decisão

Em face do supra exposto, decide-se

1. Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração da ilegalidade dos actos de indeferimento das reclamações graciosas, e dos quarenta e um actos de liquidação de IUC que lhe subjazem;

2. Condenar a Requerente no pagamento integral das custas do presente processo.

V. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 4.407,49 (quatro mil quatrocentos e sete euros e quarenta e nove cêntimos) nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.ºA do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º/1 a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º/2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VI. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 612.00 (seiscentos e doze euros), a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º/2, e 22.º/4, do RJAT, e artigo 4º, n. º5, do RCPAT.”

*

II.2. De direito

In casu, o Impugnante não se conforma com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 410/2020-T que julgou improcedente o pedido formulado de anulação dos


atos de liquidação de IUC referentes aos anos de 2019, bem como os correspondentes juros compensatórios.

O Impugnante assaca à decisão impugnada a nulidade da mesma por omissão de pronúncia, alegando que suscitou a questão da inconstitucionalidade da interpretação normativa do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC, quando aplicado de acordo com o entendimento de que o proprietário registado na CRA é, sem exceções, o sujeito passivo do imposto, independentemente de ser o seu proprietário jurídico e económico, v.g., causador do prejuízo ambiental e viário que este tributo visa justamente (onerar ou) compensar, por violar o princípio da equivalência ínsito no artigo 13º da CRP.

Em termos de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, introduzido pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) o expediente processual de reação à decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consiste na dedução de impugnação, consagrada no artigo 27.º, com os fundamentos enunciados, taxativamente, no artigo 28.º, nº 1 e que infra se enumeram:

a-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b-Oposição dos fundamentos com a decisão;

c-Pronúncia indevida ou omissão de pronúncia;

d-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º, nº 2.

Subsumindo-se a arguida nulidade, na alínea c) do citado normativo, vejamos, então, se a mesma procede.

No que tange à omissão de pronúncia dispõe o artigo 125º, n. º1 do CPPT, que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

A nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

As questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas

Cumpre salientar que as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615º, nº 1, alínea d), do CPC.

Vejamos, então, se assiste razão à Impugnante.

Sucede que sobre esta mesma questão já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Sul, ao apreciar uma situação em tudo similar à que aqui nos ocupa, no Acórdão proferido em 2024-03-14, no processo n.º 77/19.5BCLSB, jurisprudência na qual nos revemos inteiramente e considerando o comando constante do nº 3 do artigo 8º do Código Civil (CC) – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito - acolhemos o decidido naquele Acórdão, aderindo integralmente ao seu discurso fundamentador, aqui aplicável, com as devidas adaptações, passando a transcrever-se os fundamentos da decisão ali proferida sobre esta matéria:

« O Impugnante propugna que a decisão arbitral sub judice é ilegal por manifesta omissão de pronúncia, visto que no pedido de constituição do tribunal arbitral, pugnou pela ilegalidade dos atos de liquidação por três ordens de razões, concretizando as mesmas da seguinte forma:

a. A presunção constante do n.° 1 do artigo 3.° do Código do IUC consagra uma presunção ilidível;

b. Assumindo-se essa natureza, ter-se-á que admitir como prova inequívoca para o efeito as faturas emitidas pela Impugnante aquando da venda dos referidos veículos automóveis aos antigos locatários-subsequentes proprietários.

c. Não sendo assumida essa natureza de presunção ilidível tal interpretação traduz uma violação do princípio da equivalência, contrária, portanto, ao disposto no artigo 13.º da CRP.

Conclui, assim, que não se tratando de argumento, nem de questão cuja apreciação devesse ser precludida por motivos de prejudicialidade, sendo inequívoca a invocação, expressa, da inconstitucionalidade e não tendo a mesma sido objeto de análise, dimana perentório que a decisão impugnada padece de omissão de pronúncia.

Comecemos, então, por atentar no teor da petição inicial.

No pedido de pronúncia arbitral o, ora, Impugnante estrutura a sua alegação em vários itens, reportando-se o ponto I à contextualização, concretamente, identificação dos atos sobre que recai o pedido arbitral, o ponto II) intitulado de factualidade relevante, na qual são convocadas as realidades de facto que fundam a pretensão da Impugnante, no ponto III), a invocação de falta de fundamentação substancial incorrida pela AT.

Por seu turno, no ponto IV), epigrafado de “Direito”, são densificados os erros sobre os pressupostos de facto e de direito, enunciando-se o respetivo enquadramento normativo, com a correspondente sucessão legislativa, a concreta exposição da incidência subjetiva do IUC, com o inerente escrutínio da tese da presunção inilidível, enumerando as diversas ordens de razão que permitem alicerçar e fundamentar o entendimento de que a redação do artigo 3.º, nº1 do CIUC, com a redação alterada pelo Decreto-Lei nº 41/2016, de 1 de agosto, configura, assim, uma presunção ilidível.

Seguidamente, num outro item atinente ao valor probatório das faturas, materializa o tipo de prova que deve ser valorada, substanciando, nesse e para esse efeito, enquanto elemento idóneo as visadas faturas.

Ulteriormente, num item que epigrafou “da interpretação da AT maximalista da receita tributária e cerceadora do princípio da equivalência”, mediante convocação de doutrina, de subsídios interpretativos e jurisprudência, defende que a interpretação propugnada pela AT, com fundamento na nova redação do nº1, do artigo 3.º do CIUC, supera em larga medida o princípio da praticabilidade, não passando sequer no crivo da proporcionalidade, e por conseguinte, perigando o princípio da equivalência que legitima toda a regulamentação jurídica deste imposto.

Concluindo, assim, que caso o Tribunal venha a concluir pela existência de uma presunção inilidível constante no artigo 3.º do CIUC tal traduz uma violação do princípio da equivalência plasmado no artigo 13.º da CRP, e bem assim da proporcionalidade, em todas as suas dimensões.

Apresenta, depois, um outro ponto que apelida de “Do direito a Juros indemnizatórios e das custas arbitrais”, terminando, in fine, com a intenção de não designar árbitro.

Ora, atentando na descrita sistematização da petição inicial, e concretas causas de pedir, importa, então, analisar o que foi dirimido na decisão arbitral, para depois se aquilatar da concreta omissão de pronúncia.

A decisão arbitral estabeleceu, desde logo, como questão central a dirimir nos autos, determinar se a Requerente deve ou não ser considerada sujeito passivo de IUC quanto aos veículos e período a que o tributo respeita, por, à data da exigibilidade do tributo, se encontrarem já transmitidos a terceiros por contratos de compra e venda, embora na Conservatória do Registo Automóvel permanecessem registados em nome da Requerente.

Concretizando, desde logo, que a posição das partes é diametralmente oposta no atinente à natureza da presunção constante no artigo 3.º do IUC, assentando a posição da Impugnante na sua qualificação como presunção ilidível, admitindo, portanto, prova em contrário, ao invés da propugnada pela AT, que sustenta que na redação dada pelo Decreto-Lei n.° 41/2016, de 01 de agosto, aquele artigo 3.° do Código do IUC, deixou de consagrar qualquer presunção legal.

Após fazer a resenha da posição das partes, a decisão impugnada convoca o respetivo jurídico, a existência de sucessão legal, e ajuíza que “[c]onfrontando a redação anterior do artigo 3.º do CIUC com a que a resulta da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 41/2006, de 01/08, em vigor a partir do dia seguinte ao da sua publicação, bem como com a norma de autorização legislativa, ressalta, desde logo, que o legislador não pretendeu fazer uso daquela autorização na vertente relativa à natureza interpretativa da alteração ao introduzir ao CIUC e que a “clarificação” por ele pretendida passou por afastar do âmbito da incidência subjetiva do IUC o proprietário efetivo da viatura

atribuindo, para o efeito, exclusiva relevância à pessoa que constasse do registo de propriedade independentemente de ser ela ou não a proprietário ou possuidora da viatura no momento da ocorrência do facto gerador e exigibilidade do imposto.”

Convocando, depois, jurisprudência que reputa aplicável ao caso vertente, particularmente, Acórdão do STA proferido no processo n-º 0206/17, de 18 de abril de 2018, e Arestos do TCAN, prolatados nos processos nºs 01270/14.2BEPNF, de 20 de setembro de 2018, 01271/14.0BEPNF, de 03 de outubro de 2018, e sublinhando, neste particular, que não desconhece a existência de “jurisprudência arbitral em sentido diverso que, aliás, a Requerente refere em apoio da pretensão que formula”, a qual, sublinha de forma expressa e perentória, que não acolhe.

Adensando, in fine, que “[c]areceria de sentido a intervenção do legislador, no propósito enunciado de “clarificar” a norma de incidência subjetiva do IUC para que, em sede de interpretação das alterações nela introduzidas, se concluísse que, afinal, tudo ficava na mesma, assim esvaziando de conteúdo a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n,º 41/2016, de 01/08.”

Razão pela qual, conclui, que “[d]ando-se como provado que as viaturas a que respeitam as liquidações questionadas se encontravam, no período de 2017, registadas em nome da Requerente, não pode deixar de concluir-se pela legalidade das questionadas liquidações de IUC bem como das decisões de indeferimento expresso das correspondentes reclamações graciosas.”

Desfechando, enquanto questões prejudicadas, que “[r]esulta inútil a apreciação das questões suscitadas pela Requerente relativamente à prova de que, à data da ocorrência do facto gerador e exigibilidade do imposto, as viaturas a que este respeita já lhe não pertenciam por terem sido transmitidas a terceiros, ficando, igualmente, prejudicada a apreciação do pedido de juros indemnizatórios.”

Ora, face ao supra expendido há, efetivamente, que concluir que, por um lado, a decisão impugnada admitiu que face à aludida alteração legislativa a incidência subjetiva basta-se com o mero registo do direito de propriedade em nome do sujeito passivo, sendo suficiente o nome da pessoa em que se encontra registada a propriedade do veículo independentemente de ela ser ou não a proprietária e possuidora efetiva do veículo no ano a que respeita o IUC, e por outro lado, apenas reputou prejudicada a questão inerente à demonstração da pessoa em que se encontra registado o veículo automóvel não ser, efetivamente, o proprietário do veículo automóvel, por inútil, e os juros indemnizatórios.

Dimana, assim, inequívoco que tendo sido expressamente ajuizado que a norma não se coaduna com a demonstração da posse ou propriedade efetiva do veículo automóvel bastando-se como a inscrição no registo, ou seja, que consagra uma presunção inilidível, estava o Tribunal arbitral vinculado à análise da arguida violação do princípio da equivalência, e sua desconformidade constitucional com o artigo 13.º da CRP.

E a verdade é que, analisando a decisão arbitral resulta evidente que a mesma não emitiu qualquer pronúncia sobre a arguida inconstitucionalidade, nem a julgou, como

visto, prejudicada, na medida em que não resulta do concreto âmbito de delimitação que
concretiza a final, nem, tão-pouco, se pode inferir -entenda-se tacitamente-que a mesma tenha resultado prejudicada, na medida em que a decisão proferida se encontra suportada, justamente, na norma cuja inconstitucionalidade vinha suscitada pelo Impugnante como desconforme com os princípios constitucionais invocados.

Acresce sublinhar, neste âmbito, que a alegação de que uma determinada disposição legal, interpretada num determinado sentido é inconstitucional, não pode ser entendida como um mero argumento, mas sim como uma verdadeira questão2 .
2 Vide, neste âmbito, designadamente, os Acórdãos proferidos pelos TCAS, no âmbito dos processos nº 166/17, de 14.01.2021 e 141/19, de 07.05.2020.

E por assim ser, concluindo-se, como supra expendido, que foi arguida pelo Impugnante a questão de inconstitucionalidade de uma norma (artigo 3.º, nº1 do CIUC) e tendo o Tribunal Arbitral fundado a sua decisão na aplicação dessa concreta norma, impunha-se que a tivesse apreciado ou a julgasse-bem ou mal independentemente desse acerto- prejudicada.

Logo, não o tendo feito, há que concluir que o Tribunal Arbitral violou o dever de pronúncia que sobre si recaía e, consequentemente, a Decisão Arbitral padece de nulidade por omissão de pronúncia.

E por assim ser, há que julgar, a final, integralmente procedente a presente Impugnação da Decisão Arbitral

Assim sendo, também aqui, há que julgar totalmente procedente o recurso interposto e declarar nula a decisão recorrida, nessa parte.

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III - DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, julgar procedente a presente impugnação e, em consequência, anular a decisão arbitral, no segmento impugnado, e ordenar a baixa dos autos ao Centro de Arbitragem Administrativa, com todas as legais consequências.


Sem custas.

Registe e notifique.


Lisboa, 26 de setembro de 2024.

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[Maria da Luz Cardoso]
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[Rui A. S. Ferreira]
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[Margarida Reis]